Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:47/15.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IUC
INCIDÊNCIA SUBJETIVA
Sumário:I - O IUC está legalmente configurado para funcionar em articulação com o registo automóvel.
II - O art.º 3º/1 do Código do IUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário.
III - Mas essa presunção é ilidível por força do art.º 73º da LGT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

Banco B…, S.A., e a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação do imposto único de circulação (IUC), referente ao mês de julho de 2014, no montante global de € 1 284,59, dela vieram recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente Banco B…, SA, formula as seguintes conclusões:

1. Dar-se por não escrita a parte final do que consta do nº 6 e consequentemente do nº 7 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, na parte e na medida onde se refere que “a impugnante não ter identificado os locatários”;
2. Deve dar-se como provado que a Impugnante em 1ª Instância, ora recorrente, identificou devidamente todos os locatários dos veículos a que é feita referência nos autos, designadamente e expressamente também os veículos a que respeita a condenação da sentença recorrida objeto do pressente recurso;
3. Deve dar-se como provado que todos e cada um dos veículos objeto do contrato dos autos, designadamente aqueles constantes da sentença recorrida na parte objeto da condenação a que respeita o presente recurso, estavam em poder dos locatários respetivos no decurso do mês de Julho de 2014, ou seja na data a que respeitam as liquidações constantes na impugnação judicial onde foi proferida a sentença recorrida.

Deve pois o presente recurso ser julgado procedente e provado e, consequentemente, reconhecer-se que a inscrição como proprietário do registo automóvel não é suficiente só por si para garantir o preenchimento da norma de incidência subjetiva do imposto, e tratando-se de presunção a mesma pode ser ilidida, como foi o caso dos autos, se a viatura se encontrar na posse titulada de terceiro, no caso em concreto no caso dos locatários que identificados foram, conforme antes referido, desta forma se julgando procedente e provado o presente recurso e, de harmonia com disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação, preceito violado na sentença recorrida, julgar-se o presente recurso procedente e provado e, consequentemente revogar-se a sentença recorrida na parte objeto do presente recurso, julgando-se a impugnação judicial onde foi proferida a dita sentença totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo
JUSTIÇA


Notificada para o efeito, a Recorrida não apresentou contra-alegações.


Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, formulou as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pela impugnante Banco B…, SA, e em consequência, determinou a anulação das liquidações de IUC relativas ao mês de julho de 2014, no valor de € 834,74 referentes aos veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-….
II. Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública não se constituírem os factos provados nos presentes autos como factos suscetíveis de sustentar a orientação definida pelo Tribunal a quo, porque entende não se revelarem os documentos – contratos de locação operacional com promessa de compra e venda – em que a douta sentença faz assentar a sua decisão, como aptos a produzir a prova pretendida pela Impugnante, designadamente que os bens sujeitos a registo em causa nos presentes autos e dos quais derivam as liquidações de IUC impugnadas se encontravam em poder dos locatários ao abrigo de contratos de locação operacional válidos no momento em que o IUC se tornou exigível, eximindo-se, assim, à responsabilidade própria de sujeito passivo de IUC.
III. Pois que, a entender-se que do artigo 3.º do CIUC decorre a presunção ilidível de que a pessoa inscrita no Registo Automóvel é o seu proprietário, e como tal sujeito passivo de IUC, teremos forçosamente de concluir que estamos perante uma presunção legal,
IV. e de acordo com o prescrito no artigo 350.º do Código Civil a existência de presunção legal, que constitui prova plena, dispensa a parte a favor da qual a mesma se constitui da prova do facto a que tal presunção conduz,
V. daí decorrendo um ónus probatório a cargo da parte contrária, reconduzido à prova efetiva de que o facto presumido (presunção legal) não é verdadeiro, de modo a que não subsista qualquer dúvida, conforme exigido pelo disposto no artigo 347.º do Código Civil,
VI. O que significa que não basta opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (Cf. artigo 346.º Código Civil), que torne os factos presumidos duvidosos, mas pelo contrário, a parte contrária tem de demostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer dúvida de que os factos resultantes da presunção não são reais, o que é reafirmado pelo Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, processo 08300/14, de 19-03-2015.
VII. Assim, para que a presunção decorrente do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC e do artigo 1.º, n.º 1, do Código do Registo Automóvel fosse ilidida teria a Impugnante de provar, inequivocamente, que os veículos se encontravam na posse dos locatários e ao abrigo de contratos de locação em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto, antendo os seus efeitos como se fossem válidos em julho de 2014, para, nesse caso, caber ao locatário e não ao locador a obrigação de proceder ao pagamento do imposto,
VIII. e tal prova inequívoca não resulta dos referidos contratos, até porque da análise dos mesmos, não obstante a data do términus do contrato ser posterior à data da exigibilidade do IUC, e ainda que conjugados com contratos promessa de compra e venda dos veículos, não resulta a prova, que se impunha, que os contratos mantinham os seus efeitos como válidos e que os referidos veículos se encontravam entregues e na posse dos locatários ao abrigo de tais contratos à data da exigibilidade do IUC em crise nos presentes autos,
IX. uma vez que, por vicissitudes várias, tais contratos poderiam ter terminado antes, designadamente por via da denúncia, resolução ou incumprimento do contrato, pelo que, se o facto tributário ocorreu em julho de 2014, então era nessa data que tinha de ser provada a posse dos locatários ao abrigo de contratos em vigor.
X. Nesta conformidade, impunha-se que a Impugnante alegasse e provasse que, em julho de 2014, os contratos de locação operacional estavam em vigor, por exemplo, juntando os comprovativos de pagamento da renda paga, o que não fez.
XI. Logo, não tendo a Impugnante logrado provar que os veículos se encontravam em poder dos locatários ao abrigo de contratos de locação operacional válidos, daqui resulta que a Impugnante não fez prova de factos capazes de ilidir a presunção do artigo 3.º n.º 1 CIUC, sendo, portanto, o sujeito passivo de imposto.
XII. E sob pena de se beliscarem irremediavelmente princípios estruturantes do registo, como a publicidade e a segurança que do mesmo derivam, a ilisão da presunção não se basta com factos que mostrem a mera probabilidade de factos contrários.
XIII. E refira-se ainda que, desde 2008, data muito anterior à da ocorrência dos factos tributários, estava em vigor legislação que permitia ao vendedor atualizar o registo, de forma unilateral, promovendo o registo dos veículos em nome dos compradores, através de um simples requerimento (nos termos do artigo 25º nº 1 al. d), do Regulamento do Registo Automóvel) Também, desde 2001, que a obrigação de declarar a venda por parte do vendedor à autoridade competente para a matrícula se encontra expressamente estabelecida no art. 118° n°4, do Código da Estrada.
XIV. A todo o sobredito acresce que é transversal a todos os contratos de locação juntos aos autos uma cláusula da qual decorre que o locatário suporta a despesa com os impostos, pelo que, não havendo qualquer registo da locação, nem qualquer cumprimento do disposto no artigo 19º do CIUC, a despesa tem de lhe ser apresentada pelo locador, que é proprietário e por aí se assume como o sujeito passivo do IUC, fazendo-o depois repercutir ao locatário, por via meramente contratual. Mas desconhece-se, se o locatário até veio a compensar a impugnante por essa suposta despesa.
XV. Por todo o exposto, e face ao incumprimento do ónus que sobre a Impugnante impendia, decorrente das normas de direito probatório material contidas nos artigos 350.º e 347.º do Código Civil, a douta sentença ao julgar parcialmente procedente a presente impugnação fê-lo incorrendo em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão no que se refere à alegada prova de que os veículos se encontravam entregues aos locatários ao abrigo de contratos de locação operacional válidos no momento em que se tornou exigível o IUC em crise nos presentes autos, mais incorrendo em erro de julgamento de direito por violação do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC e do n.º 1 do artigo 1.º do Código de Registo Automóvel.

Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências.
Sendo que V. Exas., Decidindo, farão a Costumada Justiça

Notificada das alegações apresentadas, o aqui Recorrido BANCO B…, S.A contra-alegou, concluindo como se segue:

«Em conclusão, portanto, o recurso improcede, na medida em que a sentença recorrida fez correcta e exacta interpretação e aplicação da matéria de facto provada na instância, interpretou e aplicou correctamente o disposto nos números 1 e 2 do artigo 3º e no artigo 4º, do Código do Imposto Único de Circulação, nenhuma censura merecendo consequentemente a sentença recorrida que, como se requer, deverá ser confirmada, julgando-se o recurso improcedente desta forma se fazendo JUSTIÇA»



Os recursos foram admitidos com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira, devendo a douta sentença sob recurso ser parcialmente revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de saber se a sentença padece erro de julgamento na seleção, apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito, nomeadamente por errada interpretação e aplicação da matéria de facto e por violação do disposto no n° 2 do artigo 3° do Código do Imposto Único de Circulação (IUC), e do disposto no artigo 5° do Registo Automóvel, e ainda quanto ao cumprimento pelos locadores da obrigação prevista no artigo 19.º do mesmo Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto.


II.1- Dos Factos

A) O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. «A Impugnante realizou, na posição de locadora, os seguintes contratos de locação operacional de veículos automóveis:



1. Nos contratos descritos em 1) está definido que a Impugnante mantém a propriedade do veículo e o locatário o gozo temporário do mesmo, durante um período de tempo estipulado, mediante o pagamento de rendas (cf. contratos a fls. 47 a 298 do Vol. II do PA apenso aos autos);

2. Nas mesmas datas em que foram realizados os contratos descritos em 1), foram também realizados contratos promessa de compra e venda dos veículos aos respetivos locatários (cf. contratos a fls. 47 a 298 do Vol. II do PA apenso aos autos);

3. Em 30-07-2014 os serviços da Administração Tributária (AT) emitiram em nome da Impugnante as seguintes liquidações de IUC respeitantes aos veículos referidos em 1) no valor total de € 1.266,59:





1. Em 12-08-2014 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista reclamar graciosamente das liquidações descritas em 4) (cf. reclamação a fls. 3 a 22 do Vol. II do PA apenso aos autos);

2. Em 07-11-2014 os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante uma informação sobre a reclamação descrita em 5), no sentido do seu indeferimento por os contratos de locação já terem terminado à data das liquidações e por a Impugnante não ter identificado os locatários (cf. informação junta à PI a fls. 61 a 64 dos autos);

3. Em 28-11-2014, foi proferido despacho a concordar com a informação descrita em 6) (cf. despacho junto à PI a fls. 61 a 64 dos autos);

4. Em 07-01-2015, deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF);

5. Em 09-09-2015 os veículos descritos em 1) estavam registados em nome da Impugnante (cf. informação da Conservatória do Registo Automóvel a fls. 75 a 85 do Vol. I do PA apenso aos autos).


A) Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.»



B) E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos..»



II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrente impugnou judicialmente as liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) respeitantes ao mês de julho de 2014, relativamente aos veículos automóveis com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-….

A sentença recorrida julgou a impugnação parcialmente procedente anulando as liquidações de IUC relativamente aos veículos automóveis com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-…, e improcedente relativamente às demais.

Inconformada com o decidido, a Impugnante e ora Recorrente veio interpor o presente recurso circunscrito ao decaimento, e nas conclusões de recurso insurge-se contra a matéria de facto dada como provada na sentença [cf. conclusões (i) a (iii) das alegações de recurso], e com a interpretação e aplicação da matéria de facto e por violação do disposto no n° 2 do artigo 3° do Código do Imposto Único de Circulação (IUC).

Na verdade, quando impugna a matéria de facto, a ora Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso nesta parte.

Vejamos o que nos diz o artigo 640º Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 281º CPPT:

Artigo 640.º
(Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto)
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Desde já diremos que este ónus não foi cumprido pela ora Recorrente.

Com efeito, incumbe à Recorrente cumprir este ónus, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Contudo, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Nas alegações de recurso o Recorrente indica a alínea 6 do probatório cuja alteração pretende por confronto com a prova documental produzida, defendendo ter identificado os locatários dos veículos em causa e consequentemente também a alteração do conteúdo do facto provado em 7.

Como refere o Mmº Juiz a quo, no despacho de sustentação: não foi dado como provado no facto assente em 6) que a então Impugnante não identificou os locatários.
Antes foi dado como provado que a AT indeferiu o recurso hierárquico com esse fundamento

Com efeito consta da alínea 6. dos factos provados:
6. Em 07-11-2014 os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante uma informação sobre a reclamação descrita em 5), no sentido do seu indeferimento por os contratos de locação já terem terminado à data das liquidações e por a Impugnante não ter identificado os locatários (cf. informação junta à PI a fls. 61 a 64 dos autos);


Foi, aliás, dado por provado que os veículos automóveis foram objeto de locação financeira, mas também que a vigência dos respetivos contratos tinha já cessado por referência à data aqui relevante de julho de 2014.

De resto, o Tribunal a quo valorou de forma fundamentada e devidamente pormenorizada as razões que lhe permitiram fixar a factualidade constante probatório, permitindo sindicar quais as razões que fundaram o iter cognoscitivo, relevando os aspetos basilares dos documentos em que alicerçou a decisão da matéria de facto.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentar, improcede o alegado erro de julgamento da matéria de facto. Anote-se que a questão trazida à apreciação pelo Impugnante e ora Recorrente, dependia do sucesso da requerida alteração à matéria de facto, impugnação essa que improcede, pelas razões supra descritas.

Improcedendo a impugnação à matéria de facto e dada a dependência das conclusões com essa sua pretensão, estava o recurso condenado ao insucesso.

Em face do exposto improcedem todas as conclusões do recurso de Banco B…, SA.


Estabilizada a matéria de facto, vejamos agora quanto ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A questão suscitada pela Recorrente nas alegações de recurso, sobre se em matéria de locação financeira e para efeitos de elisão da presunção do artigo 3º.º do Código do IUC forçoso é que os locadores cumpram a obrigação prevista no artigo 19.º do mesmo Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto, ou seja, que procedam ao registo da situação jurídica de locação financeira e de quem é o locatário, foi já apreciada e decidida por este Tribunal Central Administrativo Sul, em vários acórdãos dos quais apenas citamos, por mais recente, o acórdão de 2024.01.11, proferido no processo nº 1460/16.3BELRS, disponível em www.dgsi.pt

Desde já adiantaremos que a sentença recorrida encontra-se bem fundamentada, cita e segue a principal jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a questão em causa nos autos e não merece a censura que lhe é feita.

Diz a sentença recorrida no segmento que aqui interessa:

(…)
Apelando à lei, a incidência subjetiva do IUC está definida no artigo 3.º do seu Código onde, à data dos factos, se dispunha que:
“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”.
Este preceito deve ser conjugado com o artigo 19.º do CIUC, no qual se estabelece que “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”.
Daqui, entende a AT, em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto, ou seja, que procedam ao registo obrigatório da situação jurídica da locação financeira e de quem é o locatário, o que a Impugnante não fez.
Todavia, o artigo 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal iuris tantum, ou seja, susceptível de prova em contrário, tendo a jurisprudência decidido que:
«O I.U.C. está legalmente configurado para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do artº.3, nº.1, do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. O citado artº.3, nº.1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G.T”. [...]
A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artº.347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr.artº.346, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais”.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01341/17, de 23-05-2018, disponível em www.dgsi.pt).
Face a este entendimento, não obstante não ter procedido ao registo a que alude o artigo 19.º do CIUC, pode a Impugnante efetuar prova que não é o sujeito passivo do imposto por este ser devido pelos locatários financeiros dos veículos.
E, no caso dos autos, face à prova produzida nos factos 1) a 4), efetivamente a Impugnante logrou ilidir a presunção que sobre ela incidia quanto aos veículos cujo contrato ainda não havia terminado à data das respetivas liquidações de IUC.
(…)

Como decorre dos excertos transcritos, entendeu-se na sentença recorrida que ilidida a presunção legal que decorre do artigo 3º nº 1 do CIUC, com base na prova dos factos vertidos nas alíneas 1. A 4. dos factos provados.

E a ora Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira não impugnou a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.

Demonstrou-se nesta que apesar de os veículos automóveis em causa permanecerem na titularidade da Impugnante e ora Recorrida estavam, no período em causa, em poder de locatários, a quem estavam entregues em regime de locação financeira titulada por contrato.

Ora seguindo a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul, nomeadamente o já citado acórdão de 2020.01.11 no processo nº 1460/16.3BELRS e demais jurisprudência nele citada, com a qual concordamos: (i) a inscrição como proprietário no registo automóvel não é suficiente só por si para garantir o preenchimento da norma de incidência subjetiva do imposto único de circulação; (ii) tratando-se de presunção, a mesma pode ser ilidida se a viatura se encontrar na posse titulada de terceiro (art.º 73.º da LGT).

Assim, e tal como se decidiu no supra citado acórdão, equiparando a lei, para efeito de incidência subjetiva do imposto, a locação financeira à de propriedade (cf. nº 1 e 2 do artigo 3º CIUC), tendo a Impugnante e ora Recorrida provado a existência de contrato válido e de entrega dos veículos aos locatários, em cujo poder se encontravam à data da exigibilidade do imposto (artigo 4º CIUC), tal é suficiente para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC sobre o proprietário inscrito, em que se suportaram as liquidações de imposto cuja anulação foi peticionada nos autos pela impugnante.

É certo que o artigo 19.º do Código do IUC estabelece:
«Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respetiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados».

No entanto, como bem se nota no ac. deste TCAS, de 03/25/2021 tirado no proc.º 1347/14.4BELRS, «Não é o incumprimento da obrigação acessória da identificação dos locatários/possuidores do veículo que transforma o impugnante em sujeito passivo do imposto», sob pena de se «…afrontar o princípio da capacidade contributiva, consagrado no artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização ou do seu património» (vd. ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 06/03/2020, tirado no proc.º 0467/14.0BEMDL 0356/18), salientando-se que tal obrigação de identificação dos locatários de cada um dos veículos em causa foi suprida nos presentes autos.

Em suma, e tal como se decidiu no citado acórdão, também nos presentes autos concluímos que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao concluir que as liquidações impugnadas, bem como a decisão de reclamação graciosa que as manteve, quanto aos veículos em causa, enfermam de vício de violação de lei por erro nos pressupostos, conducente à sua anulação.

Em face do exposto improcedem todas as conclusões do recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pelas Recorrentes, que ficaram vencidas.


Sumário/Conclusões:

I - O IUC está legalmente configurado para funcionar em articulação com o registo automóvel.
II - O art.º 3º/1 do Código do IUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário.
III - Mas essa presunção é ilidível por força do art.º 73º da LGT.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento a ambos os recursos, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelas Recorrentes, que decaíram, nos termos expostos.

Lisboa, 14 de março de 2024
Susana Barreto

Patrícia Manuel Pires

Maria Isabel Ferreira da Silva