Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:477/11.9BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:CONTRATO DE EMPREITADA
SANÇÕES CONTRATUAIS
DEVER DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I – Do facto da A. conhecer os factos que motivaram a decisão de aplicação da sanção e do facto de se ter referido, nos autos de vistoria e de receção provisória, a reserva do direito de aplicar sanções contratuais, não se retira uma menor exigência no que concerne ao cumprimento do dever de audiência prévia.

II - Não obstante não se recuse a negação de relevância anulatória no domínio de atos discricionários, tal negação (e, portanto, o aproveitamento do ato) só deve ser admitida quando é possível afirmar, com inteira segurança, que o cumprimento da formalidade (in casu da audiência prévia) em nada alteraria o conteúdo do ato.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório:

A H....., S.A intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a presente ação administrativa especial contra o Município de Lagos pedindo a anulação da deliberação n.º....., da Câmara Municipal de Lagos, que lhe aplicou uma sanção pecuniária pelo atraso verificado na conclusão da “Empreitada de Construção .....”, no valor de €280.499.40, acrescido de IVA e a assunção dos encargos com a empresa de fiscalização externa, no valor de €20.874.34, acrescido de IVA. Pediu ainda a condenação da entidade demandada no pagamento da quantia de €544.670.28, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre a quantia de €509.435.43, contados desde a data de entrada da ação até integral pagamento.

Por sentença de 28 de maio de 2013 foi a ação julgada procedente e, consequentemente: a) anulou-se a deliberação n.º....., da Câmara Municipal de Lagos, que determinou a aplicação à autora de sanção pecuniária e demais encargos, no valor total de €322.587.31; b) condenou-se a entidade demandada a pagar à autora a quantia de € 313.655,12 (trezentos e treze mil, seiscentos e cinquenta e cinco euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados desde a data de vencimento das facturas e até efectivo e integral pagamento; c) condenou-se a entidade demandada a pagar à autora os juros de mora relativos ao atraso no pagamento da factura n.º ....., calculados desde a data de vencimento desta até ao seu pagamento, ocorrido em 21/03/2013; condenou-se a entidade demandada a proceder ao pagamento à autora dos trabalhos a que se reporta a factura n.º....., com excepção dos identificados nos artigos 3.1. e 4.1. e, quanto aos trabalhos identificados nos artigos 1.1. a 1.7., nas quantidades executadas por aquela, a apurar em sede de execução voluntária da sentença ou em incidente de liquidação.

O R., inconformado, reclamou para a conferência tendo sido, em 5 de junho de 2014, proferido acórdão nos termos do qual foi indeferida a reclamação.

Inconformado, o R. apresentou recurso desse acórdão.

Por acórdão de 9 de julho de 2015 deste Tribunal Central Administrativo Sul foi anulada a decisão recorrida e determinada a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que a conferência apreciasse o mérito da ação, se a tanto nada mais obstasse.

Baixaram os autos ao Tribunal de Primeira Instância tendo sido, em 18 de dezembro de 2015, proferido acórdão nos termos do qual foi a ação julgada procedente e consequentemente: a) anulou-se a deliberação n.º....., da Câmara Municipal de Lagos, que determinou a aplicação à autora de sanção pecuniária e demais encargos, no valor total de €322.587.31; b) condenou-se a entidade demandada a pagar à autora a quantia de € 313.655,12 [trezentos e treze mil, seiscentos e cinquenta e cinco euros e doze cêntimos], acrescida de IVA à taxa legal e de juros de mora, calculados desde a data de vencimento das facturas e até efectivo e integral pagamento; c) condenou-se a entidade demandada a pagar à autora os juros de mora relativos ao atraso no pagamento da factura n.º....., calculados desde a data de vencimento desta até ao seu pagamento, ocorrido em 21/03/2013; d)condenou-se a entidade demandada a proceder ao pagamento à autora dos trabalhos a que se reporta a factura n.º....., com excepção dos identificados nos artigos 3.1. e 4.1. e, quanto aos trabalhos identificados nos artigos 1.1. a 1.7., nas quantidades executadas por aquela, a apurar em sede de execução voluntária da sentença ou em incidente de liquidação.

Novamente inconformado, o R. apresentou recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O douto acórdão recorrido deve ser mantido na parte em que decide que o acto impugnado, que determinou a aplicação à Autora/Recorrida de uma sanção contratual e a assunção de encargos com a fiscalização externa (nos moldes descritos na contestação) não é ilegal, quer porque não padece do vício de falta de fundamentação, em virtude de a fundamentação apresentada pelo Réu não corresponder à verdade: quer porque não viola os princípios da contratação pública, designadamente da certeza, da segurança jurídica e da boa-fé contratual, em virtude de a aplicação da sanção contratual ter tido lugar após a recepção provisória da obra.
II. O douto acórdão recorrido deve ainda ser mantido quando entende que, não existindo no Código dos Contratos Públicos (CCP) um limite temporal para a aplicação de sanções contratuais por factos ocorridos até à recepção provisória da obra, essa inexistência é uma opção do legislador ordinário, pelo que se tem de concluir que tal limitação temporal não existe, ou seja, que a aplicação de sanções contratuais por factos ocorridos até à recepção provisória da obra é possível após esta, isto é, até que seja elaborada a conta final da empreitada.
III. Porém, já não se pode acompanhar o douto acórdão quando esta entende que “da factualidade provada não resulta que a entidade demandada tenha notificada a autora para se pronunciar, em sede de audiência dos interessados, sobre a intenção de aplicação da sanção contratual em causa nos presentes auto (…)”.
IV. O n° 2 do artigo 103° do CPA estipula que “o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados (...) a) se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas.".
V. Ora, a Autora/Recorrida foi várias vezes notificada, pelos ofícios juntos aos aulos e integrando o PA., de que o Município de Lagos tinha a intenção de aplicar as sanções contratuais e dos respectivos fundamentos.
VI. E não foram só ofícios: como claramente se refere na Informação n° ..... de 16/03/2011 (cfr. o PA), teve ainda lugar, em 28 de Janeiro de 2011, uma reunião de trabalho do Município de Lagos com a H....., “lendo a mesma sido informada das multas a aplicar.” Acrescenta-se na referida informação que, não se tendo a H..... pronunciado sobre a decisão do Município, nem sobre o valor da multa contratual, “deverá a mesma ser notificada do montante a pagar (ver quadro anexo), de acordo com as cláusulas contratuais”.
VII. Mesmo que tal reunião não tenha sido ou não venha a ser considerada uma audiência oral, nos termos e para os efeitos do artigo 102° do CPA, a verdade é que, diga-se mais uma vez, a Autora de tudo foi repetidamente notificada.
VIII. Pelo oficio n° ....., de 19/04/2011, o Município de Lagos deu conta à H....., ora Recorrida, da Deliberação n° ...... tendo em conta as Informações nº .....de 16/03/2011, da Divisão de Gestão Urbana, e n° ...... de 05/04/2011 da Divisão Jurídica (cfr. PA), sendo relativo à aplicação de sanção contratual e à assunção dos encargos com a empresa de fiscalização externa.
IX. Ou seja, pelo menos na prática, e reiterada, o Município de Lagos enviou o citado oficio entendendo-o como se de uma (nova) notificação para audiência prévia se tratasse, tendo em conta os fundamentos e os valores sobejamente conhecidos pela Autora.
X. Assim como foi tendo conhecimento, através dos autos de vistoria, nos quais participou e que assinou, da situação da obra e dos seus sucessivos atrasos, a ela exclusivamente imputáveis, ou seja, teve conhecimento imediato dos fundamentos da aplicação das sanções contratuais.
XI. Como se pode ver no auto de recepção provisória de 15 de Novembro de 2010 mais de 2 meses depois da data que a Autora indica como estando a obra concluída . os presentes, entre eles um engenheiro representante da Autora, que o assinou, verificaram que a obra continuava “a não reunir as condições necessárias para ser recebida no seu todo, uma vez que, conforme listagens anexas, o empreiteiro deve proceder à correcçâo dos defeitos de obra e à entrega das peças escritas e desenhadas em falta, sendo autorizado o uso público do equipamento escolar, sem prejuízo das obrigações de garantia que impendem sobre o empreiteiro.”
XII. Ainda no mesmo auto de recepção provisória de 15/11/2010, neste ficou exarado que o empreiteiro devia “promover até ao próximo dia 06/12/2010, nos termos do disposto no art.° 396º do CCP, às correcções necessárias em obra e à entrega dos elementos em falta, devendo ser decidida a eventual aplicação de multas por incumprimento, conforme consta de anteriores despachos que recaíram sobre as vistorias realizadas em 19/07/2010, 09/08/2010, 30/08/2010, 09/09/2010. 30/09/2010 e 29/10/2010.’’
XIII. A CML enviou à Autora, em 27/12/2010, pelo oficio com a referência ....., um exemplar dos autos de recepção provisória de 15/11/2010 e de 07/12/2010, oficio esse recebido pela Autora no dia seguinte.
XIV. No mencionado ofício, a CML informa a Autora de que, “(...) em cumprimento dos despachos do Sr. Vereador António Marreiros de 26/11/2010 e de 17/12/2010, exarados sobre os autos de recepção provisória acima referidos, esta Câmara Municipal reserva-se o direito de aplicar uma sanção contratual, por cada dia de atraso, em valor correspondente a 1% até à data da vistoria realizada a 07/12/2010, nos termos previstos no n° 1 do artigo 40 do Código dos Contratos Públicos (CCP). aprovado pelo Decreto-Lei n° 18/2008 de 29 de Janeiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n° 278/2009 de 2 de Outubro, conjugado com o disposto na cláusula 11ª do Caderno de Encargos que integrou o presente procedimento concursal de empreitada" e que "Mais se reitera junto de V. Ex.ª que os encargos mensais com a empresa de fiscalização externa, resultantes da prorrogação de prazo concedida (oficio n.º ....., de 08/06/2010) e dos atrasos verificados na conclusão da obra, serão suportados por essa empresa até à data de 10/12/2010.”
XV. Basta, por exemplo, ver o auto de recepção provisória de 30 de Setembro de 2010, assinado por um engenheiro representante da Autora e Director da Obra — que no auto não exarou quaisquer reclamações ou reservas —. bem como as listagens a ele anexas, para se ver que dezasseis dias depois do ora indicado pela H..... como estando a obra totalmente concluída, ainda havia defeitos e continuavam por receber vários trabalhos - auto que, como os restantes, se encontra na referida pasta do PA e de que um exemplar foi enviado á Autora pelo oficio n° ....., de 03/11/2010, por ela recebido em 04/11/2010.
XVI. Veja-se ainda, todas as listagens anexas aos referidos autos de recepção provisória e que abundantemente provam que a obra não estava pronta em sucessivas datas em que o deveria estar, designadamente das últimas vezes em que tal aconteceu, já depois de 13 de Setembro de 2010.
XVII. Deste modo, apesar de o douto acórdão recorrido ter considerado que o Município de Lagos não enviou á Autora nenhum oficio com os requisitos nela mencionados de fls. 18 (últimas linhas) a fls. 19, dúvidas não podem existir de que a Autora há muito sabia da intenção da Entidade Demandada de lhe aplicar as sanções contratuais, seus fundamentos e montantes.
XVIII. Apesar disso, nunca se pronunciou, nunca alegou, por exemplo, que os atrasos não lhe eram imputáveis.
XIX. Aliás, o douto acórdão recorrido expressamente reconhece que a Autora não logrou provar que o atraso da obra era imputável ao Município de Lagos, o que vale por dizer que reconhece o atraso e que este é imputável à H......
XX. Portanto, se a Autora nunca se pronunciou, certamente foi porque, na altura de cada um dos autos de vistoria e dos consequentes ofícios a ela remetidos pelo Município de Lagos, sabia que os atrasos lhe eram, a ela, exclusivamente imputáveis.
XXI. Tal ausência de pronúncia equivale a uma aceitação tácita da decisão da Entidade Demandada de lhe aplicar as sanções contratuais, seus fundamentos e montantes.
XXII. Portanto, a H..... não podia reclamar nem recorrer, visto que aceitou, tacitamente, que viesse a sofrer a aplicação das sanções, de acordo com o disposto no n° 4 do artigo 53° do CPA.
XXIII. Visto de outro ângulo, podemos dizer que nos encontramos perante um caso de dispensa de audiência prévia, nos termos do previsto no artigo 103°, n° 2. do CPA, caso entendamos que a ausência de resposta da H..... equivale a uma pronúncia, por omissão.
XXIV. Se assim não for entendido, sempre teremos que considerar que a audiência prévia seria inútil, pelos mesmos motivos já expostos:
XXV. A H..... (a Autora) sabia que os atrasos lhe eram exclusivamente imputáveis ou, pelo menos, que o Município de Lagos assim os considerava, sabia quais os fundamentos indicados por este. sabia quais os montantes das sanções pecuniárias, pois tudo já lhe tinha sido transmitido pela Entidade Demandada, e nunca se pronunciou, pelo que se deve considerar que tacitamente tudo aceitou.
XXVI. Efectivamente, nesta situação a audiência seria inútil, nada trazendo de novo ao procedimento – cfr. José Manuel Santos Botelho e outros. Código do Procedimento Administrativo, 4a edição, Almedina, nota 6 ao artigo 103º do CPA. pág. 407.
XXVII. Apesar dessa inutilidade, o Município de Lagos enviou à Autora o ofício nº .....de 19/04/2011, no qual, “Na sequência das deliberações tomadas (...), relativas à aplicação de sanções contratuais, e comunicadas" à Autora, a notificou do valor apurado, cujo pagamento integral deveria ocorrer no prazo de 30 dias a contar da data da recepção, tendo o ofício sido recebido pela H..... em 20/02/2011.
XXVIII. Ao fazê-lo, estava o Município de Lagos convencido de que a H..... o abordaria para, em boa fé, ambas as partes chegarem a entendimento quanto ao valor que o Município ainda teria que pagar, deduzindo o montante das sanções contratuais, cuja razão tinha sido antes plenamente demonstrada.
XXIX. Agiu. assim, a H..... ao arrepio do disposto no artigo 6°-A do CPA, que obriga a que não só a Administração Pública mas também os particulares ajam e se relacionem segundo as regras da boa fé (n° 1 do artigo). Manda ainda o n" 2 do mesmo artigo que se ponderem os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e. cm especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa.
XXX. Ora, a H...... ao não ter respondido a nenhum dos ofícios e ao não se ter pronunciado após a acima referida reunião, criou no Município de Lagos, justificadamente, a convicção de que aceitava as sanções contratuais, seus fundamentos e valores.
Mesmo que assim se não entenda.
XXXI. A Autora, na prática não viu de modo algum afectadas ou restringidas as suas garantias procedimentais — ver José Manuel Santos Botelho e outros, obra citada, nota 21 ao artigo 100° do CPA. pág. 385.
XXXII. Pelo que o acto não padece de vício de forma (ou outro), não sendo consequentemente anulável.
XXXIII. Como foi superiormente decidido no Acórdão do S.T.A. de 04-11-1998. 3ª Subsecção do CA, Processo n° ...... "o que releva fundamentalmente no direito de audiência consagrado no artigo 100º do CPA é a participação do interessado e a possibilidade de influenciar a decisão, evitando-se decisões-surpresa.”
XXXIV. Ora. face aos autos de notícia e aos ofícios que o Município de Lagos foi enviando à Autora juntos à contestação ou fazendo parte integrante do PA só com grande imaginação se poderia dizer que para esta houve unia decisão-surpresa”.
XXXV. A Autora nunca respondeu aos ofícios e, por outro lado, nada fez para minorar os atrasos, pelo que muito bem sabia que as sanções contratuais iam ser aplicadas, dos respectivos fundamentos e montantes. Ou seja, só podia esperar a aplicação das sanções.
Mesmo que também assim se não entenda.
XXXVI. Como se pode ler no Acórdão do S.T.A. de 7 de Março de 2006, 1.ª secção, decisão em Subsecção, Processo n° 627/05, "apesar de o acto administrativo contenciosamente impugnado não ter sido precedido de audiência prévia, ele deve subsistir, por aplicação do principio do aproveitamento.”. Não se descortina na p.i. da H..... qualquer critica à aplicação de tal princípio, como se exige neste acórdão.
XXXVII. Por tudo o acima exposto, forçosamente que o tribunal deveria concluir que a decisão tomada era a única possível, a menos que o Município de Lagos '‘perdoasse", num completo e certamente inesperado (pela Autora) volte-face a aplicação das sanções.
XXXVIII. De qualquer modo, na linha do que vem sendo decidido na jurisprudência do S T A. em alguns casos a audiência prévia degrada-se em formalidade não essencial e, portanto, pode ser omitida, sem que daí resulte ilegalidade determinante da anulação do acto.
XXXIX. É, entre outros, o caso da dispensa de audiência previa.
XL. Veja-se, ainda, o Acórdão do S.T.A. de 1 de Julho de 2003, 1ª Secção. decisão em Subsecção, Processo n° 1429/02, quando decide que “Para que seja judicialmente considerada dispensada a audiência de interessados não é essencial que o órgão instrutor tenha proferido uma declaração fundamentada no decurso do procedimento. O juiz pode recusar efeitos invalidantes à preterição da audiência dos interessados com fundamento no princípio do aproveitamento dos actos administrativos ou da relevância limitada dos vícios de forma”.
XLI. No mesmo sentido. Acórdão do S.T.A. de 8 de Julho de 2003, 1ª Secção, decisão em Subsecção, Processo nº 1609/02.
Mas mais:
XLII. Conforme foi decidido no Acórdão do S.T.A. de 11 de Outubro de 2007, 1.ª Secção, decisão em Subsecção, Processo 1521/02-12, "Mesmo no domínio dos actos discricionários o tribunal pode negar relevância anulatória ao incumprimento do artigo 100° do CPA quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer possa afirmar com inteira segurança que o cumprimento de tal formalidade em nada modificaria o conteúdo do acto”.
XLIII. Face às comunicações que o Município de Lagos fez à Autora, por escrito e em reunião, e à total ausência de resposta desta, sem dúvida que só se pode concluir que "o cumprimento de tal formalidade em nada modificaria o conteúdo do acto.”
XLIV. O douto acórdão proferido violou, assim, o disposto nos artigos 6°-A. 53°. n° 4, 100º', 102° e 103°. n° 2. todos do CPA.
XLV. Houve assim, erro de julgamento. mantido/repetido no douto acórdão proferido em conferência, para decidirem sobre a reclamação do Município de Lagos.

A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Formulou as seguintes conclusões:

I. A Autora, aqui Recorrida, não pode deixar de mostrar a sua total concordância com a Douta Sentença e o Douto Acórdão recorrido, visto que este é extremamente claro e preciso, na sua fundamentação de facto e de direito, não deixando margem para qualquer possibilidade de discordância ou censura.

II. O Réu, aqui Recorrente alega que a Autora, aqui Recorrida, foi várias vezes notificada, da intenção que o Município de Lagos tinha de proceder à aplicação de sanções contratuais, bem dos respetivos fundamentos, efetuando para tal referência aos ofícios juntos aos autos, que correspondem a despachos que recaíram sobre os autos de vistoria, cujas vistorias foram realizadas nas datas de 19/07/2010, 09/08/2010, 30/08/2010, 09/09/2010, 30/09/2010 e 29/10/2010.

III. Importa pois, atentar o disposto nos mencionados autos, dos quais resulta que a Câmara Municipal de Lagos reservava o direito de aplicar sanções contratuais à empreiteira, Autora, aqui Recorrida, bem como imputar à mesma os custos com a fiscalização externa.

IV. O termo "reservar", no dicionário da língua portuguesa, entre outros sinónimos, significa Guardar, Conservar, Preservar, Salvaguardar.

V. Pelo que, a reserva do direito de aplicar sanções contratuais, não poderá ser entendida de outra forma que não, a salvaguarda da possibilidade de, eventualmente, vir a aplicar sanções contratuais.

VI. Com efeito, era impossível à Autora, aqui Recorrida, saber ou deduzir que o Réu, aqui Recorrente, pretendia ou tinha intenção de aplicar qualquer tipo de sanção contratual à mesma, muito menos os fundamentos dessa intenção.

VII. NUNCA o Réu, aqui Recorrente procedeu à notificação da Autora, aqui Recorrida, da sua intenção de proceder à aplicação de sanções contratuais e demais encargos.

VIII. NUNCA a Autora, aqui Recorrida teve conhecimento das intenções do Réu, aqui Recorrente, visto que este nunca as manifestou, pelo que, dúvidas não restam que a Autora, aqui Recorrida, nunca foi informada quanto à intenção de aplicação de sanções contratuais.

IX. Prescreve o n°2 do artigo 101° do CPA, “A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito (...)”.

X. Como decidiram e muitíssimo bem, os Meritíssimos Juízes do Tribunal a quo, "a alegada comunicação à autora da reserva, pelo dono de obra, do direito de aplicar sanções contratuais não consubstancia uma notificação para efeitos de audiência dos interessados (...)”.

XI. Assim, o Réu, aqui Recorrente, deveria ter procedido à notificação da Autora, aqui Recorrida, devendo constar, obrigatoriamente, da mesma, a intenção proceder à de aplicação de determinada sanção contratual, identificando os pressupostos de facto e de direito, o valor da sanção, bem como o prazo para pronúncia.

XII. A verdade é que esta notificação nunca foi realizada pelo Réu, aqui Recorrente, que numa demonstração inequívoca de má-fé (violando o disposto no artigo 6°-A do CPA), notificou a Autora, aqui Recorrida, por carta datada de 19 de Abril de 2011, da aplicação definitiva da sanção pecuniária, conforme consta das alíneas W) e x) dos factos julgados provados.

XIII. Até à data de 19 de Abril, e como resulta dos presentes autos, o Réu, aqui Recorrente, nunca manifestou junto da Autora, aqui Recorrida, qualquer intenção de proceder á aplicação de sanções contratuais e demais encargos, e numa altura em que a empreitada em causa, já se encontrava devidamente inaugurada e a Autora, aqui Recorrida, pressionava o Réu, aqui Recorrente, no sentido de obter do mesmo o pagamento do valorem dívida,

XIV. Eis que surge, muito convenientemente, uma carta a comunicar a aplicação definitiva de uma sanção contratual, à qual a Autora, aqui Recorrida, reagiu da única forma possível, impugnando o ato administrativo.

XV. Estes factos expressam de forma clara e inequívoca a postura do Réu, aqui Recorrente, ao longo de todo este processo, e que continua, agora através do recurso interposto, que mais não é do que uma tentativa inútil de tentar iludir e convencer este Venerando Tribunal, de uma realidade falsa, no sentido de o mesmo dar provimento ao recurso apresentado, e em consequência ver reduzido o valor do montante a pagar à Autora, aqui Recorrida.

XVI. Aceitando meramente para efeitos de raciocínio, mas não concebendo, nem concedendo, a teoria do Réu, aqui Recorrente, de que notificou diversas vezes a Autora, aqui Recorrida, da intenção de proceder à aplicação de sanções contratuais, como poderia a mesma conhecer os fundamentos e valores da sanção aplicada se estes, necessariamente, alteravam - se de comunicação em comunicação,

XVII. A título meramente exemplificativo, os eventuais pressupostos, bem como os fundamentos e consequente valor da sanção contratual, supostamente, aplicada pelo ofício junto aos autos de vistoria efetuada no dia 19/07/2010, necessariamente não seriam os mesmos do ofício da vistoria realizada no dia 09/08/2010, e assim sucessivamente nos restantes ofícios.

XVIII. Pelo que, inequivocamente, a formalidade legalmente exigida, era impossível de preterição ou omissão, dado que os fundamentos e valores da sanção contratual, eventualmente, aplicada, variavam de comunicação em comunicação,

XIX. Consequentemente, não poderia a Autora, aqui Recorrida, conhecer os fundamentos nem tão pouco os valores da eventual sanção contratual aplicada.

XX. Assim, exigia - se o cumprimento do formalismo legalmente exigido, no n°2 do artigo 101° do CPA, dado a impossibilidade de conhecimento da Autora, aqui Recorrida, quanto aos fundamentos invocados, bem como ao conteúdo e valor final da sanção.

XXI. No caso sub judice, não se verificava, nem verificou qualquer facto que consubstanciasse o "fundado receio de a execução da mesma se frustrar por virtude daquela audiência" - n°3, do artigo 308° do CCP, peio simples facto de que, a Autora, aqui Recorrida é e era credora do Réu, aqui Recorrente.

XXII. Aliás, também tal facto nunca foi invocado e escrito por parte do Réu, aqui Recorrente, como causa de dispensa da audiência prévia da Autora, aqui Recorrida, quanto à aplicação das sanções pecuniárias e contratuais e demais encargos.

XXIII. Daí que, a deliberação .....e as demais deliberações do Réu, aqui Recorrente, de aplicação de sanções contratuais e demais encargos à Autora, aqui Recorrida, são nulas por violação expressa e grosseira do disposto nos n°s 2 e 3 do artigo 308° do CCP, dos artigos 100° a 105° do CPA, e

XXIV. Por violação do princípio consagrado constitucionalmente de que é proibida a aplicação de uma sanção a um particular sem que ao mesmo tempo seja concedido o direito de pronúncia.

XXV. Deste modo e concluindo, a deliberação de aplicação de sanções e demais encargos aqui em causa é totalmente inválida e nula, por violação da Lei.

XXVI. As conclusões do Recurso do Réu, aqui Recorrente são totalmente erradas de facto e de direito pelo que, expressamente se impugnam para todos os efeitos legais.

XXVII. Daí que, a Douta Sentença e o Douto Acórdão objeto de Recurso para este Venerando Tribunal é correto e deve ser confirmado, com todas as consequências legais.


O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso:

Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir se o Tribunal a quo errou ao julgar que o ato impugnado violou o disposto nos art.ºs 308º, n.º 2 do CCP e 100º a 105º do CCP.


III – Fundamentação De Facto:

No acórdão recorrido foi julgada provada a seguinte factualidade:

a) A Autora é uma sociedade comercial, sob a forma anónima, que tem por objecto, entre outros, a execução de empreitadas de obras públicas e particulares [documento n.º1 junto com a petição inicial].

b) O Réu Município de Lagos lançou, por ajuste directo, a adjudicação da execução da empreitada de CONSTRUÇÃO ......

c) A A. apresentou a sua proposta e, cumpridos os procedimentos legais, o Réu deliberou adjudicar a execução daquela Empreitada à ora Autora.

d) Nesse seguimento, em 24 de Julho de 2009, A. e Réu celebraram o respectivo contrato de empreitada de construção ......

e) O prazo contratual de execução da obra era de 210 dias, contados da data do auto de consignação dos trabalhos.

f) O preço contratado foi de € 4 674 999,50 (quatro milhões, seiscentos e setenta e quatro mil, novecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescido do IVA.

g) Esse preço seria pago em função das situações mensais e de acordo com as medições directas, sobre o trabalho executada mediante facturas elaboradas com base nos autos de medição e apresentadas pela A. (adjudicatário) ao Réu (dono da obra) que as liquidaria no prazo de 60 (sessenta) dias contados da sua apresentação.

h) Os preços contratuais estavam sujeitos a revisão.

i) Nos termos legais e do procedimento de adjudicação a A. prestou caução no valor de € 233 749,98.

j) Esse contrato regeu-se pela constante no caderno de encargos, peças escritas e desenhadas e todos os elementos apresentados, e bem assim pelo que estabelece o Decreto-Lei n° 18/2008, de 29 de Janeiro (CCP), como, aliás consta da cláusula 6ª do contrato.

k) Em 4 de Maio de 2010, A. e Réu celebraram, no âmbito da execução da empreitada identificada, um contrato adicional de empreitada trabalhos a mais.

l) O preço contratado foi de € 10 797,57 (dez mil, setecentos e noventa e sete euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescido de IVA.

m) Esse preço seria pago em função das situações mensais e de acordo com as medições directas, sobre o trabalho executado mediante facturas elaboradas com base nos autos de medição e apresentadas pela A. (adjudicatário) ao Réu (dono da obra) que as liquidaria no prazo de 30 (trinta) dias contados da sua apresentação.

n) Os preços contratuais estavam sujeitos a revisão.

o) Nos termos legais e do procedimento de adjudicação a A. prestou caução no valor de € 1 079,76.

p) A consignação dos trabalhos teve lugar em 3 de Agosto de 2009.

q) O R. concedeu a prorrogação do prazo contratual até ao dia 14 de Junho de 2010, ou seja, de 29 de Março 2010 até 14 de Junho 2010.

r) O R. tomou posse da totalidade da obra em 14 de Setembro de 2010.

s) No dia 5 de Outubro de 2010, o R. procedeu à inauguração da referida escola.

t) A e R elaboraram o Auto de recepção provisória em 7 de Dezembro de 2010.

u) Em 08/04/2011, o Presidente da Câmara Municipal de Lagos proferiu despacho com o seguinte teor: «No âmbito da empreitada em epígrafe, e em conformidade com as informações anexas deverá ser dada sequência ao preconizado na informação jurídica, dando cumprimento às deliberações anteriormente tomadas, no sentido do Município exigir ao empreiteiro o pagamento da sanção pecuniária pelo atraso verificado na conclusão da obra, bem como relativamente à assunção dos encargos com a empresa de fiscalização externa, fixando um prazo de 30 dias para o efeito. À Reunião da Câmara para ratificação.» [documento n.º 14 junto com a petição inicial].

v) Pela Deliberação n.º ....., tomada em reunião da Câmara de 04/05/2011, o despacho referido em u) foi ratificado pela Câmara Municipal de Lagos [documento n.º14 junto com a petição inicial].

w) Por carta datada de 19 de Abril 2011, foi comunicada à A. a aplicação definitiva da sanção pecuniária no valor de € 297 329,36, com IVA incluído.

x) A carta referida em w) tem o seguinte teor:


[documento n.º12 junto com a petição inicial].

y) O R. emitiu certidão integral das deliberações relativas a aplicação de sanções contratuais em 17 de Maio 2011, a pedido da A.

z) A A. emitiu as seguintes facturas de trabalhos realizados e de revisão de preços, enviadas ao R. nas datas da emissão, no total de € 507 157,59: Factura n.º ....., de 14/09/2010, no valor de € 273 102,72; Factura n.º ....., de 11/10/2010, no valor de € 11 445,42; Factura n.º ....., de 10/12/2010, no valor de € 47 926,81; Factura n.º ....., de 12/11/2010, no valor de € 149 547,17; Factura n.º ....., de 28/03/2011, no valor de € 27 413,84.

aa) O valor descrito em z) não foi pago pelo R., nomeadamente a quantia de € 482 021,59.

bb) No decorrer da execução da empreitada verificou-se que o projecto de obra apresentado e que sustentou o contrato necessitava de alterações;

cc) Tal implicou ordens do dono da obra para a execução de trabalhos a mais que os previstos.

dd) Em 18/06/2010, o dono da obra estava a decidir sobre a execução dos trabalhos a mais na empreitada.

ee) Naquela data, o dono da obra comunicava a definição de vários trabalhos e ordenava a execução de outros trabalhos a mais na empreitada, nomeadamente a «Localização dos quadros interactivos», a definição dos pontos de rede na Biblioteca, a «Rede estrutura/informática», a «Localização da mufla de cerâmica», o «Traçado dos caminhos de cabos para o CCTV/intrusão», a localização dos «Pontos de carregamento do cartão de escola — Sistemas de Quiosques», na «Portaria» e o «Lava-olhos com chuveiro — 82. Laboratório de Físico-Química»;

ff) E, nessa data, entregava à ora A. as soluções técnicas/projectos para a instalação do «Cartão Electrónico da Escola» e o «Projecto de Instalação –Solução Videovigilância e Alarmística».

gg) A autora executou os trabalhos descritos na factura n.º ....., com excepção dos identificados nos artigos 3.1. e 4.1. e executou os trabalhos identificados nos artigos 1.1 a 1.7 em quantidade inferior à que consta da factura.

hh) A autora procedeu à substituição de subempreiteiros.

ii) Na data da vistoria efectuada pelo Ministério da Economia, 13/09/2010, estavam estabilizadas todas as alterações introduzidas à rede eléctrica, tendo as mesmas sido recebidas por esta entidade externa.

jj) Na Informação n.º ....., de 30/09/2011, do Serviço de Projectos e Empreitadas da Divisão de Gestão Urbana da Câmara Municipal de Lagos, consta que a factura nº ..... não tem correspondência efectiva com os trabalhos realmente executados ou diferenciam-se com os preços inicialmente acordados com a autora relativo a trabalhos complementares.

kk) Em cumprimento de despacho nela exarado, concordando com o proposto, mandou-se proceder à devolução da referida factura e desencadear-se o respectivo procedimento concursal.

ll) Na Informação n.º ....., de 18/01/2012, refere-se que a autora devolveu a mesma factura, bem como a factura e a ficha de trabalhos mais n.º ....., que a integra.

mm) Na mesma Informação, refere-se que a abertura de propostas teve lugar no dia 13/01/2012, através da Plataforma Electrónica, e que se verificou que a H..... apresentou «Declaração de não apresentação de proposta», na qual declara que os trabalhos que agora foram colocados a concurso já foram orçamentados e executados, declinando deste modo a proposta de ajuste directo dos referidos trabalhos.

nn) Sobre este assunto, pronunciou-se a Unidade Técnica Jurídica da CML, que entendeu tratar-se de uma decisão anómala.

oo) Em 21/03/2013, o réu procedeu ao pagamento à autora da quantia de € 133 339,90, respeitante ao Auto de Revisão de Preços n.º ....., de 03/05/2011, no valor de € 138 895,73, acrescido de IVA e deduzido o valor de € 13 889,57, correspondente à garantia de 10% [documentos juntos com o requerimento de fls. 503 dos autos].




IV – Fundamentação De Direito:

O R. Recorrente entende que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não foram violados os art.ºs 308º, n.º 2 do CCP e 100º a 105º do CPA.
É a seguinte a fundamentação jurídica vertida no acórdão recorrido a este propósito:

Como resulta do disposto no artigo 307.º, n.º2, alínea c) do CCP, as declarações do contraente público sobre a execução do contrato que se traduzam em aplicação das sanções previstas para a inexecução do contrato revestem a natureza de acto administrativo, sendo certo que, nos termos do artigo 308.º, n.º 1 do referido Código, «a formação dos administrativos emitidos no exercício dos poderes do contraente público não está sujeita ao regime da marcha do procedimento estabelecido pelo Código de Procedimento Administrativo».
Contudo, atento o disposto no artigo 308.º, n.º 2 do CCP, a aplicação de sanções contratuais através de acto administrativo está sujeita a audiência prévia do co-contratante, nos termos previstos no Código de Procedimento Administrativo, a qual pode ser dispensada se a sanção tiver natureza pecuniária e se encontrar caucionada por garantia bancária à primeira solicitação ou por instrumento equivalente, quando haja fundado receio de a execução da mesma se frustrar por virtude daquela audiência.
Assim, tendo presente o disposto nos artigos 100.º a 103.º do CPA, e tal como se considerou na sentença reclamada, antes da aplicação de qualquer sanção contratual impende sobre o contraente público, salvo se optar pela audiência oral, o dever de notificar o co-contratante sobre a intenção de aplicação da sanção, devendo fornecer todos os elementos necessários para que o co-contratante fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito.
Da factualidade provada não resulta que a entidade demandada tenha notificado a autora para se pronunciar, em sede de audiência dos interessados, sobre a intenção de aplicação da sanção contratual em causa nos presentes autos, sendo certo que se limita a alegar, quanto a esta questão, que a intenção de aplicar a sanção pecuniária contratual e a responsabilidade pelos encargos com a fiscalização externa foi comunicada à autora através de ofícios com um exemplar dos autos de vistoria e que nestes autos constava a reserva do direito de aplicar sanções contratuais e de imputar à empreiteira os custos com a fiscalização externa.
Ora, a alegada comunicação à autora da reserva, pelo dono da obra, do direito de aplicar sanções contratuais não consubstancia uma notificação para efeitos de audiência dos interessados, na qual deve expressamente constar o fim a que se dirige, ou seja, deve referir que o destinatário tem determinado prazo para se pronunciar sobre o projecto de decisão, bem como ser acompanhado deste, o que significa que, para dar cumprimento à audiência dos interessados, a entidade demandada teria que ter notificado a autora de que tencionava aplicar-lhe determinada sanção contratual, identificando os pressupostos de facto e de direito desta e o seu valor, bem como o prazo de que dispunha para se pronunciar.
Acresce que não resulta, igualmente, da factualidade provada que a audiência da autora tenha sido dispensada ao abrigo do disposto no artigo 308.º, n.º3 do CCP.
Assim sendo, não resultando da factualidade provada nos autos que a entidade demandada comunicou à autora a intenção de lhe aplicar uma sanção pecuniária e de lhe imputar os custos com a fiscalização externa, é de concluir, como se concluiu na sentença reclamada, que o acto impugnado viola o disposto no artigo 308.º, n.º 2 do CCP”.

Nada há a censurar a este julgamento que, de forma sucinta mas clara e rigorosa, procede ao único enquadramento jurídico possível em face da factualidade provada, aplicando, portanto, corretamente a lei aos factos.
O Recorrente pretende com o presente recurso convencer o Tribunal de que cumpriu o dever de audiência prévia esgrimindo, no entanto, uma argumentação pouco consistente.
Por uma banda invoca o regime plasmado no n.º 2 do art.º 103º do CPA (conclusão IV) relativo à dispensa desta fase procedimental sem que resulte do procedimento em causa que tenha emitido decisão no sentido de dispensar a audiência prévia (o que nem sequer alega) sendo que não pode admitir-se uma dispensa tácita ou implícita da audiência de interessados.
Por outra banda, entende que foi realizada audiência oral nos termos previstos do art.º 102º do CPA (conclusão VII). No entanto, mais uma vez, não resulta do processo administrativo que a A. tenha sido convocada para uma audiência com esse fim, não tendo sido lavrada qualquer ata (nos termos impostos pelos n.ºs 1 e 4 do art.º 102º do CPA), não podendo portanto admitir-se o cumprimento do dever de audiência prévia oral.

O oficio de 19 de abril de 2011 a que se refere o R. Recorrente corporiza já a decisão que, nesta ação, é impugnada. Do mesmo resulta, de forma inequívoca, que à A. é aplicada uma sanção pecuniária de € 297 329,36, com IVA incluído. É portanto, indefensável que tal oficio corporize uma “notificação para audiência prévia”, como também conclui o Recorrente.
Do facto da A. poder conhecer os factos que terão motivado a decisão em causa e do facto do R. ter referido, nos autos de vistoria e de receção provisória, a reserva do direito de aplicar sanções contratuais, não se retira sequer uma menor exigência no que concerne ao cumprimento do dever de audiência prévia. Tratando-se, como se trata, de decisão de cariz ablativo tinha a A. o direito de conhecer os seus pressupostos e com antecedência se pronunciar sobre os mesmos e sobre as consequências que o R. pretenderia dos mesmos extrair.

Também não se pode aceitar a argumentação do Recorrente no sentido de que, sabendo a A. que era intenção da R. aplicar-lhe sanções contratuais, aceitou tacitamente tal decisão pois jamais se pronunciou (conclusão XXI), agindo à revelia da boa fé que lhe era imposta pelo art.º 6º-A do CPA.
Uma coisa é ter consciência de um diferendo, de um alegado incumprimento contratual e de que a Administração, no exercício dos poderes que lhe são atribuídos por lei, pode praticar atos administrativos tendo por fundamento esse incumprimento (designadamente a aplicação de sanções). Outra coisa é saber que a Administração está na iminência de decidir praticar esse ato administrativo e que o fará com base em pressupostos fácticos e jurídicos determinados e qual o conteúdo concreto desse futuro ato (designadamente, in casu, o valor da sanção pecuniária).
A única decisão de aplicação de sanções contratuais foi comunicada à A. através do oficio de 19 de abril de 2011, decisão que a A. impugnou nesta ação. Carece, portanto, de qualquer fundamento a invocação do regime plasmado no art.º 53º, n.º 4 do CPA (aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15 de novembro). A aceitação do ato administrativo compreende uma atuação (expressa ou tácita) posterior à prática do ato e não anterior, como parece entender o Recorrente.
Acresce que não está demonstrada qualquer atuação procedimental da A. suscetível de consubstanciar o desrespeito pelo princípio da boa fé plasmado no art.º 6º-A do CPA sendo que em caso algum se poderia admitir que a convicção do Recorrente quanto à aceitação por parte da Recorrida, do ato impugnado, limitasse ou coartasse o seu direito a impugnar esse ato.

Depois entende o Recorrente que não se deverão extrair consequências invalidantes da preterição do dever de audiência prévia, invocando o denominado “princípio do aproveitamento do ato administrativo”. De acordo com este princípio, então formulado e consolidado pela doutrina e jurisprudência e, na atualidade vertido na lei (art.º 163º, n.º 5 do CPA aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro), a anulação de um acto viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado (cfr. v.g. os acórdãos do STA, de 29-05-2008, proc. n.º 0779/07, de 11-10-2007, proc. 1521/02 e de 05-03-2009. proc. 01129/08, todos publicados em www.dgsi.pt).
Não é segura, in casu, tal afirmação.
Não obstante não se recuse a negação de relevância anulatória no domínio de atos discricionários, tal negação (e, portanto, o aproveitamento do ato) só deve ser admitida quando é possível afirmar, com inteira segurança, que o cumprimento da formalidade (in casu da audiência prévia) em nada alteraria o conteúdo do ato (como explanado no segundo dos acórdãos do STA supra identificados).
Ora, no caso sub judice, não é seguro afirmar que o conteúdo do ato teria sido o mesmo, caso o Recorrente tivesse refletido e ponderado as razões que a A. Recorrida invocaria, no exercício do direito de audiência prévia que lhe foi negado, influenciando assim, pelo menos, os termos da decisão. Com efeito, invocando a A. que o R. praticou factos - que especifica - que deram origem ao atraso e que lhe era ainda devido o pagamento de trabalhos efetuados, era possível que o R. tivesse ponderado tal argumentação e decidido em sentido diverso, pelo menos quanto ao valor exigido. O próprio Recorrente admite, aliás, que estava convencido que, após a prática do ato impugnado, a Recorrida o abordaria para encontrarem uma solução consensual quanto ao valor a liquidar.
Não é, portanto, possível afirmar a inoperância do vício decorrente da preterição da audiência de interessados e, portanto, aproveitar o ato.

Concluindo, como bem decidiu o Tribunal a quo, o ato impugnado violou o princípio da audiência prévia, não tendo o acórdão recorrido violado os art.ºs 6º-A, 53º, n.º 4, 100º, 103º, n.º 2 do CPA.
Improcede, portanto, o fundamento do recurso.

As custas serão suportadas pelo Recorrente Município de Lagos, nos termos do art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.


V – Decisão:
Nestes termos, acordam, em conferência, as Juízas da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao presente recurso e consequentemente, manter o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 12 de novembro de 2020


Catarina Vasconcelos

Ana Celeste Carvalho (em substituição)

Catarina Jarmela

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora atesta que as Juízas Adjuntas - Excelentíssimas Senhoras Juízas Desembargadoras Ana Celeste Carvalho (em substituição do Sr. Juiz Desembargador Paulo Gouveia, ausente ao serviço) e Catarina Jarmela - têm voto de conformidade.