Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:249/14.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/11/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
COLIGAÇÃO
LITISCONSÓRCIO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
IMPOSTO LEGALMENTE INDEVIDO
PAGAMENTO
RESTITUIÇÃO
CONCEITO DE INTERESSADO PARA EFEITOS DO ARTIGO 50.º DO CIS
Sumário:I – A competência hierárquica do Supremo Tribunal Administrativo está, em recurso jurisdicional, legalmente dependente de apenas terem sido suscitadas questões de direito, como resulta claro da repartição de competências estabelecida nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.

II – Sendo a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo a única hierarquicamente competente para apreciar o recurso jurisdicional nas situações em que neste se suscitam questões de facto e existindo questões de facto a decidir no recurso que nos foi colocado para decisão – erro de julgamento por insuficiência dos factos seleccionados como suporte da decisão e errada valoração da prova produzida - é imperioso concluirmos que o Supremo Tribunal Administrativo não é o competente para julgar o objecto do presente recurso jurisdicional.

III – No que respeita à natureza da cumulação subjectiva há que distinguir o litisconsórcio e a coligação. Estamos no campo definidor da primeira das figuras jurídicas se nos deparamos com uma relação material que respeita a ambos os sujeitos que se apresentam conjuntamente em juízo (“unicidade da relação material”), podendo assumir natureza voluntária (se as partes se apresentam conjuntamente em juízo por iniciativa ou vontade própria) ou necessária (situação em que essa apresentação é imposta por lei, por estipulação dos interessados ou da natureza da relação jurídica). Estamos perante a segunda das apontadas figuras jurídicas quando os pedidos formulados procedem de relações materiais distintas (“pluralidade de relações materiais”), sendo nesta última situação a coligação legalmente admissível por força da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os seus fundamentos.

IV – Resultando do relato vertido na petição inicial que ambas as Autoras alegam serem partes na mesma relação material controvertida e que ambas formularam os mesmos pedidos de anulação do acto e condenação à prática do acto devido traduzido na restituição do indevidamente pago é manifesto que ambas possuem legitimidade processual para se apresentarem em juízo (artigo 9.º e 55.º do CPTA), que podem faze-lo conjuntamente (artigos 12.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA) e que podem deduzir cumulativamente os pedidos formulados nos termos em que o fizeram (artigos 4.º, n.º 1, 46.º, n.º 1 als. a) e b), 47.º , n.ºs 1 e 2 al. a) do CPTA e 469.º do CPC).

V - Interessado, para efeitos do preceituado no artigo 50.º do Código de Imposto de Selo não é aquele que é o sujeito do imposto – no caso, a Senhora Notária que o arrecadou e entregou aos cofres do Estado – nem quem, face ao que se mostra estipulado na Lei, o devia ter suportado, mas, sim, quem efectivamente, mal, o pagou e se viu privado no valor monetário correspondente, por ser quem directa e pessoalmente se encontra lesado pelo pagamento indevido.

VI – Independentemente de no segmento da decisão final do procedimento a Administração Tributária se ter limitado a indeferir a restituição do imposto pago com fundamento na ilegitimidade substantiva da entidade que o suportou, nada obsta a que o Tribunal, para além de anular o acto, condene, como peticionado, a mesma Administração a essa restituição se durante os cerca de 3 anos que demorou a concluir o procedimento e nas inúmeras informações e pareceres nele incluídos sempre reconheceu que a única razão que obstava ao mesmo era aquela alegada ilegitimidade substantiva.

VII - O legislador, no artigo 50.º do Código de Imposto de Selo, consagrou claramente as condições de facto e de direito em que o interessado pode fazer uso da faculdade aí prevista e de que resulta o dever de restituição: (i) ser o imposto cuja restituição é peticionada relativo aos últimos 4 anos; (ii) o pedido ter sido apresentado com documentos comprovativos da liquidação e do pagamento do imposto e (iii) não ter o interessado usado em tempo oportuno os meios próprios previstos no CPPT tendo em vista esse mesmo fim.

IX - Preenchidos os mencionados pressupostos, o Ministro tem (tinha) o poder de ordenar essa restituição, poder que, num Estado de Direito, só pode ser entendido como um poder-dever sujeito a ser sindicado em Tribunal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão


I – Relatório
Teixeira ..............., S.A.” e “Banco ..............., S.A.” instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a presente acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças, pedindo a anulação do despacho datado de 11.10.2013, do Director Geral da Administração Tributária, que indeferiu o pedido de reembolso do pagamento efectuado pela primeira Autora, relativo a liquidação de imposto de selo no valor de €1.920.000,00, bem como a condenação da Administração Tributária a restituir o imposto de selo indevidamente pago.
Citado o Réu, veio o Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, na qualidade e autor do acto “impugnado”, apresentar contestação, aí se defendendo por excepção, invocando a ilegal coligação de autores e a ilegal cumulação pedidos, e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção por não estarem preenchidos os pressupostos determinantes da anulação e condenação peticionadas.
As Autoras, na resposta que apresentaram, pugnaram pela improcedência das excepções suscitadas, mantendo, no mais, a posição anteriormente vertida, incluindo os pedidos formulados.
Após ter sido proferido despacho saneador, e neste terem sido julgadas improcedentes as excepções invocadas, foi ordenada a notificação das partes para apresentaram alegações finais nos termos previstos, conjugadamente, nos artigos 91.º, nº4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 97.º, nº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Notificado do despacho saneador veio o Director–Geral da Autoridade Tributária apresentar requerimento de interposição de recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo do julgamento relativo às excepções, tendo as Autoras, notificadas dessa apresentação e do teor das alegações, contra-alegado, suscitando, para além do mais, suscitaram, a titulo prévio, a inadmissibilidade legal dessa interposição atento o teor do preceituado no artigo 142.º n.º 5 do CPTA.
Ambas as partes apresentaram alegações finais.
Por despacho de 10-5-2016 foi rejeitado o recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, com fundamento em que essa admissibilidade estava condicionada ao exercício de igual direito no recurso da sentença que a final viesse a ser proferida em conformidade com o preceituado nos artigos 142.º do CPTA e 644.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).

Após ter sido julgada procedente a acção e condenada a Entidade Demandada «a processar reembolso do imposto nos termos requeridos e no prazo de execução espontânea da sentença», veio a Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional do julgamento de improcedência das excepções realizado no despacho saneador e do julgamento realizado na sentença.
Tendo alegado, aí formulou as conclusões que ora se reproduzem:
«A) O despacho saneador, a fls..., ao decidir pela improcedência das excepções invocadas na contestação, a fls..., fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.

B) Na verdade, o primeiro critério para aferir da legitimidade activa é o de que será parte legítima para litigar em juízo quem alegue ser titular da relação administrativa donde emerge a questão controvertida ou, dito de outro modo, da relação donde emerge o conflito que opõe o administrado ao Estado-Administração.

C) Ora, no presente caso, embora as então A.A., ora recorridas, se tenham apresentado conjuntamente a interpor a presente acção, sob a forma de um eventual litisconsórcio voluntário, é evidente que o Banco ..............., SA, carece de legitimidade activa, por não ser parte na relação material controvertida e nem titular de um interesse directo e pessoal, para intervir e impugnar o acto administrativo em matéria tributária em causa nos presentes autos.

D) O que se comprova até pela forma como é configurado o pedido da presente acção em que a T........ é a titular do pedido principal enquanto o B........ é, por seu turno, o titular do 2° pedido, subsidiário, formulado.

E) Tal relação de subsidiariedade, entre pedidos e respectivos sujeitos afasta, pois, desde logo, a possibilidade legal de coligação de A.A., nos termos do disposto na al. a) do n°1 do art.12° do CPTA.

F) É que, o B........, para além de não ter sido parte na relação administrativa donde emerge o presente conflito, parte no mesmo foi a T........ que foi a entidade que se apresentou, perante a AT, a pedir a restituição do imposto do selo alegando, entre o mais, que foi ela que suportou o seu pagamento, também não é titular de qualquer interesse pessoal e directo por não ter sido lesado nos seus direitos e interesses legalmente protegidos, já que, a anulação do acto só tem repercussão imediata na esfera jurídica da então A., T.........

G) Pelo que, não se verificando, nos presentes autos, os requisitos dos quais depende a coligação de A.A., e tendo o Mm° juiz " a quo" considerado o contrário, salvo o devido respeito, efectuou uma errada interpretação e aplicação do artigo 12° e artigo 55° n°1, al. a) ambos do CPTA, aos factos.

H) Também o saneador, a fls...., não se deve manter quando julga improcedente a excepção da ilegal cumulação de pedidos.

l) Na verdade, o deferimento da pretensão formulada pelas A.A., relativamente à restituição do imposto do selo pago em 20/01/2009, passa por saber se o pedido de reembolso preenche os requisitos necessários que autorizem o Ministro das Finanças, ou outro órgão administrativo com competência delegada, a deferir o mesmo.

J) O que envolve juízos de valor inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT, uma vez que estamos no campo da chamada discricionariedade técnica, já que, a faculdade de autorizar a restituição do imposto de selo que era conferida ao Ministro das Finanças pelo anterior art.50° do CIS, actualmente revogado, constitui uma faculdade excepcional sendo mais uma garantia, a par das restantes e que não tinha paralelo relativamente a outros impostos, concedida aos contribuintes que viram esgotadas as vias normais de reacção ao acto de liquidação.

K) E nem se diga, como se faz no despacho saneador que há uma auto-vinculação da AT ao deferimento do pedido de restituição do imposto do selo.

L) Efectivamente, a entidade com competência para deferir ou indeferir o pedido de restituição de imposto de selo nunca equacionou a questão de determinar se o imposto do selo tinha, ou não, sido indevidamente arrecadado e se o mesmo, nesta circunstância, seria de restituir, dado que o pedido da então A., T........ foi, desde logo indeferido por falta de legitimidade da mesma para o apresentar.

M) Assim, o Tribunal " a quo" ao ter decidido que podia conhecer deste pedido de condenação de deferimento da pretensão material das então A.A. fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação dos artigos 71° n°2 e 95° n°3 do CPTA.

N) Quanto à matéria da impugnação, decidiu a sentença recorrida, a fls..., que "A matéria decidenda restringe-se, nos termos expostos pelas partes a saber, em 1° lugar se o 1° recorrente teria legitimidade procedimental para solicitar aquela restituição do Imposto de Selo; e em 2° lugar se tal restituição era devida."

(i) Da legitimidade da T........ para pedir a restituição do imposto:

O) Ora, quanto a esta primeira questão, entendeu a sentença recorrida que a então A. T........ tinha legitimidade procedimental para pedir a restituição do imposto de selo, nos termos do art.50° do CIS.

P) Ao assim decidir a sentença recorrida fez um incorrecto enquadramento, por insuficiente, da matéria de facto dada como provada, bem como uma errada interpretação e aplicação dos artigos 2°, n°1, al. a), 3° n°3, al. a) e 50° do CIS e arts. 29° n°3 e 36° n°2 da LGT, aos factos.

Q) Efectivamente, os factos especificados nas als. A) e B) da matéria de facto dada como provada, são insuficientes e foram incorrectamente julgados. Assim, devia igualmente constar da matéria de facto dada como provada que:
1°) Conforme consta da escritura de compra e venda, realizada em 31/12/2008 e resulta do clausulado do mesmo:
A) O segundo outorgante, na qualidade de promitente comprador, isto é, o 2°A., B........, aceitou a venda e declarou que os prédios vão ser dados em locação financeira à sociedade "Teixeira ................, SA".
B) Este segundo outorgante assumiu, ainda, a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas, encargos, responsabilidades, impostos ou taxas, designadamente derivados de adicionais ao Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de imóveis (IMT), com origem em factos verificados até à presente data, ainda que só posteriormente à mesma, venham a ser apresentadas ou reclamados para pagamento, cfr consta do mesmo documento a fls. 30 do P.A., que se encontra junto aos autos.
2°) Do contrato de locação financeira celebrado entre as então A.A. em 31/12/2008, resulta, cfr. art. 4° do mesmo, " 1 -...
2 - Serão por conta do Locatário todos os impostos - sejam correctivos, retroactivos ou extraordinários - encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas, extraordinárias, ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou locação financeira. 3-...
4- Se qualquer destas despesas for paga directamente pelo locador, o Locatário deverá reembolsar o Locador no prazo previsto nos avisos por este emitidos.
5-...
6 - ..." cfr consta do mesmo documento a fls 72 e 73 do P.A. junto aos autos:
3°) Em 16/03/12, data da entrada na DGCI, veio a T........, em resposta ao pedido de elementos constantes do ofício n°................, de 07/03/12, juntar cópia do contrato de locação financeira, juntar comprovativos, extractos contabilísticos da alienação dos imóveis, informando que neles não existem movimentos relacionados com a liquidação de IVA, por na operação de transmissão ter sido aplicado o regime de inversão do sujeito passivo, nos termos dos n°s 5 e 6 do art. 12° do CIVA e n°2 do art.6° do DL 21/2007 de 29/01 e ainda que diversas despesas, designadamente o imposto de selo de €1.920.000,00 não foram debitadas ao adquirente dos bens, na medida em que, nos termos da Condição Particular 3.6 do Contrato de Locação Financeira, as despesas de escritura, registos e solicitador serão pagas nos respectivos actos pelo locatário e considerando igualmente os n°s 2 e 4 do artigo 4° das Condições Gerais, cfr. consta do documento a fls. 65 e 66 do P.A. junto aos autos.

R) Efectivamente, tais factos são determinantes para a resolução da questão de direito em causa, constam do P.A. junto aos autos e deveriam ter sido levados em consideração pela sentença ora recorrida determinando uma solução de direito diversa daquela que foi proferida.

S) Na verdade, o art.50° n°2, do CIS conferia a legitimidade para a dedução do pedido de restituição do imposto de selo aos interessados, o que, contudo, não significa que se tenha atribuído a legitimidade ao titular de todo e qualquer interesse, mas sim, ao titular de um interesse legalmente protegido.

T) Segundo o art.2°, n°1, al. a) do CIS, o sujeito passivo do imposto de selo que procedeu a sua liquidação e arrecadação foi o Cartório Notarial de Fátima .................

U) E, nos termos do art.3° n°3, al. a) do mesmo Código, quem deveria ter suportado legalmente o encargo do imposto era o adquirente dos bens que integram o conjunto imobiliário em causa.

V) Efectivamente, sendo certo que o que está em causa é o pagamento de imposto de selo sobre a aquisição de bens imóveis que integram o conjunto L ................, não sendo a T........ sujeito de imposto nem a entidade que legalmente, através do mecanismo da repercussão, deve suportar o encargo do mesmo, não tem legitimidade para pedir a restituição do imposto, nos termos do art.50° do CIS.

W) Até porque do contrato de compra e venda consta que, o representante do B........ declara expressamente que assume a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas, encargos, responsabilidades, imposto ou taxas, designadamente IMT, com origem em factos verificados à data do contrato, ainda que só posteriormente venham a ser apresentados para pagamento.

X) Assim, deveria ter sido considerado como irrelevante, para a sentença ora recorrida, o facto de poder ter sido a então A., T........, que, de facto, suportou o encargo do imposto de selo, atendendo a que tal repercussão de facto, como a própria esclareceu, decorreu unicamente não do contrato de compra e venda de bens imóveis, mas sim, do contrato de locação financeira celebrado com o então A., B.........

Y) Ora, o que está em causa nos autos não é o imposto do selo devido pelo contrato de locação financeira, mas, o imposto devido pela aquisição dos bens imóveis que integram o conjunto L.................

Z) Sendo ineficaz, perante a AT, qualquer tipo de negócio entre as partes que vise transferir o encargo que, nos termos da lei, deve ser suportado por determinado sujeito, titular do interesse económico, para um terceiro, que não é parte na relação jurídico tributária, conforme resulta dos artigos 29° n°3 e 36° n°2 da LGT.

AA) Donde, devia a sentença recorrida, salvo o devido respeito, dar o devido relevo ao que consta da escritura de compra e venda e irrelevar, desta forma, o que não fez, o facto que a ora recorrente T........ sempre invocou perante a AT, isto é, de que foi ela que suportou o encargo do imposto por força do contrato de locação, uma vez que as obrigações tributárias não são susceptíveis de transmissão inter vivos e que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados pela vontade das partes.

BB) Por outro lado, o facto de a T........ ter suportado o encargo financeiro teria que resultar não só dos elementos por esta facultados, cópia da escritura e facturas da liquidação dos encargos da escritura, mas da sua contabilidade interna comprovando que o encargo teria sido contabilizado como gasto do período em causa, art.23° do CIRC.

CC) Assim sendo, não está provado, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, que ela suporta "de facto" o imposto do selo pela venda dos imóveis.

DD) Donde a sentença recorrida, nesta parte, não se pode manter.

(iii) Se o imposto de selo era, ou não, devido:

EE) Quanto à segunda questão que para a sentença recorrida importou decidir, considerou a mesma que o imposto de selo era indevido e como tal condenou a AT a processar o reembolso do imposto, nos termos requeridos pelos então A.A.

FF) Ao assim decidir, mais uma vez questiona a ora recorrente, por insuficiente, a matéria de facto dada como provada pela sentença ora recorrida, bem como, a interpretação de direito que foi feita pela mesma do então art.50° do CIS.

GG) Efectivamente, devia constar da matéria de facto dada como provada, uma vez que tais factos são relevantes para a decisão desta questão em particular que:
1°) Da informação n°1728/12, de 23/04/12, da DSIMTISIUC e CE, consta, designadamente, o seguinte: "poderá ser legítima, à luz do condicionalismo ínsito no art.50°, a pretensão da requerente", cfr consta do mesmo documento a fls 112 e 113 do P.A. junto aos autos:
2°) Após ter sido solicitado parecer sobre a questão da legitimidade da T........ para formular esse pedido, é elaborada nova informação na qual é apenas proposto o indeferimento do pedido de restituição por falta de legitimidade da T........ para formular o pedido, cfr consta a fls. 126 a 129 do P.A. junto aos autos.
3°) Após o exercício do direito de audição prévia por parte da T........ são elaboradas duas informações pela DSIMT, na primeira, apenas é referido, na descrição que é feita da tramitação do processo administrativo que na informação anterior n°56/2003 até se considerou que a situação era susceptível de beneficiar do procedimento de restituição, no entanto, considerou -se que a T........ carecia de legitimidade no procedimento, na segunda e, após ter sido solicitado novo parecer à DSCJC sobre um documento, uma declaração assinada por Administrador Executivo e o Vice Presidente da Comissão Executiva do B........, declarando ratificar todo o anteriormente processado pela T........ junto da AT, só na descrição dos factos é novamente feita referência a tal circunstância, no entanto acaba por ser proposto o indeferimento do pedido, cfr. a fls. 144 a 146 do P.A., e fls. 162 a 164, do P.A.
4°) Os certificados de renúncia à isenção do IVA na Transmissão de bem imóvel que constam dos autos foram passados a favor da T........ e dos mesmos consta que: "O presente certificado destina-se a justificar a opção pela tributação em IVA no momento da celebração do contrato, mas não produzirá efeitos se, no exercício dos seus poderes de controlo, a Direcção -geral dos Impostos apurar que não se verificaram os pressupostos legais para a renúncia à isenção.", cfr. documentos a fls. 33 a 41 do P.A. junto aos autos.

HH) Assim, do P.A. junto aos autos não resulta que a AT tenha, em qualquer fase do procedimento administrativo, expressamente analisado e admitido que a liquidação e a cobrança do imposto de selo não eram devidos.

II) Na verdade, não era legítimo à sentença ora recorrida retirar essa conclusão de simples informações elaboradas por técnicos da AT que apenas afloram tal questão sem tecer qualquer conclusão final sobre a mesma, uma vez que a questão principal que estava em causa analisar e decidir era a da (i)legitimidade da T.........

JJ) Ao que acresce que essas informações, por se assumirem como um mero parecer, não são vinculativas quer para a própria DSIMT que é tutelada pela Subdirectora-Geral da área do património, quer para a própria entidade que, nos termos da lei, tem o poder de ordenar a restituição do imposto do selo, entidade esta que, por isso, nem sequer ponderou a circunstância de se encontrarem, ou não, reunidos os requisitos para a restituição do imposto.

KK) Ou seja, contrariamente ao que parece entender a sentença recorrida, não está provado nos autos que a AT, cuja vontade será a expressa pelo órgão com competência para decidir do pedido de restituição do imposto de selo, tenha admitido que o mesmo foi indevidamente liquidado e pago.

LL) Depois, as quantias recebidas pelo Estado, através de pagamento feito a Notário, a título de imposto de selo tiveram como causa a liquidação do mesmo que até era devida atendendo ao facto tributário da celebração do contrato de compra e venda.

MM) Finalmente, é questionável se a renúncia à isenção tem, no caso presente, os efeitos que as então A.A. e ora recorridas lhe pretendem atribuir.

NN) Na verdade, quanto ao certificado de renúncia à isenção de IVA e face à entidade que o requereu, a mesma questão de ilegitimidade que se colocou relativamente ao pedido de restituição de imposto de selo coloca-se aqui, uma vez que não foi o B........ que procedeu ao pagamento do imposto.

OO) Depois, como até consta do certificado de renúncia à isenção, porque a AT podia ainda entender, no âmbito dos seus poderes de controlo e fiscalização, que não se verificavam os pressupostos legais para a renúncia à isenção, tal certificado não tem como efeito o reconhecimento inquestionável e imediato da renúncia à isenção.

PP) Pelo que, atendendo a que no caso presente e ultrapassada que fosse a questão da legitimidade tinha a AT não só o poder mas também o dever de controlar outras condições procedimentais, tais como, os pressupostos da validade da renúncia e da efectiva contabilização do pagamento do imposto na esfera da T........, não era legítimo concluir, como o fez a sentença recorrida que a AT não mais podia apreciar a questão de o imposto ter, ou não, sido indevidamente cobrado.

QQ) Ou seja, ainda que se considerasse, sem conceder, que a T........, era detentora de legitimidade para formular o pedido de restituição do imposto de selo, nos termos do então art.50° do CIS, devia a sentença recorrida ter devolvido à AT a apreciação da questão do mérito de tal pedido, uma vez que a AT não se pronunciou e decidiu sobre tal mérito e que dos autos não constam os elementos suficientes que justifiquem a conclusão de que o imposto foi "indevidamente cobrado."

RR) Donde, também quanto a esta segunda questão não pode a sentença recorrida manter-se por ter feito uma deficiente análise dos factos a considerar como provados e por ter errado na subsunção dos mesmos ao art.50° do CIS, condenando a AT, sem razão, a proceder à restituição do imposto.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e serem revogados quer o saneador quer a sentença a fls..., que devem ser substituídos por Acórdão que julgue qualquer uma das excepções invocadas como procedente, com a absolvição da R. da instância, ou mesmo que assim não se entenda, que considere improcedente a matéria da impugnação julgando improcedente a acção e mantendo o acto impugnado, com todas as legais e devidas consequências.»

As Recorridas, notificadas da admissão do recurso interposto, contra-alegaram, suscitando, desde logo, como questão prévia, a incompetência deste Tribunal Central em razão da hierarquia para apreciar o recurso e, para o caso de assim se não entender, pugnaram pela manutenção dos julgamentos objecto de recursos com base no seguinte quadro conclusivo:

«1) A (nova) matéria de facto que fundamenta a apresentação (de parte) do presente Recurso Jurisdicional é completamente nova, não tendo nunca sido alegada ou discutida quer em fase de procedimento administrativo quer em fase judicial;

2) Sendo esta uma fundamentação superveniente, deve a mesma ser desconsiderada, para todos os devidos efeitos legais, nos termos do art°608°, n°2 doCPC;

3) Devendo o Douto Tribunal Central Administrativo Sul declarar-se materialmente incompetente para a apreciação do presente recurso, sendo competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, dado estarmos, exclusivamente, perante discussão de matérias de direito;

A) RECURSO DO DESPACHO SANEADOR DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA:

QUANTO À EXCEÇÃO DE ILEGAL COLIGAÇÃO DE AUTORES

4) Nesse âmbito, deverá o Douto Tribunal confirmar a decisão plasmada no Despacho Saneador sob recurso, valorando a manifestamente incoerente e abusiva actuação da AT durante o procedimento administrativo, e que a defesa aduzida já em sede judicial fá-la cair num “venire contra factum proprium”:

Senão Vejamos:

5) No âmbito da mesma operação, foi liquidado indevidamente Imposto sobre o Valor Acrescentado e Imposto do Selo, em clara violação do art°1°, n°2 do Código do Imposto do Selo;

6) Resulta provado nos autos que o Imposto do Selo foi suportado pela sociedade T........, apesar de não ser o sujeito passivo ou a entidade que legalmente suporta o imposto, através do mecanismo da repercussão legal;

7) Não obstante, porque o (entretanto revogado) art°50° do Código do Imposto do Selo conferia legitimidade para o pedido de restituição do Imposto do Selo indevidamente cobrado a «interessados» (e não, apenas, aos sujeitos referidos no ponto anterior), a T........ apresentou o referido pedido de restituição de imposto, convicta de que se encontrava verificada este pressuposto processual;

8) A AT intimada judicialmente para se pronunciar sobre o pedido e não podendo mais adiar a devolução de um imposto que a própria Direcção de Serviços competente já tinha avaliado como indevidamente liquidado, considerou a T........ parte ilegítima, atribuindo legitimidade à instituição financeira compradora do imóvel dado sucessivamente em leasing (operação de sale e lease back);

9) Apesar de a T........ entender que tem legitimidade para requerer a restituição do Imposto do Selo subjacente aos presentes autos, no seguimento do entendimento da própria AT de que a legitimidade para o pedido cabia, exclusivamente, ao B........, foi junto ao procedimento uma Declaração desta instituição financeira que ratificou toda a actuação da T........, para os devidos efeitos legais;

10) A intervenção do B........ no procedimento administrativo é válida e legalmente eficaz, nos termos e para os efeitos dos arts.471°, 472° e 1181° do Código Civil, e justificou-se, exclusivamente, pelo entendimento notificado no procedimento pela própria AT;

11) Assim, tendo o B........ legitimidade para intervir na presente acção ao ser sujeito passivo, deverá o Douto Tribunal concluir que a coligação de A.A. na presente acção é plenamente válida nos termos do art°12° do CPTA, porquanto a causa de pedir é única e os pedidos estão numa relação de prejudicialidade ou de dependência por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material;

12) Acresce que, nos termos do art°39° B do CPC, aplicável ex vi do art°1° do CPTA, admite-se a dedução de um pedido principal contra um réu, e um pedido subsidiário por outro autor ou contra outro réu, solução legal que é plenamente aplicável no processo administrativo atenta a doutrina dos Ilustres Professores Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, nos termos da qual «o pedido dos autores coligados pode favorecer alternativamente apenas um deles.»;

13) Pelos fundamentos expostos, não poderá proceder também nesta parte, o Recurso apresentado pela IRFP, pelo que deve este Douto Tribunal, na esteira do Tribunal Tributário de Lisboa, concluir que, não aceitar a intervenção do B........ na presente acção administrativa especial «redundaria necessariamente na denegação do direito que lhes assiste de impugnarem contenciosamente o ato em apreço»;

14) Com o devido respeito, não se pode admitir nos presentes autos como legítimo e legal - como pretende, afinal a AT - que nenhuma das Partes tenha legitimidade para o presente pedido, sendo certo que inexiste outra forma que não a presente para decidir a restituição do imposto subjudice, que é inquestionavelmente, indevido;

QUANTO À EXCEÇÃO DE ILEGAL CUMULAÇÃO DE PEDIDOS (ANULAÇÃO DO ACTO DE INDEFERIMENTO E CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO)

15) Contrariamente ao alegado pela IRFP, o pedido de restituição de Imposto sub judice, não envolve qualquer margem de liberdade discricionária da AT, sendo uma decisão vinculada, verificados os respectivos requisitos legais;

16) O conceito de discricionariedade tem como pressupostos conceitos vagos e abstractos cuja subsunção à realidade fática deve ser realizado pelo ente administrativo aplicador da lei, o que manifestamente não se verifica no presente caso;

17) De acordo com o artigo 50° do Código de Imposto do Selo eram requisitos para o deferimento do pedido (para além da qualidade de «interessado»): As provas da liquidação e pagamento do imposto, e de que este foi indevidamente cobrado, nada mais;

18) Verificados esses requisitos - como se verificaram e provaram no procedimento e no processo -, não poderia, discricionariamente, a AT deixar de reembolsar o imposto indevidamente liquidado;

19) Acresce a circunstância, absolutamente lapidar, e devidamente valorada no Despacho sob recurso, que a própria AT, através da Direcção de Serviços responsável pelo próprio Imposto do Selo, ter admitido expressamente que, não fosse a 'questão da legitimidade' «se entenderia estarem reunidos os pressupostos que permitiam concluir pela existência de uma situação de imposto indevidamente cobrado (...)».

20) Pelos fundamentos expendidos, deverá improceder o Recurso interposto pela IRFP, contra o Douto Despacho Saneador notificado, e nesta parte, a decisão sob recurso ser confirmada, para os devidos efeitos legais;

B) RECURSO DA SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO:

21) A fundamentação única do indeferimento do pedido de restituição de Imposto do Selo sub judice reporta-se à ilegitimidade processual da T........, nos termos do art°50° do Código do Imposto do Selo;

22) Repita-se que não pode o Douto Tribunal ad quem valorar, no âmbito do presente recurso jurisdicional, os factos novos alegados pela IRFP, pela primeira vez em todo o processo, para fundamentar a procedência do presente recurso jurisdicional, e alegar a ilegitimidade da T........;

23) Salvo melhor entendimento, a subsunção ao conceito legal de 'interessado', previsto no revogado art°50° do Código do Imposto do Selo, terá, necessariamente, de extravasar a interpretação redutora apresentada pela AT, no sentido de que apenas têm legitimidade para o procedimento, 'o sujeito passivo, ou quem, por força do mecanismo legal da repercussão, deva suportar economicamente o imposto';

24) Sustentados na melhor Doutrina, dever-se-á concluir que, à luz dos princípios constitucionais da justiça material, plasmado no art°266, n°2 CRP, e do princípio do Estado de Direito, plasmado no art°2°da CRP, no procedimento de restituição de Imposto do Selo subjudice tinha interesse em agir/ legitimidade tributária, o titular de interesse legalmente protegido e não condenado pela ordem jurídica, ou seja, quem alegasse e demonstrasse ser directa e imediatamente afectado na sua esfera jurídica (na esfera patrimonial) pela decisão que viesse a ser proferida no procedimento, i.e., o 'interessado',

25) Isto é, inequivocamente, a sociedade T........, que conforme se provou, suportou o Imposto do Selo cuja restituição se requer, no valor de €1.920.000,00 (por via dos termos contratuais estipulados pelas Partes, notoriamente normais em operações financeiras com Instituições de Crédito, em que tais encargos são sempre suportados pelo 'Cliente’/Locador Financeiro, e nunca directamente pelo Banco);

26) Donde, em concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, deverá este Douto Tribunal confirmar a legitimidade da T........ subscrevendo a Douta Sentença sob recurso que decidiu, e bem, nesse âmbito que:
«(...) não restam dúvidas a este Tribunal de que o 1.° A.A. seria titular de uma "situação material directamente protegida pela norma jurídica... (que) limita-se a reconhecer-lhe faculdades de condicionar a actividade de outrem... em ordem à possível satisfação do seu interesse material..." (...) no qual o particular tem "... a faculdade de exigir à Administração um comportamento que respeite a legalidade...(...)
Tal significa que aquele que suportou, ainda que somente "de facto", aquele imposto, tem direito à "legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio". Pelo exposto conclui-se pela legitimidade do requerente na formulação daquele pedido de restituição do tributo, sendo de anular a decisão que assim não entendeu.» (negrito nosso)

Por fim,

27) Deverá ainda o Douto Tribunal ad quem confirmar o segundo segmento da Sentença sob recurso, julgando improcedente, também nesta parte, o recurso jurisdicional interposto, atendendo a que estando verificados, in casu, iodos os requisitos que a lei fazia depender o deferimento do pedido restituição do imposto não envolve qualquer margem de liberdade da AT, não sendo, por isso, um ato discricionário, configurando-se, pelo contrário, como um ato 'vinculado', aliás, como já anteriormente referido;

28) Novamente: Mais do que nunca ter sido questionada até à data, a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo subjudice, a própria AT referiu expressamente no procedimento que (não fosse a alegada ilegitimidade) «se entenderia estarem reunidos os pressupostos que permitiam concluir pela existência de uma situação de imposto indevidamente cobrado, (...) considerando-se que a mesma poderia ser susceptível de beneficiar do procedimento de restituição previsto pelo n°1 do art°50°do CIS.» vd. Informação n°1728/2012 da DSIMT;

29) Para salvaguarda dos princípios da segurança e certeza jurídica dos contribuintes, não se poderá aceitar os argumentos da IRFP que visam, não só descredibilizar (valore-se o insólito) as informações emitidas pela própria Direcção de Serviços de Imposto do Selo competente no âmbito da fase administrativa de restituição do Imposto do Selo subjudice - e não de qualquer outro -, como até imputar ao contribuinte alegadas faltas de informação que, a final, nunca foram questionadas ou solicitadas no procedimento/processo, pelo que, também este segmento da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo deverá ser confirmada pelo Douto Tribunal, mantendo-se a decisão de que:
«(...)resulta patentemente que a Adm Fiscal apurou que aquela liquidação e cobrança do imposto não eram devidos atento a sujeição de tais operações a I.V.A. em resultado daquela renúncia à isenção desse imposto, pelo que estariam as mesmas fora do campo fora do campo de incidência do imposto, nos termos do disposto no n°2, do art°1° do Cl Selo. Resta portanto saber se o art°50° do I. Selo, impõe à Adm. Fiscal aquele dever de restituição do imposto pago. (...) Não se questionando nos presentes autos a verificação daquelas condições procedimentais, a verificação da condição material de pagamento indevido do imposto impõe à Adm Fiscal que proceda à restituição das quantias indevidamente cobradas pelo Estado, em razão daquela norma expressa em matéria tributária, cujo sentido se baseia no princípio do enriquecimento sem causa por banda do Estado.» (negrito nosso)

30) Por fim, e como nota final, aqui simplesmente se dirá nos autos que uma questão de alegada simples resolução jurídica - confirmar a legitimidade de quem tem interesse e legitimidade em agir, por ter suportado um imposto indevido – matéria assim já expressamente classificada e liminarmente decidida pelo Douto Tribunal recorrido;

31) Salvo o devido respeito, simplesmente por ser uma matéria 'valiosa' (num pedido no valor de € 1.920.000,00), a AT atrasou e adensou, por todos os meios e de todas as formas que lhe foram possíveis, a discussão, numa tentativa expressa de obstar à devolução de tais montantes, que não podiam as AA. deixar de responder;

32) Como se o interesse público na arrecadação de receita, justificasse o enriquecimento sem causa do Estado e todas as condutas menos próprias da AT, as quais, in casu, se têm subsumido à tentativa cega de manutenção da receita arrecada, não obstante a mesma ser indevida e essa conduta ser atentatória dos mais elementares direitos de justiça devidos a todos os contribuintes.

TERMOS EM QUE,
DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE,
DEVENDO SER CONFIRMADAS,
A DOUTA DECISÃO PLASMADA NO DESPACHO SANEADOR DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA QUE SE PRONUNCIOU NO SENTIDO DA IMPROCEDÊNCIA DAS EXCEÇÕES DE 'ILEGAL COLIGAÇÃO DE AUTORES' E DE 'ILEGAL CUMULAÇÃO DE PEDIDOS', INVOCADAS PELA IRFP NA SUA DOUTA CONTESTAÇÃO,
BEM COMO A DOUTA DECISÃO DE PROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO, PLASMADA NA SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO, QUE DECLAROU A LEGITIMIDADE DA T........ PARA REQUERER A RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO DO SELO, E CONDENOU A AT À ANULAÇÃO DA DECISÃO
DE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE IMPOSTO DO SELO, BEM COMO À CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ATO DEVIDO DE RESTITUIÇÃO DO MONTANTE DE IMPOSTO DO SELO INDEVIDAMENTE LIQUIDADO E PAGO,
POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA.»

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central, notificado nos termos e para efeito do disposto no artigo 146º do CPTA, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à conferência.


II - Objecto do recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata as suas alegações (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o seu âmbito de intervenção.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), este objecto, assim delimitado, pode ser, expressa ou tacitamente, restringido nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°). Donde, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do Recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente delas excluídas devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, não devem ser conhecidas pelo Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto, as conclusões das alegações do recurso interposto e as contra-alegações que contra este foram aduzidas, são as seguintes as questões a decidir:
- É este Tribunal Central Administrativo Sul incompetente para conhecer do objecto do recurso por as questões nele suscitadas se esgotarem na apreciação e decisão de questões de direito (1ª, 2ª e 3ªs conclusões das contra-alegações)?

- As Autoras não podiam ter intentado a presente acção administrativa especial em coligação porque a 2ª Autora não é parte na relação material controvertida nem é titular de um interesse directo e pessoal [conclusões A) a G)]?

- É ilegal a cumulação de pedidos formulada porque o Tribunal a quo não podia ter conhecido do segundo pedido formulado – condenação na restituição do valor correspondente ao imposto de selo pago – por a prática desse acto envolver juízos de discricionariedade técnica e sobre o mérito dessa pretensão a administração Tributária nunca se ter pronunciado [conclusões A) e H) a M)]?

- A sentença padece de erro de julgamento de facto por não constarem do probatório um conjunto de factos cuja relevância é indiscutível para decisão do mérito do litígio e se mostram documentalmente comprovados nos autos [conclusões P), Q) e R) e FF) a GG)]?

- A sentença errou de direito quer quando reconheceu que a 1ª Autora possui legitimidade para peticionar a restituição do imposto, uma vez que a 2ª Autora, por ser a adquirente dos imóveis, é quem devia ter procedido ao seu pagamento, quer quando condenou a Entidade Demandada a restituir o valor pago a título de imposto de selo uma vez que a Administração Tributária nunca decidiu pela verificação dos pressupostos cujo preenchimento se impõe para que essa restituição seja determinada [respectivamente, conclusões O) e S) a CC) e KK) a RR)]?

III – Do julgamento realizado no despacho saneador

3.1. O despacho saneador em que foram apreciadas as excepções de ilegal cumulação das Autoras e de pedidos tem o seguinte teor:
“Teixeira ..............., S.A. (doravante T........) e Banco ..............., S.A - Soc. Aberta (doravante B........), com os demais sinais nos autos, doravante AA, tendo a T........ sido notificada em 2013-11-15 pelo Ofício n.º ......... do despacho de indeferimento da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais (DSIMT), exarado na Informação n.º 1844/2013, de 2013-09-30 e informação n.º 56/2013, de 2013-01-15 que recaiu sobre o pedido de restituição de Imposto do Selo apresentado pela T........ em 2010-11-15 vêm nos termos e para os efeitos do disposto no art. 46.º n.º 2 al. a), e art. 47.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) propor contra o Ministério das Finanças a presente ação administrativa especial, na qual pedem que a mesma seja julgada procedente por provada, com a consequente anulação do despacho de indeferimento sob recurso, sendo a AT condenada à restituição do imposto do selo indevidamente pago pela T........, por o pedido ter sido apresentado na forma processual correta, e por entidade com legitimidade e interesse em agir - a T........ -, enquanto titular de “interesse legalmente protegido”, ou, subsidiariamente, por a entidade que formalmente deveria ter suportado o imposto do selo na operação de compra e venda sub judice, caso este fosse devido por não ter havido renúncia à isenção do IVA - o B........ -, ter requerido a restituição do imposto do selo, ao ter expressamente ratificado no procedimento a atuação da T........, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 471.0, 472.º, e 1180.º, todos do Código Civil, devendo, a final - e em qualquer das circunstâncias -, o imposto do selo ser restituído, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado, dado não ser facto controvertido nos autos este ter sido indevidamente liquidado.
(…)
Cumpre assim e antes de mais, apreciar as questões prévias suscitadas pelo R.
Assim e antes de mais, no que diz respeito à alegada coligação ilegal de AA., não tem o R. razão.
De facto, o pedido de restituição de Imposto do Selo apresentado pela T........ foi indeferido pelo R. por ter considerado que a legitimidade para pedir a referida restituição cabia ao B........ e não à T........, não tendo igualmente aceite o pedido de intervenção do B........ no procedimento administrativo em causa.
Os AA. discordam da posição do R. pelo que vêm na presente ação alegar que a legitimidade para o pedido é da T........ e que ainda que assim não se entendesse, a recusa em aceitar a intervenção do B........ no procedimento sempre se revelaria ilegal, formulado em conformidade o pedido de anulação por ilegalidade do ato sub judice.
É assim manifesto que a legitimidade das AA. resulta inquestionavelmente do interesse que têm em demandar o R., e nos termos em que o fazem, que por sua vez resulta do teor o ato impugnado e da conduta procedimental do R., nada havendo a censurar ao litisconsórcio em questão.
Com efeito, e como é acertadamente referido pelas AA., outro entendimento redundaria necessariamente na denegação do direito que lhes assiste de impugnarem contenciosamente o ato em apreço.
Quanto à questão da cumulação ilegal de pedidos, não tem o R. igualmente razão.
Antes de mais recorde-se que a apreciação que aqui cabe fazer tem apenas por objeto a eventual existência de questões prévias e não o conhecimento de fundo do pedido na presente ação.
Assim, por um lado, e ao contrário do que pretende o R., os atos quando praticados no âmbito da discricionariedade administrativa não são inimpugnáveis, podendo ser fiscalizados contenciosamente. Por outro lado, atendendo a que da fundamentação do ato impugnado resulta o entendimento por parte da AT de que o IS foi indevidamente cobrado – no que resulta uma sua autovinculação -, apenas obstando à pretensão de restituição do imposto a questão da alegada ilegitimidade da respetiva Requerente, assim como a recusa do R. em aceitar o pedido de intervenção do B........ no procedimento, o pedido de condenação à prática de ato revela-se lícito e pertinente, devendo neste contexto ser apreciado de fundo.
Assim sendo, e em face do exposto, improcedem as questões prévias invocadas pelo R.”.

3.2. Do julgamento de facto na sentença recorrida
Na sentença recorrida os factos e a motivação do julgamento sobre eles realizada ficaram exarados em 1ª instância nos termos que infra reproduzimos:
«A) A 1ª recorrente é uma sociedade comercial anónima que celebrou com a 2ª um contrato de compra e venda de diversos prédios urbanos pelo valor de €200.000.000,00, acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado, por efeito da renúncia á isenção deste imposto nos termos do disposto no n°30°, do artº9° do CIVA, seguida de locação financeira dos mesmos á 1ª outorgante. - cfr escritura de compra e venda de fls 22 a 32, e "Certificado de Renúncia à Isenção do IVA na Transmissão de Bem Imóvel" de fls 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41,do PA apenso aos autos.

B) Na operação referida em A) supra, foi liquidado pela respectiva notária responsável pela escritura, o Imposto de Selo, no montante de €1.920.000,00, o qual incidiu sobre o valor total dos bens vendidos acrescido do IVA suportado na aquisição daqueles imóveis, no montante de € 240.000.000,00, o qual foi pago em 20.01.2009 e emitida factura/recibo em 31.12.2008 a favor da sociedade "Teixeira ................, S.A.". - cfr "Escritura de compra e venda" de fls 22 e segs , " Factura/ Recibo de fls 42 e v. e "Certidão" emitida pelo Cartório Notarial de Fátima ................, de fls 43 a 45, do P.A. apenso.

C) Em 15.11.2010 a 1° recorrente apresentou um pedido de restituição de Imposto de Selo ao abrigo do disposto no art°50° do C.I.Selo, no qual invocava que tendo suportado aquele imposto de selo teria legitimidade para solicitar aquele processamento de reembolso do imposto por a operação se encontrar isenta de imposto em razão da sujeição da mesma a imposto sobre o valor acrescentado. -cfr requerimento de fls 1 e segs do P.A. apenso.

D) O pedido referido supra determinou a elaboração de um pedido de elementos ao peticionante, relativos ao contrato de locação celebrado com a 2ª recorrente, assim como dos comprovativos contabilísticos da venda dos imóveis e respectiva liquidação de IVA e do pagamento de I. Selo, os quais foram juntas àquele procedimento, tendo alegado que não procedeu ao débito de tais verbas ao adquirente dos bens dados em locação em razão de responder contratualmente por todos os tributos em divida sobre os imóveis locados, -cfr resposta de fls 65 e 66, e doc. n°1, de fls 67 a 79 e "extractos contabilísticos" de fls 80 a 104 e de fls 105 e 106, do P.A. apenso.

E) A entidade requerida elaborou um projecto de indeferimento da pretensão deduzida, ainda que considere a existência de uma situação de imposto indevidamente cobrado conforme informação prestada pela Direcção de Serviços do I.M.T.I.S.I.U.C. e Contrib. Especiais, por falta de legitimidade do requerente para o efeito, em razão de o requerente não ser sujeito passivo do imposto, nem quem suporta legalmente aquele encargo, pelo que não seria titular de qualquer interesse legalmente protegido para o efeito, tendo o requerente apresentado uma declaração subscrita pelo "Banco ..............., S.A." de ratificação de todo o processado pela requerente.- cfr Despacho de 21.11.2012 do substituto legal do D.G dos Impostos, aposto sobre anterior despacho da Subdirectora Geral de 15.11.12 de concordância com Parecer e Informação da D.S.IM.T.I.I.S.IU.C. e Contrib. Especiais, de fls 109 a 114; Despacho de 03.01.13 da D.S.C.J.C., aposto sobre Parecer e Informação, de fls 115 a 124; e Despacho de 12.02.2013 da D.S.I.M.T. aposto sobre parecer e informação, de fls 126 a 129, e requerimento de fls.133 a 136, do P.A. apenso.

F) Após parecer elaborado pela D.S.C.J.C, da D.G.I., foi elaborado despacho de 11.10.2013, do D.G Impostos, de concordância com anterior Parecer e Informação elaborada pelos serviços, no sentido de indeferimento do requerido por falta de legitimidade do requerente e por invalidade da ratificação operada por inexistência de representação em nome do "B........, S.A.".- cfr despacho de 20.09.2013 aposto sobre Parecer e Informação, de fls 149 a 160; e Despacho aposto sobre Parecer e Informação, de fls 162 a 164 v., do P.A. apenso.»

3.3. Ficou ainda consignado na sentença recorrida que «Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da acção, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita» e que «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».

IV – Fundamentação de direito
Resulta já do ponto I deste acórdão, que o recurso cuja apreciação nos vem requerida tem por objecto o julgamento das excepções realizado no despacho saneador e o julgamento de mérito da pretensão aduzida pelas Autoras.
Considerando que o recurso relativo ao primeiro dos julgamentos realizados tem por objecto decisões relativas a pressupostos processuais e que da sua eventual procedência poderá resultar prejudicada, na totalidade ou parcialmente, a apreciação do julgamento de mérito, será, naturalmente, por aquele primeiro que iniciaremos a nossa apreciação.

4.1. A ordem pela qual entendemos que devem ser apreciadas as questões colocadas e a forma como a expressámos revela já que é negativa a resposta que damos à questão prévia suscitada pela Autoras nas suas contra alegações (cujo conhecimento é prioritário face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 13.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativo): é este Tribunal Central Administrativo Sul incompetente para conhecer do objecto do recurso por as questões nele suscitadas se esgotarem na apreciação e decisão de questões de direito?
Senão, vejamos.
Como vem alegado pelas Recorridas, a competência do Supremo Tribunal Administrativo está legalmente dependente em recurso jurisdicional de apenas estarem suscitadas questões (e soluções) de direito. Esta asserção resulta clara da repartição de competências estabelecida nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.
O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 280º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque como suporte da sua pretensão factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. E que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito se nas respectivas conclusões se discutir a questão factual, entendendo-se esta como qualquer tipo de divergência em relação ao julgamento de facto (insuficiência, excesso ou erro do julgamento) ou à forma como foram interpretados ou valorados os factos alegados ou provados.
No caso dos autos é evidente que existe controvérsia quanto à matéria de facto apurada, especialmente quanto à sua suficiência e quanto à valoração da prova, como nos é revelado pelo teor das conclusões do recurso jurisdicional, constituindo, aliás, essa controvérsia no plano dos factos, o alegado erro de julgamento sobre a matéria de facto, uma das questões suscitadas em recurso e que este Tribunal Central entendeu ser merecedora de apreciação e decisão.
Note-se, aliás, que o próprio juízo expendido pelas Recorridas para fundar a alegada incompetência confirma este nosso julgamento, uma vez que, para chegar à conclusão de que este Tribunal Central é incompetente, as Recorrentes partem, antes de mais, do entendimento de que devem ser desconsiderados todo um conjunto de factos e de argumentos de facto, matéria, alegação que, como está bem de ver, pela sua natureza, também apenas a este Tribunal Central cumprirá decidir.
Em suma, sendo a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo a hierarquicamente competente para apreciar o recurso jurisdicional nas situações em que neste se suscitam questões de facto e existindo questões de facto a decidir no recuso que nos foi apresentado, é imperioso concluir pela nossa competência para apreciar do seu mérito.

4.2. Do recurso do julgamento realizado no despacho saneador

Começamos por recordar que o juízo de censura dirigido à decisão proferida no despacho saneador envolve duas questões. A primeira conexionada com a apresentação em juízo pelas Recorridas em coligação, defendendo a Recorrente/ Administração Tributária que a 2ª Autora nem é parte na relação material controvertida nem é titular de um interesse directo e pessoal. A segunda relacionada com os pedidos formulados que, no entender da Recorrente, são insusceptíveis de serem cumulados porque o que foi formulado em segundo lugar – condenação na restituição do valor correspondente ao imposto de selo pago – não ser passível de ser apreciado pelo Tribunal por a prática desse acto envolver juízos de discricionariedade técnica e de mérito dessa pretensão sobre os quais a Administração Tributária nunca se pronunciou.
Uma vez que não obstante ter qualificado juridicamente as excepções como ilegal coligação de autores e ilegal cumulação de pedidos parece resultar das alegações vertidas na contestação, na resposta das Autoras e nas alegações e contra-alegações de recurso alguma confusão entre os conceitos de legitimidade procedimental e processual, litisconsórcio e coligação, urge, antes de mais, efectuar o enquadramento jurídico por referência ao qual, e tendo em atenção a factualidade apurada, se decidirá.
Nesse sentido, começamos por salientar que a regra do ponto de vista das partes presentes em juízo é a da dualidade, isto é, normalmente são duas as partes que “se defrontam” nas acções, “integrando com o juiz a relação processual”.(1) E que, embora seja comum a formulação de mais do que um pedido, casos há em que essa singularidade da parte (activa ou passiva) é substituída por uma pluralidade (activa ou passiva) com a formulação de um ou mais pedidos.
Para o que nos importa, atento o suscitado no recurso, é a pluralidade activa e a cumulação de pedidos na medida em que vem questionado o reconhecimento de legalidade efectuado pelo Tribunal a quo quer quanto às Autoras se apresentarem conjuntamente em juízo quer quanto à cumulação de pedidos por si formulados.
Como nos ensina a doutrina, no que respeita à natureza da cumulação subjectiva há que distinguir o litisconsórcio e a coligação, sendo que estamos perante a primeira das figuras jurídicas se estamos perante uma relação material que respeita a ambos os sujeitos que se apresentam conjuntamente em juízo (unicidade da relação material); estamos perante a segunda se os pedidos formulados procedem de relações materiais distintas (pluralidade de relações materiais), sendo nesta última situação a coligação legalmente admissível por força da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os seus fundamentos.
Acresce ainda com relevo para a questão da legalidade da decisão recorrida o facto de, como é sabido, o litisconsórcio poder ser voluntário -, isto é, as partes apresentam-se conjuntamente em juízo por iniciativa ou vontade própria - ou necessário, situação em que essa apresentação é imposta por lei, por estipulação dos interessados ou da natureza da relação jurídica.
Diga-se, desde já, que no caso concreto, tendo em conta os peculiares enquadramentos procedimental e da presente acção – nos termos em que surge evidenciado, sucessivamente, no procedimento e nos articulados das partes – não se nos afigura simples identificar se estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário se perante uma efectiva coligação de autores, sendo notório na posição assumida pela Recorrente, designadamente do teor da argumentação expendida, que ora se reporta a uma ora a outra das figuras jurídicas em confronto, o que não é de todo despiciente se pensarmos na particular relação que uma ou outras daquelas figuras tem com o pressuposto de legitimidade.
Seja como for, certo é que nos artigos 4.º, 9.º, 12.º, 46.º, 47.º e 55.º do CPTA(2) o legislador estabeleceu regras próprias em termos de cumulação de pedidos, de legitimidade e de coligação de autores nas acções administrativas especiais e que o legislador processual civil, para além de nos facultar a regra que rege a formulação de pedidos subsidiários, proveu à consagração de um poderoso critério auxiliador da decisão de que o interprete-aplicador do direito deve lançar mão se os demais critérios normativos não forem suficientes para decidir conscienciosamente ou se subsistirem dúvidas quanto a quem é efectivamente parte na relação material controvertida (artigos 469.º e 31-B, ambos do Código de processo Civil(3), aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA).
Para o que ora releva, estava definido naqueles preceitos (transcrição que fazemos aqui por ordem sistemática e partindo do regime especial para o regime geral), que:
- “É permitida a cumulação de pedidos sempre que:
a) A causa de pedir seja a mesma e única ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material;
b) Sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
2 - É, designadamente, possível cumular:
a) O pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo com o pedido de condenação da Administração ao restabelecimento da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado(artigo 4.º);

- 1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.” (artigo 9.º);

- “1 - Seguem a forma da acção administrativa especial, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo.
2 - Nos processos referidos no número anterior podem ser formulados os seguintes pedidos principais:
a) Anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica;
b) Condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido;(artigo 46.º);

- “1 - Com qualquer dos pedidos principais enunciados no n.º 2 do artigo anterior podem ser cumulados outros que com aqueles apresentem uma relação material de conexão, segundo o disposto no artigo 4.º e, designadamente, o pedido de condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da actuação ou omissão administrativa ilegal.
2 - O pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência de um acto administrativo pode ser nomeadamente cumulado com:
a) O pedido de condenação à prática do acto administrativo devido, em substituição, total ou parcial, do acto praticado (artigo 47.º);

-“ 1 - Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo:
a) Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (artigo 55.º);
- “1 - Podem coligar-se vários autores contra um ou vários demandados e pode um autor dirigir a ação conjuntamente contra vários demandados, por pedidos diferentes, quando:
a) A causa de pedir seja a mesma e única ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material;
b) Sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
2 - Nos processos impugnatórios, é possível a coligação de diferentes autores na impugnação, seja de um único, seja de vários atos jurídicos, desde que se preencha qualquer dos pressupostos estabelecidos no número anterior. (artigo 12.º);

- “Pluralidade subjectiva subsidiária
É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.” (artigo 31-B do CPC);
- “1 - Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
2 - A oposição entre os pedidos não impede que sejam deduzidos nos termos do número anterior; mas obstam a isso as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus.” (artigo 469.º do CPC).
Exposto o quadro doutrinário e legal conformador das questões colocadas e relativo às excepções invocadas, vejamos os factos tal como estes foram invocados na petição inicial:
- O procedimento foi iniciado no ano de 2010 apenas pela primeira Autora, aí tendo alegado, em súmula, que procedeu ao pagamento de uma quantia a título de imposto de selo no âmbito de um negócio jurídico e que esse pagamento não era legalmente devido pelo que pedia a sua restituição ao abrigo do preceituado no artigo 50.º do Imposto de Selo então em vigor;
- Que a Administração Tributária - após ter solicitado diversa documentação e de igualmente ter sido junto comprovativo de pagamento do mencionado imposto por aquela concreta Requerente – entendeu, no ano de 2013, face ao que vinha invocado no procedimento pela mesma Autora, aos documentos juntos no procedimento e ao direito que invocou como pertinente, que quem possuía legitimidade para peticionar a restituição era a 2ª Autora;
- Que a 2ª Autora veio ao procedimento “ratificar” e “acompanhar” o pedido formulado pela 1ª Autora, o que foi rejeitado pela Administração;
- Que o pedido de restituição formulado primeiro pela 1ª Autora, mesmo após a intervenção da 2ª Autora, foi indeferido com fundamento na ilegitimidade daquela primeira - única a quem foi reconhecido o papel de requerente no procedimento - para requerer tal restituição, sendo que ambas se não conformam com nenhuma das vertentes desta decisão.
Em suma, se bem compreendemos o relato que nos é feito na petição inicial quanto à cadeia de actos que o nosso processo administrativo integra - nesta parte acompanhada na contestação da Recorrente e suportada nos documentos daquele constantes) e que apresentam como justificador da presença de ambas na presente acção, as Recorridas não se conformaram com a decisão da Administração Tributária relativamente à ilegitimidade substantiva da 1ª Autora para pedir a restituição, com a imputação dessa legitimidade substantiva à 2ª Autora e a responsabilização desta pelo eventual reembolso à 1ª Autora do indevidamente pago, bem como com o facto de aquela 2ª Autora não ter sido aceite no procedimento para obter o mesmo efeito.
Resulta, assim, do relato vertido na petição inicial, que ambas as Autoras alegam serem partes na mesma relação material controvertida e que ambas formularam os mesmos pedidos de anulação do acto e condenação à prática do acto devido traduzido na restituição do indevidamente pago.
A título principal, invocando a ilegalidade do despacho de indeferimento por o imposto de selo na situação concreta não ser devido, como reconhecido pela Administração Tributária, e ter sido a 1ª Autora quem efectivamente o pagou, questionando a interpretação que a Administração Tributária faz dos contratos celebrados entre aquela e a 2ª Autora.
A título subsidiário, para a hipótese de àquela 1ª Autora não ser reconhecida legitimidade substantiva para formular e obter tal restituição, invocando o mesmo contexto factual antes enunciado (fundante do pedido principal) e sustentando, ainda, a sua pretensão no entendimento sempre adiantado pela Administração ao longo de todo o procedimento de que só a 2ª Autora é que detinha efectivamente legitimidade substantiva, que era parte na relação material controvertida e que possuía direito a essa restituição já que era quem, por força da lei e por força do negócio entre ambas celebrado, devia ter procedido a esse pagamento.
E, assim sendo, é manifesto que ambas possuem legitimidade processual para se apresentarem em juízo (artigo 9.º e 55.º do CPTA), que podem faze-lo conjuntamente (artigos 12.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA) e que podem deduzir cumulativamente os pedidos formulados nos termos em que o fizeram (artigos 4.º, n.º 1, 46.º, n.º 1 als. a) e b), 47.º , n.ºs 1 e 2 al. a) do CPTA e 469.º do CPC).
Aliás, tivéssemos dúvidas, e não temos, seria sempre de reconhecer às Recorridas legitimidade processual (e consequente, legais a coligação de Autoras e a cumulação de pedidos) por força do critério consagrado no artigo 31-B do CPC, a que supra fizemos já referência, que aponta o caminho que o intérprete aplicador do direito deve seguir se subsistirem dúvidas quanto à identidade das partes na relação material controvertida: admitir ou reconhecer aquela legitimidade processual e a cumulação, ainda que subsidiária, dos pedidos formulados.
Diga-se, de resto, que embora sem consagração expressa no ordenamento processual privativo da jurisdição administrativa e fiscal, o critério consagrado no CPC, aplicável subsidiariamente, é tradutor de uma exigência hoje vista como inultrapassável, qual seja, a de que na apreciação da verificação dos pressupostos processuais o julgador tenha sempre presente que o que é verdadeiramente importante é, no mínimo, que estejam nos autos as pessoas realmente interessadas na resolução do litígio e que o processo culmine na prolação de uma decisão final que o aprecie de fundo, permitindo-se, em suma, que todos os interessados acedam ao direito e aos tribunais e sejam efectivamente tuteladas as suas pretensões, como constitucionalmente determinado (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
Saliente-se, de resto, que esta relação entre a vertente processual e a vertente substantiva do processo e a inter-relação que entre ambas existe e o sentido em que deve ser configurada na apreciação e decisão dos litígios vem sendo já expressamente assumida em vários arestos dos nossos Tribunais Superiores, como se denota no acórdão cujo sumário, pela sua clareza, se transcreve: “A matriz da recorribilidade contenciosa dos actos administrativos, na perspectiva da sua lesividade e da legitimidade para os impugnar, radica, antes de tudo, na Constituição da República, no art.º 268, n.º 4, quando afirma ser garantido "aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem ...". No âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalista, "pro actione" e "in dubio pro favoritatae instantiae" impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva. Os titulares de interesses legalmente protegidos, por força do disposto no art.º 268, n.º 4, da CRP têm o direito de impugnar contenciosamente os actos administrativos da Administração que afectem esses interesses.”.(4)
Improcede, pois, integralmente, com a presente fundamentação, o recurso jurisdicional interposto do julgamento das excepções realizado no despacho saneador.

4.3. Do recurso do julgamento realizado na sentença

No que respeita ao julgamento da sentença o inconformismo da Recorrente radica em dois fundamentos nucleares: erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito.

4.3.1. No que respeita ao primeiro – erro de julgamento sobre a matéria de facto -, a sua discordância, em resumo nosso, traduz-se no seguinte: tendo o Tribunal a quo enunciado como questões a decidir as de saber se a 1ª Autora possui legitimidade procedimental para solicitar a restituição do imposto e se essa restituição é devida, então não se podia ter limitado a seleccionar como provados os factos vertido nas alíneas A) a F) do probatório, por existirem outros com manifesta relevância para uma decisão conscienciosa e que igualmente se mostram provados por documentos juntos aos autos.

Considerando que nas suas conclusões P), Q) e R) e FF) e GG) a Recorrente enunciou devidamente os factos cujo aditamento requer e identificou com precisão as provas em que a declaração como provado desses factos se deve fundar, não cremos que existam dúvidas quanto a ter cumprido com rigor o ónus de impugnação que se encontram imperativamente consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Resta-nos, pois, agora, apreciar se lhe assiste razão, adiantando-se, desde já, que podemos autonomizar dois grupos de factos tendo por referência as distintas questões que são convocadas e para cuja resolução são reputados como pertinentes: os factos vertidos na conclusão Q) a e os factos que integram a conclusão GG) das alegações de recurso.

Quanto aos primeiros – factualidade vertida na alínea Q) -, é evidente que não lhe assiste razão. Não porque esses factos não sejam pertinentes mas, sim, pela singela razão de que foi exactamente por Tribunal a quo ter entendido que eram pertinentes que os integrou no probatório.
Na verdade, pese embora a forma extremamente sintética ou, em bom rigor, compacta como os factos estão redigidos, não subsiste dúvida alguma que nas alíneas A) e D) do ponto III supra estão já integrados e dados como provados, ainda que parcialmente por remissão expressa para os documentos que os suportam, os factos ora peticionados, isto é, que:
- consta da escritura de compra e venda, realizada em 31/12/2008 que o segundo outorgante, na qualidade de promitente comprador, isto é, o 2°A., B........, aceitou a venda e declarou que os prédios vão ser dados em locação financeira à sociedade "Teixeira ................, SA";
- o segundo outorgante assumiu a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas, encargos, responsabilidades, impostos ou taxas, designadamente derivados de adicionais ao Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de imóveis (IMT), com origem em factos verificados até à presente data, ainda que só posteriormente à mesma, venham a ser apresentadas ou reclamados para pagamento,
- do contrato de locação financeira celebrado entre as então A.A. em 31/12/2008, consta que serão por conta do Locatário todos os impostos - sejam correctivos, retroactivos ou extraordinários - encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas, extraordinárias, ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou locação financeira e que se qualquer destas despesas for paga directamente pelo locador, o Locatário deverá reembolsar o Locador no prazo previsto nos avisos por este emitidos;
- a 16/03/12, a 1ª Autora, em resposta ao pedido da Administração Tributária para que apresentasse os elementos constantes do ofício n°................, de 07/03/12, juntou ao procedimento cópia do contrato de locação financeira, comprovativos, extractos contabilísticos da alienação dos imóveis e informou que neles não existem movimentos relacionados com a liquidação de IVA, por na operação de transmissão ter sido aplicado o regime de inversão do sujeito passivo, nos termos dos n°s 5 e 6 do art. 12° do CIVA e n°2 do art.6° do DL 21/2007 de 29/01 e ainda que diversas despesas, designadamente o imposto de selo de €1.920.000,00 não foram debitadas ao adquirente dos bens, na medida em que, nos termos da Condição Particular 3.6 do Contrato de Locação Financeira, as despesas de escritura, registos e solicitador serão pagas nos respectivos actos pelo locatário e considerando igualmente os n°s 2 e 4 do artigo 4° das Condições Gerais.
Aliás, para assim concluirmos, basta atentar que o conjunto de factos que ficaram aglomerados em cada uma dessas alíneas se suportaram também (para além de noutros), nos documentos indicados pela ora Recorrente para dar como provados os referidos factos, ou seja, nos documentos constantes de fls. 22 a 30 (escritura pública de compra e venda dos imóveis) de fls. 67 a 79 (contrato de locação financeira) e de fls. 65 e 66 (resposta ao pedido de elementos solicitados pela Administração Fiscal), todos constantes do procedimento administrativo apenso e que, como os demais nele incluídos, quase todos invocados na factualidade apurada, serão relevados na sua integralidade.

No que concerne aos factos enunciados na alínea GG) a situação é exactamente a mesma, para além de que, a redacção proposta, assumindo na maior parte dos “factos provados propostos” uma natureza conclusiva, sempre impossibilitaria este Tribunal de recurso de efectuar a sua transposição para o probatório nos termos solicitados.

Não é, porém, insista-se, esta última razão indicada a que de forma fundamental nos conduz à declaração de improcedência da impugnação, antes aquela primeira, já que, como se vê do teor das alíneas integradas no probartório a factualidade ora invocada já lá se encontra acolhida.
Efectivamente, pretende a Recorrente que este Tribunal dê como provado que da informação n°1728/12, de 23/04/12, da DSIMTISIUC e CE, consta, designadamente, que "poderá ser legítima, à luz do condicionalismo ínsito no art.50°, a pretensão da requerente"; que após ter sido solicitado parecer sobre a questão da legitimidade da T........ para formular esse pedido, é elaborada nova informação na qual é apenas proposto o indeferimento do pedido de restituição por falta de legitimidade da T........ para formular o pedido; que após o exercício do direito de audição prévia por parte da T........ são elaboradas duas informações pela DSIMT, na primeira, apenas é referido, na descrição que é feita da tramitação do processo administrativo que na informação anterior n°56/2003 até se considerou que a situação era susceptível de beneficiar do procedimento de restituição, no entanto, considerou -se que a T........ carecia de legitimidade no procedimento, na segunda e, após ter sido solicitado novo parecer à DSCJC sobre um documento, uma declaração assinada por Administrador Executivo e o Vice Presidente da Comissão Executiva do B........, declarando ratificar todo o anteriormente processado pela T........ junto da AT, só na descrição dos factos é novamente feita referência a tal circunstância, no entanto acaba por ser proposto o indeferimento do pedido e que os certificados de renúncia à isenção do IVA na Transmissão de bem imóvel que constam dos autos foram passados a favor da T........ e dos mesmos consta que: "O presente certificado destina-se a justificar a opção pela tributação em IVA no momento da celebração do contrato, mas não produzirá efeitos se, no exercício dos seus poderes de controlo, a Direcção -geral dos Impostos apurar que não se verificaram os pressupostos legais para a renúncia à isenção.”.
Ora tais factos, tal como vimos que sucedia no anterior grupo de factos, constam já do probatório, mais concretamente, e respectivamente, das alíneas E, F) e A), como nos é revelado pela remissão que nessas alíneas é realizada para os documentos constantes no processo administrativo apenso.
Em suma, os factos cujo aditamento vem solicitado enquanto tal (“factos”) resultam provados pelos documentos invocados pelo Tribunal a quo e pela Recorrente e estão já integrados no probatório, constituindo, no mais, ou seja, as ilações e conclusões de facto e de direito deles a retirar um juízo que extravasa o erro de julgamento de facto e resvala claramente para a questão do erro de julgamento de direito que, de seguida, porque igualmente suscitado, se apreciará.
Improcede, pois, também nesta parte, com os fundamentos expostos, o recurso jurisdicional interposto.

4.3.2. Enfrentemos, agora, a última questão posta em recurso: errou o Tribunal a quo quando reconheceu que a 1ª Autora possui legitimidade substantiva para peticionar a restituição do imposto, por ser a 2ª Autora, adquirente dos imóveis, quem devia ter procedido ao seu pagamento e quando condenou a Entidade Demandada a restituir às Autoras o valor pago a título de imposto de selo uma vez que a Administração Tributária nunca decidiu pela verificação dos pressupostos cujo preenchimento se impõe para que essa restituição seja determinada?

Este Tribunal Central entende ser sua obrigação salientar de novo, agora no plano substantivo, a especial particularidade da actuação da Administração Tributária quer no procedimento administrativo quer já em sede judicial. Fá-lo, sempre com o devido respeito, por a leitura atenta e sucessiva de todas as peças processuais integradas no procedimento lhe terem criado, julga-se que fundadamente, a mesma convicção que de forma genuína se formou no Tribunal a quo (quer naquele que elaborou o despacho saneador, quer no que decidiu do mérito dos autos), qual seja, a de que a única questão que cumpriria decidir era a da legitimidade substantiva da 1ª Autora para solicitar o reembolso do imposto que liquidara a título de imposto de selo por ocasião da celebração de um contrato de compra e venda de imóveis à 2ª Autora ou se era esta última que o devia solicitar, sendo que, nesta última situação, cumpriria então apreciar se tinha sido regular ou irregular a sua intervenção no procedimento e, tendo-o sido, se devia ser a Recorrente condenada nessa restituição.

Em suma, lido e relido o processo administrativo, não se nos afigurava existirem dúvidas quanto a não ser devido o imposto pago a título de imposto de selo e que essa restituição, a ser possível de ser solicitada, tinha sido realizado pelo modo e no tempo próprios, reconduzindo-se a questão de fundo tão só a saber quem podia pedir a sua restituição.

Aliás, olvidando, para já, o que constituiu a posição da Recorrente no procedimento, na contestação oferecida nos autos não podia a Administração ter sido mais esclarecedora nesse sentido. “Quanto à matéria de direito, temos que concordar com as A.A. quando referem que nos presentes autos se discute, exclusivamente, a questão de direito consubstanciada na questão da legitimidade para a apresentação do pedido de restituição de imposto do selo, previsto no revogado art. 50.º do CIS(artigo 41.º da contestação) salientando, inclusive, que não é uma questão meramente formal a que estamos a enfrentar já que o que “está em causa é uma questão substantiva de legitimidade, a qual se encontra prevista na lei e não pode ser afastada pelo aplicador da lei, seja esta AT ou os Tribunais.(artigo 58.º da mesma peça processual).

Todavia, pese embora o conjunto de actos praticados no procedimento e sobretudo o teor dos actos praticados – vamos aqui, por irrelevante, pelo menos para já, excluir as questões de oportunidade ou de tempo de prática desses actos – este Tribunal de recurso é agora confrontado com dois tipos de questões que iremos apreciar e decidir.

A primeira prende-se com a legitimidade substantiva da 1ª Autora para peticionar o pedido de restituição.

Para a Recorrente – que neste particular é muito coerente já que assume desde o início a mesma posição – essa ilegitimidade é evidente por a 1ª Autora não ter interesse no pedido que formula, o qual é postulado pelo artigo 50.º do Código de Imposto de Selo.

Efectivamente, diz a Recorrente, não obstante o legislador ter reconhecido, no n.º 2 do artigo 50.º do Código de Imposto de Selo, legitimidade para a dedução do pedido de imposto de selo aos interessados, não significa que tenha querido atribuir legitimidade ao titular de todo e qualquer interesse, mas que apenas o quis atribuir ao titular de um interesse legalmente protegido.

Ora, continua, resultando do artigo 2°, n°1, al. a) do CIS, que o sujeito passivo do imposto de selo que procedeu a sua liquidação e arrecadação foi o Cartório Notarial de Fátima ................ e que nos termos do art.3° n°3, al. a) do mesmo Código, quem devia ter suportado legalmente o encargo do imposto era o adquirente dos bens que integram o conjunto imobiliário em causa, deve concluir-se que a 1ª Autora não é sujeito de imposto nem a entidade que legalmente, através do mecanismo da repercussão, deve suportar o encargo do mesmo.

E, sendo assim, conclui desde logo, não tem a 1ª Autora legitimidade para pedir a restituição do imposto nos termos do art.50° do CIS.

Acresce que, continua, resultando do contrato de compra e venda que o representante do B........ declara expressamente que assume a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas, encargos, responsabilidades, imposto ou taxas, designadamente IMT, com origem em factos verificados à data do contrato, ainda que só posteriormente venham a ser apresentados para pagamento, o Tribunal a quo deveria ter considerado como irrelevante o facto de poder ter sido a 1ª Autora quem de facto suportou o encargo do imposto de selo, atendendo a que tal repercussão de facto, como a própria esclareceu, decorreu unicamente não do contrato de compra e venda de bens imóveis, mas sim, do contrato de locação financeira celebrado com o então A., B.........

Em suma, para a Recorrente, estando em causa o imposto do selo devido pela aquisição dos bens imóveis, sendo o obrigado tributário o adquirente dos imóveis (2ª Autora) e ineficazes em relação a si quaisquer acordos entre alienante e adquirente em matéria de pagamento de impostos ou quaisquer custos decorrentes dos negócios celebrados, devia o Meritíssimo Juiz ter ignorado que a 1ª Autora pagara o imposto não legalmente devido e ter concluído que esta não era interessada para efeito de pedir a sua restituição.

Este Tribunal Central Administrativo Sul deixa bem claro que não pode, de forma alguma, subscrever a posição assumida no procedimento e em juízo, incluindo em recurso, pela Recorrente.

Não pode, desde logo, porque o conceito de interessado que a Recorrente entendeu perfilhar no procedimento e nesta acção é inadmissivelmente redutor e carece de qualquer fundamento legal, sendo, aliás, por bem o saber, que a Recorrente nunca defende expressamente que o Tribunal a quo e este Tribunal de recurso também deviam ter considerado irrelevante dois outros factores: que o imposto não é devido, como assumiu expressamente no procedimento (ainda que na contestação venha impugnar esse facto por referência ao que vinha alegado no artigo 31.º da petição inicial) e claramente resulta da lei (como adiante melhor explicitaremos) e que quem pagou esse imposto efectivamente não devido – imposto de selo devido pela escritura de compra e venda de imóveis e não emergente do contrato de leasing posteriormente celebrado - foi a 1ª Autora, o que, se bem vemos, é mais que razão suficiente para que este Tribunal lhe reconheça a qualidade de interessado, isto é, que a considere titular de um interesse legítimo e que está, enquanto essa restituição não for efectivada lesada nos seus direitos, sendo mesmo, neste estrito contexto em que agora apreciamos a questão – a única pessoa verdadeiramente interessada ou, pelo menos, a mais interessada em peticionar em formular o pedido e ver-lhe reconhecido o direito a essa restituição.

Interessado, para efeitos do preceituado no artigo 50.º do Código de Imposto de Selo, não é, insiste-se, contrariamente ao que pretende fazer convencer-nos a Recorrente, aquele que é o sujeito do imposto – no caso, a Senhora Notária que o arrecadou e entregou aos cofres do Estado – nem quem, face ao que se mostra estipulado na lei, o devia ter suportado, mas, sim, quem efectivamente, mal, o pagou e, mal, se viu privado no valor monetário correspondente, isto é, quem directa e pessoalmente está lesado por esse pagamento indevido.

Aliás, se assim fosse, poderíamos cair no absurdo de a Administração Tributária, colocada perante um pedido de restituição de imposto formulado por um sujeito passivo ou obrigado tributário que não procedeu a qualquer pagamento, mas que toma conhecimento que um terceiro o pagou por si (erro ou acordo contratual é indiferente) se ver obrigada a oferecer-lhe essa quantia, quando é evidente que, não tendo reembolsado qualquer valor, não lhe pode ser reconhecida qualquer legitimidade substantiva, o direito, de pedir tal “restituição/oferenda”.

É, pois, para nós, insiste-se, evidente que se há um interessado no procedimento e na restituição nas situações em que existe um pagamento legalmente indevido esse interessado é e só pode ser aquele que pagou mal e não que a lei qualifica de sujeito passivo de imposto ou quem a lei determina que devia ter pago.

Improcede, sem mais, o recurso interposto nesta parte.

Quanto ao julgado na parte em que ordenou a restituição, do que vimos afirmando resulta já que também não acompanhamos a Recorrente quando afirma que não apreciou da verificação dos pressupostos de que está dependente o deferimento do pedido nem quando afirma que esse acto, por envolver envolve juízos de discricionariedade técnica, não pode ser avançado nem sindicado pelo Tribunal.

Relativamente à afirmação primeiramente avançada – que a Administração Tributária apreciou (sucessivamente apreciou) da verificação desses pressupostos nos cerca de 3 anos que levou a tomar a decisão administrativa, resulta claramente das várias informações e despachos sancionatórios sobre elas proferidos que, pela sua multiplicidade nos contemos a transcrever, limitando-nos a remeter para os vários documentos constantes do procedimento e para cujo teor somos remetidos pelo probatório fixado no ponto III deste acórdão.

É verdade, não o pretendemos olvidar nem escamotear, que a decisão final foi de que a 1ª Autora não detinha o direito de pedir a restituição, por não ser interessada à luz do artigo 50.º do Código de Imposto de Selo (perceba-se, não ter direito de pedir), mas, repete-se, foi sempre salientado, repetidamente, que os demais pressupostos aí consagrados estavam verificados, tendo, inclusive, por diversas vezes, sido proposto o deferimento do pedido e julgado este verificado no procedimento, como resulta dos documentos dados como reproduzidos nas diversas alíneas do probatório e integrados no processo administrativo apenso.

É, pois, salvo o devido respeito, surpreendente, que a Recorrente tenha alegado que nunca analisou a questão nessa vertente, o que só aceitamos à luz da defesa dos interesses processuais que lhe cumpre defender.

Quanto à questão da alegada discricionariedade técnica também este Tribunal de recurso não acompanha a posição da Recorrente.

Efectivamente, o legislador, no artigo 50.º do Código de Imposto de Selo, consagrou claramente as condições de facto e de direito em que o interessado pode fazer uso da faculdade prevista no artigo 50.º do CIS:

“Artigo 50.º

Restituição do imposto

1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o Ministro das Finanças pode ordenar o reembolso do imposto pago nos últimos quatro anos quando o considere indevidamente cobrado.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os interessados apresentam, juntamente com o pedido, os documentos comprovativos da liquidação e pagamento do imposto.

3 - O disposto no n.º 1 só é aplicável se não tiverem sido utilizados, em tempo oportuno, os meios próprios previstos no CPPT.”.

Resulta, a nosso ver, do regime consagrado e ora transcrito, que a restituição do imposto à luz do mecanismo aí previsto está dependente de (i) o imposto cuja restituição é peticionada ser relativo aos últimos 4 anos; (ii) o pedido ser apresentado com documentos comprovativos da liquidação e do pagamento do imposto e (iii) não ter o interessado usado em tempo oportuno os meios próprios previstos no CPPT tendo em vista esse mesmo fim.

Preenchidos os mencionados pressupostos, o Ministro tinha o poder de ordenar essa restituição, poder que, num Estado de Direito, só pode ser entendido como um poder-dever e sujeito a ser sindicado em Tribunal.

Efectivamente, admitir a hipótese de que neste preceito e por este mecanismo se está (estava) a atribuir ao Ministro das Finanças, verificados aqueles pressupostos, o poder discricionário de reconhecer ou não reconhecer o direito à restituição nas situações em que está provado que o imposto foi indevidamente cobrado, é ilegal ou o pagamento ocorreu por manifesto erro, em suma, não é devido, que esse pedido foi formulado dentro do prazo de 4 anos subsequentes ao pagamento e que o interessado não recorreu, pelos meios e no tempo próprios, a outro mecanismo previsto na lei capaz de resolver a situação, seria acolher uma interpretação manifestamente inconstitucional porque violadora dos princípios da igualdade, da legalidade e da justiça estruturantes do Estado de Direito que Portugal é.

Face ao exposto - e considerando ainda que em 1ª instância a questão dos reflexos contabilísticos do pagamento do Imposto de Selo em sede de IRC nunca foram invocados e que, para além disso, extravasam as exigências consagradas no n.º 2 do artigo 50.º do CIS (além de que nunca foram peticionados no procedimento e não deixaram por essa razão de se entender que os pressupostos estavam todos verificados – com excepção da referida qualidade de interessado/titular do direito á restituição) acorda este Tribunal de recurso em julgar igualmente improcedente nesta parte o recurso jurisdicional.

4.4. Da dispensa de remanescente devido a título de taxa de justiça
Não obstante a presente causa, especialmente em recurso, não ter apresentado a simplicidade que seria expectável e pese embora a posição que as partes, especialmente a Recorrente, assumiu, optamos por manter o entendimento firme de que as alegações de recurso e as diversas questões suscitadas correspondem a um comportamento de boa-fé processual e traduzem exclusivamente uma convicta e firme defesa dos interesses que legalmente lhe estão cometidos.
Assim, e considerando o elevado valor da causa e o respeito que nos é exigível pelo princípio constitucional da proporcionalidade entende-se que as partes devem ser dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte que excede os € 275.000,000, o que fazemos nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso jurisdicional,

Custas pela Recorrente, ficando ambas as partes dispensadas do pagamento do remanescente devido no valor que exceda os € 275.000,000.
Registe e notifique.

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Lisboa, 11 de Abril de 2017

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[Anabela Russo]


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[Tânia Meireles da Cunha]



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[Mário Rebelo]




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(1) Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio da Nora, Manuel de Processo Civil”, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 159
(2) Na redacção vigente à data da interposição da acção e a que nos reportaremos salvo expressa referência em contrário.
(3) Na redacção vigente à data de interposição da presente acção.
(4) Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 871/05, integralmente disponível em www.dgsi.pt