Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:19/21.8BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/07/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
RECURSO AUTÓNOMO; BOM NOME E REPUTAÇÃO
DIREITO À CRÍTICA; LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO
Sumário:I. Decorre das disposições conjugadas dos artigos 8.º da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto e aprovou a respetiva lei (LTAD, na redação conferida pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho), 142.º, n.º 5, do CPTA, e 644.º, n.º 2, al. d), do CPC, que cabe recurso autónomo da decisão arbitral de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.
II. Se em comunicados de fonte oficial de clube desportivo inserido em competição da LPFP são imputadas ao Conselho de Disciplina da FPF atuações propositadas para o prejudicar e beneficiar um clube rival, com referências a falsificações e a ‘aldrabar’ conclusões de relatórios, comportamentos claramente ilícitos, tais imputações atentam diretamente contra o bom nome e reputação daquele órgão.
III. O direito à crítica e à liberdade de expressão e de informação encontram-se conformados no caso pelos deveres que recaem sobre o clube, designadamente o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão, assim como de não exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação do Conselho de Disciplina da FPF.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
–S....., SAD, interpôs, junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), recurso do acórdão proferido pelo Pleno da Secção profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datado de 06/08/2019, no âmbito do recurso hierárquico impróprio n.º ....., que confirmou a decisão de aplicar à demandante multa no valor de € 61.200 pela prática, em concurso efetivo, de quatro infrações disciplinares previstas e punidas pelo artigo 112.º, n.os 1, 3 e 4, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Por decisão de 12/01/2021, o TAD julgou procedente o recurso, revogou a decisão recorrida na parte respeitante à condenação da demandante pela publicação de 07/05/2019, com o título ‘.....’, mantendo as demais condenações da demandante em multa no valor de € 45.000.
Inconformada, a S....., SAD interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. Vem o Presente Recurso interposto do Despacho do Colégio Arbitral que indeferiu a produção de prova testemunhal nos presentes Autos e, bem assim, da Decisão proferida a final a qual considerou a presente Demanda parcialmente procedente, porquanto é entendimento da Recorrente que a presente Demanda deveria ter sido considerada integralmente procedente.
2. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a contextualização das declarações proferidas e que constituem o objecto dos presentes Autos assume importância fundamental para o mérito dos mesmos, porquanto é em face desse contexto que se afere da validade do exercício da liberdade de expressão.
3. A prova testemunhal arrolada nos presentes Autos, primeiramente admitida e posteriormente rejeitada por força do Despacho n.º 7, igualmente objecto de Recurso, afigura-se como fundamental para a prova deste contexto, sem prejuízo da factualidade já provada documentalmente.
4. Motivo pelo qual, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, não poderia ter sido rejeitada.
5. O Aresto Recorrido desconsidera todo um conjunto de factualidade relevante para os presentes Autos e que se consubstancia nos factos que permitem a contextualização das declarações proferidas e que legitimam o Discurso da Recorrente.
6. Os diferentes sentidos decisórios adoptados pelo Conselho de Disciplina para questões jurídicas idênticas, resultantes das Decisões melhor identificadas em sede de Alegações, quedam inexplicadas nos presentes Autos,
7. Não existindo qualquer motivo juridicamente atendível que justifique tais diferenças nas Decisões, pelo que se deve concluir que todos os membros do Conselho de Disciplina agiram em violação do seu dever de imparcialidade, conforme demonstrado em sede de Alegações.
8. Atenta a prova documental constante dos Autos, designadamente, as peças noticiosas juntas aos Autos, as hiperligações constantes dos articulados e as Decisões do Conselho de Justiça juntas aos Autos e/ou referenciadas nas peças processuais, a matéria de facto melhor identificada em sede de Alegações deveria ter sido dada como provada.
9. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a Recorrente agiu ao abrigo e dentro das margens do exercício da liberdade de expressão, tal como definidas pela Jurisprudência Nacional e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
10. A interpretação normativa que a Recorrida pretende ver consagrada nos Autos - e que resulta do Aresto Recorrido - encontra-se datada no tempo e completamente ultrapassada nomeadamente em face da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo motivado mais de duzentas e cinquenta condenações do Estado Português.
11. A Recorrida pretende criar um estado de polícia, em que controla tudo e todos e apenas se admitem opiniões concordantes, nomeadamente, sobre as suas próprias condutas.
12. O Conselho de Disciplina não é imune ao erro ou às más decisões, sendo legítimo aos agentes desportivos opinar sobre essas situações, criticando-os e evidenciando-os para que não se repitam,
13. Nomeadamente, criticando-os e evidenciando-os para que não se repitam, ao invés de os branquear e ocultar atrás de sanções disciplinares.
14. De acordo com o entendimento jurisprudencial dominante, desde o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Supremo Tribunal de Justiça (no caso Português), pelo facto de os visados serem figuras públicas e exercerem funções públicas, devem possuir uma maior margem de tolerância face à crítica dessas mesmas funções públicas.
15. Sendo, inclusive, admitida a crítica contundente, violenta, irónica, etc.
16. As opiniões vertidas nas publicações em causa encontram respaldo na opinião pública, tendo sido objecto de discussão pública, nomeadamente em sede de Órgãos de Comunicação Social.
17. Não se peticiona os Tribunais que conheçam da bondade das Decisões do Conselho de Justiça que não a que se impugna nos presentes Autos, mas apenas que reconheça a sua existência factual e, bem assim, a discussão pública que as mesmas motivaram, enquanto motivadoras das declarações proferidas pela Recorrente - com referência textual nas comunicações objecto dos Autos.
18. Conforme decorre da matéria invocada em sede de Alegações, a Recorrente agiu dentro dos limites da liberdade de expressão, nos termos em que tal direito é configurado pela Jurisprudência Nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
19. Por seu turno, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a interpretação efectuada pela Recorrente dos n.os 1 e 4 do artigo 112.° do RDLPFP viola os artigos 8.º, 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa, por se afigurar como uma compressão inadmissível da liberdade de expressão e de imprensa e, bem assim, por violação do artigo 10.° da CEDH, que faz parte integrante do ordenamento jurídico português por via do artigo 8.° da CRP.
20. Devendo tal inconstitucionalidade ser declarada.”
A Federação Portuguesa de Futebol apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. Nos termos do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e dos artigos 644.º, n.º 2, alínea d) e 645.º, n.º 2 do CPC, por estarmos perante um despacho que procede à rejeição da prova testemunhal arrolada pelo Demandante, ora Recorrente, o recurso do despacho arbitral n.º 7 é passível de recurso autónomo e de subida imediata, pelo que, é, nesta sede, o presente recurso inadmissível;
2. Ainda que assim não se entenda - o que não se concebe e alega por mero dever de patrocínio - nenhuma crítica há a apontar aquele despacho porquanto o Colégio Arbitral decidiu, mediante despacho fundamentado, indeferir a produção da prova testemunhal arrolada pelo Demandante, ora Recorrente por entender que da produção da referida prova pudesse advir ‘qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.’, - cf. artigo 90.º, n.º 3 do CPTA;
3. O presente recurso, interposto pela S..... - Futebol SAD, tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto que manteve parcialmente a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina que a havia sancionada em multa no valor de € 61.200,00 (sessenta e um mil e duzentos euros) pela prática de quatro infrações disciplinares ‘Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros’, previstas e punidas pelo artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante, RD da LPFP).
4. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao confirmar a sanção aplicada porquanto, na sua opinião, o Conselho de Disciplina violou na sua atuação o Princípio da Imparcialidade, as declarações proferidas foram-no ao abrigo da liberdade de expressão, não obstante considerar que inexistem quaisquer factos que suportem a imputação subjetiva do ilícito à Recorrente, alegando ainda a inconstitucionalidade do normativo pelo qual foi sancionada por violação os artigos 8.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, sendo por isso inconstitucional.
5. Porém, o Acórdão recorrido não é passível de qualquer censura, com exceção da parte em que a ora Recorrida ficou vencida e relativamente à qual apresente recurso subordinado, conforme se passa a demonstrar.
6. Entende a Recorrente que o Conselho de Disciplina não poderia ter decidido a matéria em crise nos autos, porquanto os seus membros tinham interesse na sorte dos autos, porquanto estava em causa declarações sobre decisões daquele órgão;
7. Sem razão, porquanto o Conselho de Disciplina é o órgão exclusivamente competente para apreciação destas infrações, acrescendo que, a Recorrente não logra imputar qualquer impedimento a qualquer dos membros daquele órgão, sendo que, o que está em crise não é qualquer interesse pessoal dos mesmos, mas sim do órgão e o interesse e poderes públicos que o mesmo prossegue e assegura. Entendimento diferente d que ora se explana, faria com que a prática das infrações em crise passariam a ficar ab initio impunes, improcedendo assim a invocada anulabilidade da decisão recorrida por violação do princípio da imparcialidade.
8. Em suma, não existe qualquer violação do princípio da imparcialidade por parte do Conselho de Disciplina, porquanto os respetivos membros não se encontravam impedidos de tomar decidir nos autos sub judice, uma vez que a ofensa foi dirigida ao órgão em si, e não a cada um dos seus membros, agindo o CD perante uma ofensa a um interesse superior a qualquer putativo interesse pessoal, que é o interesse público da dignidade do órgão jurisdicional federativo, do seu agir - assente em pressupostos de rigorosa independência e sujeito à legalidade - e do sistema de justiça desportiva em que assenta o ordenamento jurídico desportivo.
Prosseguindo,
9. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
10. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
11. Assim, quando analisado o artigo 112.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
12. Por outro lado, não se pode olvidar que a Recorrente tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
13. A Recorrente tem, designadamente, o dever de “manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.º n.os 1 e 2, do RDLPFP18); “usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP); de “zelar por que dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RC da LPFP); de “incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de (...) intolerância nas competições" (Regulamento de Prevenção da Violência da Liga Portugal); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes." (artigo 51.º, n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP).
14. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
15. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, nomeadamente, as deontológicas, disciplinares e sancionatórias.
16. Com efeito, para que a Recorrente seja condenada pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.º, n.ºs 1 e 4, ambos do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem, dos órgão federativos e respetivos titulares.
17. Não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
18. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito ‘ao bom nome e reputação’, cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º l da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
19. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigo 112.º do RD da LPFP) é, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
20. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
21. A Recorrente sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação do órgão federativo Conselho de Disciplina, a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
22. Com efeito as declarações da Recorrente não se limitam a remeter para a discordância com a decisões do Conselho de Disciplina da Recorrente, referindo e deixando a entender claramente que tais decisões e erros são premeditados, parciais conscientes e com o intuito de beneficiar outro(s) competidor(es), a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, remetendo expressamente para uma atuação delituosa daquele órgão e respetivos membros;
23. Para além de imputar a tal órgão federativo, a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios membros dos órgãos que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no desporto, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.
24. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica da Recorrente à atuação dos órgãos federativos, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
25. Não se nega que expressões como a usada pela Recorrente são corriqueiramente usadas no meio do desporto em geral e do futebol em particular.
26. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de parcialidade por parte do Conselho de Disciplina, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que as decisões do Conselho de Disciplina, são intencionais, parciais e premeditados e prejudicar a Recorrente em benefício de outro competidor. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional do agente.
27. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação;
28. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito ao bom nome e à reputação, na esteira do que entende a melhor doutrina do Professor Gomes Canotilho e também do Professor Jorge Miranda, que alerta que deve ter-se em consideração o direito geral de personalidade, bem como a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa nesta matéria (Acórdão de 26-03-2014 - RP201403262163/10.8TAPVZ.P1), onde se afirma que deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, razão pela qual, afirmamos nós, se é legítimo o direito de crítica por parte do arguido, já a imputação desonrosa não o é, como se verificou nos presentes autos.
29. Em apreço nas declarações em crise, estão afirmações de que o Conselho de Disciplina decide com base em ‘dualidade de critérios’ e com ‘parcialidade’, fazendo uma ‘perseguição oficiosa e constante’ à Recorrente, sendo dirigido com ‘total descontrolo’, e bem assim que age ignorando factos, ‘inspirados talvez num culto messiânico mais próprio de regimes totalitários, inculcando a ideia de que o referido órgão decide com base em critérios que não a imparcialidade, objetividade e isenção.
30. Mais refere quanto ao Conselho de Disciplina que profere ‘decisões e atitudes persecutórias’ para com a Recorrente com ‘intenção em perseguir e prejudicar’ a mesma, usando de celeridade com a Recorrente, ao contrário de outro competidor, a saber, a F..... - Futebol, SAD, imputando por fim ao Conselho de Disciplina a ação de ‘aldrabam-se conclusões de relatórios para nos castigar’, aludindo a que o Conselho de Disciplina não pauta a sua atuação com base em critérios que não a imparcialidade, objetividade e isenção.
31. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
32. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos ‘atores’ desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
33. As declarações devem ser imputadas à Recorrente, porquanto foram divulgadas num sítio da internet onde a mesma comunica os assuntos de interesse para os seus adeptos e público em geral, sendo que, qualquer indivíduo que aceda àquele site, sabe e espera estar a visitar uma página oficial daquela SAD, bem como sabe e espera que os conteúdos ali difundidos sejam informações oficiais, sendo tal presunção perfeitamente admissível;
34. Resultando assim claro que não foi produzida prova que permita afastar a conclusão plasmada no Acórdão do Conselho de Disciplina de que o Comunicado e as newsletters sub judice foram publicadas no site oficial da S..... - Futebol, SAD, pelo que a Recorrente é responsável pelos mesmos e por isso deve ser responsabilizada disciplinarmente;
35. A matéria de facto que a Recorrente pretende que tivesse sido dada como provada não tem qualquer conexão com o objeto dos autos que é, relembremos: Declarações na comunicação social sobre o agir do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, publicadas no site oficial da recorrente - Um Comunicado e três Newsletter, consideradas injuriosas, difamatórias, grosseiras, ofensivas da honra e reputação de elementos da equipa de arbitragem ou órgão da FPF e respetivos membros.
36. O Conselho de Disciplina não se encontra vinculado a dissecar todas as questões e factos suscitados pelas partes. Em suma, o Conselho de Disciplina não tem de aflorar todas as questões suscitadas pelas partes, todos os argumentos e linhas de raciocínio, mas tão-só as questões que relevam, à luz do estado do processo e foi o que o Conselho de Disciplina, e também o Tribunal a quo fizeram e salvo melhor entendimento, fizeram bem, declarando que não existiam mais factos provados com relevância para a decisão da causa, neles se incluindo os que a Recorrente pretende ver provados;
37. Ora, a factualidade trazida à colação pela Recorrente não tem qualquer relevância para o objeto referido e para a responsabilidade disciplinar da Recorrente, sendo que, o que se verifica é uma tentativa da Recorrente de se desresponsabilizar dos seus deveres regulamentares, trazendo à liça casos de condutas de outras SADs e agentes desportivos e outras decisões, que como é bom de ver, nada têm que ver com a responsabilidade da Recorrente, e muito importante, não afastam tal responsabilidade;
38. Não se verifica qualquer inconstitucionalidade na interpretação do artigo 112.º do RD da LPFP, como aliás se alegou em sede de alegações e que aqui se dá por reproduzido, referindo-se desde já, que a referida norma foi aprovada em Assembleia geral da LPFP, onde esteve presente a Recorrente, que em concreto aprovou a referida norma, sendo que, nos encontramos no campo da autorregulação, com que a Recorrente se conformou;
39. Com efeito, a Recorrida não entende - ao contrário do que habilmente pretende a Recorrente fazer crer-que as SAD's e os agentes desportivos não podem exercera crítica no âmbito do exercício do direito à liberdade de expressão. O que a Recorrida entende - e devidamente respaldada em variada doutrina e jurisprudência - é que tal exercício da liberdade de expressão não é ilimitado, não podendo comprimir desproporcionalmente o direito ao bom nome e reputação - artigo 26.º da CRP - pelas declarações proferidas;
40. O artigo 10.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem dispõe que o exercício da liberdade de expressão implica deveres e responsabilidades com restrições desenhadas, entre outras, pela proteção da honra e dos direitos de outrem.
41. Assim, na ponderação dos interesses em conflito - direito à liberdade de expressão e crítica da Recorrente e direito ao bom nome e consideração social do Conselho de Disciplina da Recorrente e seus membros e dos árbitros visados - as declarações em causa, o seu conteúdo, não representam um meio razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade visada porquanto facilmente se extrai que a Recorrente produziu e difundiu as declarações em crise, querendo dizer e dizendo que o Conselho de Disciplina e os seus membros, no exercício das suas funções, atuaram no sentido de prosseguir interesses particulares, próprios ou de terceiros e não com a isenção, seriedade e honestidade a que estão adstritos, tendo em conta as funções que desempenham.
42. Neste sentido, a melhor doutrina do Professor Jorge Miranda “o princípio consignado neste artigo 26.º constitui uma pedra angular na demarcação dos limites ao exercício dos outros direitos fundamentais. É em especial o que sucede com a liberdade de expressão (...). Estas liberdades não poderão ser interpretadas sem ter sempre em consideração o direito geral de personalidade consignado neste artigo e, em especial, a tutela do bom nome, da reputação, da imagem, da palavra e da intimidade da vida privada”.
43. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos ‘atores’ desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
44. Pelo que, não existe qualquer violação do disposto nos artigos 8.º, 37.º e 38.º da CRP e 10.º da CEDH, na interpretação que a Recorrente faz e fez do artigo 112.º do RD da LPFP devendo improceder a alegada inconstitucionalidade.”
A FPF apresentou recurso subordinado, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1 Dispõe o artigo 140.º, n.º 3 do Código do Processo dos Tribunais Administrativos que ‘Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, salvo o disposto no presente título.’
2 Dispõe o artigo 633.º do Código de Processo Civil no seu n.º 1 que ‘Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.’.
3 Nesse sentido, a ora Recorrida ficou vencida na parte em que o Tribunal a quo entendeu que a publicação intitulada ‘.....’, publicada como newsletter no site oficial da Recorrente, no dia 07.05.2019, não configura a infração disciplinar pela qual a Recorrente havia sido sancionada pelo Conselho de Disciplina, apresentando nessa parte o presente Recurso Subordinado.
4 Sem prejuízo de leitura integral da referida publicação, a mesma imputa ao Conselho de Disciplina uma atuação parcial no que respeita à diferente celeridade com que aquele órgão atua tendo em conta o objeto da referida atuação, quando se afirma ‘Sempre tão célere a atuar quando se trata de alguém do S..... (como se viu na reação imediata aos protestos do clube sobre o castigo aplicado ao nosso Presidente)
5 Ou ainda quando se refere, referindo-se ao Conselho de Disciplina que ‘Dali já se assistiu a tudo’.
6 Ora, pelos excertos referidos, é notório que também nesta sede se verificou um desrespeito dos limites da liberdade de expressão e do direito à crítica, ‘invadindo’ o campo do direito à honra e bom nome do Conselho de Disciplina e respetivos membros, violando-se assim o princípio da proporcionalidade e adequação no exercício do direito à liberdade de expressão, acompanhando nesta sede a classificação que o Tribunal a quo faz de tais declarações, imputando à Recorrente uma forma de se expressar ‘grosseira e populista’.
7 Com efeito, as declarações são grosseiras e ofensivas da honra e bom nome dos visados, a saber, o Conselho de Disciplina e respetivos membros, ultrapassando manifestamente os critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação que devem nortear o livre direito de crítica e liberdade de expressão, sendo que, das declarações sub judice, resulta uma clara imputação de uma premeditação de um ‘agir’ diferente por parte do Conselho de Disciplina quando está em causa outra Sociedade Desportiva e respetivos agentes desportivos, a saber, a F....., Futebol SAD, por oposição ao ‘agir’ do Conselho de Disciplina quando está em causa a Recorrente.
8 Com tais declarações, a Recorrente inculca em quem as lê, a ideia de que existe uma conduta dolosa do Conselho de Disciplina nesse sentido e tal, o que redunda na formulação de um juízo de valor lesivo da ‘honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros’ e fazer imputações de tal calibre é atingir o núcleo essencial da função disciplinar decisória, que, por definição, é isenta e imparcial, pelo que pôr em causa tais atribuições é sem dúvida lesar os bens jurídicos que a norma do artigo 112.º do RDLPFP protege.
9 Por tudo o exposto, deve o presente recurso subordinado ser julgado procedente e em consequência, o teor da publicação intitulada ‘.....’ é disciplinarmente censurável, o acórdão recorrido ser revogado nessa parte, mantendo a sanção da Recorrente por prática de quatro infrações p. e p. no artigo 112.º do RD da LPFP e não apenas de três, como decidiu o Tribunal a quo.”
A demandante apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. Vem o Recurso a que ora se responde interposto da Decisão proferida a final a qual considerou a presente Demanda parcialmente procedente.
2. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a contextualização das declarações proferidas e que constituem o objecto dos presentes Autos assume importância fundamental para o mérito dos mesmos, porquanto é em face desse contexto que se afere da validade do exercício da liberdade de expressão.
3. Resulta claro da Comunicação em causa nos Autos, conforme melhor descrito em sede de Alegações, que a aqui Recorrida Subordinada não apontou qualquer comportamento doloso ao Conselho de Disciplina da Recorrente.
4. A Recorrida Subordinada limitou-se a manifestar ‘‘sentimentos de injustiça e revelar desagrado em relação a factos e situações, formular, de modo contundente, juízos de valor”, motivo pelo qual improcede o Recurso Subordinado, devendo manter-se a Decisão Recorrida neste ponto particular.
5. Não obstante, entendendo-se ser procedente o Recurso Subordinado interposto pela ora Recorrente Subordinada, cumpre ampliar o seu objecto, estendendo-o à matéria alegada em sede de Recurso principal.
6. O Aresto Recorrido desconsidera todo um conjunto de factualidade relevante para os presentes Autos e que se consubstancia nos factos que permitem a contextualização das declarações proferidas e que legitimam o Discurso da Recorrida Subordinada.
7. Os diferentes sentidos decisórios adoptados pelo Conselho de Disciplina para questões jurídicas idênticas, resultantes das Decisões melhor identificadas em sede de Alegações de Recurso Principal, para onde, por questão de economia processual, expressamente se remete, e que quedam inexplicadas nos presentes Autos,
8. Não existindo qualquer motivo juridicamente atendível que justifique tais diferenças nas Decisões, pelo que se deve concluir que todos os membros do Conselho de Disciplina agiram em violação do seu dever de imparcialidade, conforme demonstrado em sede de Alegações.
9. Atenta a prova documental constante dos Autos, designadamente, as peças noticiosas juntas aos Autos, as hiperligações constantes dos articulados e as Decisões do Conselho de Justiça juntas aos Autos e/ou referenciadas nas peças processuais, a matéria de facto melhor identificada em sede de Alegações deveria ter sido dada como provada.
10. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a aqui Recorrida Subordinada agiu ao abrigo e dentro das margens do exercício da liberdade de expressão, tal como definidas pela Jurisprudência Nacional e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
11. A interpretação normativa que a Recorrente Subordinada pretende ver consagrada nos Autos encontra- se datada no tempo e completamente ultrapassada nomeadamente em face da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo motivado mais de duzentas e cinquenta condenações do Estado Português.
12. A Recorrente Subordinada pretende criar um estado de polícia, em que controla tudo e todos e apenas se admitem opiniões concordantes, nomeadamente, sobre as suas próprias condutas.
13. O Conselho de Disciplina não é imune ao erro ou às más decisões, sendo legítimo aos agentes desportivos opinar sobre essas situações, criticando-os e evidenciando-os para que não se repitam,
14. Nomeadamente, criticando-os e evidenciando-os para que não se repitam, ao invés de os branquear e ocultar atrás de sanções disciplinares.
15. De acordo com o entendimento jurisprudencial dominante, desde o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Supremo Tribunal de Justiça (no caso Português), pelo facto de os visados serem figuras públicas e exercerem funções públicas, devem possuir uma maior margem de tolerância face à crítica dessas mesmas funções públicas.
16. Sendo, inclusive, admitida a crítica contundente, violenta, irónica, etc.
17. As opiniões vertidas nas publicações em causa encontram respaldo na opinião pública, tendo sido objecto de discussão pública, nomeadamente em sede de Órgãos de Comunicação Social.
18. Não se peticiona os Tribunais que conheçam da bondade das Decisões do Conselho de Justiça que não a que se impugna nos presentes Autos, mas apenas que reconheça a sua existência factual e, bem assim, a discussão pública que as mesmas motivaram, enquanto motivadoras das declarações proferidas pela Recorrida Subordinada - com referência textual nas comunicações objecto dos Autos.
19. Conforme decorre da matéria invocada em sede de Alegações, a Recorrida Subordinada agiu dentro dos limites da liberdade de expressão, nos termos em que tal direito é configurado pela Jurisprudência Nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
20. Por seu turno, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a interpretação efectuada pela Recorrente Subordinada dos n.os 1 e 4 do artigo 112.° do RDLPFP viola os artigos 8.°, 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa, por se afigurar como uma compressão inadmissível da liberdade de expressão e de imprensa e, bem assim, por violação do artigo 10.° da CEDH, que faz parte integrante do ordenamento jurídico português por via do artigo 8.° da CRP.
21. Devendo tal inconstitucionalidade ser declarada.”

Perante as conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- da admissibilidade do recurso do despacho arbitral n.º 7, que rejeitou a prova testemunhal arrolada pela recorrente (recurso principal);
- do erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto (recurso principal);
- do erro de julgamento da decisão recorrida ao considerar que as afirmações produzidas no dia 30/04/2019, sob o título ‘.....’, no dia 02/05/2019, sob o título ‘.....’, e no dia 07/05/2019, sob o título ‘.....’, configuram ilícitos disciplinares, p. e p. pelo artigo 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (recurso principal);
- do erro de julgamento da decisão recorrida ao considerar que as afirmações produzidas no dia 07/05/2019, sob o título ‘.....’, não configuram ilícito disciplinar, p. e p. pelo artigo 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (recurso subordinado).

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
a) No dia 30.04.2019 foi difundido e publicado no site oficial da Arguida, disponível através do link ....., um comunicado, no qual, com o título “.....”, é referido o seguinte:
«Confrontados com o castigo inqualificável aplicado pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a ....., o S..... informa:
1. Irá de imediato recorrer desta decisão para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) por considerar totalmente injustificável este castigo, que, recorde-se, surge na sequência de declarações proferidas após o jogo da meia final da Taça da Liga entre o S..... e o F..... e tendo em conta uma arbitragem com erros reconhecidos pelo próprio Conselho de Arbitragem, que levou ao próprio pedido de paragem do atividade por parte do árbitro e VAR daquela partida perante tamanho escândalo que ocorreu.
2. Denunciamos a óbvia dualidade de critérios desta decisão comparativamente a outros processos, nomeadamente no que se refere a dois recentes processos em que estiveram em causa declarações do Diretor de Comunicação do F....., que, face a idênticas exposições nos termos legais, foi objeto de diferente apreciação por parte dos relatores daquele órgão.
3. Também denunciamos a permanente omissão de posições do Conselho de Disciplina da FPF face às constantes declarações de responsáveis do F..... como no recente exemplo do Oficial de Ligação aos Adeptos (OLA) clube, que considerou que linha chegado o momento ‘para se fazer justiça pelas próprias mãos’.
Reiterando uma postura daquele órgão de fingir que não ouve, lê ou sabe o que é dito nas mais diversas plataformas por responsáveis do nosso clube rival, ao contrário da perseguição oficiosa e constante de toda e qualquer pessoa ligada ao S......
4. Esta decisão, nesta altura, fase decisiva das competições, tem claramente um carácter provocador e perturbador, por parte de um órgão /Conselho de Disciplina pertencente à Federação Portuguesa de Futebol, completamente desnecessário e ao qual saberemos responder com a serenidade exigível, deixando a garantia a iodos os milhões de Sócios, adeptos e simpatizantes do S..... que nada nem ninguém nos fará desviar do nosso foco, que é a luta pela conquista do Campeonato.
5. O total descontrolo com que o Conselho de Disciplina tem sido dirigido, com peças processuais que recorrem a argumentos absurdos, erróneos e sem qualquer tipo de sustentação, mas, mais grave, com permanente dualidade de critérios, e em que idênticas situações têm decisões contrárias, é o mais nefasto dos contributos para uma entidade que devia pautar a sua conduta pelo mais escrupuloso rigor e não pela ânsia permanente de ter um protagonismo de todo desajustado.
6. Por último, o S..... remete para posterior reunião dos seus órgãos sociais a eventual tomada de outras posições que se considerem adequadas.
Lisboa, 30 de Abril de 2019»
b) No dia 02.05.2019 foi difundida e publicada no site oficial da Arguida, disponível através do ....., a edição n.º 97 da ‘....., na qual, como o título ‘.....’, é referido o seguinte:
(O castigo aplicado anteontem pelo Conselho do Disciplina a L..... é o culminar de um conjunto de decisões em que a parcialidade, a dualidade de critérios e a impreparação jurídica dos seus responsáveis é óbvia.
Neste caso em concreto, estamos a falar de um jogo em que o Presidente do S..... teve um papel fundamental e apaziguador, no sentido do que a equipa voltasse dos balneários ao intervalo, perante a mais escandalosa arbitragem existente cm Portugal de há muitos anos para cá.
As suas declarações no final do jogo, que foram objecto deste castigo, limitaram-se o constatar factos vistos por todos e até reconhecidos pela análise posterior do Conselho de Arbitragem. O que inclusivamente levou a um pedido de paragem pelos próprios intervenientes.
Esta é a verdade e está muito distante da versão ficcionada pelo Conselho do Disciplina.
Mesmo com as declarações de L..... a serem suportadas e corroborados pela realidade dos factos - reconhecida por todos! - considera o Conselho de Disciplina que foi ofensivo pera com a equipa de arbitragem. Ou seja, sustentam a decisão ignorando os factos concretos, inspirados talvez num culto messiânico mais próprio de regimes totalitários em que nem o livre direito de expressão sobre a verdade pode ser permitido.
Mas o pior é que esta obsessão só existe para com toda e qualquer pessoa do S......
Relativamente a outros clubes, (mesmo para quem assume declarações impróprias e ofensivas), temos arquivamentos com base no mero reconhecimento, fazendo-se aí tábua rasa dos próprios factos que os autores assumem cometido.
São vários os exemplos, ao longo desta época de decisões e atitudes persecutórias por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol para com o S...... Visava-se, em todas ossos ocasiões, a criação de factos perturbadores e desestabilizadores da nossa actividade, sempre em momentos decisivos da época desportiva, com especial destaque para os processos relacionados com o fecho do ....., invariavelmente em vésperas de jogos decisivos contra os nossos principais rivais.
Nos seus órgãos próprios, o clube irá analisar esta grave situação, mas desiludam-se os que achavam que este novo castigo iria criar algum foco de distracção sobre o nosso principal objectivo.
Estamos todos concentrados na luta e nestas 3 últimas finais que nos faltam. Sabemos que será difícil muito duro e temos a consciência de que nada está ganho.
E esta é a melhor resposta que desde sempre nos habituámos a dar: lutar no campo, ganhar no campo!
Sempre, mas sempre, em nome da verdade desportiva e dos valores de que o S..... jamais abdicará.»
c) Posteriormente, na edição n.º 100 daquela newsletter, publicada no site oficial da Arguida no dia 07.05.2019 (.....). sob o título ‘.....’, é dito que:
«Primeiro - e durante longos meses - foram as ameaças e toda a pressão sobre os mais diversos agentes desportivos.
Nas duas últimas semanas, o registo de agressividade e intimidação foi inclusivamente utilizado sobre a sua própria equipa técnica e jogadores.
Tudo isto a acontecer na ponta final de um campeonato onde até os mais insuspeitos comentadores e todos os analistas independentes reconhecem que o F..... beneficiou de um conjunto de erros de arbitragem que lhe permite estar com mais 10 pontos do que realmente deveria ter.
Ou seja, só existe mesmo uma leitura possível sobre as insinuações do presidente do clube relativamente à influência das arbitragens nesta edição da Liga: ridículas, ineficazes e absolutamente artificiais.
É provável que tenha sido um ataque súbito de saudades. De muita coisa: do tempo em que decidia as nomeações junto do presidente do Conselho de Arbitragem, ou saudades dos tempos em que os árbitros eram premiados com férias. Ou até mesmo saudades do tempo em que esses mesmos árbitros o visitavam em casa. Ou, por fim, uma saudade mais recente: de arbitragens como a que aconteceu no meia-final da Taça da Liga, em Braga.
Compreende-se a revolta: apesar de tanta pressão, apesar de tanta coação, apesar de tanta gritaria, apesar de tanto benefício, o (justíssimo!) líder do campeonato é o B..... quando faltam disputar duas jornadas.
Assim, em desespero, lá vem mais intimidação em forma de insinuações sobre a arbitragem. É toda uma forma de estar e uma cultura de sobrevivência que têm beneficiado de total impunidade.
E não deixa de ser curioso verificar que - tal como no passado recente, em que foram feitas ameaças concretas de descida a árbitros, por parte de dirigente daquele clube – estejamos de novo a assistir ao total silêncio do Conselho de Disciplina perante estas últimas declarações do presidente do F......
Sempre tão célere a atuar quando se trata de alguém do S..... (como se viu na reacção imediata aos protestos do clube sobre o castigo aplicado ao nosso Presidente), desta vez... zero! Até ao momento, silêncio total.
Qual é a parte que ainda não perceberam?
A referência aos adversários que vestem de preto e têm um apito na boca? Ou os nomes dos árbitros já citados?
Dali já se assistiu a tudo, até ao arquivamento de um processo em que um responsável portista reconheceu ter feito declarações lesivas e que, mesmo assim, foi perdoado.
Da nossa parte, com a humildade reforçada e a total consciência de que nada está ganho, resta-nos manter a linhar de sempre: lutar pela vitória e procurar apenas com o mérito do trabalho, dar uma imensa alegria aos milhões de benfiquistas.»
d) Por último, na edição n.° 102 da mesma newsletter, publicada no site oficial da Arguida no dia 07.05.2019 (.....), sob o título ‘.....’, é referido o seguinte:
«Tal como hoje é dado a conhecer nos órgãos de comunicação social, o Conselho de Disciplina da federação Portuguesa de Futebol, para fundamentar mais uma penalização ao S....., deturpou as conclusões de duas entidades (delegado da liga e PSP), imputando-lhes afirmações contrárias ao que consta nos seus relatórios.
Quis aquele órgão dar como provado que o F.....-B..... foi reatado com demora, ao minuto 4, não pelas comemorações de um dos golos do B....., mas sim em virtude de dois petardos que foram lançados por simpatizantes do nosso clube.
Fundamenta-se essa conclusão com o que supostamente estaria nos relatórios do árbitro, do delegado da Liga e da PSP, bem como nos esclarecimentos adicionais ali constantes.
Ora, tal afirmação significa falsificação do conteúdo dos respetivos relatórios de duas das três entidades referidas, que inclusive são explícitas em rejeitar essa conclusão como motivo para o atraso no recomeço do jogo.
Esta deturpação é inédita, inconcebível e prova a intenção em perseguir e prejudicar o S......
Mas, para piorar, existem ainda diversos exemplos de outros processos onde tem sido sistemática a dualidade de critérios e a proteção a outros clubes.
Hoje denunciamos mais um caso: na sequência de factos ocorridos no último F.....- C.....foi aberto um processo ao médico do F....., NN....., com base na queixa e relatório da PSP.
O Conselho de Disciplina no entanto, decidiu arquivar, considerando que o que vem reportado no relatório da PSP não tem valor probatório. Por isso, usou como base de sustentação o testemunho de dois profissionais... do F.....:
‘Os seus depoimentos revelaram-se objetivos, concretos, despidos de considerações subjetivos e reveladores de um total conhecimento dos factos.’
Não, não é mentira. É mesmo verdade!.
No caso do B....., aldrabam-se conclusões de relatórios para nos castigar. No caso do F..... é exatamente o oposto: descredibilizam-se relatórios de entidades como a PSP com base nas testemunhas do próprio clube e que, por censo, trabalham para o próprio F......
Percebe-se melhor, desta forma, os diversos arquivamentos feitos a responsáveis daquele clube, até em casos em que existiram confissões em que se assume que foram praticadas injúrias!
Já para não falar naquele célebre ‘argumento criativo’ de que castigos que possam ver a existir no futuro tornam admissíveis insinuações... no presente.
Nos estados de direito e de regime democrático, todas as decisões dos tribunais, sem exceção, estão sujeitos ao livre escrutínio e crítica.
Todos, não! Perante as nossas críticas às suas decisões, também aqui o Conselho de Disciplina entende abrir processos disciplinares para julgar em causa própria - ultrapassando todos os limites do razoável.
Fim da linha em termos de credibilidade.»
e) As preditas declarações veiculadas naquelas publicações tiveram repercussão na imprensa escrita desportiva.
f) O referido comunicado e as mencionadas newsletters foram publicadas no site oficial da internet da Arguida, que é explorado pela própria Arguida ou pelo clube, directamente ou por interposta pessoa, tendo veiculado as mencionadas declarações a um vasto leque de destinatárias.
g) A Arguida, sabendo-se responsável pela publicação na imprensa privada ou sítios na internet por si explorados, não só não impediu a sobredita publicação, como não manifestou, em momento posterior, qualquer discordância com o seu conteúdo.
h) A Arguida, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares, tendo já sido sancionada, nos termos do disposto no artigo 11.º do RDLPFP, por mais do que uma vez, designadamente nas épocas desportivas 2016/2017 e 2017/2018.”

*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se:
- é admissível o recurso do despacho arbitral n.º 7, que rejeitou a prova testemunhal arrolada pela recorrente (recurso principal);
- ocorre erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto (recurso principal);
- ocorre erro de julgamento da decisão recorrida ao considerar que as afirmações produzidas no dia 30/04/2019, sob o título ‘.....’, no dia 02/05/2019, sob o título ‘....., e no dia 07/05/2019, sob o título ‘....., configuram ilícitos disciplinares, p. e p. pelo artigo 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (recurso principal);
- ocorre erro de julgamento da decisão recorrida ao considerar que as afirmações produzidas no dia 07/05/2019, sob o título ‘.....’, não configuram ilícito disciplinar, p. e p. pelo artigo 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (recurso subordinado).

a) do recurso do despacho arbitral n.º 7

Veio a recorrente apresentar recurso do despacho proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no qual se entendeu rejeitar a produção de prova testemunhal, que aquela pretendia fosse realizada.
Dispõe como segue o artigo 8.º da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto e aprovou a respetiva lei (LTAD, na redação conferida pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho), sob a epígrafe ‘recurso das decisões arbitrais’, na parte que aqui releva:
“1 - As decisões dos colégios arbitrais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo se as partes acordarem recorrer para a câmara de recurso, renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida.
2 - Ao recurso para o Tribunal Central Administrativo mencionado no número anterior é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes, tendo o mesmo efeito meramente devolutivo e devendo ser decidido no prazo de 45 dias.”
Tem, pois, aplicação ao caso o disposto no artigo 142.º, n.º 5, do CPTA, segundo o qual “[a]s decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil.”
Entre os casos em que é admitida esta apelação autónoma no CPC figura precisamente o recurso do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova, artigo 644.º, n.º 2, al. d), do CPC.
Com o que se pretendeu atenuar os “os efeitos negativos que poderiam produzir-se ao nível da tramitação processual ou da estabilidade das decisões que põem termo ao processo” (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2020, pág. 246).
Impõe-se, assim, concluir que, cabendo recurso autónomo daquele despacho, não pode ser admitida, nesta parte, a pretensão da recorrente.


b) do erro de julgamento de facto

Sustenta aqui a recorrente que devem ser aditados ao probatório os seguintes factos:
A - Desde a época 2016/2017 que a F..... - Futebol, SAD (F..... SAD), utilizando seu Director de Comunicação, F....., e o ".....", tem conduzido campanha difamatória e de intoxicação da opinião pública com suspeitas permanentes sobre a isenção dos árbitros e a actuação da S..... SAD, e de criação de um manto permanente de dúvida sobre a verdade desportiva e a credibilidade das competições. É conhecido, aliás, o "naming" depreciativo utilizado pela F..... SAD para alcunhar a Liga NOS 2016/2017, baptizada de “Liga Salazar”;
B - Essa campanha difamatória contra a S..... SAD ganhou dimensão inaudita com a orquestração do “caso dos emails" através do qual. com recurso à prática de ilícitos disciplinares e criminais, a F..... SAD tem tentado implantar em parte dos adeptos a ideia de que a S..... SAD controla os árbitros e adultera a verdade desportiva, utilizando o Director de Comunicação da F..... SAD as expressões "polvo'”, "corja”, “corrupção" e “cambalacho", por exemplo, para se referir à S..... SAD, como se de instituição mafiosa se tratasse;
C - Esta forma de actuação da F..... SAD tem permitido que a suspeição se perpetue no espaço público e na competição, e constitui, ao mesmo tempo, estratégia de condicionamento emocional do desempenho das equipas de arbitragem durante os jogos;
D - A S..... SAD tem procurado manter postura institucional e desportivamente discreta e adequada, alertando reiteradamente para o grave clima de condicionamento sobre os árbitros e para o facto dos erros de arbitragem - não intencionais, é certo - estarem a suceder-se com muito mais frequência do que o desejado, visto que o tipo de discurso reiterado de suspeição sobre o trabalho dos árbitros em nada contribui para que os árbitros possam exercer a sua actividade com a tranquilidade e estabilidade exigidas à difícil função de julgar e aplicar as leis do jogo;
E - O clima vivenciado actualmente no futebol nacional motivou diversas tomadas de posições dos árbitros e da APAF, seja com o pré-anúncio de greves, seja em comunicados e intervenções públicas;
F - De entre os exemplos de ameaças aos árbitros temos a invasão por elementos ligados aos ....., afectos à F..... - Futebol, SAD., do Centro de Treino dos Árbitros na Maia, onde ameaçaram e insultaram o árbitro A.....”;
G - O prédio em que reside o árbitro V..... foi vandalizado com os seguintes dizeres: ‘F....., tens razão, aqui mora um pulha pidesco, contudo, não desculpa a incompetência da SAD nos últimos quatro anos. Acorda .....! 30/11/86’, numa alusão a F....., director de comunicação da F....., SAD”;
H - O Grupo Organizado de Adeptos ..... fez deslocar um conjunto dos seus elementos, incluindo o seu líder, ao restaurante explorado pelo pai do árbitro J.....;
I - Em 16/04/2019, precisamente após jogo disputado entre a S..... SAD e o C....., em Santa Maria da Feira - o VAR do mencionado jogo, B....., foi também ele vítima de insultos e ameaças graves, alegadamente protagonizadas por adeptos do F....., que motivaram a apresentação por parte do árbitro de queixa-crime no DIAP;
J - Os factos supra descritos colocam em causa a estabilidade emocional e a própria integridade física dos árbitros e das suas famílias
K - Continua a pairar sobre os árbitros clima de forte pressão que, inevitavelmente, é idóneo a condicionar e constranger os árbitros no exercício das suas funções, encontrando-se estes, por tal motivo, desprotegidos e mais expostos ao erro;
L - A crítica desportiva considera ter existido um benefício para a F....., SAD, decorrente de erros, ainda que não intencionais, de arbitragem, resultando na atribuição de mais 4 a 10 pontos do que aqueles que deveriam ter sido efectivamente atribuídos;
M - Foram proferidas a deliberação condenatória de A....., jogador da A..... SAD, proferida no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n° ....., que condenou o atleta em pena de suspensão, por agarrar o pescoço de adversário e a decisão sumária que condenou Y....., jogador da F..... SAD, em mera repreensão e multa, precisamente pela prática de idêntico gesto de agarrar o pescoço de um adversário;
N - Foram proferidas a decisão e deliberação do Conselho de Disciplina proferidas no âmbito do Processo Disciplinar n.° ....., objecto de Recurso Hierárquico Impróprio (RHI n.° .....) para o Conselho de Disciplina e de recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto, respectivamente, sendo que a primeira, de absolvição do dirigente F....., da F..... SAD, por declarações difamatórias e, a segunda, de condenação da S..... SAD, por declarações na mesma ocasião produzidas;
O - No processo identificado na alínea anterior (Processo Disciplinar n.º .....) afirmou o Conselho de Disciplina no Despacho-Decisão que “[fjace às suspeitas de corrupção que à data dos factos impediam sobre a S..... - Futebol, SAD afirmar-se que, nesse contexto, lhe falta seriedade não constitui, em nosso entendimento, conduta que deva merecer reprovação disciplinar;
P - A condenação da S..... SAD no Processo Disciplinar n.º ....., em que foi responsabilizada peto utilização e difusão por parte de jornalista da ..... da expressão “corja” para qualificar outros agentes desportivos e, diferentemente e até à data nenhuma condenação disciplinar sofreu a F..... SAD pelo facto de o seu dirigente F....., Director de Comunicação, ter usado o ..... para difundir as afirmações (i) existe um “esquema de corrupção de árbitros a favor do B..... “ (06/06/2017); (ii) as acusações à ..... SAD de “vigarice", “cambalacho; de terem um *esquema que adultera a verdade desportiva” e que os "os árbitros são umas marionetas nas mãos destas pessoas que trabalham a favor do B.....”, tratando-se esta situação da “maior mentira do futebol português” (13/06/2017); (iii) declarando que “ao longo dos últimos programas [a F..... SAD] [tem] vindo a desmascarar o maior polvo do futebol português. (...) Isto é uma vigarice, o futebol português é uma mentira e a mentira tem uma razão de ser, é o B....., é esta corja de gente que faz este tipo de coisas. (...) Nós estamos a prestar um serviço ao futebol português, o futebol português precisa de uma operação mãos limpas e varrer com esta gente toda. (...) E apitem [os árbitros], portanto, isto é um fartar vilanagem. É uma coisa de proporções bíblicas. Isto é uma coisa de proporções bíblicas, este polvo do B..... é uma coisa de proporções bíblicas’ (21/06/2017);
Q - A condenação do Presidente do Conselho de Administração da S..... SAD, L....., no âmbito do Processo Disciplinar n.° ....., em que a confissão integral e sem reservas por este apresentada foi considerada não válida, ao passo que quer no Processo Disciplinar n.° ....., quer no Processo Disciplinar n.° ....., ambas as confissões de F..... foram consideradas válidas, como o confirmam a Decisão Singular proferida a 12 de Março de 2019, no âmbito do Processo Disciplinar n.° ....., o Acórdão proferido no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.° ..... e a Decisão Singular proferida a 16 de Abril de 2019 no Processo Disciplinar n.° ..... - processos em fase de recurso para o Tribunal Arbitral de Desporto e em que a S..... SAD defende que os casos não foram tratados com o mesmo critério jurídico e de justiça;
R - A decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, a 30/04/2019, em processo sumário, nos termos da qual a arguida foi condenada pela prática da infracção disciplinar p. e p. no artigo 183°, 2, do RD LPFP, com a sanção de multa de EUR 7.650,00 (sete mil seiscentos e cinquenta euros), por comportamento dos adeptos aquando do jogo C..... SAD vs S..... SAD, realizado a 07/04/2019, a contar para a Liga NOS, tendo por base exclusivamente o Relatório do Árbitro, isto quando os demais relatórios, designadamente, o Relatório de Policiamento Desportivo, o Relatório dos Delegados e as imagens televisivas desmentiam tal relatório do árbitro, ou pelo menos colocavam fundadamente em dúvida o respectivo teor; decisão sumária essa confirmada por Acórdão proferido no Recurso Hierárquico Impróprio n.º ....., que a arguida impugnou para o Tribunal Arbitral do Desporto.
Vejamos.
O artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’, prevê o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Não se pode limitar a questionar a fundamentação da decisão de facto apresentada pelo julgador, mas sim a decisão sobre determinado facto.
Haverá que ter também presente que, de acordo com o artigo 607.º, n.º 5, do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; e esta livre apreciação apenas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Por outro lado, é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.
E como é consabido, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos.
Como é bom de ver, a factualidade que se pretende ver aditada ao probatório, pontos A) a R) descritos, comporta em maior ou menor grau juízos de natureza valorativa, tratando-se de conclusões que assentam nas interpretações da recorrente, não estamos perante factos.
Por outro lado, está em causa nos presentes autos aquilatar da relevância disciplinar de quatro comunicados de responsáveis da recorrente, que se pronunciam sobre decisões do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, em função dos deveres regulamentares que sobre aquela recaem.
Ora, os poucos eventos fácticos que constam daqueles pontos nada dizem quanto a esta questão da relevância disciplinar, reportando-se a ocorrências laterais, que assim se devem ter por irrelevantes para a apreciação que aqui cabe concretizar.
Como tal, terá de improceder o seu aditamento ao probatório.
Improcede, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


c) dos erros de julgamento de direito

Conforme já se assinalou no precedente recurso, cabe aqui aferir da relevância disciplinar de quatro comunicados de responsáveis da recorrente, que se pronunciam sobre decisões do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
Na decisão objeto de recurso foi mantida a decisão de condenar a recorrente quanto a três dos referidos comunicados, absolvendo-a quanto a um quarto comunicado.
Consta da mesma a seguinte fundamentação:
“[Na] publicação de 30.04.2019 ‘.....’ (…) a expressão ‘(...) entidade que devia pautar a sua conduta pelo mais escrupuloso rigor e não pela ânsia permanente de ter um protagonismo de todo desajustado’ tem já o condão de superlativar e maximizar a expressão ‘dualidade de critérios’ utilizada ao longo do texto (que, per se, como supra se analisou traduz-se, sem ser acompanhada de mais qualificativos, numa mera discordância), introduzindo-lhe um elemento de dolo na actividade do Conselho de Disciplina: este órgão age já não norteado pelo princípio da legalidade (em que se exige ‘escrupuloso rigor’), mas sim impulsionado por meros critérios de protagonismo.
Trata-se de uma afronta ao profissionalismo que deve nortear a actividade do Conselho de Disciplina, imputando-se-lhe o propósito declarado de não cair com o devido rigor.
Neste preciso trecho, conclui-se que a Demandante extravasou aquilo que deve ser admissível no âmbito da livre crítica e liberdade de expressão.
Conclui-se, pois, desta primeira publicação do 30.04.2019 que esta passagem e segmento em concreto, de forma imediata e directa, formula imputação que atenta contra a reputacão e honra do Conselho de Disciplina.
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Na publicação de 02.05.2019.....” (…) as decisões erróneas do Conselho de Disciplina não se inseriram no normal erro humano, entende sim que foram deliberadas e propositadas para alterar a verdade desportiva, o mesmo é dizer que foram praticados, dolosamente, actos ilícitos para prejudicar a Demandante.
Foi esta a mensagem imediata e directa que quis transmitir aos seus adeptos e público em geral.
Ultrapassa, já os critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação. É uma ofensa à reputação e honra do Conselho de Disciplina e que vai ao arrepio dos elementares princípios que devem nortear e reger as relações desportivas entre os seus vários Intervenientes.
É o que resulta da análise da publicação de 02.05.2019.
***
O mesmo raciocínio se aplica à publicação do dia 09.05.2019.....’ (…) a Demandante introduz de forma manifesta a acusação de que o Conselho do Disciplina, deliberada e propositadamente altera a verdade desportiva, praticando, dolosamente, actos ilícitos (falsificação de relatórios) com o intuito de prejudicar a Demandante.
Cremos que, uma vez mais, estão ultrapassados os critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação.
E não se vislumbra qualquer causa de exclusão da ilicitude na conduta da Demandante.
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Finalmente, na que concerne à publicação de dia 07.05.2019 ‘.....’ (…) analisado o texto, conclui-se que o mesmo, embora contundente, se insere no contexto da já antiga rivalidade entre a Demandante e a rival F..... SAD, fazendo-se referência, no que ao Conselho de Disciplina concretamente diz respeito, ao ‘silêncio do Conselho do Disciplinar perante estas últimas declarações do Presidente do F.....’ e ‘ao arquivamento de um processo em que um responsável portista reconheceu ter feito declarações lesivas e que, mesmo assim, foi perdoado’.
É um texto apontado, manifestamente, ao presidente de um clube rival da Demandante com fortíssima carga acusatória.
O objecto do procedimento disciplinar subsume-se, contudo, à ofensa ao órgão Conselho de Disciplina, sendo neste prisma que concentramos a análise.
No que ao Conselho de Disciplina concerne, já na parte final do texto, não nos parece que a Demandante, com tentativas de ironias e afins, exceda o que em geral se considera tolerável no contexto da luta e disputa desportiva.
A Demandante discorda do sentido de duas decisões do Conselho de Disciplina (não ter actuado face às declarações de responsável rival, e ter decidido num seentido num outro processo). (…)
Resumindo o supra explanado, configura-se-nos que das 4 (quatro) publicações em análise, há efectivamente 3 (três) [30.04.2019 .....’, 02.05.2019 ‘.....’ e 09.05.2019 ‘.....] que ultrapassam manifestamente os critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação que devem nortear o livre direito de crítica e liberdade de expressão.”
A recorrente S..... – SAD considera que no âmbito das quatro comunicações agiu em legítima defesa, ao abrigo da liberdade de expressão e de crítica das decisões do Conselho de Disciplina, ao passo que a recorrente FPF entende que as mesmas assumem relevância disciplinar.
De acordo com o artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou emissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.
Os deveres dos agentes desportivos constam do artigo 19.º deste Regulamento, que dispõe como segue, para o que aqui ora releva:
“1. As pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às rotações de natureza desportiva, económica ou social.
2. Aos sujeitos referidos no número anterior é proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nos competições organizados pela Liga, bem como das demais estruturas desportivas, assim como fazer comunicados, conceder entrevistas ou fornecer a terceiros notícias ou informações que digam respeito a factos que sejam objeto de investigação em processo disciplinar.”
O artigo 112.º do RDLPFP, com a epígrafe ‘lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros’, prevê o seguinte:
“1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portugal ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.
2. Se dos factos previstos na segunda parte do número anterior resultarem graves perturbações da ordem pública ou se provocarem manifestações de desrespeito pelos órgãos da hierarquia desportiva, seus dirigentes ou outros agentes desportivos, os limites mínimo e máximo das sanções previstas no número anterior são elevados para o dobro.
3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.
4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.”
Cumpre então saber se as expressões veiculadas pela recorrente nos sobreditos comunicados se devem ter como difamatórias ou grosseiras para com o órgão da FPF, no caso o Conselho de Disciplina.
No que respeita à integração deste tipo disciplinar consolidou-se recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo, que aqui será de seguir.
Assim, no acórdão de 04/06/2020, tirado no proc. n.º 0154/19.2BCLSB (disponível, como os demais a indicar, em www.dgsi.pt), expendeu-se o seguinte:
“Independentemente da relevância penal que a conduta da Recorrida possa ter, que é autónoma, e que não cabe neste âmbito apreciar, a sua responsabilidade disciplinar não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúria, mas apenas da violação dos deveres gerais ou especiais a que a mesma está adstrita no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas em que participa – v. artigo 17.º/2 do RDLPFP.
E esses deveres resultam, exclusivamente, da conjugação dos artigos 19.º e 112.º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respetivo tipo disciplinar.
No n.º 1 do artigo 19.º do regulamento disciplinar em questão, se estabelece que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua atividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal, «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social». E, de forma muito expressiva, no n.º 2 da mesma disposição regulamentar se inibe aqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nas competições organizadas pela Liga».
É no quadro desses deveres gerais de lealdade, probidade, verdade e retidão, e da proibição expressa de publicitação de juízos ou afirmações lesivos da reputação de todos aqueles que intervenham nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que o n.º 1 do artigo 112.º do RDLPFP comina com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC, o uso «de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos” (entendimento reiterado nos acórdãos do STA de 02/07/2020, proc. n.º 0139/19.9BCLSB, de 10/09/2020, proc. n.º 0156/19.9BCLSB, e de 04/02/2021, proc. n.º 063/20.2BCLSB).
Neste quadro, haverá então que apreciar se dos factos dados como assentes resulta que a recorrente cometeu as aludidas infrações disciplinares.
Do primeiro comunicado, datado de 30/04/2019 e reproduzido na alínea a) do probatório, constam expressões como ‘perseguição oficiosa e constante de toda e qualquer pessoa ligada ao S.....’, ‘total descontrolo com que o Conselho de Disciplina tem sido dirigido, com peças processuais que recorrem a argumentos absurdos, erróneos e sem qualquer tipo de sustentação, mas, mais grave, com permanente dualidade de critérios, e em que idênticas situações têm decisões contrárias, é o mais nefasto dos contributos para uma entidade que devia pautar a sua conduta pelo mais escrupuloso rigor e não pela ânsia permanente de ter um protagonismo de todo desajustado’.
Do segundo comunicado, datado de 02/05/2019 e reproduzido na alínea b) do probatório, constam expressões como ‘culminar de um conjunto de decisões em que a parcialidade, a dualidade de critérios e a impreparação jurídica dos seus responsáveis é óbvia’, ‘esta é a verdade e está muito distante da versão ficcionada pelo Conselho do Disciplina’, ‘sustentam a decisão ignorando os factos concretos, inspirados talvez num culto messiânico mais próprio de regimes totalitários em que nem o livre direito de expressão sobre a verdade pode ser permitido’, ‘o pior é que esta obsessão só existe para com toda e qualquer pessoa do S....., ‘relativamente a outros clubes, (mesmo para quem assume declarações impróprias e ofensivas), temos arquivamentos com base no mero reconhecimento, fazendo-se aí tábua rasa dos próprios factos que os autores assumem cometido’, ‘são vários os exemplos, ao longo desta época de decisões e atitudes persecutórias por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol para com o S...... Visava-se, em todas essas ocasiões, a criação de factos perturbadores e desestabilizadores da nossa actividade, sempre em momentos decisivos da época desportiva’.
Do quarto comunicado, datado de 07/05/2019 e reproduzido na alínea d) do probatório, constam as seguintes expressões: ‘o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, para fundamentar mais uma penalização ao S....., deturpou as conclusões de duas entidades (delegado da liga e PSP), imputando-lhes afirmações contrárias ao que consta nos seus relatórios’, ‘tal afirmação significa falsificação do conteúdo dos respetivos relatórios’, ‘esta deturpação é inédita, inconcebível e prova a intenção em perseguir e prejudicar o S.....’, ‘tem sido sistemática a dualidade de critérios e a proteção a outros clubes, ‘no caso do B....., aldrabam-se conclusões de relatórios para nos castigar. No caso do F..... é exatamente o oposto: descredibilizam-se relatórios de entidades como a PSP com base nas testemunhas do próprio clube e que, por censo, trabalham para o próprio F.....’.
Movendo-nos no âmbito de um ilícito disciplinar, como já se assinalou, irreleva o preenchimento do tipo legal do crime de difamação, assentando a responsabilidade disciplinar na violação dos deveres que recaem sobre a recorrente.
Nesta medida, deverão considerar-se ultrapassados os limites do exercício de um direito de opinião e crítica das decisões, quando diretamente se atenta contra o bom nome e a reputação do órgão em questão.
Ora, nos três comunicados descritos são imputadas ao Conselho de Disciplina atuações propositadas para prejudicar a recorrente e beneficiar um clube rival, com referências a falsificações e a ‘aldrabar’ conclusões de relatórios, comportamentos claramente ilícitos. À evidência, tais imputações atentam diretamente contra o bom nome e reputação daquele órgão.
Defende a recorrente S..... – SAD que por serem visados figuras públicas e a exercerem funções públicas, devem possuir uma maior margem de tolerância face à crítica dessas mesmas funções, admitindo-se a crítica contundente, violenta e irónica. E que a interpretação assumida do artigo 112.º do RDLPFP viola os artigos 8.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, por se afigurar como uma compressão inadmissível da liberdade de expressão e de imprensa e, bem assim, por violação do artigo 10.º da CEDH.
Não lhe assiste razão.
O direito à crítica e à liberdade de expressão e de informação encontram-se conformados no caso pelos deveres que recaem sobre a recorrente, designadamente o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão, assim como de não exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação do Conselho de Disciplina da FPF, conforme decorre do já citado artigo 19.º do RDLPFP.
Conforme notado, nos três comunicados imputam-se ao Conselho de Disciplina atuações propositadas para prejudicar a recorrente e beneficiar um clube rival, comportamentos ilícitos, que atentam diretamente contra o bom nome e reputação deste órgão.
Nesta medida, tais imputações não se podem considerar efetuadas ao abrigo do direito à liberdade de expressão e de informação. Estas liberdades não configuram valores absolutos, como se assinala no já citado acórdão do STA de 10/09/2020, tendo de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP. Impondo-se a reação disciplinar quando, como aí se conclui, “os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.”
Não se verifica, pois, a invocada violação dos artigos 8.º, 37.º e 38.º da CRP, e 10.º da CEDH.
Será, pois, de negar provimento ao recurso principal.

No que concerne ao recurso subordinado, está em causa o terceiro comunicado, datado de 07/05/2019 e reproduzido na alínea c) do probatório.
Tal comunicado evidencia um tom diverso dos já descritos, incidindo essencialmente sobre as declarações do presidente de um clube rival. Do mesmo consta o seguinte: estamos ‘de novo a assistir ao total silêncio do Conselho de Disciplina perante estas últimas declarações do presidente do F...... Sempre tão célere a atuar quando se trata de alguém do S..... (como se viu na reação imediata aos protestos do clube sobre o castigo aplicado ao nosso Presidente), desta vez... zero! Até ao momento, silêncio total. Qual é a parte que ainda não perceberam? A referência aos adversários que vestem de preto e têm um apito na boca? Ou os nomes dos árbitros já citados? Dali já se assistiu a tudo, até ao arquivamento de um processo em que um responsável portista reconheceu ter feito declarações lesivas e que, mesmo assim, foi perdoado. Da nossa parte, com a humildade reforçada e a total consciência de que nada está ganho, resta-nos manter a linhar de sempre: lutar pela vitória e procurar apenas com o mérito do trabalho, dar uma imensa alegria aos milhões de benfiquistas.’
Pretende a recorrente FPF que também aqui se reconheça que é imputada ao Conselho de Disciplina uma atuação parcial no que respeita à diferente celeridade com que aquele órgão atua tendo em conta o objeto da referida atuação.
Mas aqui, sem razão.
Há efetivamente uma crítica à atuação do Conselho de Disciplina, mas limitada ao que é conhecido até ao momento do comunicado em questão. Nada se diz de forma perentória quanto a uma atuação propositada daquele órgão no sentido de prejudicar a recorrente e beneficiar um clube rival, ao contrário do que sucede nos três comunicados anteriormente analisados.
Move-se aqui a recorrente ainda no terreno da liberdade de expressão e legítimo escrutínio da atuação daquele órgão disciplinar.
Pelo que será de manter o decidido quanto ao terceiro comunicado, do não qual não se retira imputação que atente diretamente contra o bom nome e reputação do Conselho de Disciplina.

Em suma, será de negar provimento tanto ao recurso principal, como ao recurso subordinado.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento aos recursos principal e subordinado.
Custas a cargo das recorrentes.

Lisboa, 7 de julho de 2021

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Lameira e Catarina Vasconcelos têm voto de conformidade com o presente acórdão.
(Pedro Nuno Figueiredo)