Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:588/13.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS;
AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).
III – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por N…… e M…… da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), e respectivos juros compensatórios, do ano de 2008, no montante total de € 3.929,96.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formululou as seguintes conclusões:
«I. Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário – liquidação de IRS referente ao ano de 2008, no montante de € 3.929,96 por ter considerado que a Administração Tributária não demonstrou a natureza não compensatória dos montantes recebidos pelo Impugnante marido.

II. Que o mesmo evidencia uma falta de análise da situação laboral e concreta do Impugnante, com recurso a afirmações vagas e genéricas, não explicitando a situação individual do Impugnante.

III. Resulta do respetivo Relatório que os serviços Inspetivos concluíram não constituírem os boletins de itinerário detetados prova fiável ou credível, quer por não se encontrarem completos, quer por nem sequer estarem assinados pelos trabalhadores, o que necessariamente fez com que deixasse de existir quanto aos mesmos qualquer presunção de veracidade e de boa fé, nos termos do disposto no art.º 75.º da LGT, pelo que de nenhum sentido faria a Autoridade Tributária tê-los em

IV. A AT fez prova da natureza remuneratória dos montantes auferidos a título de ajudas de custo;

V. Os pagamentos eram feitos de forma regular e continuada.

VI. Não tinham os valores caracter compensatório por deslocações esporádicas ou excecionalmente realizadas ao serviço da entidade empregadora, mas sim deslocações diárias para o domicílio necessário do trabalhador, onde este efetivamente prestava os seus serviços.

VII. Ficou demonstrado que não houve uma efetiva deslocação do trabalhador ao serviço da entidade patronal.

VIII. E indicaram também, os serviços inspetivos, que relativamente ao Impugnante marido prestou serviço em 2008 na “A……. – Setúbal, que o mesmo fazia deslocações diárias entre as 7.00h e as 22h, de Setúbal, (onde reside) para A…. (sede da empresa), da A…. para Setúbal (onde exercia as funções) e de novo para A……., que o Impugnante marido também trabalhava alguns sábados, o que pressupunha trabalho suplementar, apesar de não existir qualquer referencia a esse facto nos mapas de pagamento.

IX. Assim, e salvo melhor opinião, caberia então aos Impugnantes virem fazer a prova que exige à Autoridade Tributária. E que não fez. Ou seja, caberá aos Impugnantes, vir demonstrar que, ainda assim, os valores que recebeu e que juntamente com a entidade contratante resolveram qualificar como ajudas de custo, tiveram natureza compensatória;

X. A fundamentação efetuada no relatório de inspeção tributária faz uma descrição e uma análise expressa aos elementos recolhidos junto da entidade empregadora sobre o trabalhador/Impugnante, em concreto o contrato de trabalho assinado pelo próprio, e os seus recibos de vencimento.

XI. As considerações genéricas efetuadas reportam-se aos procedimentos adotados pela entidade empregadora, quanto à contratação dos trabalhadores e à contabilização dos custos apurados em sede de procedimento inspetivo realizado à empresa.

XII. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos apurados – erro de julgamento de facto - e errada aplicação do direito – erro de julgamento de Direito, tendo violado o disposto na alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»

Os impugnantes vieram aos autos oferecer as suas contra alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.
B. O objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1do artigo 2.º do CIRS.
C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.
D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que sendo a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de nutação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da numa de tributação, sempre recairia sobre a AT.
F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Setúbal e que o local de trabalho era em A…., Seixal.
G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS.
H. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, "agarrando-se" a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.
I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido marido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.
J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.º do Código do IRS.
K. O pagamento das ajudas de custo e sua (não) tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
L. Neste sentido, o Acórdão do STA n.º 24239 de 15/12: "De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.º 519-M/79. De 28 de Dezembro " (actual DL 106/98).
M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido marido para Setúbal ao serviço da entidade patronal.
N. De facto, ficou provado que o Recorrido marido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da CMN.
O. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.
P. Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
Ou
Q. Demonstrar que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.
R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.
S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.
T. O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.
U. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que o Recorrido marido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em A…., Seixal, em obra sita em Setúbal, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.
V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido marido em Setúbal não eram ocasionais, o que não aconteceu.
W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido marido foi contratado para exercer funções em A….. - Seixal, na sede da empresa.
X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em A......, Seixal - Portugal -, e nunca em Setúbal.
Y. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.
Z. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.
AA. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da C... situa-se em A......, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na A......, podendo deslocar-se (!) para outros locais.
BB. De facto, o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho em A...... - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.
CC. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da CMN, obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.
DD. De facto, a questão da "residência habitual" deverá ser tida em primordial conta.
EE. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.
FF. Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.
GG. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.
HH. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C... nos processos n.ºs 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.
II. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa C..., com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.
JJ. No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 764/13.1BEPNF e 696/13.3BEALM, respectivamente, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (ut. Doc. n.º 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo­se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.
Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!»
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido que o recurso merecerá provimento.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pelo Recorrente nas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito na medida em que se verifica uma falta de análise da situação laboral concreta do Impugnante pela sentença recorrida, sendo que a AT fez prova no relatório de inspecção da natureza remuneratória dos montantes auferidos pelo Impugnante, e por conseguinte, caberia aos Impugnantes fazer prova da natureza de ajudas de custo das quantias auferidas.


II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. O Impugnante N...... auferiu, em 2008, rendimentos da sociedade “C... – M.... I..... N....., C...... S....., Lda.”, ao abrigo de contrato de trabalho dependente – facto não controvertido;
2. A sociedade “C... – M.... I..... N....., C...... S....., Lda.”, tem a sua sede na A......, Seixal – facto não controvertido;
3. A sociedade “C... – M.... I..... N....., C...... S....., Lda.”, clausulava, nos contratos de trabalho que celebrava com os seus trabalhadores, o seguinte:

(…)” – cfr. cópia de contrato de trabalho a fls. 151 dos autos, numeração SITAF;

4. No ano de 2008, o Impugnante N...... tinha a sua residência e domicílio fiscal em Setúbal - facto não controvertido;

5. No ano de 2008, o Impugnante N...... auferiu rendimentos ao abrigo de contrato de trabalho dependente celebrado com a sociedade “C... – M.... I..... N....., C...... S....., Lda.”, na “A..... – Setúbal” – facto não controvertido;

6. Em 4 de Maio de 2009, os Impugnantes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos auferidos em 2008, tendo o Impugnante N...... declarado no “Anexo A” da mesma, rendimentos de trabalho dependente no valor de € 17.591,44 – cfr. fls. 24 a 26 dos autos;

7. A sociedade “C... – M.... I..... N....., C...... S....., Lda.”, pagou, no ano de 2008, ao Impugnante N......, um valor a título de ajudas de custo de € 14.996,98 – cfr. fls. 27 dos autos, facto igualmente não controvertido;

8. Os Impugnantes foram sujeitos a procedimento de inspecção tributária credenciado pela ordem de serviço n.º OI201201..., tendo como âmbito a análise das obrigações tributárias em sede de IRS relativas ao ano de 2008, e assentando em elementos recolhidos na sociedade “C... – M.... I..... N....., C...... S....., Lda.” – cfr. Relatório da Inspecção Tributária a fls. 48 a 56 do processo administrativo apenso aos autos;

9. No âmbito da acção de inspecção referida no ponto anterior, foi elaborado, em 9 de Setembro de 2012, Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

"(...)

“Texto Integral com Imagem”






(…)” - cfr. fls. 22 e 23 dos autos;

10. Em 12 de Outubro de 2012, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal remeteram aos Impugnantes o ofício n.º 0282..., notificando-os do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção referido no ponto anterior, e no qual constava, designadamente, o seguinte:
“(…)
Notifica(m)-se de que, no prazo de 10 dias poderá(ão), querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, que se anexa, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT.
(…)
Acrescenta-se, a título informativo que, em caso de contra-ordenação, poderá(ão) beneficiar da redução das coimas para 75% do montante mínimo legal, devendo para o efeito apresentar o respectivo pedido de pagamento no Serviço de Finanças competente, nos termos do artigo 5.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e dar conhecimento do facto a este Serviço dentro do prazo indicado, a fim de ser considerado no respectivo relatório de inspecção – al. c) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 29.º do RGIT.
O pedido de pagamento de coimas com redução implica a regularização da situação tributária, pelo que sendo entregue(s) declaração (ões) de substituição ou guias de pagamento, conforme faculta o artigo 59.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 58.º do RCPIT, será(ão) de enviar a(s) respectiva(s) cópia(s) a este Serviço, juntamente com o documento referido no parágrafo anterior.
(…)” – cfr. fls. 71 do processo administrativo apenso aos autos;

11. Em 23 de Outubro de 2012, os Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de substituição para os rendimentos auferidos em 2008, tendo o Impugnante N...... declarado no Anexo A da mesma, rendimentos de trabalho dependente no valor de € 32.601,38 – cfr. fls. 73 a 81 do processo administrativo apenso aos autos;

12. Em 24 de Outubro de 2012, os Impugnantes apresentaram pedido de redução de coima no âmbito da inspecção que tem vindo a ser referida – cfr. fls. 79 dos autos;

13. Em resultado do procedimento inspectivo que tem vindo a ser referido, foi emitido, em 29 de Outubro de 2012, Relatório de Inspecção Tributária, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)







"Texto Integral com Imagem”




(…)” – cfr. fls. 48 a 56 do processo administrativo apenso aos autos;

14. Mais constava no referido Relatório de Inspecção Tributária que “[o] direito de audição não foi exercido, no entanto, no decurso do prazo concedido, os sujeitos passivos entregaram, via Internet, no dia 23-10-2012, a declaração de substituição referente aos rendimentos provenientes do trabalho dependente, pagos pela empresa C..., no valor de € 32.601,38, em consonância com os valores apurados no Projecto de Relatório” – cfr. fls. 56 do processo administrativo apenso aos autos;

15. Em 29 de Outubro de 012, foi emitida, em nome dos Impugnantes, a liquidação adicional de IRS do ano de 2008 n.º 2012 5005022…., no valor a pagar de € 2.175,63 – cfr. fls. 40 dos autos;

16. Em 6 de Novembro de 2012, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração de acerto de contas n.º 2012 0001796…., em nome dos Impugnantes e referente ao ano de 2008, no valor total a pagar de € 3.929,96, tendo como data limite de pagamento 12 de Dezembro de 2012 – cfr. fls. 41 dos autos;

17. Na demonstração de acerto de contas referida no ponto anterior estava incluído o valor de € 468,78, respeitante às liquidações de juros compensatórios n.º 2012 00002076…. e 2012 00002076…. – cfr. fls. 41 e 42 dos autos;

18. Os Impugnantes apresentaram Reclamação Graciosa da liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios, do ano de 2008, indicadas nos pontos supra, a qual foi indeferida, em 12 de Maio de 2013, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, sustentando-se em informação dos serviços – cfr. fls. 124 a 127 do processo administrativo apenso aos autos.

II- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.

II- C – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais (cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil).»

*

Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra transcrita o Meritíssimo Juiz a quo julgou procedente a Impugnação judicial, entendendo, em síntese, que incumbia à Autoridade Tributária (AT) a demonstração da natureza não compensatória das verbas recebidas pelo Impugnante, o que não foi feito, motivo pelo qual devem ser consideradas como ajudas de custo não tributáveis em sede de IRS.

Invoca a Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento de facto porque não analisou a situação laboral concreta do Impugnante, e resulta do relatório de inspecção a prova da natureza remuneratória dos montantes auferidos pelo Impugnante.

Entende a Recorrente que, por um lado, ficou demonstrado que não houve efectiva deslocação do trabalhador ao serviço da empresa, e por outro lado, demonstrou-se que os boletins de itinerário não constituem prova fiável ou credível.

Assim sendo, conclui que se verifica erro de julgamento de direito, uma vez que caberia aos Impugnantes fazer prova da natureza de ajudas de custo das quantias auferidas.

Vejamos.

Conforme se escreveu no acórdão do TCA Norte, de 10/11/16, no processo nº 00764/13.1 BEPNF “A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.
Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patronal, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.
Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.
A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.
Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal, mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG.

Ora, aplicando o supra exposto ao caso dos autos verifica-se que a sentença recorrida não merece censura.

Desde logo, cumpre referir que a sentença recorrida, ao contrário que entende a Recorrente, analisou a situação concreta do Impugnante:

“No caso em concreto, a Autoridade Tributária, assenta a desconsideração das quantias pagas ao Impugnante N...... como sendo ajudas de custo, em 2 elementos principais, conforme se extrai do Relatório de Inspecção Tributária emanado do procedimento inspectivo a que os Impugnantes foram sujeitos (cfr. ponto 13 do probatório):
i) Tendo verificado que o domicilio fiscal do Impugnante N...... é em Setúbal, e que prestou serviços na “A..... – Setúbal”, não se compreende a necessidade de deslocações diárias à sede da entidade empregadora, na A......;
ii) Analisada a folha de itinerário do mês de Maio, o Impugnante N...... iniciava o serviço às 7 horas e regressava à A...... às 22 horas, trabalhando também alguns sábados, o que pressupõe que o mesmo prestou trabalho suplementar, no entanto, nos mapas de pagamento não consta qualquer referência a trabalho extraordinário efectuado para além do horário normal.
Tendo concluído, a Autoridade Tributária, por tal, que a título de ajudas de custo foram recebidos valores de forma fixa, regular e permanente durante o ano de 2008, os quais não visaram compensar o trabalhador por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim remunera-lo.
Ora, desde já se adianta que manifestamente a Autoridade Tributária não cumpriu o ónus probatório que à mesma incumbia, assentando a sua conclusão em aspectos manifestamente genéricos e insuficientes para demonstrar que os valores pagos ao Impugnante N...... não tinham natureza compensatória.
Na verdade, os 2 pontos em que a Autoridade Tributária assenta e fundamenta a desconsideração da natureza compensatória das quantias paga ao Impugnante N...... são juízos conclusivos, subjectivos (“não se compreende”, pressupõe”), e que, isolada ou conjuntamente, insuficientes para dar como cumprindo o ónus probatório que sobre a Autoridade Tributária impendia.
Como bem nota a Digna Magistrada do Ministério Público no seu parecer, “[n]ão foi pela Autoridade Tributária abalada a veracidade das referidas deslocações diárias entre a A...... e Setúbal, sendo redutora a mera afirmação da falta de credibilidade das mesmas, até porque a comparência do trabalhador num e noutro de tais locais (geograficamente próximos, note-se) pode ser precisamente justificada por ser aquele o da sede da firma e este o do seu domicílio fiscal”, mais acrescentando, que “[a] discrepância entre a folha de itinerário de um específico mês e o correspondente mapa de pagamentos pode ter diversas explicações, não servido por si só para levar à conclusão pela inexistência de “ajudas de custo” ou sequer pela realização de trabalho extraordinário”.
E o facto de os valores serem pagos ao trabalhador a título de ajudas de custo de forma fixa, regular e permanente não implica necessária e automaticamente que se esteja perante uma retribuição – cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13 de Fevereiro de 2014, processo n.º 00237/06.9BEBRG, disponível em www.dgsi.pt.

(…)
O impugnante foi contratado para exercer funções em A......, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocava para Setúbal para exercer as suas funções em obras ao serviço da sua entidade empregadora, conforme contratualmente assente, realidade que a Autoridade Tributária não demonstrou ser inverídica, como lhe competia.
Incumbia, pois, à Administração Tributária a demonstração da natureza não compensatória das verbas recebidas pelo Impugnante N......, o que não fez (não demonstrando que este não efectuou as deslocações referidas, por exemplo), motivo por que as mesmas devem ser consideradas como ajudas de custo, e assim isentas de Tributação em sede de IRS, não sendo de incluir na matéria colectável dos rendimentos de trabalho dependente do Impugnante N.......
Destarte, impõe-se concluir que a liquidação adicional de IRS em crise, e respectivos juros compensatórios, de que ela dependem, padecem de vício de violação da lei por erro nos pressupostos, e, em consequência, determinar a sua anulação, o que se fará.


Na verdade, nenhum erro de julgamento de facto é de apontar à sentença recorrida, pois, do relatório de inspecção interna levado à cabo ao Impugnante pela AT, em sede de IRS do ano de 2008, resulta que a acção de inspecção teve por base elementos recolhidos na empresa “C..”, entidade patronal do Impugnante, e da recolha desses elementos faz-se constar do relatório de inspecção os dois motivos apontados pela sentença recorrida para a qualificação dos montantes auferidos como rendimentos e não ajudas de custo.

Acompanhamos o juízo de facto da sentença recorrida, não se verificando o erro de julgamento apontado. Na verdade, os elementos que constam do relatório de inspecção são manifestamente insuficientes para abalar a presunção de veracidade da declaração do contribuinte (art. 75.º, n.º 1 da LGT), pelo que cabia à AT o ónus da prova de que as quantias auferidas pelo Impugnante constituíam remunerações (art. 74.º, n.º 1 da LGT).

Com efeito, resulta dos factos provados que a sede da empresa é na A...... (cfr. ponto 2 dos factos provados) e que o contrato de trabalho celebrado vinculava o Impugnante a prestar serviços não só nas oficinas da sede, como também a deslocar-se a qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a CMN exerça ou venha a exercer a sua actividade, prevendo-se o pagamento de ajuda de custo (ponto 3 dos factos provados).

Ora, o Impugnante alegou na p.i. (cfr. art. 21.º) que em 2008 esteve deslocado a prestar serviço na empresa “A.....” e conforme resulta do relatório de inspecção (cfr. ponto 9 da matéria de facto) tal facto confirma-se, e assim sendo, a prestou serviço em local diferente da sede da empresa.

Assim sendo, e ao contrário do que vem vertido no relatório de inspecção encontram-se justificadas as deslocações do Impugnante da A...... (sede da entidade patronal) para Setúbal (local da obra e prestação de serviço para o qual o trabalhador teve de se deslocar e que tem aderência no contrato de trabalho que prevê deslocações para obras).

Ao contrário do que alega a Recorrente Fazenda Pública a AT no relatório de inspecção cabia-lhe demonstrar que não houve efectiva deslocação do trabalhador da sede da empresa ao local da obra da “A.......” em Setúbal, não sendo suficiente para cumprir o seu ónus da prova a referência de que do mapa de pagamento não constar trabalho extraordinário face as horas de serviço prestadas pelo trabalhador. Por outro lado, os pagamentos regulares e continuados (conclusão v) das alegações de recurso) encontram justificação na permanência na obra em Setúbal, ou seja, se o trabalhador estava destacado para aquela obra não impressiona que lá se mantivesse a prestar serviços durante um período de tempo até ao fim da obra.

Em suma, aceite pela AT a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar que os montantes auferidos pelo Impugnante a título de “ajudas de custo” era totalmente independente das deslocações e das respectivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esses montantes auferidos excediam as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer.

Por conseguinte, não se verifica qualquer erro de julgamento de facto, porquanto os elementos apurados no relatório de inspecção são insuficientes para dar como cumprido o ónus da prova que recai sobre a AT, e, portanto, ao contrário do que alega a Recorrente Fazenda Pública (conclusão IX das alegações de recurso) não se verifica o erro de julgamento de direito invocado.


Improcedem, portanto, todas as conclusões de recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Sumário do acórdão
I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.

II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).

III – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.

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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 31 de Outubro de 2019.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo