Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07264/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/09/2012
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
ACTO INIMPUGNÁVEL
INTERESSE PÚBLICO MUNICIPAL
RAN
Sumário:I – A deliberação que se limitou a reconhecer o interesse público municipal de uma certa infra-estrutura rodoviária, no caso a criação de um novo acesso ao caminho municipal n.° 1236, a partir da E.N. 125. Isto é, da qual resulta, tão-só, que o município de .................... considera de interesse público a construção da dita infra-estrutura, não produz quaisquer efeitos jurídicos externos e em nada altera a situação pré-existente;

II - Os terrenos abrangidos pelo novo acesso ao caminho municipal, objecto da deliberação impugnada, continuam integrados na RAN, tal como estavam antes de ser proferida aquela deliberação;

III - E a mesma não tem por efeito autorizar a utilização não agrícola dos ditos terrenos, para aí ser implantado o novo acesso ao caminho municipal, já que tal permissão apenas pode resultar do parecer previsto no art. 23º do RJRAN ou do despacho conjunto contemplado no art. 25º do mesmo diploma, actos esses que não compete ao município de .................... proferir e que não são subsumíveis à deliberação aqui em causa, nem podem ser substituídos por ela;

IV – Assim, a deliberação objecto da presente acção não constitui acto impugnável, de acordo com o disposto no art. 51º do CPTA, por não estarmos perante um acto com eficácia externa e lesividade própria, pelo que se verifica a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso do Saneador/sentença do TAF de Loulé que julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto objecto da presente acção administrativa especial, ou seja, a deliberação da Assembleia Municipal de .................... de 27 de Abril de 2009, pela qual foi aprovada e emitida a declaração de interesse público da criação de um novo acesso ao CM 1236 sobre solos da Reserva Agrícola Nacional (RAN).
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1. Nos termos do disposto no art. 87° do CPTA, findos os articulados o despacho saneador deverá conhecer primeiro sobre todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo.
2. O julgamento da excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado poderia obstar, como obstou, ao conhecimento do objecto do processo, pelo que não caberia à Mm.ª Juiz conhecer da matéria de facto assente.
3. Só depois de o Tribunal conhecer das excepções dilatórias, das nulidades e das excepções peremptórias é que caberia fixar a base instrutória, seleccionando a matéria de facto relevante para a decisão da causa, regime que se encontra estabelecido no art. 87.° do CPTA e nos arts. 510° e 511° do CPCivil, aplicáveis ex vi do art.° 1º do CPTA, o que não aconteceu no saneador sentença sob recurso em manifesta violação da lei.
4. Como sufragado pelo insigne Professor Antunes Varela, no despacho saneador deverão ser sucessivamente e por esta ordem conhecidas:
a) "em primeiro lugar, o conhecimento das excepções dilatórias";
b) "em segundo lugar, das nulidades mesmo que não envolvam a inutilização de todo o processo.";
c) "em terceiro lugar, decidir-se no despacho saneador se procede alguma excepção peremptória";
d) "por fim, conhecer-se directamente do pedido" - in "Manual de Processo Civil", 2.a edição, revista e actualizada, págs.382 e segs.
5. A Mm.a Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou sobre a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado sob a epígrafe “II. Saneador", ultrapassando a fase processual correcta para o fazer, embora tenha reconhecido que esta excepção peremptória: "opera como condição de prosseguimento do processo (...), pelo que a sua não verificação determina que não se conheça as outras excepções e do mérito da acção."
6. O estado do processo não permitia o conhecimento imediato da matéria de mérito, uma vez que, por um lado, os factos que se consideraram assentes não permitem sustentar uma decisão de mérito cabal, e, por outro, existem factos controvertidos, essenciais ao bom julgamento da causa, que deveriam ter sido objecto de produção de prova e não o foram face ao julgamento desta excepção peremptória.
7. Por conseguinte, o douto despacho saneador é nulo e de nenhum efeito, impugnando-se, para todos os efeitos legais, a matéria de facto assente ali vertida, porquanto a Mm.a Juiz a quo deixou de pronunciar-se sobre questões sobre as quais deveria tê-lo feito e, pelo contrário, pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos da alínea d) do n.° 1 do art. 668° do CPCivil, aplicável ex vi do art. 1.° do CPTA.
8. O saneador sentença sob recurso que julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto da Assembleia Municipal de .................... que emitiu a declaração de interesse público da criação de um novo acesso ao CM 1236 sobre solos da Reserva Agrícola Nacional, e absolveu a entidade demandada, não fez, padece de erro de julgamento e de uma errada aplicação do Direito.
9. O art. 51° n° 1 do CPTA considera impugnáveis "os actos administrativos com eficácia externa", independentemente 'de serem ou não praticados no termo do procedimento administrativo em causa.
10. O facto de o acto não ser definitivo, no plano horizontal, não impede que ele possa ser contenciosamente impugnável .
11. "Incluem-se seguramente no conceito de acto administrativo impugnável as decisões que, por si, já produzem [os efeitos jurídicos, designadamente ablatórios, ainda que devam ser complementadas por actos jurídicos de execução vinculada. ", nas palavras do Prof. Vieira de Andrade.
12. A declaração de interesse público da criação de um novo acesso ao CM 1236 sob os solos da Reserva Agrícola Nacional, é desde logo ilegal, nos termos da legislação do Regime Jurídico da RAN, pelo que não é um simples acto opinativo, é uma decisão jurídica de «ponderação de interesses, públicos e privados.
13. Os solos classificados como de RAN prosseguem, defendem e acautelam o interesse público à biodiversidade, sustentabilidade da agricultura e boas práticas ambientais que beneficiam todos.
14. Concluímos, assim, que o acto impugnado contém o requisito de eficácia externa, pelo que é objectivamente impugnável.
15. Existe interesse directo e pessoal em impugnar este acto, dado que o mesmo é lesivo.
16. A QUERCUS, ora Recorrente, prossegue e defende nos seus Estatutos o interesse público e o direito constitucionalmente garantido no art. 66° da CRP "a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender".
17. Não é assim verdade o decidido na sentença sob recurso de que o acto "carece de lesividade própria".
18. Após a emissão da declaração de interesse público, proferida pelo Município de ...................., aqueles solos de Reserva Agrícola Nacional, serão impermeabilizados, betonados, a sua vegetação será destruída, os materiais aí implantados contaminarão as águas do Aproveitamento Hidroagrícola do Sotavento Algarvio, pelo que tal declaração não é feita no interesse público e
afecta os interesses defendidos pela ora Recorrente.
19. A declaração de interesse público aprovada na deliberação constitui documento essencial na instrução do procedimento de desafectação de solos da Reserva Agrícola Nacional, nomeadamente para prova da verificação dos requisitos materiais do artigo 22.° do Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional ("RJRAN"), exigida pela ER-RAN;
20. Ora, a deliberação sobre o pedido de parecer prévio vinculativo previsto no artigo 23.º e a comunicação prévia regulada no artigo 24.°, ambos do RJRAN (competências atribuídas às ER-RAN), quando em causa utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN, nos termos do disposto no artigo 22.°, n.° 1, constitui acto vinculado, pois uma vez reunidos os pressupostos fixados nessa norma, não cabe às ER-RAN qualquer margem de discricionariedade na decisão de aprovação ou rejeição dos pedidos;
21. O acto a proferir ao abrigo do disposto no artigo 25.° do RJRAN é igualmente um acto vinculado, que assenta precisamente no reconhecimento do relevante interesse público - reconhecimento esse que, ainda que atribuído à Administração Central, uma vez que está em causa obra de carácter municipal sempre será precedido de declaração de interesse público a proferir pelo Município;
22. Atendendo à vinculação legal do acto a proferir pelas ER-RAN, a declaração municipal de interesse público é claramente determinante para a decisão de desafectação - tornando-se evidente a sua lesividade na medida em que do indeferimento da presente providência cautelar irá resultar uma inevitável aprovação da desafectação da RAN e consequente realização da obra projectada - existindo fundado receio de verificação de facto consumado.
23. Sendo os prejuízos causados aos solos agrícolas não apenas de difícil, mas mesmo de impossível reparação, concretizando-se, desde logo na contribuição decisiva da deliberação ' camarária para o procedimento de desafectação.
24. Argumenta igualmente o Tribunal a quo que o acto não terá necessariamente como consequência a realização da obra prevista, ou mesmo a aprovação da desafectação pela entidade competente.
25. Estamos aqui perante erro nos fundamentos de facto da sentença e consequente erro de julgamento, pois o objectivo da deliberação da Assembleia Municipal de .................... é inequivocamente a realização da obra, precedida pela necessária desafectação de solos da RAN.
26. O acto é pois lesivo de direitos e interesses legal e constitucionalmente protegidos.
27. Ao não reconhecer que o acto em crise é ilegal, o saneador sentença recorrido padece igualmente de erro de julgamento por deficiente aplicação do Direito, em violação do disposto no art. 51º, nº 1 do CPTA, do regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional e do art. 66º da CRP.

Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões pela Contra-interessada:
A. A deliberação de 27/04/2009 da Assembleia Municipal .................... (A.M.T), ou seja o acto impugnado, limitou-se a aprovar a Proposta da Câmara Municipal de .................... (C.M.T.) n.° 33/2009/CM, pelo que o seu conteúdo consiste, apenas, em declarar de interesse público "a criação do novo acesso ao C.M. 1236, tal como proposto pelas listradas de Portugal" (também designado por Restabelecimento do C.M. 1236).
B. Uma das questões colocadas ao tribunal a quo consistia em saber se o acto objecto da presente acção era, ou não, impugnável, já que a Contra-Interessada tinha, expressamente, invocado tal excepção nos artigos 46.° a 60.° da Contestação.
C. Assim, evidente se torna que o despacho saneador sentença sob recurso não enferma da nulidade prevista no artigo 668.°, n.° 1, alínea d) do CPC uma vez que o mesmo pronunciou-se sobre questão que estava vinculado a conhecer, por força do artigo 87.°, n.° 1, al. a) do CPTA, ou seja a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto impugnado.
D. O tribunal a quo, na parte III do saneador sentença, limitou-se a considerar assente os factos não controvertidos, para, num segundo momento, poder conhecer da excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado, prevista na alínea c), do n.° 1 do artigo 89.° do CPTA, já que, encontrando-se o tribunal obrigado a emitir pronúncia sobre a referida excepção, por força do disposto na alínea a), do n.° 1 do artigo 87.° do CPTA e na alínea a) do n.° 1 do artigo 510.° do CPC, sempre estaria vinculado a, previamente, discriminar os factos que considerava provados, sob pena de carecer de adequada fundamentação o julgamento da dita excepção.
E. A sentença recorrida em nada violou, por isso, o estatuído nos artigos 87.° do CPTA e 510.° e 511.° do CPC, tão pouco tendo cabimento alegar, como fazem os Recorrentes, a desconformidade com o artigo 511.° do CPC uma vez que o mesmo apenas se aplica quando o processo deva prosseguir, o que não sucedeu no presente caso, visto ter sido julgada procedente uma excepção dilatória.
F. As utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN apenas podem ocorrer nas situações previstas nos artigos 22.° e 25.° do RJRAN, sendo que, no primeiro caso, tais utilizações estão dependentes de parecer prévio vinculativo das entidades regionais da RAN, conforme estatui o artigo 23.°, e, no segundo caso se exige despacho conjunto dos membros do Governo, competentes em razão da matéria.
G. As utilizações não agrícolas de áreas da RAN não estão sujeitas, face ao estatuído no RJRAN, a prévio reconhecimento do interesse público por parte dos respectivos municípios, pelo que a deliberação impugnada - contrariamente ao que defendem os Recorrentes - "não constitui documento essencial na instrução do procedimento de desafectação de solos da Reserva Agrícola Nacional", nem tão pouco tal deliberação é relevante "para a prova da verificação dos requisitos materiais do artigo 22.° do RJAN".
H. O parecer previsto no artigo 23.° do RJRAN e/ou a decisão do Governo, regulada no artigo 25.° do mesmo diploma, não constituem actos vinculados que, forçosamente, deverão ser proferidos, uma vez emitida a declaração de interesse público consubstanciada na deliberação impugnada, uma vez que nenhuma das normas consagradas no RJRAN estatui — ou dela se infere — que a deliberação posta em crise implique a emissão do parecer favorável previsto no artigo 23.° do RJRAN, ou vincule o Governo a proferir o despacho conjunto de que trata o artigo 25.° do RJRAN.
I. A deliberação impugnada limitou-se a reconhecer o interesse público municipal de uma dada infra-estrutura rodoviária (no caso a criação de um novo acesso ao caminho municipal n.° 1236, a partir da E.N. 125) dela resultando, apenas, que o município de .................... considera de interesse público a construção da dita infra-estrutura, pelo que a referida deliberação não produz quaisquer efeitos jurídicos e em nada altera a situação pré-existente.
J. Os terrenos abrangidos pelo novo acesso ao caminho municipal, objecto da deliberação impugnada, continuam integrados na RAN, tal como estavam antes de ser proferida aquela deliberação, não tendo esta por efeito autorizar a utilização não agrícola dos ditos terrenos, para aí ser implantado o novo acesso ao caminho municipal, já que tal permissão apenas pode resultar do parecer previsto no artigo 23.° do RJRAN ou do despacho conjunto contemplado no artigo 25.° do mesmo diploma, actos esses que não compete ao município de .................... proferir e que não são subsumíveis ou substituíveis pela deliberação em crise.
K. A deliberação impugnada configura-se como um acto opinativo ou meramente declarativo, insusceptível de produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
L. A deliberação objecto da presente acção não constitui acto impugnável, à luz do artigo 51.° do CPTA, pelo que se verifica a excepção prevista na alínea c), do n.° 1 do artigo 89.° do mesmo Código, e, consequentemente, bem andou a sentença sob recurso ao julgar procedente a aludida excepção e ao decretar a absolvição da Entidade Demandada.
M, Acresce que a alínea 1), do n.° 1, do artigo 22.° do RJRAN prevê, expressamente, que poderão verificar-se utilizações não agrícolas de áreas da RAN quando estiverem em causa obras de construção de infra-estruturas públicas rodoviárias, pelo que a deliberação impugnada não padece de ilegalidade, ao contrário do que afirmam os Recorrentes.
N. O despacho saneador — sentença sob recurso efectuou correcta aplicação da lei, não enfermando da nulidade invocada pelos Recorrentes e tão pouco padecendo de erro de julgamento.

O EMMP emitiu parecer a fls. 315 e 316, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão da excepção de inimpugnabilidade, sendo por nós alterada a redacção das alíneas A), D), F) e H):
A) – Por deliberação de 27.04.2009 a Assembleia Municipal de .................... (AMT) aprovou a Proposta da Câmara Municipal de .................... nº 33/2009/CM – cfr. Acta da Sessão Ordinária da AMT, de 27.04.09, doc de fls. 45 a 71 dos autos.
B) A Proposta n° 33/2009/CM, de 2009.04.01, assinada pelo Presidente da Câmara Municipal de .................... é a seguinte: "Rotunda do ……………….
Considerando: .
a proposta de requalificação da EN 125 da EP Estradas de Portugal, S,A., a qual prevê uma rotunda na zona do Almargem e a criação de um novo acesso ao Caminho Municipal 1236.
• a justificação apresentada pela EP - Estradas de Portugal, SA., no que se refere ao restabelecimento ao CM 1236, com registo de entrada neste serviço n° 9686 de 09.03.18.
que a criação de um novo acesso ao CM 1236 incide sobre solos da Reserva Agrícola Nacional (RAN).
que há necessidade de solicitar libertação de solos agrícolas à Comissão Regional da Reserva Agrícola Nacional (CRRAN),
que a CRRAN exige declaração de interesse público para o efeito. Assim, tenho a honra de propor que a Câmara Municipal delibere:
1.Aprovar a solução viária proposta pelas Estradas de Portugal constante das plantas em anexo;
2. Emitir declaração de interesse público para a criação do novo acesso ao CM 1236, tal como proposto pelas Estradas de Portugal;
3. Solicitar à Assembleia Municipal igual posição;
4. Aprovar a decisão que recair sobre a presente proposta em minuta, nos termos do disposto ao n° 3 e para os efeitos do preceituado no nº 4 do artigo 92° da Lei 169/99 de 18 de Setembro, republicada em anexo à Lei n° 5-A/2002 de 11 de
Janeiro " (cfr doc n° 2 da pi do Processo Cautelar n° 548/09. l BELLE);
C) Em 2009.04.08, foi aprovada a seguinte deliberação pela Câmara Municipal de .................... "ROTUNDA DO ……………..: O Senhor Presidente apresentou ao Executivo a proposta número 33/2009/CM, referente à rotunda do Almargem, que se anexa a esta deliberação e dela faz parte integrante. -------------------------------------
Após apreciação da referida proposta, a Câmara Municipal deliberou por unanimidade aprovar a mesma.----------------------------------------------------------------------
Mais foi deliberado aprovar esta deliberação em minuta, no final da reunião, nos termos do disposto no número 3 e para os efeitos do preceituado no número 4 do artigo 92° da Lei número 169/99 de 18 de Setembro, republicado em anexo à Lei número 5-A/2002 de 11 de Janeiro.------------------------------------------" (cfr doc° n° 3 da pi do Processo Cautelar n° 548/09. l BELLE).
D) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da Planta de Março de 2009 do Departamento de Urbanismo da Câmara da Municipal de .................... (cfr doc n° 1 da oposição da Entidade Requerida no Processo Cautelar n° 548/09. llBELLE);
E) O oficia de 2009.03.13 da Delegação Regional de Faro das Estradas de Portugal, SA, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de .................... tem o seguinte teor: "A melhoria das condições de segurança na EN 125 está fundamentalmente relacionada com as acessibilidades à via e com a adopção de velocidades consentâneas com os pontos de conflito.
Neste contexto e tendo em atenção a ocupação marginal e o tipo de deslocações que essa via fornece ao utente a filosofia geral de intervenção aponta para a concentração de acessibilidades em intersecções do tipo giratório que simultaneamente garantam a acalmia do tráfego e níveis de desempenho adaptados aos níveis de tráfego existentes.
É neste sentido que surge a proposta de implantação de uma intersecção giratória ao km 138+000 da EN 125 que permite colectar 3 acessos à EN 125, localizados num alinhamento curvo e permite corrigir a deficiente inserção da CM 1236.
Desta forma concentram-se os acessos num único ponto e promove-se a acalmia de tráfego necessária à realização dos movimentos em segurança " (cfr doc n° 2 da oposição da Entidade Requerida no Processo Cautelar n° 548/09. lBELLE);
F) Dá-se aqui por reproduzido o teor da Planta de Dezembro de 2007 do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e Estradas de Portugal, SA, intitulada 'Requalifícação da EN 125' (cfr docs nºs 3 das oposições da Entidade Requerida e da Contra-Interessada
no Processo Cautelar n° 548/09. l BELLE);
G) A Contra-Interessada é proprietária de um prédio misto, denominado "Quinta das Oliveiras" sito no concelho de ...................., descrito na respectiva Conservatória sob o n° 14 552 (cfr doc n° 1 da oposição da Contra-interessada no Processo Cautelar nº 548/09.1 BELLE);
H) Dá-se aqui por reproduzido o teor da Planta de Localização do terreno sobre Carta militar de Julho de 2008, da autoria de Atelier de Arquitectura e respeitante ao Plano de loteamento Palmeiras ……….. (cfr doc nº 2 da oposição da Contra-interessada no Proc Cautelar nº 548/09.1BELLE).

O Direito
O despacho saneador-sentença recorrido julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto objecto da presente acção administrativa especial, ou seja, a deliberação da Assembleia Municipal de .................... de 27 de Abril de 2009, pela qual foi aprovada a declaração de interesse público da “criação de um novo acesso ao CM 1236, tal como proposto pelas Estradas de Portugal”, aprovando a Proposta da CMT nº 33/2009/CM, nesse sentido.
A Recorrente imputa á decisão recorrida omissão e excesso de pronúncia por o tribunal não se ter pronunciado sobre questões que deveria apreciar e ter conhecido de outras de que não podia conhecer. Mais invoca que a decisão padece de erro de julgamento na aplicação do direito, quanto à questão da inimpugnabilidade da deliberação em causa na acção.

1 – Quanto às nulidades da sentença por omissão e excesso de pronúncia
Alega a Recorrente nas conclusões 1 a 7 que o despacho recorrido incorreu nas nulidades previstas na alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC, porque não se pronunciou sobre questões sobre as quais deveria tê-lo feito e, pronunciou-se sobre outras de que não podia tomar conhecimento.
Para tanto invoca o seguinte:
O julgamento da excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado poderia obstar, como obstou, ao conhecimento do objecto do processo, pelo que não caberia à Mm.ª Juiz conhecer da matéria de facto assente.

Só depois de o Tribunal conhecer das excepções dilatórias, das nulidades e das excepções peremptórias é que caberia fixar a base instrutória, seleccionando a matéria de facto relevante para a decisão da causa, regime que se encontra estabelecido no art. 87.º do CPTA e nos arts. 510º e 511º do CPCivil, aplicáveis ex vi do art.° 1º do CPTA, o que não aconteceu no saneador sentença sob recurso em manifesta violação da lei.

Vejamos.
Nos termos do disposto no art. 668º, nº 1, alínea d) do CPC, a nulidade por omissão ou excesso de pronúncia verifica-se quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal nulidade ocorre quando o juiz não respeite o comando do art. 660º, nº 2 do CPC, nos termos do qual o julgador deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Neste caso uma das questões colocadas à apreciação do tribunal era precisamente a de saber se o acto administrativo impugnado, era, ou não, impugnável.
Efectivamente, tal questão foi invocada na contestação da contra-interessada, sobre ela se tendo a aqui Recorrente pronunciado a fls. 170/175 dos autos.
Ora, logo após o relatório a Mma Juiz a quo refere que está perante a circunstância do art. 87º, nº 1, al. a) do CPTA e que se vai proferir saneador-sentença.
Seguidamente profere despacho saneador referindo que não se suscitam questões sobre a competência do tribunal, nulidades que invalidem o processo ou excepções sobre personalidade e capacidade judiciárias das partes e respectivo patrocínio, mas estando invocada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto (cfr. art. 89º, nº 1, al. c) do CPTA), fixa a matéria de facto atinente ao conhecimento da mesma, pronunciando-se seguidamente sobre a solução de direito quanto à sua verificação.
Ou seja, a fixação da matéria de facto teve em vista o conhecimento da excepção dilatória invocada, nos termos do disposto no art. 87º, nº 1, al a) do CPTA (e do art. 510º, nº 1, al a) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA), não tendo a sentença recorrida violado tais preceitos, nem o disposto no art. 511º do CPC, que não se mostra aplicável ao caso, por se ter julgado procedente uma questão que obsta ao prosseguimento do processo (cfr. arts. 87º, nº 1, al a), 88º e 89º, nº 1, todos do CPTA).
Efectivamente, para apreciar a questão de direito - inimpugnabilidade do acto administrativo - estava a decisão recorrida obrigada a fixar matéria de facto a esta atinente, sob pena de incorrer na nulidade de sentença de falta de especificação dos fundamentos de facto (cfr. arts. 659º, nº 2 e 668º, nº 1, al. b) do CPC).
Assim, a sentença recorrida conheceu da excepção dilatória que foi suscitada (sendo igualmente de conhecimento oficioso) e fixou a matéria de facto não controvertida que importava à decisão daquela, pelo que não incorreu nem em omissão, nem em excesso de pronúncia, improcedendo as conclusões 1 a 7 do recurso.

2 – Quanto ao erro de julgamento
A questão em apreço é a de saber se a deliberação impugnada contenciosamente é um acto administrativo impugnável.
Tal questão tem que ser apreciada tendo em conta o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RJRAN), aprovado pelo DL nº 73/2009, de 31/3.
Conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2ª ed., pág. 307:
« O conceito de acto contenciosamente impugnável traz pressuposto a definição legal de acto administrativo que provém do art. 120.º do CPA: consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Na caracterização como acto administrativo impugnável, o acento tónico é, contudo, colocado na eficácia externa.
São externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectam a situação jurídico-administrativa de uma coisa. (…). Por contraposição os actos internos são aqueles que se inscrevem no âmbito das relações inter-orgânicas ou das relações de hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral.»
Também a jurisprudência tem feito depender a impugnabilidade dos actos da sua eficácia externa, de acordo, aliás, com o preceituado no art. 51º, nº 1 do CPTA.
Como se sumariou no Ac. do STA de 16.12.2009, Proc. 140/09: “Hoje, face ao art. 51.º, n.º 1 do CPTA a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere.” (cfr tb o ac deste TCAS de 05.02.2009, Proc. 02612/07, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Há, assim, que determinar se de acordo com o RJRAN a deliberação aqui em causa é susceptível de produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual ou concreta.
As utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN apenas podem ocorrer nas situações previstas nos arts. 22º (o art. 24º é inaplicável ao caso, uma vez que a obra objecto do acto impugnado é contemplada pela previsão da al. l), do nº 1, do art. 22º) e 25º, todos, do RJRAN.
No primeiro caso, tais utilizações estão dependentes de parecer prévio vinculativo das entidades regionais da RAN, conforme prevê o art. 23º do referido diploma, sendo que as competências de tais entidades vêm reguladas no respectivo art. 34º.
No segundo caso, a utilização de solos da RAN está sujeita a despacho conjunto dos membros do Governo, competentes em razão da matéria.
Em nenhuma das referidas situações se exige o reconhecimento do interesse público por parte do respectivo município.
Significa isto que a deliberação impugnada, contrariamente ao que defende a Recorrente, "não constitui documento essencial na instrução do procedimento de desafectação de solos da Reserva Agrícola Nacional", nem tão pouco tal deliberação é relevante "para a prova da verificação dos requisitos materiais do artigo 22.° do RJAN".
Por outro lado, também não tem razão o Recorrente quando defende que o parecer previsto no art. 23º do RJRAN e/ou a decisão do Governo, regulada no art. 25º do mesmo diploma, constituem actos vinculados que, forçosamente, deverão ser proferidos, uma vez emitida a declaração de interesse público consubstanciada na deliberação impugnada.
Efectivamente, nenhuma das normas consagradas no RJRAN prevê (ou delas resulta) que a deliberação impugnada implique a emissão do parecer favorável previsto no art 23º do RJRAN, ou vincule o Governo a proferir o despacho conjunto a que se refere o art. 25º do diploma referido.
O que resulta do RJRAN é, exactamente, o contrário da interpretação defendida pela Recorrente.
Com efeito, não prevendo tal regime jurídico a necessidade de declaração de interesse público municipal das intervenções a localizar em solos da RAN, é óbvio que tal declaração, a ser proferida, em nada vincula as deliberações das entidades regionais da RAN e/ou as decisões do Governo.
É que o parecer vinculativo a emitir pelas ditas entidades regionais deve apreciar, com a inerente discricionariedade, a verificação dos pressupostos previstos no art. 22º do RJRAN, confirmando, ou não, a sua existência em cada caso concreto.
E ao despacho governamental, previsto no art. 25º do RJRAN, cumpre decidir, aí com total discricionariedade, se a acção ou projecto a realizar em solos da RAN é, ou não, de relevante interesse público.
Sendo isto o que resulta da lei, não tem fundamento a alegação da Recorrente quanto à natureza vinculada do acto administrativo aqui em causa.
Vejamos então como qualificar a deliberação impugnada na óptica da sua eficácia externa.
Tal deliberação limitou-se a reconhecer o interesse público municipal de uma certa infra-estrutura rodoviária, no caso a criação de um novo acesso ao caminho municipal n.° 1236, a partir da E.N. 125. Isto é, o que resulta da dita deliberação é, tão-só, que o município de .................... considera de interesse público a construção da dita infra-estrutura.
Assim, a referida deliberação não produz quaisquer efeitos jurídicos externos e em nada altera a situação pré-existente.
Os terrenos abrangidos pelo novo acesso ao caminho municipal, objecto da deliberação impugnada, continuam integrados na RAN, tal como estavam antes de ser proferida aquela deliberação. E a mesma não tem por efeito autorizar a utilização não agrícola dos ditos terrenos, para aí ser implantado o novo acesso ao caminho municipal, já que tal permissão apenas pode resultar do parecer previsto no art. 23º do RJRAN ou do despacho conjunto contemplado no art. 25º do mesmo diploma, actos esses que não compete ao município de .................... proferir e que não são subsumíveis à deliberação aqui em causa (nem podem ser substituídos por ela).
Assim, a deliberação impugnada é insusceptível de produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Como se refere na sentença recorrida, “este acto, “por si só (...)” não determina “a definição substantiva de uma concreta situação jurídica entre a Administração e o particular”, pois que ainda subsistem a prolação de actos jurídicos que concretizem e definam o traçado da via, atendendo designadamente à sua envolvente e à necessidade de ser girado em conformidade a sua trajectória viária, pelo que, garantidamente, não podem os Autores assegurar que designadamente vão ser diminuídas ou destruídas as potencialidades para o exercício da actividade agrícola das terras e solos da RAN.
Mais referindo que: “estamos ex ante à emissão, se é que isso vai ocorrer de um acto que determina a construção de uma via de acesso ao CM 1236, pois que neste momento, o que temos é um acto que conferiu interesse público à sua implementação. Mas, esta, carece de ser executada, para ser, só então, cogitado o requisito da lesividade do actoe que “não é certo nem sabido que as outras entidades que se irão pronunciar sobre a implementação de um novo traçado viário dêem parecer positivo, o que desde logo, obstaculiza a sua execução”.
É, assim, de concluir que a deliberação objecto da presente acção não constitui acto impugnável, de acordo com o disposto no art. 51º do CPTA, por não estarmos perante um acto com eficácia externa e lesividade própria, pelo que se verifica a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto (não peremptória como se diz na decisão recorrida) prevista na alínea c), do nº 1 do art. 89º do referido diploma, conducente à absolvição da instância (cfr. nº4 do art. 89º e nº 4 do art. 88º, ambos do CPTA).
Termos, em que, a sentença recorrida ao julgar procedente aquela excepção não enferma de erro de julgamento, improcedendo, consequentemente, as conclusões 8 a 26 da Recorrente.
Quanto à invocada ilegalidade do acto, aduzida na conclusão 27, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, ao dela não conhecer, face à procedência da excepção que prejudica o seu conhecimento.

Pelo exposto, acordam em:
a) – negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida e absolvendo os réus da instância;
b) – condenar a Recorrente nas custas.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2012

Teresa de Sousa
Paulo Carvalho
Carlos Araújo