Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1972/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
Sumário:1. É pela fundamentação que se possa extrair do conteúdo dos actos praticados no procedimento de reversão que se afere a legalidade da reversão.
2. Se consta do despacho de reversão que a mesma se concretizou pela alínea a) do n.º1 do art.º24.º da LGT, cabe à Administração Tributária enunciar minimamente os pressupostos da culpa do revertido de modo a este poder estruturar convenientemente a sua defesa.
3. Não pode a AT fundar o seu juízo de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária unicamente na circunstância de o revertido ter exercido a gerência no período de constituição da dívida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por R....... à execução fiscal n.º1……. contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “A....... & F......., Lda.” por dívidas provenientes de IVA do ano de 2005, no valor total de 19.209,26 Euros.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:

«A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui recorrida padece de erro de julgamento, pois face à prova produzida, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o oponente foi efetivamente gerente da devedora originária no período a que respeitam os impostos em divida.

B. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso sub judice, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte do ora recorrido.

C. Ora, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se conforma com a decisão proferida, e isto porque, atento aos elementos probatórios juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade do recorrido.

D. Atente-se que as decisões de gestão financeira, nomeadamente, em matéria de cumprimento das responsabilidades fiscais, foram, da sua responsabilidade, tal como todas as consequências que daí advieram.

E. Desta forma, pode afirmar-se que a situação económica da sociedade devedora originária depende das decisões que têm vindo a ser tomadas ao longo do tempo pelos órgãos sociais desta, designadamente, desde a sua constituição.

F. Com a devida vénia, sendo a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados, exteriorizados pelo seu gerente, a Fazenda Pública fez a prova da prática desses atos que vinculam a sociedade devedora originária perante terceiros, designadamente perante a administração Tributária.

G. Não resulta dos autos, qualquer esforço praticado, pelo oponente, ora recorrido, de forma a evitar que as opções por si tomadas culminassem em diversas dividas, perante a Autoridade Tributária, designadamente planos de pagamentos em prestações; prestação de garantia idónea, etc.

H. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária limitou-se ao estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT.

I. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça».

Contra-alegações não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso porquanto e, nomeadamente, “no caso vertente, compulsado o despacho de reversão, verifica-se, desde logo, que nada foi alegado quanto à culpa do revertido, ora Recorrido”.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a resolver e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela ilegitimidade substantiva do oponente para a execução fiscal.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
De facto:
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) No Serviço de Finanças de Loures -1 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1…….. contra a sociedade “A....... & F......., Lda.”, para cobrança coerciva de dívida de IVA do ano de 2005, no valor total de € 19.209,26 (cfr. fls. 2 e 3 do PEF apenso);

B) O oponente foi no período de 16-06-1989 a 02-10-2006 sócio-gerente da sociedade executada (cfr. certidão de fls. 23 a 26 do PEF apenso e ponto 9 da petição inicial);

C) A forma de vincular a sociedade executada, no período referido na alínea anterior, era pela assinatura de dois gerentes (cfr. certidão de fls. 23 a 26 do PEF apenso);

D) Por despacho de 28-10-2009 do Chefe de Finanças de Loures-1, foi determinada a preparação do processo para efeitos de reversão da execução contra o oponente na qualidade de responsável subsidiário e a sua notificação para efeitos de audição prévia (cfr. fls. 28 do PEF apenso);

E) Do auto de diligências referido no despacho para audição prévia foi elaborado em 10-08-2009, consta, para além do mais, que a sociedade não se encontra a laborar no local da sede, desconhecendo-se o seu actual paradeiro e que não foram encontrados bens, direitos ou rendimentos penhoráveis na pesquisa aos sistemas informativos existentes (cfr. fls. 22 e 28 do PEF apenso);

F) Da notificação feita ao Oponente para efeitos de audição prévia, consta como projecto da reversão, o seguinte:

«Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (artº 23º/nº 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo (art. 24º/nº1/a) LGT).
A firma não se encontra a laborar na morada da sua sede, insuficiência de bens penhoráveis, conforme Auto de diligências. Gerente conforme Certidão Permanente (…)» (cfr. fls. 27 do PEF apenso);

G) O Oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia (cfr. fls. 27 e 29 do PEF apenso);

H) – A execução foi revertida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loures-1, de 21-10-2010 contra o aqui oponente, com os seguintes fundamentos:

«Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo (art. 24º/nº1/a) LGT).
Utilizou o Direito de Audição prévia, de acordo com o disposto no n.º4 do Art. 23.º da Lei Geral Tributária (L.G.T.), mas sem elidir de forma concreta a presunção legal da sua responsabilidade subsidiária.» (cfr. fls. 47 do PEF apenso);

I) – Em 30-03-2010 o oponente foi citado na execução por reversão (cfr. fls. 51 e 52 do PEF apenso);

J) - A oposição deu entrada em 27-04-2010, no serviço de finanças (cfr. Carimbo aposto na petição de fls. 4 dos autos).

*
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram outros factos para além dos referidos supra.

*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Invoca a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que a Administração tributária não fez prova da culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária para solver as dívidas.

Mostram os autos e o probatório que a reversão se concretizou nos termos da responsabilidade subsidiária prevista na alínea a) do n.º1 do art.º24.º da Lei Geral tributária (cf. projecto e despacho de reversão, a fls.37 e 51 do PEF apenso).

Dispõe o n.º1 daquele art.º24.º da LGT:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

É pacifica a jurisprudência, de que se destaca o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/02/2013, proferido no procº0642/12, no sentido de que, «[a] alínea a) do nº 1 do art. 24º abrange apenas as situações em que o gerente à data da constituição das dívidas já não o era na altura em que estas deviam ter sido pagas (razão por que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para esse posterior pagamento, competindo à FP o ónus da prova dessa culpa)».

Com efeito, acompanhando o douto parecer da Exma. Senhora PGA, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º24.º da LGT, a AT não goza de qualquer presunção legal de culpa e, por isso, sobre ela recai, como titular do direito de reversão, o ónus de alegar e substanciar a culpa do gerente na situação de insuficiência do património social para solver a dívida e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o critério legal de repartição do ónus da prova constante do n.º1 do art.º74.º da LGT, segundo o qual, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem as invoque».

Ora, nem a AT enunciou nos actos de reversão que praticou quaisquer factos integrativos da culpa do oponente, como lhe era exigido posto que concretizou a reversão pela alínea a) do art.º24.º da LGT, nem a Fazenda Pública ensaiou na oposição qualquer prova tendente a infirmar a alegação do oponente de que nada lhe fora imputado a título de dolo ou negligência grave na diminuição das garantias patrimoniais da sociedade devedora originária.

Aliás, resulta manifesto que na óptica da AT e da Recorrente é possível extrair o juízo de culpa do oponente partindo unicamente dos factos relativos à efectividade da sua gerência mas não é assim, pois como refere Rui Barreira, “A Responsabilidade dos Gestores de Sociedades por Dívidas Fiscais”, Rev. Fisco n.º18, pág.4, para que a responsabilização dos gestores se possa fazer é necessário que estes tenham com efectividade exercido funções no âmbito das quais se originou a diminuição ilícita do património da sociedade.

A sentença, ao concluir pela ilegitimidade substantiva do oponente para a execução, não incorreu nos apontados erros de julgamento, merecendo ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2020


Vital Lopes



Luísa Soares



Mário Rebelo