Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05214/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/28/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:NACIONALIDADE, LIGAÇÃO EFETIVA À COMUNIDADE NACIONAL, ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. A presente ação, de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa instaurada pelo Ministério Público, constitui uma ação de simples apreciação.

II. Assim sendo, recai sobre a requerida o ónus de trazer ao processo os elementos em que se possa fundar o direito à aquisição da nacionalidade.

III. Em caso de non liquet probatório, a ação tem de ser julgada procedente, por falta de prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

IV. Mostra-se insuficiente para a caracterização da ligação à comunidade nacional, a mera relação matrimonial com cidadão português e ainda a filiação com cidadãos a quem foi atribuída essa nacionalidade portuguesa, os seus filhos, por serem descendentes de cidadão com essa nacionalidade, se no demais não são demonstrados outros indícios relevantes que demonstrem a pertença ou ligação à comunidade nacional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público, autor na ação de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 16/10/2008 que julgou improcedente a oposição, ordenando o prosseguimento do processo na Conservatória dos Registos Centrais, em ordem ao respetivo registo da nacionalidade de Ana ……………………


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Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 112 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1 - Atendendo a que a redação dos n°s 1 e 2 do art. 3° da Lei n° 37/81, foi mantida pela Lei 2/2006, de 17 de abril, continua o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, a poder adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa.

2 - No entanto, enquanto o art. 9º, na redação anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a “não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional”;

3 - Na redação atual refere-se que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente a “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”;

4 - O art. 56°, n° 2 do atual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n° 237-A/2006, de 14 de dezembro, que corresponde ao art. 22°, do DL n° 322/82, de 12 de agosto, prevê:

2 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção:

d) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional,

e) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa,

f) O exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório no Estado estrangeiro”;

5 - E o art. 57°, n° 1 do referido DL n° 237-A/2006, dispõe que:

Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n° 2 do artigo anterior”;

6 - Estabelece o n° 7 do mesmo artigo que “sempre que o Conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser”;

7 - Da leitura e análise dos citados preceitos retira-se que deixou o legislador de exigir que o interessado comprove a sua ligação efetiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a “não comprovação” dessa ligação efetiva. Ou seja, na atual lei não se faz menção a essa “não comprovação”, mas tão só à inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição;

8 - O interessado a passou a ter necessidade de “pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional”, crendo-se que será a partir dessa pronuncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação a comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da ação de oposição;

9 - Portanto, a oposição à aquisição de nacionalidade, “no que tange à falta de ligação efetiva à comunidade nacional deverá o interessado, pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito, pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. Assim, constatando-se, face às explicações apresentadas com vista à alegada ligação à comunidade nacional, que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir por essa ligação, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição”;

10 - A ação de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 4°, n° 2, al. a) do CPC);

11 - A ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa deve ser qualificada como uma ação de simples apreciação negativa.

12 - A nova lei “não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como ação de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas”;

13 - De acordo com o disposto no art. 343º, n° 1 do Código Civil, nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga;

14 - Mas se quisermos, também pelo facto de estarmos perante uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.

15 - Face à matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo, considerar que a Ré não tinha ligação efetiva à comunidade portuguesa e declarado procedente a ação.

16 - Ao não fazê-lo, o Tribunal, a quo violou o disposto nos art°s 56° n°2, al a), 57°, n° 1, ambos do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL n° 3237-A/2006 e art° 343°, n° 1 do Código Civil.

17 - Pelo que a sentença recorrida, deve ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente ação.”.


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O recorrido não contra-alegou.

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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, em relação ao juízo de ligação efetiva à comunidade portuguesa, em violação dos artºs. 56º, nº 2, alínea a) e 57º, nº 1 do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo D.L. nº 3237-A/2006 e do artº 343º, nº 1 do Código Civil.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. Ana ……………………, de nacionalidade brasileira, nasceu a 8-1-1957, no Estado de Amazonas, Brasil [cfr. documento de fls., do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]

2. A 26 de agosto de 1983, a Ré casou com o cidadão português Pedro ………………….., natural de Manaus, Brasil, tendo o casamento sido transcrito, em 30-8-1983, no Consulado Honorário de Portugal em Manaus e sob o registo n. …………. na Conservatória dos Registos Centrais [cfr. documento de fls. 40-41 e 91, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].

3. Desse casamento nasceram, em 15-3-1984 e 19-12-1985, dois filhos, João …………………….. e Juliana ………………., cujos assento de nascimento foram registado no Consulado Geral de Portugal sob o n.° 19760 e 19761, ambos com nacionalidade portuguesa [cfr. documento de fls. 34-39, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].

4. Em 22-08-2005, no Consulado Honorário de Portugal em Manaus, Brasil, a Ré declarou que, ao abrigo e nos termos do nº 1 do art. 3 da Lei 37/81, de 3-10, pretende adquirir a nacionalidade portuguesa em consequência do seu casamento com Pedro …………………., acrescentando, ainda, «(...) que tem ligação afetiva à comunidade portuguesa pelos seguintes motivos: sendo casada com cidadão português, tem dois filhos de nacionalidade portuguesa, um vai cursar uma faculdade na Universidade de Coimbra, participa com muita assiduidade todas as festividades da comunidade portuguesa local, tem um bom relacionamento de amizades luso-descendentes, a família do seu marido por parte do pai são todos portugueses e é uma apreciadora da culinária e culturas portuguesa. (...) não praticou crime punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos segundo a lei portuguesa (...) não exerceu funções públicas nem prestou serviço militar não obrigatório a Estado Estrangeiro» [cfr. documento de fls. 95, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

5. Consta dos autos uma declaração, subscrita pela Ré e com assinatura notarialmente reconhecida, datada de 17-8-2005, da qual consta que:

«(...) Venho por meio desta pedir me seja concedida a Nacionalidade Portuguesa, haja visto que meu marido e filhos já a possuem e eu tenho necessidade de estar constantemente em Coimbra onde o meu filho vai cursar arquitetura Preciso de me deslocar várias vezes por ano para assistir meu filho, por ser solteiro, alugar apartamento e acompanhar a sua estadia e dar o devido apoio.» [cfr. documento de fls. 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

6. Com base nessa declaração, foi instaurado, na Conservatória dos Registos Centrais, o processo nº 34.296/05, tendo a Conservadora Auxiliar prestado, em 20-6- 2006, informação no sentido de que a Requerente não fez prova suficiente de uma ligação efetiva à comunidade nacional, com os fundamentos de fls 70-72 do processo físico que aqui se dão por transcritos;

7. Por despacho da Conservadora-Adjunta, de 21-6-2006, foi ordenada a remessa da certidão desse processo ao “Exm Procurador Distrital, nos termos previstos no art. 10º da Lei 37/81, de 3 de outubro”;

8. A Ré viveu sempre no Brasil e aí trabalha, residindo com o seu marido e filhos na Rua 26, 1006 – Conjunto Castelo Branco – Parque, Manaus, Brasil.

9. Não tem qualquer residência em Portugal, não trabalha ou trabalhou recentemente neste país;

10. Fala e escreve português, tendo concluído o 2º grau com habilitação básica em Assistente de Administração.

11. Constam dos autos duas declarações, emitidas por cidadãos portugueses residentes no Brasil e cujas assinaturas foram notarialmente reconhecidas, atestando relações de longa data de amizade e convívio com a Ré [cfr. documentos de fls. 32-33, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].

12. A presente ação foi instaurada a 11 de julho de 2006 [cfr. fls. 2 dos autos].”.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.

No presente recurso vem o recorrente a juízo assacar o erro de julgamento de direito à sentença recorrida, que denegou provimento ao pedido de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, ordenando o prosseguimento do processo na Conservatória dos Registos Centrais, em ordem ao respetivo registo da nacionalidade, com fundamento de que não se dando por provado o requisito da ligação efetiva à comunidade nacional, também não se provou o seu contrário, a sua inexistência, assim concedendo a respetiva nacionalidade.

Vejamos.

O Ministério Público instaurou a presente ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, pedindo o arquivamento do processo conducente ao registo da aquisição dessa nacionalidade, com fundamento na falta de prova de ligação efetiva à comunidade nacional.

Releva no que respeita ao quadro legal aplicável que a Lei nº 37/81, de 03/10, que aprova a Lei da Nacionalidade Portuguesa, foi alterada pela Lei nº 25/94, de 19/08 e pela Lei nº 2/2006, de 17/04.

Esta última, em conformidade com o seu artº 9º, entrou em vigor na data do início da vigência do diploma que veio a proceder às alterações do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, isto é, do D.L. nº 322/82, de 12/08, com as alterações introduzidas pelo D.L. nº 253/94, de 20/10, sendo aplicável, de acordo com o seu art. 5º, aos processos pendentes “com exceção do disposto no artigo 7º da Lei 37/81, de 3 de outubro, com a redação que lhe é conferida pela presente lei”.

Tal diploma regulamentador veio a ser aprovado pelo D.L. nº 237-A/2006, de 14/12, que, no seu artº 3º revogou o D.L. nº 322/82 e suas alterações e no seu art. 4º, determinou a sua própria entrada em vigor para o dia 15 de dezembro de 2006 e a sua aplicação aos processos pendentes (“salvo no que respeita ao disposto no artº 2 e às normas relativas à competência para a decisão dos pedidos de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização, bem como ao regime relativo à sua tramitação, constantes do anexo ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante”).

Deste modo, como se firmou na sentença recorrida, embora a declaração da Ré a manifestar a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa tenha sido emitida na vigência da redação da Lei nº 37/81, introduzida pela Lei nº 25/94, ao caso sub judice é aplicável a nova redação dada pela Lei nº 2/2006 e o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo D.L. nº 237-A/2006.

Definido o quadro normativo, importa dirimir a questão controvertida.

Estabelece o artº 3º nº 1 da Lei nº 37/81, de 03/10, na redação dada pela Lei nº 25/94 e mantida na Lei nº 2/2006, que “O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento” e no mesmo sentido, o artº 14º nº 1 do D.L. nº 237-A/2006.

Por sua vez, segundo o artº 9 da Lei nº 37/81, na redação introduzida pela Lei nº 2/2006 e, em sentido idêntico, no artº 56º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo D.L. nº 237-A/2006, “Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;

b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;

c) O exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro”.

Sobre o suscitado no presente recurso, constitui jurisprudência assente a de que é “indispensável a existência duma ligação efetiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar, como estabelecido no art.º 22.º do RN (…) A conclusão pela existência, ou não, de ligação efetiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação dum conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicilio, da estabilidade de fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da atividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspetos familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade reveladores dum sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou fatores suscetíveis de revelar a efetiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer»cfr. Ac. do STJ, de 06/07/2006, processo nº 06B1740, in www.dgsi.pt.

Mais resulta do Acórdão do STJ, de 21/09/20004, processo nº 5A327, in www.dgsi.pt, que «A pertença á comunidade nacional ou a ligação efetiva a esta não se pode definir pelo preenchimento de todos os itens que habitualmente são enumerados (conhecimento da língua, dos usos e costumes, da história, da geografia, das tradições, etc. e convívio e integração nas comunidades de portugueses) nem requer que a cada um deles seja conferido o mesmo relevo; antes exige que, numa visão de conjunto, seja possível concluir que a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa se encontra estruturada e arreigada no pretendente».

Em face dos fundamentos do recurso, está em causa saber se no âmbito do presente processo há a inversão do ónus da prova e se efetivamente a recorrida não tem que comprovar a sua ligação efetiva à comunidade portuguesa.

Ora, quanto a esta questão, impõe dizer-se o seguinte.

Não há dúvidas de que a presente ação, de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa instaurada pelo Ministério Público, constitui uma ação de simples apreciação.

Assim sendo, recai sobre a requerida, ora recorrida, o ónus de trazer ao processo os elementos em que se possa fundar o direito à aquisição da nacionalidade.

Em caso de non liquet probatório, a ação tem de ser julgada procedente, por falta de prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

Remetendo para o Acórdão do TCAS, datado de 26/05/2011, extraído do processo nº 4881/09, que se debruça sobre esta questão: “Independentemente do entendimento que se tenha sobre o que é que se entende por objeto da prova, se este apenas diz respeito aos factos ou se abrange no seu âmbito factos (eventos do mundo real) e afirmações (geração de uma convicção), é pacífico que “(...) o objeto da prova é uma representação intelectual apresentada como correspondente à realidade, assim se explicando que a lei diga que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos. Esta é a conceção clássica à qual se objeta a sua inadaptação à prova legal; daí (não obstante as tentativas de ajustamento) haver quem exclua dos meios de prova a confissão e as presunções. (...)” (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, págs. 344/345.).

Ora, atendendo a que é em abstrato que o ónus da prova tem de ser considerado no âmbito dum “(..) processo regido pelo princípio da aquisição processual – como sucede entre nós e na maioria das legislações – não interessa, como é óbvio, o que a parte respetiva tenha provado, mas o que se acha provado por via dela ou da contraparte ou do tribunal.

O ónus da prova é, assim, não um ónus subjetivo, mas um ónus objetivo. (...)

O problema da distribuição do ónus da prova entre as partes, reconduz-se, assim, a um problema de aplicação da lei. Ela traduz-se em determinar quais são os elementos verdadeiramente constitutivos da norma fundamentadora do direito invocado em juízo e os que já fora dela constituem elemento de uma norma que se lhe oponha – contranorma (impeditiva ou extintiva) – decidindo contra a parte a quem interessa no processo a aplicação da norma constitutiva do direito ou da contranorma. (...)”

Ou seja, não há temas probatórios fixos, não há, por natureza, factos constitutivos, impeditivos ou extintivos, há que recorrer às normas aplicáveis no domínio dos direitos invocados pelas partes atento o direito material, sendo esta a posição assumida no Código Civil, v.g. no artº 342º nº 1 declarando que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e no nº 2 “a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita.”

Seguindo a doutrina citada, “É, assim, inequívoca a lei no sentido de lançar sobre a contraparte o ónus da prova dos pressupostos da norma impeditiva, abstraindo da posição das partes no processo e atendendo apenas à sua posição na relação material.

Claramente o mostra o artº 343º: “Nas ações de simples apreciação negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.” (..) o único ónus primário que ao autor se impõe cumprir na petição dessas ações (de simples apreciação negativa) é a alegação da arrogação do direito ostentado, pelo réu, em termos de afetar a sua integridade jurídica, ou seja, o interesse em agir – causa justificativa da ação. (...)” (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, pág. 358, nota (1).

(…) no domínio da presente ação de simples apreciação negativa as razões de facto constitutivas da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa constantes (…) da Lei da Nacionalidade, LO 2/06 de 17.04 - “A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”, correm por conta da parte que deduz oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, ou seja, a cargo do Ministério Público em representação do Estado Português, correndo por conta do réu, isto é, da parte interessada na aquisição da nacionalidade portuguesa, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, (…).” (sublinhados nossos).

Além desse aresto, já decorria de entre outros, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15/02/2007, proc. n.º 7772/06-6, o seguinte: “A ação de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 4°, n° 2, al. a) do CPC). A este respeito, refere Alberto dos Reis, in Código do Processo Civil Anotado, Vol. 1, 3ª ed., Coimbra Editora, 1980, pag. 21. que pode «propor-se uma ação de simples apreciação que sob a forma positiva (ação destinada a fazer declarar a existência dum direito ou dum facto, como a ação de declaração da validade do casamento, a ação tendente a fazer reconhecer como verdadeiro um direito de crédito, etc.) quer sob a forma negativa (ação proposta para se obter a declaração da inexistência dum direito ou dum facto, como a ação de negação de paternidade ou maternidade, a ação de impugnação da ilegitimidade de um filho)”. Tendo presentes tais considerações, afigura-se que a ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa pode ser qualificada como uma ação de simples apreciação negativa. Se assim é, então a nova lei “não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como ação de simples apreciação negativa, destinada demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas” (5), isto porque, de acordo com o disposto no art. 343°, n°1 do C. Civil, nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Mas se quisermos, também pelo facto de estarmos perante uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão. Face a tudo quanto exposto fica, entende-se que a aplicação imediata dos normativos referidos, não afeta o normal decurso do processado, permitindo, portanto, a prolação de decisão. 4. Seja como for, mesmo para quem defenda que, agora, cabe ao MºPº a prova da inexistência dessa ligação, no caso dos autos pode afirmar-se que o MºPº fez prova da falta dessa ligação à comunidade nacional do Requerido. (…) Mesmo que se admita que o Requerido tem interesse em adquirir a nacionalidade portuguesa, a verdade é que se mostra necessária a existência de um conjunto de práticas consensualmente aceites como indícios mais ou menos seguros da ligação efetiva à comunidade nacional, que não pode circunscrever-se à relação matrimonial ou de parentesco. A noção de pertença a uma comunidade nacional há de exprimir-se e aferir-se através de um complexo de laços que a própria comunidade aceita como sendo significativos da integração no seu seio. Em suma, todos os indícios que permitam formar um juízo objetivo de afinidade real e concreta com a comunidade nacional.”.

Donde, em face do exposto, nos termos da fundamentação antecedente e que se acolhe, tem o recorrente razão quanto às questões suscitadas, designadamente quanto ao entendimento assumido na sentença sob recurso em relação ao ónus da prova, já que, recaindo sobre a requerida a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, não procedendo a essa demonstração em juízo, como aliás se afirma na sentença recorrida, na parte em que dela consta que “(…) é de concluir que, se é verdade que não se pode dar por provada a existência dessa ligação efetiva, não é menos verdade que também não se pode dar por provado o seu contrário (…)”, não pode a presente ação obter desfecho favorável à sua pretensão material.

De resto, já perante a Administração a requerida não havia procedido à demonstração dos pressupostos materiais que determinassem a procedência da sua pretensão, o que precisamente fundou a atuação do Ministério Público em juízo.

A requerida embora caracterize a sua ligação à comunidade nacional, decorrente da relação matrimonial com um cidadão português e ainda da filiação com cidadãos a quem foi atribuída essa nacionalidade portuguesa, os seus filhos, estes últimos por serem descendentes de cidadão com essa nacionalidade, no demais não alega, nem demonstra indícios relevantes que demonstrem a sua pertença ou ligação à comunidade nacional.

A requerida nunca residiu, nem tem residência em Portugal, não trabalha, nem nunca trabalhou em território luso e embora fale o português, tal deve-se à circunstância de no país da sua nacionalidade se falar essa língua, não resultando demonstrando, nos termos do probatório que a 1ª instância deu como assente, qualquer outra factualidade que permita dar por verificado o pressuposto legal da atribuição da nacionalidade portuguesa, qual seja o de a interessada ter uma ligação efetiva com a comunidade nacional.

Sem factos que apontem ou indiciem a ligação efetiva da requerida à comunidade nacional, forçoso se terá de concluir pelo provimento do presente recurso e pela procedência da presente oposição.

A ligação efetiva à comunidade nacional é verificada através de algumas circunstâncias objetivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica ou interesse pela história ou pela realidade presente do País, mas o que resulta alegado e demonstrado no respeitante à pessoa da requerida é insuficiente para a demonstração do requisito em apreço.

Assim, considerando que o ónus da demonstração da ligação efetiva compete à requerida e atendendo aos elementos colhidos dos autos, verifica-se que a mesma não logrou preencher o referido ónus, pelo que se impõe conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e conceder procedência à oposição deduzida pelo Ministério Público.

Assim, impõe-se concluir que o simples casamento com cidadão português não permite, só por si, adquirir tal ligação à comunidade portuguesa, pelo que, tal facto jurídico desacompanhado de outras circunstâncias que, por relevantes, demonstrem tal ligação efetiva à comunidade nacional, é insuficiente para a pretensão de aquisição da nacionalidade portuguesa, não logrando a requerida, no presente caso, demonstrar factos que revelam a sua ligação efetiva à comunidade nacional e a assimilação dos valores e da cultura portuguesa.

Nestes termos, procedem in totum as conclusões que se mostram dirigidas contra a sentença recorrida.


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Pelo exposto, é de conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e em julgar procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A presente ação, de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa instaurada pelo Ministério Público, constitui uma ação de simples apreciação.

II. Assim sendo, recai sobre a requerida o ónus de trazer ao processo os elementos em que se possa fundar o direito à aquisição da nacionalidade.

III. Em caso de non liquet probatório, a ação tem de ser julgada procedente, por falta de prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

IV. Mostra-se insuficiente para a caracterização da ligação à comunidade nacional, a mera relação matrimonial com cidadão português e ainda a filiação com cidadãos a quem foi atribuída essa nacionalidade portuguesa, os seus filhos, por serem descendentes de cidadão com essa nacionalidade, se no demais não são demonstrados outros indícios relevantes que demonstrem a pertença ou ligação à comunidade nacional.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e em julgar procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, determinando o arquivamento do respetivo processo na Conservatória dos Registos Centrais.

Sem custas.





(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)