Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:138/18.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA
DECLARAÇÃO DE IRC DE SUBSTITUIÇÃO
PRAZO
DECISÃO ADMINISTRATIVA OU SENTENÇA SUPERVENIENTE
Sumário:I - Em caso de decisão administrativa ou sentença superveniente, o prazo previsto no nº2 do artigo 122º do CIRC conta-se a partir da data em que o declarante tome conhecimento da decisão ou sentença.

II - No caso, foi na impugnação que se apreciou primeira e definitivamente a legalidade da liquidação. Como tal, era a partir de tal decisão, imodificável, que a Autora podia, e devia, lançar mão da prerrogativa concedida quanto ao alargamento do prazo de apresentação das declarações de substituição.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A.............. – PLANEAMENTO, …………………….., S.A., com os demais sinais nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria a presente ação administrativa, pedindo a anulação do despacho da Diretora–Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, proferido em 23/11/17, no âmbito do Recurso Hierárquico nº …………….261, que considerou extemporânea a entrega das declarações de substituição da Modelo 22 do IRC, relativas aos exercícios de 2004, 2005, 2007 e 2009, bem como a prolação de decisão administrativa que reconheça que apresentou atempadamente essas declarações substitutivas, nas quais refletiu o pagamento da SISA.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, por sentença de 29/06/22, julgou a presente ação improcedente, com a consequente absolvição da R. do pedido.

Inconformada com tal sentença, a Autora, ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, tendo finalizado a sua alegação com o seguinte quadro conclusivo:

«A) No âmbito dos não estamos a discutir imposto não pago.

B) Pelo contrário estamos a falar de IMPOSTO PAGO A MAIS porque a Autoridade Tributária se socorreu de um subterfúgio para não considerar GASTO os €624.139,66 que a recorrente despendeu com o pagamento da SISA.

C) O objeto do recurso tem que ver com “...o momento em que se inicia o prazo de um ano para a entrega da declaração de substituição em caso de sentença superveniente...”

D) O tribunal “a quo” decidiu que o inicio do prazo para a entrega das declarações de substituição se iniciou na data do trânsito em julgado da impugnação judicial, e “...considerou extemporâneas as declarações de substituição...” (antepenúltima linha, último parágrafo da p. 9 da sentença) porque na data em que estas foram entregues (11/05/2011) já tinha decorrido mais de um ano.

E) A recorrente entende que o prazo de um ano apenas se iniciou com o trânsito em julgado da decisão final sobre a oposição à execução fiscal, que foi lhe notificada em 28/9/2010, pelo que na data em que foram entregues as declarações de substituição – 11/5/2011 - ainda não tinha expirado o prazo de um ano previsto no nº 4 do artigo 122 do CIRC.

F) A decisão do tribunal recorrido está inquinada pela forma como avaliou a matéria de facto e decidiu de direito.

G) A entidade recorrida “errou” na apreciação da matéria de facto porque omite factos relevantes.

H) Nomeadamente:

a) a data do trânsito em julgado das sentenças supervenientes. Essas datas são relevantes porque o prazo de 1 ano para a entrega das declarações de substituição é contado a partir do trânsito em julgado das sentenças supervenientes.
b) o facto do Serviço de Finanças Amadora 3 só ter notificado a recorrente para proceder ao pagamento da divida exequenda, depois do trânsito em julgado da sentença que decidiu a oposição à execução fiscal. Esse facto é relevante;
i) porque confirma que a sentença superveniente que o Serviço de Finanças 3 relevou para efetuar a cobrança coerciva foi a proferida no âmbito do processo de execução fiscal.
ii) Porque os gastos de natureza fiscal para serem dedutíveis têm de estar comprovados documentalmente – nº 3 artigo 23 do CIRC. Ora o documento do pagamento da SISA só foi emitido depois de obtida a sua efetiva cobrança, que ocorreu após o trânsito em julgado – 11/11/2010 - do acórdão do TC 629/10 - que decidiu em definitivo a oposição.

I) Estes factos influenciam a solução de direito na medida em que:

a) confirmam que a sentença superveniente que foi condição para a efetivação da cobrança coerciva, foi a que decidiu em definitivo a oposição à execução fiscal.

b) Infirmam a relevância que o tribunal “a quo” deu à sentença – acórdão do TC 736/08 - que decidiu em definitivo a impugnação judicial, cujo trânsito em julgado ocorreu em 14 de Novembro de 2008.

J) A entender-se, como é de direito que a sentença superveniente relevante – acórdão TC 629/10 - é a que decidiu em definitivo a oposição à execução, cujo trânsito em julgado ocorreu em 11/11/2010, conclui-se que:

a) Foram apresentadas tempestivamente as declarações de substituição entregues a 11 de Maio de 2011 uma vez que ainda não se tinha esgotado o prazo legal de um ano para a sua apresentação.

b) Na data em que foram apresentadas as declarações modelo 22 – 11 de Maio de 2011 – ainda não se tinha verificado a caducidade do direito de apresentação das declarações de substituição previsto no artigo 122 do CIRC.

K) A sentença recorrida “erra“ ainda na forma como aprecia de direito, nomeadamente pela forma como interpreta o artigo 122 do CIRC.

L) A interpretação do tribunal “a quo” não tem correspondência na letra da lei.

M) No nº 3 do artigo 122 do CIRC está dito: “... em caso de sentença superveniente ... o prazo conta-se a partir da data em que o declarante tome conhecimento da sentença.”.

N) O legislador fala genericamente da “sentença”. Em nenhum momento:

a) Especifica qual o tipo ou refere a natureza de processo em que é proferida.

b) Circunscreve à sentença proferida em processo judicial em que se discuta a legalidade da divida exequenda.

O) Caso o legislador tivesse intenção de associar a natureza do processo teria dito:

a) “sentença proferida em processo de impugnação judicial”

Ou,

b) em alternativa sentença que decida a questão da legalidade da divida exequenda.

P) Se ponto de vista literal é óbvio que a interpretação do tribunal recorrido não tem qualquer apoio na letra da lei, o mesmo ocorre quando avaliada em função do espirito do legislador.

Q) Do ponto de vista do espírito do legislador, não é compaginável com a coerência do sistema jurídico, uma interpretação que confira mais direitos aos contribuintes que impugnam as liquidações, que aos contribuintes que optam pela oposição à execução fiscal.

R) Até porque os fundamentos da oposição fiscal e da impugnação judicial não só são diferentes, como se excluem.

S) Na verdade a interpretação do tribunal “a quo” implica não só uma menorização dos fundamentos da oposição fiscal, mas sobretudo uma compressão inaceitável do direito dos exequentes.

T) Também, interpretação do artigo 122 do CIRC no sentido que para efeitos de apresentação das declarações de substituição só relevam as sentenças proferidas no âmbito dos processos em que se discute a legalidade da divida exequenda de (impugnação judicial) viola o princípio constitucional da igualdade previsto artigo 13 da CRP, já que confere mais direitos aos contribuintes que impugnam, que aos contribuintes que deduzem oposição à execução fiscal.

Termos em que, com os fundamentos invocados deve o presente recurso ser declarado procedente e em conformidade anulada a sentença recorrida.»


*


Não há registo de contra-alegações.

*


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, nada disse

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

*


II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1) Por ofício n.º 3073 de 19/2/2004, o Serviço de Finanças Amadora 3 notificou a Autora para, no prazo de quinze dias, proceder ao pagamento de 598.557,48€, relativo a imposto de SISA, acrescido de 25.582,18€ de juros compensatórios, por efeito da alienação do prédio rústico inscrito na matriz rústica da freguesia da D........... sob o artigo …., secção A (notificação e liquidação juntas com o processo administrativo apenso, doravante p. a., a p. 66, numeração sitaf).

2) A Autora não pagou a liquidação mencionada no ponto precedente, pelo que o Serviço de Finanças Amadora 3 instaurou o processo de execução n.º …………..045, para o qual citou a Autora (citação junta com o p. a. a p. 66, numeração sitaf).

3) A Autora, impugnou a liquidação de SISA mencionada em 1), impugnação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra com o n.º de processo 706/04.5BESNT (petição inicial e sentença juntas com a p. a. a p. 66, numeração sitaf).

4) A Autora opôs-se à execução fiscal mencionada em 2), que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra com o n.º de processo 386/09.1BESNT (petição inicial e sentença juntas com a p. a. a p. 147, numeração sitaf).

5) A decisão final sobre a impugnação judicial, acórdão n.º 542/2008 do Tribunal Constitucional, foi notificada à Autora por ofício datado de 13/11/2008 (ofício de notificação e acórdão juntos com o p. a. a p. 147 e 188, numeração sitaf).

6) A decisão final sobre a oposição à execução fiscal, decisão sumária n.º 399/2010 do Tribunal Constitucional, foi notificada à Autora por ofício datado de 28/9/2010 (ofício de notificação e acórdão juntos com o p. a. a p. 188, numeração sitaf).

7) Em 11/5/2011, a Autora entregou declarações modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de substituição para os exercícios de 2004, 2005, 2007 e em 20/11/2013 para o exercício de 2009 (acordo decisão do recurso hierárquico interposto pela Autora e requerimento eletrónico enviado pela Autora juntos no p. a. a p. 66, numeração sitaf).

8) Por ofício n.º 14769 de 7/12/2015, a Autora foi notificada da não produção de efeitos das declarações de substituição mencionadas no ponto precedente, por entregues extemporaneamente (ofício junto com o p. a. a p. 66, numeração sitaf).

9) Em 18/12/2015, deu entrada o recurso hierárquico interposto pela Autora, da decisão de não produção de efeitos das declarações de substituição entregues (p. a. a p. 66 numeração sitaf).

10) Por despacho da Diretora-Geral da Autoridade Tributária, datado de 23/10/2017, o recurso hierárquico interposto pela Autora foi indeferido (despacho junto com a p. a. a p. 248, numeração sitaf).

11) Por ofício datado de 25/10/2017, a Autora foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto (fls. 9 do processo físico).

12) A presente ação administrativa foi remetida a Tribunal, por correio eletrónico datado de 25/1/2017 (fls. 1 do processo físico).

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir e o pedido.


*


Os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente das informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório, sendo indicado expressamente em cada número o(s) documento(s) que contribuíram para a extração de tal facto, através da indicação das folhas do processo físico ou do processo administrativo em que o mesmo se encontra.

A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais, sendo de salientar que as informações oficiais, fazem fé, quando devidamente fundamentadas, como sucede nos presentes autos.»


*



- De Direito

No essencial, está em causa saber, no caso concreto, com os seus específicos contornos, qual o momento “em que se inicia o prazo de um ano para a entrega da declaração de substituição em caso de sentença superveniente...”. Trata-se, pois, da interpretação e aplicação do disposto no nº 3 do artigo 122º do CIRC, nos termos do qual “Em caso de decisão administrativa ou sentença superveniente, o prazo previsto no número anterior conta-se a partir da data em que o declarante tome conhecimento da decisão ou sentença”.

As posições das partes assumem-se como discordantes desde o início, perante a oportunidade da apresentação de diversas declarações de substituição da Mod. 22 dos exercícios de 2004, 2005, 2007 e 2009.

Com efeito, a Recorrente, Autora, entende que a data relevante a ter em conta, para efeitos do nº 3 do artigo 122º do CIRC, é a do conhecimento da decisão definitiva de uma oposição à execução fiscal que visava a cobrança coerciva de uma liquidação de SISA; já a AT (em entendimento que veio a ser sufragado pelo TAF de Leiria) considera que o prazo em causa se deve contar do conhecimento da decisão final em sede de impugnação judicial, na qual foi apreciada a legalidade da referida liquidação do imposto de SISA, com repercussões, naturalmente, enquanto gasto/custo para efeitos de liquidação do IRC dos diversos exercícios.

Assim, uma vez que a decisão definitiva da impugnação judicial foi anterior à proferida em oposição à execução fiscal, e atentas as concretas datas do conhecimento da sentença definitiva da impugnação e da apresentação das declarações de substituição, considerou a AT que, no momento em que estas foram apresentadas, já se mostrava largamente ultrapassado o prazo de um ano, previsto no mencionado nº3 do artigo 122º do CIRC.

O presente recurso jurisdicional ataca o julgamento de direito efetuado, visando primeiramente, contudo, o julgamento da matéria de facto, o qual, para o Recorrente, carece de aditamentos vários com vista a uma correta decisão da causa.

É, pois, obviamente, por aqui que temos de começar, o que nos remete para as conclusões G) e H), das quais se pretende retirar a necessidade de aditar à matéria de facto os seguintes pontos correspondentes às alíneas a) e b) da conclusão H das alegações de recurso.

Com efeito, para a Recorrente deve passar a constar dos factos provados a data do trânsito em julgado das sentenças supervenientes e, bem assim, a circunstância de o SF Amadora 3 só ter notificado a recorrente para proceder ao pagamento da dívida exequenda, depois do trânsito em julgado da sentença que decidiu a oposição à execução fiscal. Segundo a Recorrente, tal factualidade assume relevo porquanto o prazo de um ano para a entrega das declarações de substituição é contado a partir do trânsito em julgado da(s) sentença(s) superveniente(s) e, bem assim, porque evidencia que a sentença superveniente que o SF relevou para efetuar a cobrança coerciva foi a proferida no âmbito do processo de execução fiscal.

Quanto à factualidade referida em último lugar, relativa ao momento da notificação para pagamento de dívida exequenda, a verdade é que a Recorrente não indica qualquer elemento demonstrativo de tal, o que deveria ter feito face ao ónus que sobre si impende, nos termos do artigo 640º do CPC. Diga-se, porém, que o Doc.1 junto à p.i, para o qual a ora Recorrente já remetia a propósito da mesma alegação de facto, não revela o que é alegado quanto ao pagamento efetuado em execução fiscal, já que daquilo que se trata é da notificação da decisão final de recurso hierárquico.

De todo o modo, e como se verá, trata-se de matéria que não assume relevo na economia da decisão a proferir.

Quanto à demais factualidade, cujo conhecimento está ao alcance do Tribunal e admitindo-se como relevante para a decisão da causa, acorda-se em aditar ao probatório o seguinte:

13 - A sentença proferida no processo de impugnação judicial nº 706/04.5BESNT transitou em julgado no dia 27/11/08 (cfr. informação prestada nos autos, a fls. 382 do SITAF);

14 – A sentença proferida no processo de oposição nº 386/09.1BESNT transitou em julgado no dia 25/11/10 (cfr. informação prestada nos autos, a fls. 382 do SITAF).


*

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para o direito, lembrando que, no essencial, deixámos já alinhada a posição de cada uma das partes.

Tenhamos presente o teor do artigo 122º do CIRC (com a epígrafe Declaração de substituição), na redação aqui aplicável. Aí se lê:

“1 - Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.

2 - A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.

3 - Em caso de decisão administrativa ou sentença superveniente, o prazo previsto no número anterior conta-se a partir da data em que o declarante tome conhecimento da decisão ou sentença.

4 -Sempre que seja aplicado o disposto no número anterior, o prazo de caducidade é alargado até ao termo do prazo aí previsto, acrescido de um ano.

O TAF de Leiria, interpretando tal preceito legal e aplicando-o ao caso concreto, discorreu, no essencial, da seguinte forma:

“(…)

Com a publicação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 (Orçamento do Estado para 2009) foi aditado o n.º 3 ao artigo 122.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Esta disposição permite que o prazo de um ano referido no n.º 2 do artigo 122.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas seja, em caso de decisão administrativa ou sentença superveniente, contado a partir da data em que o declarante tome conhecimento dessa mesma decisão ou sentença.

Ora, as declarações de substituição têm por objetivo permitirem a correção dos valores apurados e declarados, por iniciativa do sujeito passivo, consubstanciando-se em regularizações voluntárias dos erros cometidos pelo contribuinte.

Com efeito, a apresentação de declaração de substituição constitui uma faculdade legalmente prevista, que visa, como decorre do disposto no artigo 122.º, efetuar o pagamento do imposto em falta, quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, ou corrigir a autoliquidação quando dela tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo.

Assim, para efeitos do alargamento do prazo de entrega de declarações de substituição, previsto no n.º 3 do artigo 122º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, das quais resultem correções a favor do sujeito passivo, não são tidos em conta quaisquer factos supervenientes, mas apenas aqueles que se consubstanciam numa decisão administrativa ou sentença judicial que não foi possível ao sujeito passivo conhecer no decurso do prazo geral.

Assim, o que releva para efeitos deste normativo é a decisão (administrativa ou judicial) da qual resulte, para o sujeito passivo, a faculdade de corrigir a autoliquidação quando dela tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo.

Retomando o caso dos autos, é claro que a decisão da qual resultou a faculdade para a Autora de corrigir as autoliquidações relativas aos exercícios de 2004, 2005, 2007 e 2009 por delas ter resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo, foi aquela proferida no âmbito da impugnação judicial da liquidação de SISA aqui em causa. Em decurso deste processo judicial foi julgada, em definitivo, a legalidade da liquidação da qual resultou para a Autora a faculdade de entregar declarações de substituição considerando custos em montante superior ao inicialmente declarado e assim apurar imposto inferior ao devido ou prejuízos superiores aos efetivos.

Note-se que as alegações da Autora a este propósito são inócuas, pois não decorre da exigibilidade do montante apurado em sede de imposto de SISA tal faculdade de entrega da declaração de substituição, pois não é desta (exigibilidade) que decorre imposto inferior ao devido ou prejuízo fiscal superior ao efetivo, mas antes do julgamento quanto à legalidade da liquidação que determinou a existência de custos superiores aos declarados pela Autora. Legalidade essa que não poderia ter sido conhecida em sede de oposição à execução fiscal, independentemente dos fundamentos aduzidos na oposição pela aqui Autora, pois que, como decorre do artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a oposição à execução fiscal destina-se a aferir da exigibilidade da dívida e não da legalidade da liquidação (desconsiderando os casos raros de aferição da legalidade abstrata da liquidação, por inaplicabilidade ao caso concreto), tanto mais que, in casu, a Autora impugnou a liquidação de SISA.

Ora, a partir do momento em que a impugnação da liquidação de SISA é decidida em definitivo, a Autora tem conhecimento de que aquele montante de imposto, certo e liquido, lhe será exigido, daí (re)nascendo na esfera jurídica da Autora o custo, sendo certo que, em obediência ao princípio da especialização dos exercícios, ínsito no artigo 18º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tal custo há-de ser declarado no exercício em que ocorra independentemente do respetivo pagamento.

Com efeito, tendo a Autora tomado conhecimento da decisão do Tribunal Constitucional que pôs termo ao processo de impugnação que intentou contra o ato tributário de liquidação de SISA em 17/11/2008 (cfr. factualidade vertida em 5) e artigo 248º do Código de Processo Civil) e não vindo alegado o seu conhecimento em data posterior, mostram-se extemporâneas as declarações de substituição entregues pela Autora em 11/5/2011 e 20/11/2013 quanto aos exercícios de 2004, 2005, 2007 e 2009, pelo que não merece censura o ato impugnado que é de manter na ordem jurídica”.

É contra esta interpretação e aplicação do artigo 122º, nº3 do CIRC que a Recorrente se insurge, considerando, ao invés, que relevante para efeitos do início da contagem do prazo para apresentação das declarações de substituição é o conhecimento da decisão que pôs termo à oposição à execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívida da SISA.

Diga-se, desde já e antecipando, que a Recorrente não tem razão, o que equivale a dizer que a sentença decidiu com acerto. Vejamos, então, as razões para assim entendermos.

Como resulta claro dos factos provados e das posições das partes, o elemento a corrigir nas declarações iniciais e, nessa medida, a refletir nas declarações de substituição, corresponde ao valor do imposto de SISA, de € 598.557,48, enquanto custo a repercutir nos exercícios de 2004, 2005, 2007 e 2009.

Ora, a legalidade da referida liquidação oficiosa de SISA foi contestada em sede de impugnação judicial, a qual foi julgada improcedente, com trânsito em julgado em 27/11/08, na sequência de acórdão do Tribunal Constitucional. Temos, pois, que definitivamente decidida a legalidade da liquidação - sem possibilidade de recurso - tal julgamento torna-se imodificável.

Era, pois, a partir daquele momento (27/11/08) que o ora Recorrente devia ter lançado mão da possibilidade conferida pelo nº3 do artigo 122º do CIRC, apresentando as declarações de substituição mod. 22, de modo a fazer nelas refletir o custo correspondente à liquidação do imposto. Foi, de facto, com a decisão proferida em sede de impugnação que ficou definitivamente assente a validade da liquidação e, como tal, é essa a decisão (quando transitada em julgado) que permite ao contribuinte apresentar, no prazo de um ano, a declaração de substituição que visa refletir precisamente o valor/custo dessa liquidação de SISA, corrigindo a circunstância de ter resultado da autoliquidação imposto superior ao devido (ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo).

Diferentemente, a Recorrente põe em evidência que, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão em sede de impugnação judicial, sobreveio, em 25/11/10, o trânsito em julgado da decisão da oposição à execução fiscal (processo nº 386/09.1BESNT), instaurada para cobrança coerciva da dívida correspondente à referida liquidação de SISA, pretendendo daqui extrair que o prazo de um ano a que alude o nº3 do artigo 122º do CIRC se conta a partir desta data.

Em abono desta posição, realça que o SF só a notificou para pagar a dívida exequenda depois do trânsito em julgado da sentença que decidiu a oposição à execução fiscal. Por outro lado, sustenta que, tendo os gastos de natureza fiscal que estar comprovados documentalmente para serem dedutíveis, de acordo com o nº 3 artigo 23 do CIRC, então só com o documento do pagamento da SISA (efetuado em sede de execução fiscal), emitido após o trânsito em julgado, em 25/11/10, da decisão do processo de oposição, é que há documento de suporte de tal valor.

Salvo o devido respeito, tal argumentação não procede.

Deve aqui lembrar-se que a exigibilidade do pagamento da dívida a que está subjacente uma liquidação de imposto não se confunde com a validade desse imposto. São planos distintos, o da legalidade da liquidação e o da exigibilidade do seu pagamento.

Para mais, vistos os autos e consultada no SITAF a sentença proferida no processo de oposição em questão, deve dizer-se que a posição aqui defendida pela Recorrente é – no mínimo – temerária.

Com efeito, bem sabe a Recorrente que a oposição foi deduzida em dezembro de 2008, depois do trânsito em julgado da impugnação judicial que confirmou a legalidade liquidação subjacente à dívida exequenda. Sabe, também, a Recorrente que tal petição de oposição assentou na ilegalidade da liquidação e que tal fundamento, com exceção de específicas causas de pedir que aqui não estão em causa (por nunca terem sido invocados), está reservado às situações em que “a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação”, o que manifestamente não podia ser o caso (até porque - repete-se – já havia sido deduzida impugnação, a qual já havia transitado em julgado).

De resto, tal circunstancialismo levou a que o TAF de Sintra tivesse considerado “ser inequívoco ter a oponente deduzido pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar”, acrescendo a tal juízo a rejeição liminar da p.i na consideração da intempestividade da oposição deduzida em finais de 2008, em face da citação ocorrida em 2004 (o que não veio a ser alterado nas instâncias de recurso). Neste cenário, dificilmente seria aceitável a prorrogação de um prazo, com base numa utilização de um meio processual que, nos termos em que foi feita, a lei rejeita. Acrescente--se que a conduta da, então, Oponente levou o TAF a condená-la em litigante de má-fé, atento o seu comportamento processual.

Sustenta, ainda, a Recorrente que o nº 3 do artigo 122º do CIRC refere-se apenas à “sentença superveniente”, não especificando qual o tipo ou a natureza de processo em que é proferida a decisão, ou seja, a lei não pretendeu dar apenas relevo à sentença proferida em processo de impugnação judicial. Nesta medida, conclui a Recorrente que “é óbvio que a interpretação do tribunal recorrido não tem qualquer apoio na letra da lei” ou em função do “do espírito do legislador”, pois “não é compaginável com a coerência do sistema jurídico, uma interpretação que confira mais direitos aos contribuintes que impugnam as liquidações, que aos contribuintes que optam pela oposição à execução fiscal”. Para a Recorrente, “a interpretação do tribunal “a quo” implica não só uma menorização dos fundamentos da oposição fiscal, mas sobretudo uma compressão inaceitável do direito dos exequentes”, sendo até violadora “do princípio constitucional da igualdade previsto artigo 13 da CRP, já que confere mais direitos aos contribuintes que impugnam, que aos contribuintes que deduzem oposição à execução fiscal”.

Mais uma vez se dirá que a Recorrente não tem razão.

Em primeiro lugar, o Tribunal nunca afirmou que o meio de defesa que releva para efeitos de aplicação do artigo 122º, nº3 do CIRC é apenas a impugnação judicial. O Tribunal entendeu, e bem, que, no caso, foi na impugnação que se apreciou primeira e definitivamente a legalidade da liquidação e que, como tal, era a partir de tal decisão, imodificável, que a Autora podia, e devia, lançar mão da prerrogativa concedida quanto ao alargamento do prazo de apresentação das declarações de substituição.

Acresce que, como se sabe, a oposição, em regra, aprecia fundamentos que contendem com a exigibilidade da dívida e não com a validade da liquidação, sendo que, no caso, a alínea h) do artigo 204º, nº1 do CPPT seria desde logo de afastar por a liquidação subjacente à dívida ser suscetível de ser sindicada noutro meio que não a oposição (outro meio que foi anteriormente utilizado).

Portanto, a questão não se prende, como defende a Recorrente, com a menorização do meio processual correspondente à oposição; a questão da relevância da impugnação judicial, para efeitos da aplicação do 122º, nº3 do CIRC, prende-se com o facto de aí, primeiramente, ter sido apreciada a legalidade da liquidação. Admitindo que a legalidade da liquidação tivesse sido discutida em sede de oposição (dentro dos apertados pressupostos da lei para tal) e não em sede de impugnação, já a decisão ali proferida teria que relevar no momento da aplicação do preceito legal em análise.

Por aqui se vê, portanto, que nenhuma violação do princípio da igualdade se pode cogitar. O que, para efeitos da aplicação do artigo 122º, nº3 do CIRC pode importar é, apenas e independentemente do meio processual, a decisão em que seja definitivamente decidida a questão que sustenta o erro da declaração inicial e, nessa medida, a possibilidade de a alterar através de uma declaração de substituição.

Diga-se, ainda, que a invocada circunstância de o SF apenas ter executado a garantia e permitido o pagamento da dívida após o trânsito da sentença de oposição, em nada belisca o que atrás dissemos, já que, como temos vindo a dizer, na execução fiscal visa-se a cobrança de uma dívida, certa e exigível, o que não contende com a validade da liquidação.

Por último, também não procede o argumento relativo à necessidade de prévia documentação do custo, ou seja, a prova do pagamento da liquidação oficiosa de SISA, já que, de acordo com o artigo 18º do CIRC, os gastos são imputáveis ao período de tributação em que sejam suportados, independentemente do seu pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

Em conclusão, considerando a data do trânsito em julgado da sentença de impugnação, do ano de 2008, e as datas de apresentação das diversas declarações de substituição, em 2001 e em 2013, fácil é concluir, com o Tribunal recorrido, que a apresentação das mesma foi extemporânea.

Assim, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, há que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso e negar provimento ao mesmo.

A sentença é, assim, de manter.


*




III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 18/05/23


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano