Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06984/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
A. FISCAL TEM COMPETÊNCIA PARA ADITAR BENS AO PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO SUCESSÓRIO.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO. REQUISITOS.
IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES.
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL.
Sumário:
1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. A A. Fiscal tem competência para aditar ao processo de liquidação de imposto sucessório outros bens de que tenha conhecimento, por qualquer outro meio, para além dos relacionados pelo cabeça-de-casal, como foi o caso dos presentes autos (cfr.artº.70, § 1, do C.I.M.S.I.S.S.D.). A idêntica conclusão se chega com a aplicação do princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.).
6. Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
7. Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.
8. O Imposto sobre Sucessões e Doações era o único tributo estadual incidente sobre o património, o qual foi introduzido no sistema fiscal português pelo dec.lei 41969, de 24/11/1958, e alterado por numerosa legislação posterior. A sua base de incidência consistia nas transmissões, a título gratuito, “inter vivos” e “mortis causa”, de bens móveis e imóveis. A matéria colectável do presente tributo compõe-se pelo valor dos bens transmitidos, incidindo o imposto não sobre a massa hereditária global, mas antes sobre a parcela dos bens adquiridos a título gratuito por cada sujeito passivo, tendo as respectivas taxas características de progressividade e sendo relevantes as que estão em vigor à data da transmissão dos bens (cfr.artºs.3, 20, 40 e 45, todos do C.I.M.S.I.S.S.D.). O tributo sob exame, com a reforma da tributação do património operada pelo dec.lei 287/2003, de 12/11, foi substituído pelo imposto de selo, sendo revogado o C.I.M.S.I.S.S.D. a partir de 1/1/2004 (cfr.artº.31, do dec.lei 287/2003, de 12/11).
9. A procuração irrevogável (cfr.procuração “in rem suam” - artº.265, nº.3, do C.Civil) com poderes de alienação (no caso de quotas sociais), confere ao procurador mandato materialmente idêntico aos do proprietário. As cláusulas de irrevogabilidade, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste, praticamente os mesmos poderes materiais que correspondem ao exercício dos poderes do proprietário. Embora o procurador não seja o titular do direito de propriedade, porque não adquiriu o respectivo título, e exerça esses poderes em nome do mandante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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MARIA ……………………………., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.99 a 113 do presente processo, através da qual julgou parcialmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente, visando uma liquidação de Imposto sobre Sucessões e Doações, relativa ao ano fiscal de 2006, levada a efeito pela Administração Fiscal e no montante total de € 267.770,71.
X

O recorrente termina as alegações (cfr.fls.144 a 159 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Na sentença recorrida e na parte em que julgou parcialmente improcedente a impugnação apresentada pela recorrente/impugnante considerou-se improcedente quer o vício de forma por falta de fundamentação imputada à liquidação de imposto sucessório em causa, na impugnação judicial apresentada pela recorrente/impugnante, quer o erro nos pressupostos na parte em que a liquidação do imposto em causa teve por base o valor atribuído a um quota social também invocado pela recorrente/impugnante;
2-Nesta parte, procedeu-se a uma errada selecção e apreciação da matéria de facto e, nela, fez-se um julgamento incorrecto de pontos essenciais da matéria de facto que determinou o incorrecto julgamento do pedido de anulação da liquidação do imposto e, consequentemente, a prolação de uma decisão de direito errada e, também ela, profundamente injusta. Vejamos porquê;
3-Na petição inicial de impugnação judicial que a aqui recorrente apresentou, alegou que, para além da existência de, apenas, um bem imóvel como activo da herança e, por outro lado, de, apenas, uma factura de despesas com funeral como único passivo da herança, na relação de bens que apresentou, foi expressamente declarada a inexistência de quaisquer outros bens (cfr. artigo 5 da petição inicial), tendo, para prova do que alegara, remetido para fls. 9 e 10 do processo de imposto sucessório n.° 1212 cuja apensação aos presentes autos foi por si requerida, não tendo tal facto sido impugnado pelo Representante da Fazenda Pública. Acontece que;
4-O Tribunal a quo não considerou tal facto como provado, nem como relevante para a boa decisão da causa. No entanto;
5-Uma vez que a aqui recorrente imputa à liquidação impugnada o vício de forma por falta de fundamentação por, nela, não se dar a conhecer por que razão é exigido imposto sobre bens móveis se na relação de bens apresentada apenas consta um bem imóvel, não se esclarecer que bens móveis são esses, não se informar se foi tido em conta o valor de passivo relacionado, nem se indicar a taxa de imposto que incidiu sobre a matéria colectável para que tenha sido apurado o concreto valor de imposto exigido, impunha-se, por ser relevante para a boa decisão da causa, dar também como provado que na relação de bens foi expressamente declarada a inexistência de quaisquer outros bens. Pelo que;
6-Ao decidir não dar como provado tal facto, o Tribunal a quo cometeu um erro na fixação e na apreciação da matéria de facto, devendo Vossas Excelências, ao abrigo do disposto no art.° 712° do C.P.C. (aplicável ex vi art.° 281° do C.P.P.T), considerar como provado aquele facto. Assim sendo;
7-Temos que, na relação de bens apresentada, foi declarada a existência de, apenas, um bem imóvel como activo da herança e, por outro lado, de, apenas, uma factura de despesas com funeral como único passivo da herança, tendo sido expressamente declarada a inexistência de quaisquer outros bens;
8-Decorridos quase 10 anos (!) sobre a apresentação da relação de bens da herança, a aqui recorrente recebeu o oficio n.° 10321, através do qual foi notificada de que a Administração Tributária pretendia liquidar tributo sobre bens que não constavam daquela relação e, posteriormente, foi notificada do oficio n.° 13575, no qual lhe foi exigido o pagamento de Imposto sobre as Sucessões e Doações;
9-Este documento (que corporiza a liquidação impugnada) não apresenta qualquer fundamentação da liquidação do imposto, pois, nele, a Administração Fiscal não fundamenta, ainda que minimamente e em momento algum, a correcção efectuada à relação de bens da herança apresentada pela cabeça-de-casal (aqui recorrente) e a liquidação correspondente. Porque é que é exigido imposto sobre bens móveis se na relação de bens apresentada apenas consta um bem imóvel?
Mas que bens móveis são esses?
O falecido marido da recorrente não tinha, à data da sua morte, quaisquer bens móveis, razão pela qual não foram incluídos na relação de bens por si apresentada.
Porque é que veio agora a Administração Fiscal exigir aquele imposto, no valor de € 267.770,71?
O que aconteceu ao valor de passivo relacionado? Foi tido em conta?
Que taxa de imposto foi aplicada para que tenha sido apurado o valor de imposto exigido?
O contribuinte que adivinhe?!
10-Do documento que corporiza a liquidação em causa não consta qualquer referência à fundamentação da correcção da matéria tributável (ou seja, dos bens relacionados pela cabeça-de-casal) e posterior liquidação efectuadas.
Dele também não consta uma declaração expressa e inequívoca de concordância com qualquer fundamentação porventura existente. E a notificação efectuada à aqui recorrente nem sequer foi acompanhada de qualquer documento que pudesse conter essa fundamentação (na verdade, não foi acompanhada de nenhum documento);
11-O que é manifestamente errado, ilegal e viola o disposto no artigo 77° da L.G.T.;
12-O que impõe, como necessária, a conclusão de que a liquidação impugnada padece de vício de forma, por total falta de fundamentação;
13-Deverá, por isso, ser revogada a sentença recorrida, julgando-se totalmente procedente vício de forma da liquidação em causa, por falta de fundamentação e, em consequência, ser a liquidação anulada. Acresce que;
14-Ao decidir dar como provado que "O falecido António ………………………… detinha uma quota de 33.000.000$00 na ……………………, Lda. (...)" (ponto 12 da douta sentença recorrida), o Tribunal a quo cometeu um erro na fixação e na apreciação da matéria de facto. É que;
15-Resulta do teor da douta sentença recorrida que a quota em causa foi cedida depois da morte do de cujus, através de contrato de cessão de quota no qual outorgou João …………………………... na qualidade de procurador daquele e que, por procuração outorgada em 15 de Maio de 1980 (17 anos antes do óbito do autor da herança em causa), o de cujus conferiu àquele indicado procurador poderes para vender a quota em causa, sendo esta procuração "só é revogável ocorrendo justa causa e não se extingue por morte, interdição ou inabilidade dele mandante";
16-Nos expressos termos do disposto no art° 1170°, n,° 2, e 1175°, ambos do Código Civil, a procuração em causa, porque conferida também no interesse do procurador, constitui uma procuração irrevogável e não caducável por morte, interdição ou inabilidade do mandante, pelo que, desde a data em que ela foi outorgada, a quota deixou de pertencer ao marido da aqui recorrente;
17-Conclusão que não é minimamente posta em causa (ao contrário do que se defende na douta sentença recorrida para fundamentar o facto considerado como provado no transcrito ponto 12) pelo facto de o de cujus, muito depois de ter outorgado aquela procuração, ter praticado qualquer acto jurídico em nome da sociedade onde detivera uma quota, pois, como se reconhece na douta sentença recorrida, o de cujus interveio em tais actos na única qualidade (que tinha e manteve) de gerente da sociedade, que, como se sabe, é, nos termos da lei, totalmente distinta, autónoma e independente da qualidade de sócio. Assim sendo;
18-Ao considerar como provado, errada e infundadamente, que o de cujus era, à data do óbito, titular de uma quota, o Tribunal a quo cometeu um erro na fixação e na apreciação da matéria de facto que deverá ser corrigido por Vossas Excelências, considerando-se como provado que o de cujus não era titular de uma quota do valor nominal de 33.000.000$00 na ……………………………. Lda,. Assim;
19- Uma vez que de acordo com as regras do Código Civil que regulam a matéria das Sucessões, só fazem parte da herança os bens, direitos e obrigações que estejam na esfera jurídica de cujos à data da sua morte e que, como determina o próprio artigo 3°, § 1°, primeira parte, do C.I.M.S.I.S.S.D., só há transmissão fiscal para efeitos do Imposto sobre as Sucessões e Doações quando há real e efectiva transferência dos bens e só esta é que pode dar lugar a liquidação daquele imposto, se, à data do óbito, a quota já não pertencia ao marido da recorrente (e não pertencia), não é possível afirmar-se, com razão, que essa quota saiu da esfera jurídica do autor da herança para entrar na esfera jurídica da aqui recorrente, pelo que não poderia ter sido liquidado Imposto Sucessório sobre esse bem;
20- Termos em que, deverão Vossas Excelências revogar a douta sentença recorrida, procedendo-se à sua substituição por acórdão que julgue totalmente procedente o pedido formulado na petição inicial de impugnação judicial e, em consequência, anule, na íntegra, a liquidação impugnada.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.173 e 174 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.177 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.

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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.102 a 108 dos autos):
1-Em 2/06/1997, por óbito de António ……………………, foi aberta a sucessão e instaurado o respectivo processo de imposto sucessório que tomou o n°1212, no 3º. Serviço de Finanças de Lisboa (cfr.cópia do processo apenso aos presentes autos);
2-Tendo falecido intestado, sucederam-lhe como herdeiros legitimários, o cônjuge, Maria …………………….., ora impugnante e cabeça-de-casal, e os descendentes, Maria …………………………..,Isabel…………………….,Cristina…………………..,António………………… e Júlia………………………….. (cfr. termo de declaração junto a fls.21 a 24 do processo administrativo apenso);
3-Em 29/08/1997, foi apresentada pelo cabeça-de-casal da herança a relação de bens, de cujo activo constava uma parcela de terreno com a área de 480m2, a destacar do prédio rústico descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de Setúbal com o número 21.646 a fls.171 v. do Livro-B, designado por ………………… e inscrito na respectiva matriz cadastral sob parte do artigo …. -Secção AG, e do passivo, o recibo n°1124 da Agência ………………………, no valor de €997,60/Esc.200.000$00 (cfr.documento junto a fls.25 e 26 do processo administrativo apenso);
4-Em 14/12/2005, foi a impugnante notificada da liquidação efectuada no sobredito processo de imposto sucessório (cfr.documento junto a fls.50 e 51 do processo administrativo apenso);
5-No seguimento da impugnação judicial que apresentou dessa liquidação - e que correu termos com o n°674/06.9BELSB - foi a mesma objecto de revogação anulatória por preterição do exercício do direito de audição prévia (cfr.documento junto a fls.112 do processo administrativo apenso);
6-Em seguimento, foi a impugnante, na aludida qualidade de cabeça-de-casal, notificada em 21/09/2006 para exercer o direito de audição prévia (cfr.documento junto a fls.113 do processo administrativo apenso);
7-O que fez em 9/10/2006, constando da resposta, a fls.114 e seg. do apenso instrutor, entre o mais que se dá por integralmente reproduzido, o seguinte:
"(...)
1 - Nos ofícios que foram notificados aos herdeiros escreve-se que "…………………., Lda., vendeu um terreno, em 1996, por 1.000.000.000$00, tendo, apenas, dado entrada nas contas da empresa a importância de 500.000.000$00, sendo que o remanescente foi depositado na "conta particular" do autor da herança. Ora bem,
2 - Se se afirma (por ser verdade) que o autor da herança se apropriou e depositou numa conta pessoal um valor que não lhe pertencia, desse facto ter-se-á que retirar a respectiva conclusão jurídica e lógica. Ou seja, por se ter apropriado ilicitamente de 500.000.000$00 que pertenciam à ………………………, Lda., o autor da herança constituiu-se devedor daquela sociedade no mesmo montante de 500.000.000$00.
O que significa, muito claramente, que, para efeitos da liquidação do Imposto Sucessório em causa nos autos, o indicado valor de 500.000.000$00 não pode ser considerado como activo da herança, antes tem de ser considerado como um passivo da herança!
(...)";

8- Em sequência, foi a impugnante notificada da liquidação de Imposto Sucessório e do proporcional de imposto que lhe é imputável, no montante de € 267.761,35 (cfr. ofício de 22/11/2006 junto a fls.41 dos presentes autos);
9-A impugnante requereu, em 7/12/2006, que, ao abrigo do disposto no art°37, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, lhe fosse comunicado o teor da fundamentação da liquidação notificada, alegando, entre mais que damos por reproduzido, o seguinte (cfr. documento junto a fls.42 dos presentes autos):
"(...)
2 - Tal como foi feita a notificação, a requerente não consegue perceber como foram apurados os valores inscritos no quadro constante naquele ofício. É que,
Na relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, não foram indicados quaisquer bens móveis, pois, à data da morte, o falecido António ……………………, não era titular de quaisquer bens móveis. Ora,
3 - O imposto sobre as sucessões incide, apenas e só, sobre os bens que o autor da herança fosse titular à data da sua morte, pelo que a requerente não consegue compreender por que razão lhe é liquidado imposto sobre bens móveis. O que implica que,
4 - Tal como foi notificada à Requerente, a liquidação não contém a fundamentação legalmente exigida.
(...)";

10- Em resposta ao pedido de certificação recebeu do 3º. Serviço de Finanças de Lisboa o ofício n°14.337, de 11/12/2006, em que se remete para a fundamentação constante dos seus anteriores ofícios n°20.559, de 10/12/2005, n°10.321, de 01/09/2006 e nº11.484, de 21/09/2006, os quais foram juntos pela impugnante com a petição inicial e constituem fls.20, 21/24 e 41 dos presentes autos;
11- Deduziu impugnação judicial em 13/03/2007 conforme carimbo de entrada aposto a fls.3 dos presentes autos;
12-O falecido António……………………… detinha uma quota de 33.000.000$00 na ……………………………, Lda., com capital social de 75.000.000$00, a qual foi cedida a "…………………………., Limitada" por escritura de 21/08/1997 e inscrição de 5/09/1997, tendo outorgado na escritura, como procurador do cedente, João……………………. (cfr. certidão de registo comercial relativa à sociedade junta a fls.26 a 30 dos presentes autos; escritura de cessão de quota junta a fls.31 a 34 dos presentes autos);
13-O referido procurador interveio na escritura e na qualidade indicada munido de poderes que lhe haviam sido conferidos pelo representado, o falecido António…………………….., através de procuração escriturada em 15/05/1980 de que consta, nomeadamente, que: "O presente mandato só é revogável ocorrendo justa causa e não se extingue por morte, interdição ou inabilidade dele, mandante, nos termos dos artigos mil cento e setenta, número dois, e mil cento e setenta e cinco do Código Civil" (cfr. documento junto a fls.45 a 47 dos presentes autos);
14-A referida quota social, no valor nominal de Esc.33.000.000$00 (€ 164.603,31) foi avaliada pela Administração Fiscal para efeitos de imposto sucessório em € 598.504,20 (cfr.documento junto a fls.37 e 38 dos presentes autos);
15- Do resultado da avaliação e para efeitos de audição prévia no processo de liquidação do imposto foi a impugnante notificada por ofício nnº.11484, de 21/09/2006 (cfr.documento junto a fls.36 dos presentes autos);
16-O autor da herança, António…………………., consta como sócio e um dos gerentes inscritos da ………………………, Lda. desde a sua constituição (cfr.certidão de registo comercial relativa à sociedade junta a fls.26 a 30 dos presentes autos);
17-No âmbito das acções de inspecção cruzadas levadas a efeito em 2001 à referida ……………………………, Lda. e ao seu sócio e gerente inscrito António ………………, tudo para efeitos de imposto sucessório, apurou-se o negócio de venda, em 1996, de um terreno do seu activo pelo preço de Esc.1.000.000.000$00, tendo apenas dado entrada nas contas da empresa a importância de Esc.500.000.000$00 (cfr. documento junto a fls. 22 a 24 dos presentes autos);
18- Sendo que o valor remanescente, de Esc.500.000.000$00 foi depositado na conta bancária particular do identificado sócio e ora autor da herança, António………………., com o n°64.567/002 do Banco …………………… (cfr.documento junto a fls.22 a 24 dos presentes autos; documento junto a fls.35 dos presentes autos);
19-O negócio da venda do terreno apurado pela inspecção tributária e referido no nº.17, cuja promessa foi assinada pelo autor da herança, António ……………………… em representação da ………………………, em 1996, só veio a ser escriturado em 7/07/1997, data posterior à do seu óbito (cfr.documentos juntos a fls.48 a 50 e 51 a 55 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, nomeadamente, não se provou que o autor da herança, António……………………, não fosse à data da sua morte o detentor da quota de Esc.33.000.000$00 na ………………………, nem que tivesse recebido o preço dela do procurador a quem conferiu poderes irrevogáveis para a sua venda com anterioridade à data em que lhe passou tal procuração (15/05/1980). Como também não se provou que o de cujus se tenha «apropriado ilicitamente» da importância de Esc.500.000.000$00 que foi depositada na sua conta bancária em resultado do negocio da venda de um terreno da ……………………………”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada. Os factos não provados assentam na falta de prova, sendo de assinalar a propósito, que mal se compreende que tendo a quota deixado de pertencer ao autor da herança em 1980 e tendo já ele então recebido o respectivo preço, como se alega, o mesmo tenha mantido poderes de representação e gerência da sociedade, tendo intervindo em negócios dela, nomeadamente assinando a promessa de venda de um terreno do seu activo e recebido o correspondente sinal de Esc. 500.000.000$00, em 1996 -vd. fls.48.
De resto, a prova do recebimento do preço pelo titular da quota em momento anterior àquele em que passou procuração com poderes irrevogáveis a João ……………………… - que depois interviria na escritura de cessão em representação do de cujus cedendo a quota à sociedade "……………………, Lda." - não a encontramos nos autos, nem a impugnante se propôs fazê-la.
Por outro lado, embora a impugnante afirme que o de cujus se apropriou ilicitamente de dinheiro da sociedade nomeadamente do sinal de Esc.500.000.000$00 recebido no negócio da venda de um terreno - para sustentar que a herança se constituiu em devedor dela - a verdade é que não demonstra ter sido encetada qualquer diligência ou interposta qualquer acção judicial por parte da sociedade com vista ao seu ressarcimento, o que seria expectável segundo regras da experiência comum, da lógica e critérios da normalidade da vida das empresas…”.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar parcialmente procedente a presente impugnação, nos seguintes termos:
1- Julgar a impugnação parcialmente procedente e anular a liquidação impugnada (cfr. nº.8 do probatório) na parte em que tomou por base o valor monetário de Esc. 500.000.000$00 depositados na conta bancária do autor da herança;
2- Julgar a impugnação improcedente quanto ao demais.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que na petição inicial de impugnação judicial que apresentou, alegou que apenas relacionou um bem imóvel como activo da herança e, por outro lado, apenas uma factura de despesas com funeral como único passivo da herança, na relação de bens que apresentou, com expressa declaração de inexistência de quaisquer outros bens a relacionar, mais tendo, para prova do que alegara, remetido para fls.9 e 10 do processo de imposto sucessório cuja apensação aos presentes autos foi por si requerida, não tendo tal facto sido impugnado pelo Representante da Fazenda Pública. Que o Tribunal "a quo" não considerou tal facto como provado, nem como relevante para a boa decisão da causa. Ao decidir não dar como provado tal facto, o Tribunal "a quo" cometeu um erro na fixação e na apreciação da matéria de facto, devendo Vossas Excelências, ao abrigo do disposto no artº.712, do C.P.C., considerar como provado aquele facto por ser relevante para a boa decisão da causa. Que ao considerar como provado, errada e infundadamente, que o "de cujus" era, à data do óbito, titular de uma quota na "………………………., L.da.", o Tribunal "a quo" cometeu um erro na fixação e na apreciação da matéria de facto que deverá ser corrigido (cfr. conclusões 3 a 7 e 18 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, deverá vincar-se, antes de mais, que o conteúdo da relação de bens apresentada pelo recorrente junto do 3º. Serviço de Finanças de Lisboa já consta do nº.3 do probatório supra consignado.
Por outro lado, quanto à alegada declaração de inexistência de quaisquer outros bens a relacionar, igualmente constante do documento identificado no nº. 3 da factualidade provada, é manifesto que nos encontramos perante factualidade de natureza conclusiva, sendo que este Tribunal não vislumbra qualquer relevo fáctico-jurídico de tal segmento factual, visando o seu aditamento ao probatório.
Por último, sempre se dirá que a A. Fiscal tem competência para aditar ao processo de liquidação de imposto sucessório outros bens de que tenha conhecimento, por qualquer outro meio, para além dos relacionados pelo cabeça-de-casal, como foi o caso dos presentes autos (cfr.artº.70, § 1, do C.I.M.S.I.S.S.D.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª.edição, 1997, pag.584). A idêntica conclusão se chega com a aplicação do princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.).
Passando ao alegado erro de julgamento de facto incidente sobre a quota detida pelo "de cujus" na "………………………, L.da.", não indica o recorrente quais os concretos meios probatórios em que baseia o mencionado erro de julgamento da decisão recorrida, sendo que, a factualidade posta em causa pelo apelante se fundamenta no exame de documentos juntos pelo mesmo ao articulado inicial (cfr.nº.12 do probatório), assim sendo de a manter.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
O apelante discorda do decidido aduzindo, igualmente e conforme supra se alude, que o documento que corporiza a liquidação impugnada não apresenta qualquer fundamentação. Que deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se totalmente procedente o vício de forma da liquidação em causa, por falta de fundamentação e, em consequência, ser a liquidação anulada devido a violação do artº.77, da L.G.T. (cfr. conclusões 8 a 13 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al. b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr. actualmente o artº.77, da L.G. Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág. 936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág. 53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr. ac. S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
No caso concreto, deve, manifestamente, concluir-se com o Tribunal "a quo", que o acto tributário impugnado (cfr.nº.8 do probatório) se encontra devidamente fundamentado. Assim é, porquanto, no seguimento do pedido de comunicação da fundamentação do acto notificado, a mesma resulta do conjunto das notificações efectuadas no processo de liquidação do imposto sucessório através dos seus ofícios nº.20.559, de 10/12/2005, nº.10.321, de 1/09/2006 e nº.11.484, de 21/09/2006 (cfr.nº.10 do probatório). E, de facto, pelo teor de tais notificações, o apelante fica a conhecer o percurso cognitivo e valorativo seguido pela Fazenda Pública na liquidação do imposto. Concretizando, é apreensível pelo destinatário que os valores que serviram de base à liquidação foram, para além dos declarados, por um lado, o resultante da avaliação da quota de que o "de cujus" era titular na "………………………………., L.da." e, por outro, da integração no activo da herança, da importância de Esc.500.000.000$00 recebida por ele a título de sinal no negócio da venda de um terreno pertencente ao activo daquela sociedade e que viria a depositar numa conta bancária dele próprio, valores já calculados na proporção do que ao recorrente cabe na herança.
Em conclusão, deve julgar-se improcedente o presente esteio do recurso e confirmar-se a sentença recorrida, também neste segmento.
Por último, aduz o recorrente, em síntese, que de acordo com as regras do Código Civil que regulam a matéria das Sucessões, só fazem parte da herança os bens, direitos e obrigações que estejam na esfera jurídica "de cujus" à data da sua morte. Que à data do óbito, a quota da empresa "……………………………., L.da." já não pertencia ao marido da recorrente, pelo que não é possível afirmar-se que essa quota saiu da esfera jurídica do autor da herança para entrar na esfera jurídica da apelante, assim não podendo liquidar-se Imposto Sucessório sobre esse bem (cfr. conclusões 14 a 17 e 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à sentença recorrida mais um erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
O Imposto sobre Sucessões e Doações era o único tributo estadual incidente sobre o património, o qual foi introduzido no sistema fiscal português pelo dec.lei 41969, de 24/11/1958, e alterado por numerosa legislação posterior. A sua base de incidência consistia nas transmissões, a título gratuito, “inter vivos” e “mortis causa”, de bens móveis e imóveis. A matéria colectável do presente tributo compõe-se pelo valor dos bens transmitidos, incidindo o imposto não sobre a massa hereditária global, mas antes sobre a parcela dos bens adquiridos a título gratuito por cada sujeito passivo, tendo as respectivas taxas características de progressividade e sendo relevantes as que estão em vigor à data da transmissão dos bens (cfr.artºs.3, 20, 40 e 45, todos do C.I.M.S.I.S.S.D.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/5/2012, proc.5232/11; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.224 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.588 e seg.).
O tributo sob exame, com a reforma da tributação do património operada pelo dec.lei 287/2003, de 12/11, foi substituído pelo imposto de selo, sendo revogado o C.I.M.S.I.S.S.D. a partir de 1/1/2004 (cfr.artº.31, do dec.lei 287/2003, de 12/11).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).
Revertendo ao caso dos autos, defende o recorrente, se bem percebemos, que a quota da empresa "……………………….. , L.da." já não pertencia ao autor da herança, António ………………………….., desde o momento em que passou uma procuração irrevogável para a venda de tal quota (15/05/1980-cfr.nº.13 do probatório) a favor de terceiros.
A procuração irrevogável( (cfr.procuração “in rem suam” - artº.265, nº.3, do C.Civil). )com poderes de alienação (no caso de quotas sociais), confere ao procurador mandato materialmente idêntico aos do proprietário. As cláusulas de irrevogabilidade, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste, praticamente os mesmos poderes materiais que correspondem ao exercício dos poderes do proprietário. Embora o procurador não seja o titular do direito de propriedade, porque não adquiriu o respectivo título, e exerça esses poderes em nome do mandante (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/3/2013, proc. 5472/12; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.535 e seg.).
Do acabado de mencionar se deve concluir que a passagem da procuração irrevogável por parte do autor da herança em 15/05/1980 não teve por consequência a transmissão da propriedade da quota social que o mesmo detinha na "……………………, L.da.", quota essa de que se manteve proprietário até ao momento do seu decesso, assim se transmitindo aos herdeiros, entre eles o ora recorrente (cfr.nºs.12 e 13 do probatório).
Com estes pressupostos, deve considerar-se legal a avaliação e consequente liquidação de Imposto Sucessório efectuada pela A. Fiscal e relativa à mencionada quota social (cfr.nºs.14 e 15 do probatório), sendo que o recorrente nem sequer impugnou a citada avaliação, para o que teria de utilizar o mecanismo de contestação previsto no artº.87, do C.I.M.S.I.S.S.D. Na falta dessa contestação, o acto da fixação do valor tributável da quota social firmou-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 11/3/2015, rec.1197/13).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 14 de Abril de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)