Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11278/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:08/29/2014
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO
SEGREDO DE JUSTIÇA
Sumário:I – Pretendendo o Recorrente aceder a relatórios de auditoria e a outros documentos insertos num processo penal, em fase de inquérito, está essa informação protegida pelo segredo de justiça e devem aplicar-se a esse pedido de informação os artigos 86º a 90º do CPP e o regime ali estabelecido.

II - Conforme os artigos 86º e 89º do CPP, o pedido de acesso à informação contida nesse processo penal, ou aos documentos que ali estão incluídos, é agora apenas e só da competência da autoridade judiciária respectiva (MP ou JIC).

III - A simples junção dos documentos ou relatórios ao processo penal torna-os integrantes desse processo e, nessa medida, o ora Recorrente a eles só se poderá aceder nos termos do regime previsto no CPP.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Banco ……….., SA
Recorrido: Ministério das Finanças
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que negou provimento ao pedido de fornecimento de cópia certificada do Relatório de Auditoria elaborado pela Inspecção Geral de Finanças (IGF), em 2008, de avaliação do exercício de 2007 da ……………, SA (C....) e que apresentou conclusões quanto à matéria dos contratos de swaps celebrados por aquela empresa e de cópia certificada de «outros relatórios ou documentos afins» da IGF sobre a mesma matéria e sobre a empresa C.........., elaborados entre 2005 e 2013.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões:
«(…)»

O Recorrido não contra alegou.
O DMMP emitiu o parecer de fls. 747 a 750, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Sem vistos prévios, cumpre decidir.
Os Factos
Em aplicação do artigo 663º, n.º 6, do (novo) CPC, não tendo sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1º instância.
Nos termos dos artigos 662º, n.º 1 e 665º, n.ºs 1 e 2, do (novo) CPC, acrescenta-se o seguinte facto, por provado:
3- Com data de 15.01.2014 foi enviado pelo DIAP à SGMF o ofício de fls. 616 dos autos, que tem o seguinte teor:
« (…)» (cf. doc. de fls. 616).
O Direito
Invoca o Recorrente a nulidade decisória por não se ter conhecido do pedido formulado a final da PI, na alínea b), relativo a «outros relatórios ou documentos afins» da IGF, sobre a mesma matéria, elaborados entre 2005 e 2013.
Mais invoca o Recorrente um erro de julgamento por o relatório de auditoria da IGF de 2008 e os «relatórios ou documentos afins», de que se requereu cópia, não serem actos processuais, ou actos de investigação, ou diligências praticadas e realizadas no decurso do inquérito judicial, na asserção do artigo 86º, n.º 8, do CPP e nessa medida não estarem sujeitos a segredo de justiça. Considera o Recorrente que os indicados documentos foram emitidos pela entidade fiscalizadora e são de natureza financeira, foram elaborados antes do inquérito criminal e que por isso são documentos que não estão abrangidos pelo segredo de justiça, ou tal abrangência teria de ser parcial e não na sua totalidade. Alega também o Recorrente, que mesmo que tais documentos estivessem abrangidos pelo segredo de justiça tem um interesse directo pessoal e legítimo, suficientemente relevante para aceder aos mesmos.
Quanto à invocação de uma nulidade decisória por omissão de pronúncia, a mesma não se verifica.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. artigos 660º, nº 2, 668º, n.º 1, alínea d), do antigo CPC, 607º e 615º, n.º 1, alíneas b) a d) do novo CPC).
Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão.
Ora, no caso em apreço, o tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o tribunal as razões de facto e de direito que levavam à sua decisão. Na decisão recorrida explicou o tribunal de forma compreensível o seu raciocínio, considerando globalmente todos os relatórios ou a «documentação» peticionada como salvaguardada pelo segredo de justiça.
Logo, falece a indicada nulidade.
Mais se refira, que quer no requerimento para obter a informação não procedimental, quer na alínea b) da PI, o Recorrente não formulou um pedido relativo a concretos relatórios e documentos, efectivamente existentes, mas antes peticionou para serem dadas cópias de «outros “relatórios” ou documentos afins da Inspecção Geral de Finanças sobre a mesma matéria, elaborados entre 2005 e 2013» (cf. PI e facto provado em 1).
Igualmente, resulta dos factos provados em 2 e 3 e das diligências instrutórias mencionadas na decisão recorrida, constantes de fls. 611, 612, 622, 623, 639, 640, 658 e 659, sobre as quais incidiram as respostas do Recorrente dadas por requerimentos de fls. 629 a 631, de fls. 648 e de fls. 667 a 669, que os relatórios e documentos na posse do Ministério das Finanças (MF) quanto à matéria dos contratos de swaps celebrados pela C……., elaborados entre 2005 e 2013, onde se incluirá o relatório de auditoria elaborado de avaliação do exercício de 2007, afinal os documentos que o ora Recorrente pretende aceder, terão sido remetidos ao DCIAP e incluídos no processo de inquérito n.º 83/13.3TELSB.
Logo, atendendo aos factos provados e à tramitação havida nos presentes autos, ter-se-á que entender que os documentos cuja acesso o Recorrente pretende estão insertos no indicado processo de inquérito.
Daí que na decisão recorrida se tenha considerado que os «documentos» peticionados estavam abrangidos pelo segredo de justiça, não podendo a eles aceder o Recorrente por via da invocação do seu direito de informação não procedimental.
O direito à informação procedimental e não procedimental está consagrado nos artigos 268º, n.º 1, da CRP e 61º e ss. do CPA.
Trata-se de um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, que só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição e por lei geral e abstracta. Partilha tal direito de informação do regime aplicável aos direitos, liberdades e garantias e a sua interpretação ter-se-á que fazer necessariamente àquela luz. Nesta matéria, não cabe à Administração criar quaisquer restrições, mas, antes, deve pautar a sua conduta pela mais ampla colaboração com o particular.
Nos termos dos citados preceitos legais, uma vez apresentado o requerimento a solicitar a passagem de certidões ou informações administrativas, devem as mesmas ser fornecidas no prazo de 10 dias (cf. artigos 63º, n.º 1 e 64º do CPA).
Não sendo passadas as certidões ou prestadas as informações solicitadas naquele prazo, os interessados podem lançar mão à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista e regulada nos artigos 104º a 108º do CPTA (cf. também os artigos 61º e 62º do CPA).
Vigora aqui a regra do princípio do arquivo aberto ou da administração aberta, legalmente consagrado nos artigos 65º do CPA e 1º da Lei n.º 46/2007, de 24.98.
O acesso à informação não procedimental compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a existência e conteúdo dos documentos administrativos – cf. artigos 5º e 11º da Lei n.º 46/2007, de 24.98.
As restrições a este direito só poderão ser as legalmente indicadas.
Ora, estipula o artigo 6º, n.º 2, da Lei n.º 46/2007, de 24.08, que «o acesso a documentos referentes a matérias em segredo de justiça é regulado em legislação própria».
Quanto ao dever de proteger o segredo de justiça é uma imposição constitucional decorrente do artigo 20º, n.º 3, da CRP.
Tal dever tem consagração nos artigos 86º a 90º do CPP.
Ou seja, no caso em apreço, resulta que os documentos a que o ora Recorrente pretende aceder com base no seu direito de informação não procedimental, são agora documentos insertos num processo de inquérito, portanto, são documentos aos quais se aplicam os indicados artigos 86º a 90º do CPP e o regime ali estabelecido.
Face aos factos apurados, os citados documentos ou os seus originais nem sequer estarão na posse da entidade administrativa que os emitiu, mas antes estarão na posse dos órgãos judiciários.
Por conseguinte, o que o ora Recorrente pretenderá já não é uma informação apenas administrativa, mas antes é uma informação que integra um processo penal, neste momento em fase de inquérito.
Assim, conforme os artigos 86º e 89º do CPP, o pedido de acesso à informação contida nesse processo penal, ou aos documentos que ali estão incluídos, é agora apenas e só da competência da autoridade judiciária respectiva (MP ou JIC).
Dito de outra forma, aqui já não está em causa a prestação de uma informação administrativa por banda da entidade demandada, o MF, mas antes a prestação de uma informação inserta num processo penal, que está sujeita a segredo de justiça. Quanto ao acesso pelo ora Recorrente a essa informação ter-se-á que fazer nos termos do CPP e mediante requerimento no respectivo processo à autoridade judiciária.
Face ao actual CPP quem tiver um interesse legítimo (ou quem for o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado ou o responsável civil) pode, no âmbito daquele processo de inquérito, consultar o mesmo e dele obter cópias, extractos e certidões (cf. arts. 86º, n.º 6, alínea c), 88º, n.º 2, alínea a), do CPP 89º, n.ºs 1 e 4 e 90º, n.º 1 do CPP).
Nestes termos, é perfeitamente irrelevante toda a argumentação do Recorrente relativa ao seu direito de acesso à informação administrativa, ou ao seu interesse nessa informação quando requerido ao MF e avaliado nos termos do CPA.
Isto porque, como acima se disse, aqui já não se está frente a um direito de acesso a uma informação administrativa, na posse de uma entidade administrativa, mas antes está-se a tentar aceder a uma informação inserta num processo penal, em fase de inquérito, que goza de um dever de segredo de justiça. Consequentemente, é no referido processo penal que deve ser requerido o acesso aos relatórios e documentos acerca dos contratos de swaps celebrados pela CARRIS e é às autoridades judiciárias competentes – MP ou JIC – que compete a apreciação desse pedido, não ao MF.
Aliás, face ao artigo 86º, n.º 8, do CPP, o MF está agora sujeito a um dever de salvaguarda do segredo de justiça, pelo que mesmo que detenha ainda alguma cópia dos documentos insertos no processo penal, ou ainda que tenha conhecimento do teor dos documentos ali insertos, não os poderá divulgar, sob pena de os titulares dos órgãos que o fizerem puderem ser punidos criminalmente.
Da mesma forma, irreleva a argumentação do Recorrente relativa à destrinça entre actos processuais e documentos produzidos no âmbito do processo de inquérito e documentos administrativos que ai foram juntos. Na verdade, a simples junção dos documentos ou relatórios ao processo penal torna-os integrantes desse processo e, nessa medida, o ora Recorrente a eles só se poderá aceder nos termos do regime previsto no CPP (cf. neste sentido, as anotações ns.º 5 e 6 ao artigo 6º da anterior Lei n.º 65/93, de 26.08, mas com redacção semelhante à actual lei, de Raquel Carvalho, quando refere que apesar de um documento poder provir de um processo administrativo, uma vez integrado num processo penal só deverá ser acedido por via deste processo - in Lei de Acesso aos Documentos da Administração, publicações da Universidade Católica, Porto, 2000, págs. 34 e 35).
Em suma, há que confirmar a decisão recorrida, improcedendo, in totum, o presente recurso.
A Decisão
Pelo exposto, acordam em
- negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
- custas pelo Recorrente.
Lisboa, 29 de Agosto de 2014
(Sofia David)
(Pedro Marques)
(Frederico Branco)