Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3694/23.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
ARI
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II - O Recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência para investimento [ARI], na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido para o efeito, sem alegar factos demonstrativos da exigida especial urgência em obter decisão judicial definitiva de intimação da Administração a adoptar ou omitir a conduta necessária a assegurar em tempo útil o exercício do direito fundamental alegadamente ameaçado, pelo que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido, eventualmente associada a providência cautelar, significando que não se verificam os pressupostos para o uso desta acção de intimação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

V…, nacional da República Federal da Rússia e residente em Moscovo, identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 27.10.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. A douta sentença recorrida veio julgar liminarmente indeferida a acção intentada contra Ministro da Administração Interna, Ministério da Administração Interna, atenta a preterição do requisito da indispensabilidade previsto no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA;
2. Não se conformando o aqui Recorrente com a douta sentença recorrida, nomeadamente na parte em que considerou não verificado o requisito da indispensabilidade consagrado no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, e mantendo o ora Recorrente a sua convicção de que existem nos autos elementos, quer de facto, quer de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, vem o ora Recorrente pugnar pela alteração da matéria de direito;
3. Veio o Recorrente, através da presente intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, requerer a intimação da entidade requerida a:
a) Proceder à pré-aprovação do respectivo pedido de concessão ARI, nos termos do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, bem como do pedido de reagrupamento familiar ao abrigo do artigo 98.º, n.º 2 da mesma Lei;
b) Proceder ao agendamento junto do SEF para entrega dos dados biométricos do Requerente e seus familiares.
4. Uma vez que, desde a data do pedido de concessão do pedido ARI (29/12/2021) até à presente data, o processo de candidatura ARI não mereceu qualquer desenvolvimento;
5. Sendo certo que, e nos termos do artigo 86.º, n.º 1 do CPA dispunha o SEF de 10 (dez) dias para proceder à tramitação do referido processo ARI - cfr. jurisprudência do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Juízo Administrativo Comum, Unidade Orgânica 1, processo n.º 2122/23.0BELSB;
6. Sucede, porém, que, volvidos cerca de 378 (trezentos e setenta e oito) dias úteis, o Recorrente não logrou sequer completar a tramitação prévia, tão pouco formalizar a respectiva candidatura;
7. Resultando, assim, dos autos que o prazo de que o SEF dispunha para tramitar o processo ARI do ora Recorrente se mostra largamente ultrapassado, nos termos do artigo 86.º, n.º 1 do CPA;
8. O incumprimento dos prazos administrativos, por parte do SEF, constitui a violação dos artigos 2.º, 52.º e 266.º da CRP;
9. O presente meio processual, regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, constitui um processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5 da CRP;
10. Tem a jurisprudência dos tribunais administrativos superiores considerado o mecanismo processual intimatório para a proteção de direitos, liberdades e garantias como o meio processual idóneo a compelir a Administração a emitir decisão definitiva sobre a pretensão de concessão de autorização de residência, nos casos em que os prazos procedimentais se mostram longamente ultrapassados;
11. A título exemplificativo veja-se os Acórdãos proferidos pelo Tribunal Administrativo Central Sul no âmbito do processo n.º 872/22.8BELSB em 17/11/2022 e do processo n.º 661/22.0BELSB em 29/11/2022;
12. Para além da jurisprudência citada, e novamente a título de exemplo, foi decidido no âmbito dos processos de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias n.º 3155/23.2BELSB, 877/23.1BELSB, 1079/23.2BELSB, 1124/23.1BELSB, 1334.23.1BELSB, 2122/23.0BELSB e 3194/22.0BELSB proferidos pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que o meio idóneo para salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias é o meio processual previsto no artigo 109.º do CPA;
13. De facto, o comportamento da Administração configura a violação de uma série de direitos fundamentais como o direito à petição, o direito à informação procedimental e à decisão procedimental em prazo razoável;
14. Importando sublinhar que, o direito de petição, o qual decorre directamente do artigo 2.º da CRP, encontra-se acessível aos estrangeiros que dele necessitem para defender direitos que a lei lhes confere (por força do princípio da equiparação plasmado no artigo 15.º da CRP);
15. Face ao que antecede, e s.m.o, a sentença recorrida ao decidir como decidiu veio contrariar a evolução jurisprudencial quanto ao tema em análise;
16. A violação do dever de decisão põe em causa o exercício de vários direitos consagrados na Lei Fundamental;
17. Conforme resulta da factualidade já carreada para os autos, o Recorrente pretende que o território nacional venha a ser o centro da sua vida e dos seus familiares;
18. Pretendendo, desde logo, aqui fixar residência e aqui desenvolver todas as componentes relacionadas com a sua vida pessoal, familiar e profissional;
19. A circunstância de não conseguir ver regularizada a sua situação num Estado estrangeiro e viajar sem limitações, afronta a própria identidade pessoal, a liberdade individual, bem como a segurança jurídica – artigos 26.º e 27.º da CRP, respectivamente;
20. O que colide com o direito a entrar e permanecer em território nacional, previsto no artigo 44.º da CRP;
21. Não pode o Recorrente conceder que, volvidos mais de dois anos e meio, o rumo da sua vida e do projecto que, há precisamente dois anos e meio, traçou para si e para os seus possa ficar comprometido e “em espera” pela ineficácia de um serviço administrativo;
22. Não fosse a delonga incorrida pelo SEF, o Recorrente já circularia livremente pelo território nacional;
23. Não podemos olvidar que, neste momento, o SEF dita o rumo e os trâmites da vida pessoal, profissional e familiar do Recorrente;
24. Limitando-o na sua liberdade individual, profissional e familiar!
25. O pedido de reagrupamento familiar requerido pelo Recorrente, nos termos do artigo 98.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, mais não é do que um afloramento do direito à família previsto constitucionalmente no artigo 67.º da CRP;
26. A autorização de residência para si e para os seus familiares, comprometerá irremediavelmente a estabilidade no seu seio familiar;
27. Toda a incerteza e imprevisibilidade decorrentes da inação, por parte do SEF, na concessão de títulos de residência ARI aos reagrupados, defraudaram as reais e concretas expectativas que o aqui Recorrente legitmamente gerou para a sua vida pessoal, familiar e profissional para os próximos anos;
28. De facto, a legalização da permanência do Recorrente no nosso território, é condição sine qua non para que consiga uma regular integração no mercado de investimento e de trabalho, de forma igualmente legal, e para que beneficie dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e família;
29. A omissão de decisão da entidade administrativa, impossibilita o Recorrente de beneficiar da aplicação do princípio da equiparação, ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, estando em causa o seu direito à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, bem como o seu direito à família – cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Novembro de 2022, no âmbito do processo n.º 661/22.0BELSB;
30. A conduta incorrida pelo SEF – de inércia – tem repercussões graves e evidentes na vida do Recorrente, acabando por violar e restringir uma série de direitos, liberdades e garantias com expressão constitucional;
31. Sendo, assim, inegável que o pedido se circunscreve ao presente meio processual, na medida em que o Recorrente invoca a violação desses mesmos direitos, liberdades e garantias;
32. Mas ainda, no caso em apreço e atendendo à factualidade carreada para os presentes autos, é incontestável que se encontram preenchidos todos os requisitos de que depende o decretamento da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, mormente o requisito da indispensabilidade previsto no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA;
33. Efectivamente, a pretensão do aqui Recorrente não se poderá compadecer com mais delongas;
34. A decisão a proferir quer-se urgente e definitiva, de maneira a assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos, liberdades e garantias aqui invocados;
35. Carecendo o Recorrente de uma decisão urgente e definitiva que lhe permita prevenir e reprimir a ameaça iminente aos seus direitos, liberdades e garantias;
36. Volvidos mais de dois anos desde o investimento realizado, é inegável que o ora Recorrente perdeu e continua a perder faculdades inerentes aos exercício dos direitos em análise;
37. Mais, encontra-se o Recorrente impedido de levar a cabo uma vida privada, familiar e profissional “normal”, atenta a imprevisibilidade quanto à possibilidade de permanência e residência em Portugal;
38. Não sendo, por isso, e uma vez que já se encontram em standby há mais de dois anos e meio, possível salvaguardar os direitos, liberdades e garantias invocados pelo Recorrente com uma qualquer acção principal de carácter não urgente;
39. O processo não urgente - acção de condenação à prática de acto devido ou a acção de condenação à adopção de comportamento (cfr. artigos 66.º a 71.º do CPTA) – não permitiria acautelar os direitos, liberdades e garantias aqui invocados, na medida em que a sua delonga iria resultar num prejuízo irreparável para o Recorrente;
40. Ao contrário do que a douta sentença recorrida considerou, do requerimento inicial apresentado vislumbra-se que o adiamento deste processo de espera que vem tendo lugar desde que apresentou requerimento no SEF, está a pôr em causa, de forma irremediável, intolerável e iminente uma série de direito, liberdade ou garantia com expressão constitucional;
41. Sendo certo que, também o requisito da subsidiariedade que decorre do artigo 109.º, n.º 1, se encontra verificado;
42. Na medida em que, os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, não consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por levar ao esgotamento da respectiva acção principal – cfr. Acórdão proferido no processo n.º 661/22.0BELSB, de 22 de Novembro de 2022, pelo Tribunal Central e Administrativo Sul;
43. De facto, e salvo melhor e douto entendimento em contrário, mal andou o Tribunal a quo ao considerar não aplicável ao caso concreto o meio processual previsto no artigo 109.º, nº 1 do CPTA;
44. Ao decidir como decidiu, pela inobservância do requisito da indispensabilidade, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 109.º, n.º 1, 17.º e 20.º da CRP, e bem assim nos artigos 90.º-A, n.º 1 e 98.º, n.º 2 Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho e 86.º, n.º 1 do CPA;
45. E, consequentemente, os direitos, liberdades e garantias do Recorrente previstos nos artigos 2.º, 15.º, 27.º, 44.º, 52.º, 67.º e 266.º da CRP;
46. É incontestável que, a presente intimação é o meio processual idóneo a compelir a entidade requerida à prática do acto administrativo legalmente devido, que, in casu, consiste na fixação da data para entrega dos dados biométricos do Recorrente e dos reagrupados, com vista à emissão dos respectivos títulos de residência;
47. Nestes termos, e ao abrigo do artigo 10.º alínea a) da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro, deverá a AIMA proceder à pré-aprovação do pedido de concessão ARI nos termos do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, bem como do pedido de reagrupamento familiar;
48. Determinando-se, em consequência, que a AIMA diligencie pelo agendamento de uma data para entrega dos dados biométricos do Recorrente e dos reagrupados.».

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia àqueles do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir rejeitar a petição de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 109º do CPTA.

A sentença recorrida não fixou factos provados, mas sintetizou a factualidade alegada na petição como se passa a reproduzir ipsis verbis: «(i) no dia 29 de dezembro de 2021, o Requerente formalizou, através da plataforma online do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras1 (doravante “SEF”), a sua candidatura à concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (doravante “ARI”), ao abrigo do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4/7; (ii) a 24 de janeiro de 2022, apresentou, junto do SEF, e ao abrigo do artigo 98.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, um pedido de reagrupamento familiar do seu cônjuge e do seu filho; (iii) o SEF não praticou qualquer ato em relação aos referidos pedidos; (iv) o silêncio do SEF comprometeu, compromete e continuará a comprometer a sua vida pessoal, familiar e profissional, uma vez que almeja que Portugal seja o centro da sua vida e da vida da sua mulher e filho; (v) porque o SEF não decidiu os pedidos encontr-se a impossibilitado e limitado nas suas deslocações a Portugal, o que compromete a prossecução da actividade empresarial e de investimento em território nacional; (vi) a incerteza e imprevisibilidade decorrentes da inação, por parte do SEF, na concessão de título de residência ARI, defraudaram as reais e concretas expectativas que legitmamente gerou para a sua vida pessoal, familiar e profissional para os próximos anos; (vii) a imprevisibilidade quanto à concessão dos títulos de residência, impede que possa inscrever os seus filhos numa escola/universidade portuguesa, para que, daí em diante, possam estabelecer-se do ponto de vista escolar e da educação; (viii) a incerteza e a delonga na concessão do título de residência obstam não à efetiva contratação da sua mulher, como também na impossibilidade desta reclamar e reivindicar as devidas condições de trabalho em Portugal; (xix) a inação do SEF viola o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), o direito de petição (artigo 52.º da CRP), o direito à decisão administrativa em prazo razoável, o princípio da boa administração da justiça e o princípio da prossecução do interesse público (artigos 266.º, n.º 1, da CRP, 5.º e 59.º do CPA), o direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP), o direito à entrada em permanência em território nacional e o direito à livre deslocação em território nacional (artigo 44.º da CRP) e o direito à liberdade e seguração (artigo 3.º da DUDH, artigo 6.º da CDFUE e artigo 27.º da CRP)..

Da respectiva fundamentação de direito extrai-se o seguinte:
«De acordo com o artigo 109.º do CPTA a intimação para proteção de direitos liberdades e garantias exige que, em concreto e atendendo ao alegado no requerimento inicial, o tribunal disponha de factos, que a provarem-se, permitam concluir que o requerente carece de uma decisão definitiva para tutelar os direito fundamentais que invoca, isto é, factos que permitam concluir que a proteção dos direitos fundamentais invocados pelo requerente não se compadecem com a delonga da normal tramitação de um processo principal nem com a provisoriedade de uma decisão cautelar.
Para verificar do preenchimento do artigo 109.º do CPTA, o tribunal abstrai-se do mérito da pretensão e indaga se, na hipótese de o requerente ter razão, a tutela dos direitos que invoca pode ser assegurada através de uma ação principal (eventualmente conjugada com um processo cautelar).
O Supremo Tribunal Administrativo explica, no processo n.º 2762/17.7BELSB, de 16/05/2019, que ao aferir da urgência o tribunal deve atender às «(…) “circunstâncias do caso”, designadamente, o tipo de direito ameaçado por um prejuízo irreparável, o tipo de ameaça (iminente actual ou iminente latente), a ocorrência de factos lesivos supervenientes; (…)» e, ainda, «(…) se a lesão do direito causa prejuízo apenas a esse direito ou se produz consequências danosas em outros direitos (ou seja, a lesão de um direito pode ocasionar a lesão de outros direitos, o que também terá repercussão numa “contagem de tempo” entre o acto lesivo e a propositura da acção). (…)».
Assim, a urgência exigida pelo artigo 109.º do CPTA tem que ser aferida em concreto.
O requerente sustenta o recurso ao presente meio processual na alegação de que há quase dois anos formulou uma candidatura para concessão de autorização de residência ao abrigo do regime do artigo 90.º-A da Lei Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional (LEPSA) e que o SEF não praticou qualquer ato em relação a esse pedido.
Ora, o meio processual que o ordenamento jurídico coloca à disposição dos lesados pela inércia decisória da administração é a ação de condenação à prática de ato devido disciplinada nos artigos 66.º e seguintes do CPTA.
[…]
A urgência pressuposta no artigo 109.º do CPTA está, assim, relacionada com a subsidiariedade deste meio processual em relação aos processos não urgentes.
[…]
Assim, para que que numa situação de inércia decisória da administração um putativo lesado possa legitimamente lançar mão da intimação para proteção de direitos, é necessário que no requerimento inicial sejam alegados factos que permitam ao tribunal concluir que a inércia da administração está a ferir o referido direito fundamental de tal forma que o titular carece de uma tutela principal urgente, sob pena do exercício do próprio direito ficar posto em causa.
No caso concreto, das alegações vertidas no requerimento inicial não se retira que caso o pedido venha a ser concedido em sede de ação administrativa o requerente não retirará utilidade na tutela.
A verificação do requisito da indispensabilidade é feita em concreto, pelo que o apelo a decisões anteriores, nos termos em que o requerente faz, tem um alcance limitado, uma vez que tem o ónus de alegar os contornos factuais da sua situação para habilitar o tribunal a valorar a similitude das situações e, logo, apreciar a aplicabilidade da fundamentação e sentido decisório.
Nas decisões proferidas nos processos n.º 2122/23, 2175/23, 2122/23, 1608/22, 1124/23, 872/22, 877/23, 1079/23, 1334/23 não se pronunciam sobre a verificação dos pressupostos do artigo 109.º do CPTA.
[…]
O processo 661/22 diz respeito a uma situação fatual diversa da dos presentes autos em que o requerente se encontrava em território nacional, sem título para o efeito e aguardar que o SEF decidisse o pedido que apresentou ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da da Lei n.º 23/2007, de 4/7. […].
Nas hipóteses factuais dos processos 661/22 e 2482/27 a violação do direito a uma decisão procedimental em prazo razoável – corolário do princípio a boa administração, ínsito no do Estado de Direito Democrático – é instrumental da tutela de outros direitos que são colocados em causa pela delonga na decisão na medida em que deixam o estrangeiro, admitido a entrar em Portugal, fica, por inércia da administração privado de fazer uma vida normal porque a administração não logra responder em prazo razoável ao pedido de obtenção de um título de residência.
No caso concreto o requerente não alega residir em Portugal, não alega que o território nacional é o centro da sua vida, não alega factos que permitam concluir que a putativa inércia do SEF o coloca numa situação de tamanha incerteza que se encontrem impedidos «…de levar a cabo uma vida privada e familiar normal» [Ana Rita Gil, Estudo sobre o Direito da Emigração e do Asilo, página 109].
Aliás, o que decorre da argumentação vertida no requerimento inicial é que o requerente conduz a sua vida pessoal, familiar e profissional no local onde reside e que projeta/almeja que a mesma se possa vir a desenvolver, no todo ou em parte, em Portugal, sem, contudo, explicar a urgência na realização de tal projeto para a tutela dos direitos fundamentais que invoca.
O requerente deduz a violação do seu direito à livre iniciativa económica diretamente da falta de título que habilite a sua entrada e permanência em território nacional, porém inexistem factos que permitam concluir que, em concreto, sem o título não poderá desenvolver o “investimento” que serviu de pressuposto para lançar mão do regime do artigo 90.ºA da LEPSA [o requerente nada alega de concreto sobre o “investimento” a desenvolver ao abrigo do direito à livre iniciativa económica].
Finalmente refira-se que, como ensina o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do processo n.º 036/22.0BALSB, de 07/04/2023, explica que do artigo 110.º-A do CPTA «…não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.», a qual não opera quando os requerentes «… não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.».
Do exposto decorre que não estão reunidos os pressupostos do artigo 109.º do CPTA, motivo pelo qual o requerimento inicial deverá ser rejeitado.».

E o assim bem decidido é para manter, até porque o Recorrente se limita a discordar do juiz a quo, reiterando os argumentos que expendeu na petição quanto ao preenchimento dos pressupostos do uso da presente acção de intimação que foram apreciados e considerados insuficientes para o efeito na sentença recorrida.

Com efeito, para poder fazer uso do meio processual urgentíssimo e excepcional que é a acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não basta, como faz o Requerente/recorrente na acção (e no recurso), alegar que pretende assegurar o exercício em tempo útil dos seus direitos à petição, à informação procedimental, à decisão procedimental em prazo razoável, à entrada e permanência em território nacional, à livre circulação, à família, à integração no mercado de investimento e de trabalho, à segurança, à tranquilidade, à identidade pessoal, etc., que a inércia da Administração em apreciar o seu pedido de ARI não lhe permite, impedindo-o de levar a cabo a sua vida privada, familiar e profissional “normal”, encontrando-se em standby há mais de dois anos, perdendo e continuando a perder faculdades inerentes ao exercício dos direitos alegados, e peticionar a intimação desta à prática do actos devidos de agendamento de data para entrega dos dados biométricos e aprovação do pedido de ARI , bem como de reagrupamento familiar [do cônjuge e filho, que não está identificados como requerentes na acção].
O mesmo é dizer que não é suficiente uma alegação genérica e conclusiva, importando alegar factos relativos à sua situação concreta que permitam concluir que necessita efectivamente de uma decisão judicial célere e de mérito que intime a Administração a actuar, positiva ou negativamente, por forma a assegurar o exercício em tempo útil do direito fundamental que considera ameaçado – ou a causa de pedir e pedido, referidos, serão os adequados a uma acção não urgente de condenação à prática do acto legalmente devido, tal como entendeu o juiz a quo.
Um exemplo fácil de entender, é o do direito fundamental à greve, no caso marcada para decorrer num só dia, em data próxima que se encontra ameaçado pela fixação de serviços mínimos, nos termos da lei. O trabalhador/requerente que, ainda assim, pretenda fazer greve naquela data só o conseguirá se, antes, obtiver uma decisão judicial de mérito que intime a entidade pública empregadora a, por exemplo, não lhe impor qualquer serviço mínimo. Nesta situação a instauração de uma acção impugnatória não urgente seria manifestamente inadequada e inútil pois, atenta a normal demora na sua tramitação, uma eventual decisão de procedência, proferida depois de a greve ter decorrido, não poderia permitir o exercício daquele direito fundamental, frustrado de forma irreversível no dia da greve. Também não poderia ser requerida providência cautelar pois se a mesma fosse decretada antes da data marcada para a greve, permitindo ao requerente exercer o seu direito à greve no dia previsto, ocorreria uma antecipação a título definitivo da pretensão deduzida na acção principal, esgotando, consumindo o objecto desta, o que não é processualmente admissível em sede de tutela cautelar.
Retornando ao caso em apreciação, na petição, não vem alegado que o exercício do/s direito/s ameaçado/s tenha de ser efectuado até a uma determinada data sob pena de se frustrar ou tornar impossível, mas tão só que a violação dos direitos do Recorrente resulta da falta de instrução e decisão do pedido de ARI [e de reagrupamento familiar de quem não é parte na acção], que dirigiu ao SEF, com fundamento em inércia [decurso dos prazos previstos na lei para o efeito sem prática de quaisquer actos de tramitação e decisão], sendo que preenche todos os pressupostos legais para que lhe seja concedido o título pretendido, que consubstancia condição indispensável para o exercício dos outros direitos decorrentes da entrada, permanência/residência legal em território nacional, que indica, pelo que a sua necessidade em deter a autorização de residência é imediata, actual e urgente, exigindo uma decisão célere e definitiva que intime aquele a conceder-lhe a ARI já, o que não pode obter se tiver de instaurar acção não urgente, que demora sabe-se lá quantos anos, ou uma providência cautelar por provisória que levará ao esgotamento do objecto da acção principal.
Contudo, para além de alegar que o decurso do tempo sem decisão vai agravando a ameaça aos direitos que invoca [de entrada e residência legal em território nacional, livre circulação, igualdade, tranquilidade, família, dignidade da pessoa humana, ao investimento e ao trabalho, à informação e decisão atempada por parte da Administração, etc.] por não lhe ter sido concedida autorização de residência, não densifica, não explica da sua necessidade pessoal em exercer aqueles direitos, das diligências que efectuou para lhes aceder, se o respectivo exercício lhe foi vedado, etc., nem indica qualquer referência temporal que permita concluir que sem uma célere decisão judicial de mérito antes de esta ocorrer, deixará de os poder exercer em termos absolutos.
O mesmo é dizer que, na petição, o Requerente não cumpriu o ónus de alegação e prova no que concerne à exigida urgência por referência ao respectivo caso concreto, ou seja, não logrou demonstrar a indispensabilidade de usar este meio processual.
E o que vem alegado no recurso, nos mesmos termos, também não permite infirmar o entendimento do juiz a quo de o meio processual que o ordenamento jurídico coloca à disposição dos lesados pela inércia decisória da administração é a acção de condenação à prática de acto devido disciplinada nos artigos 66.º e seguintes do CPTA e que o que decorre da argumentação vertida no requerimento inicial é que o requerente conduz a sua vida pessoal, familiar e profissional no local onde reside [em Moscovo] e que projecta/almeja que a mesma se possa vir a desenvolver, no todo ou em parte, em Portugal, sem, contudo, explicar a urgência na realização de tal projecto para a tutela dos direitos fundamentais que invoca.
Por outro lado, a jurisprudência não é pacífica no que respeita à idoneidade da acção de intimação, prevista no artigo 109º do CPTA, em situações de demora na decisão de pedidos de autorização de residência, como resulta, a título de exemplo, dos acórdãos de 25.5.2023, proc. nº 806/22.0BEALM, de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, de 13.7.2023, proc.s nºs 489/23.0BELSB e 1151/23.9BELSB, de 26.7.2023, proc.s nºs 18/23.5BESNT e 458/23.0BELSB - consultáveis em www.dgsi.pt -, de 25.5.2023, proc. nº 140/23.8BESNT, de 13.7.2023, proc. nº 866/23.6BELSB, de 13.9.2023, proc.s nºs 3866/22.0BELSB e 924/23.7BELSB, e de 11.1.2024, proc.s nºs 180/23.7BECBR, 477/23.0BELSB, 1777/23.0BELSB, 741/23.4BELSB – não publicados, consultáveis no SITAF – em contraposição aos referenciados no recurso.

Defende ainda o Requerente/recorrente que a tutela cautelar não seria adequada a salvaguardar os seus direitos, por provisória e poder esgotar o objecto da acção principal.
Considerando que o juiz a quo não determinou, e bem, a substituição da petição por requerimento cautelar, por falta da exigida urgência [também necessária para a tutela cautelar ainda que em diferentes moldes dos exigidos nos artigos 112º e seguintes, mormente no 120º, do CPTA] e que este fundamento não foi objecto do recurso, entendemos ser desnecessário tecer mais considerações sobre a matéria.
Apesar do que deixamos aqui uma nota de que este TCA tem vindo a entender que a convolação da petição em providência cautelar é possível, como resulta, designadamente, dos acórdãos de 25.5.2023, proc. nº 806/22.0BEALM, de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, de 13.7.2023, proc.s nºs 489/23.0BELSB e 1151/23.9BELSB, de 26.7.2023, proc.s nºs 18/23.5BESNT e 458/23.0BELSB - consultáveis em www.dgsi.pt.
Por fim, é de salientar que a decisão recorrida, proferida em sede liminar, ao abrigo do disposto nos artigos 109º e 110º do CPTA, não apreciou do mérito da causa, mas apenas da (não) verificação dos pressupostos adjectivos para a admissão deste meio processual.
Assim, não pode proceder a alegação [genérica] de violação do artigo 20º da CRP porque não foi recusada a tutela dos direitos de que o Recorrente se arroga titular, nem foi apreciada a violação dos fundamentais invocados [ou sequer da legalidade ou não da actuação/omissão do Recorrido], mas apenas considerado inadequado o meio processual pelo qual pretendiam efectivar essa tutela.
E, com o mesmo fundamento, não procede a alegação de que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 90º-A, nº 1 e 98º, nº 2 Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, e 86º, nº 1 do CPA e, consequentemente, os direitos, liberdades e garantias do Recorrente previstos nos artigos 2º, 15º, 27º, 44º, 52º, 67º e 266º da CRP.
Atendendo ao que, o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 19 de Março de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Joana Costa e Nora)

(Carlos Araújo)