Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:598/07.2BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
IRC.
Sumário:I. A falta de impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC, impede que o tribunal de recurso altere essa decisão, a não ser que ocorra erro evidente na avaliação da prova por parte do tribunal recorrido ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi por ele considerado.
II. O princípio da capacidade contributiva não legitima a aplicação das normas de incidência em situações de total ausência de factos tributários, em razão da inactividade da empresa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
1.1. As partes e o objeto do recurso
A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que considerou procedente impugnação judicial intentada por C….., Lda., contra os actos de liquidação de IRC dos exercícios 2003, 2004 e 2005, veio apresentar recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue:
1.ª A douta sentença, proferida nos autos, por se considerar que padece a referida decisão dos vícios de erro de julgamento, na determinação da matéria de facto não provada e respectiva fundamentação, tendo sido igualmente desrespeitado o princípio da descoberta da verdade material, por incorrecta apreciação da prova produzida nos autos. Mais se aduz que a douta decisão enferma do vício de violação de lei, por desrespeitar o disposto nos art.os 74° e 75° da Lei Geral Tributária e, ainda, ofender o princípio da capacidade contributiva, tributação do rendimento real, plasmados nos art’s 4° da LOT e art.º 3°, n° 2 do CIRC e o prinpio da igualdade (art.º 13° da CRP).
2.ª A douta decisão incorreu em apreciação incorrecta da matéria de facto dada como não Provada, porquanto:
a. - As testemunhas inquiridas em audiencia de discussao e julgamento foram unânimes em afirmar que trabalharam na firma ininterruptamente ate ao dia 10.08.2012, que dispunham de maquinaria para trabalhar (maquinaria essa que estava no estaleiro da firma);
b. - Que a firma não lhes tinha ficado a dever qualquer valor, tendo afirmado que auferiam rendimentos na ordem dos 500/600 euros mensais:
c. - O sócio-gerente A….- não exercia qualquer outra actividade, como empresário em nome individual, autónoma ou concorrente da sociedade da qual era socio gerente.
d. - A impugnante nunca enjeitou, de forma clara, o pagamento dos salários aos trabalhadores.
3.ª Ditam as regras da experiencia comum que, considerando a razão de ciência das testemunhas e aquilo que lhes é exigível conhecer, efectuando um juízo de prognose sobre a situação e a posição em concreto dos depoentes, e normal que os trabalhadores falem indistintamente na firma ou no patrão, como sendo um ,
4.ª Não lhes e exigido que saibam distinguir que o patrão e a firma são duas entidades juridicamente distintas, tanto mais que o sócio-gerente da firma e quem representa e exterioriza a vontade da sociedade, uma vez que, enquanto pessoa física agem em nome e por conta da pessoa judica.
5.ª Dos depoimentos atras citados, demonstra-se, à saciedade, que as testemunhas afirmaram que trabalharam na sociedade, aqui impugnante e recorrida, ate Agosto de 2012 e, inclusivamente, foram unanimes em declarar que todos os salarios lhes foram pagos, não tendo ficado credores de qualquer importância.
6.ª Não transpareceu dos depoimentos prestados em audiência que no preenchimento das declarações de IRS, referentes aqueles exercícios, os trabalhadores laborassem em erro. Situação que se nos afigura deveras inverosímil, uma vez que se admite um erro no primeiro ano, cuidando os contribuintes que impendia sobre si a obrigatoriedade de entrega da declaração de rendimentos para efeitos de IRS, sendo que essa dúvida poderia ser esclarecida nos anos seguintes.
7.ª Do depoimento das testemunhas e das circunstâncias concretas dos autos, também não transpareceu que os depoentes não tivessem conhecimentos ou competências suficientes para averiguar da obrigatoriedade de entrega das declarações de IRS, tanto mais que a testemunha J….. foi adjudicatário de uma viatura em tribunal, que tinha sido já pertença da sociedade C…...
8.ª Pelo que deveria ter considerado no probatório o recebimento dos salários, critério da quantificação da matéria tributável operada à sociedade, presumindo-se a existência de proveitos decorrentes da existência de custos com gastos com pessoal.
9.ª Por outro lado, a douta sentença violou, igualmente, o disposto no art.º 75° da LGT, ao considerar que as declarações de rendimentos, para efeitos de IRS, apresentadas pelos trabalhadores identificados no probatório [pontos a) a c)] foram fruto de erro não tendo aderência a realidade dos factos. O art.º 75° da LGT dispõe que "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejzo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. "
10.ª Não se vislumbra, nos presentes autos, qualquer facto, elemento ou circunstancia que possam fazer cessar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes. Efectivamente, o que pode fazer cessar a presunção de veracidade declarativa é o silogismo que assenta no pressuposto errado da não existência de rendimentos pagos aos trabalhadores e com o qual a Fazenda Publica não concorda.
11.ª A sociedade impugnante não cumpria com as obrigações de registo contabilístico.
12.ª Assim, parece que o raciocínio e entendimento defendidos pela Fazenda Publica têm maior acolhimento, considerando os factos evidenciados nos autos: se paga rendimentos, pressupõe-se que tem proveitos e se tem proveitos, tem lucro (se não demonstra os custos) e como tal tem que ser tributado, de acordo com o princípio da capacidade contributiva, revelada através do acréscimo patrimonial - art.º 4° da LGT e art.º 3° n° 2 do CIRC.
13.ª Mais, ao entender-se como na sentença, ora recorrida, considerando o inadimplemento reiterado da impugnante, estar-se-ia a premiar os contribuintes faltosos, designadamente no que toca ao cumprimento das obrigações declarativas e contabilísticas, em detrimento dos contribuintes cumpridores, violando-se o princípio da igualdade.
14.ª A impugnante, ao eximir-se reiteradamente ao cumprimento das suas obrigações fiscais (que justifica com a auncia de meios financeiros para suportar os custos da prestação de serviços do TOC e que poderia ter obviado com a opção pelo regime simplificado de tributação, que a isentava de possuir contabilidade organizada) viola o mais basilar princípio da cooperação com a Administração Tributaria (com consagração constitucional), vendo-se esta na contingência, na ausência de elementos concretos, por motivo exclusivamente imputável ao sujeito passivo, de proceder a avaliação indirecta da matéria tributável.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A Exm.ª Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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1.2. Questões a decidir
¾ Apurar se a sentença padece de erro de julgamento por má avaliação da prova e por erro de direito
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2 - Fundamentação
2.1 De facto
É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
a. Por falta de cumprimento das obrigações tributárias dos exercícios de 2003, 2004 e 2006 foi levada a cabo açcão de inspecção ao sujeito passivo C….., Lda., de âmbito circunscrito a IRC e IVA (cfr. ponto II.2 do relatório de inspecção, a fls. 4 do PAT);
b. De 2002 a 2007 não foram entregues relativas à impugnante as declarações periódicas de IVA, as declarações de rendimentos, e as declarações de informação contabilística (cfr. ponto II.3.2 do relatório de inspecção, a fls. 4 e ss. do PAT);
c. No âmbito da acção de inspecção os inspectores deslocaram -se à morada da sede da sociedade constatando a sua “inexistência” (cfr. ponto II.3.3 do relatório de inspecção , a fls. 4 e ss. do PAT);
d. O sujeito passivo informou a AT estar “impossibilitado de pagar ao Técnico Oficial de Contas os serviços necessários à execução da contabilidade e cumprimento das obrigações declarativas em falta” (cfr. ponto II.3.3 do relatório de inspecção , a fls. 4 e ss. do PAT);
e. Conclui-se da acção de inspecção (cfr. relatório da inspecção a fls. 4 e ss. do PAT):
“Os factos apresentados, Capítulo II, ponto 3.3, atestam que estão reunidas as condições necessárias para que a tributação em IRC e IV A, se possa fazer mediante o recurso a métodos indirectos, de harmonia com o disposto no artigo 52° CIRC, art°84° do CIVA e art° (s) 87° al. b) e 88° n° 1 al. a) da Lei Geral Tributária, uma vez estarmos impossibilitados de determinar por meios directos o rendimento colectável.
Atendendo ao preceituado no art.º 88.º alínea a) do mesmo diploma legal, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável resulta de falta de exibição de escrita, após notificação no termos do n.º 2 do art. 52° do CIRC, (Anexo J).
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
1. IRC
De acordo com o disposto no art. 90.° n.º1 alíneas d) da LGT, por remissão do art. 54.° do CIRC, o apuramento do lucro tributável dos exercícios de 2003, 2004, e 2005 vai ter em conta os seguintes elementos:
1.1. Justificação das quantificações
Exercício de 2003
As quantificações do lucro tributável inerente ao exercício de 2003 terão por base os seguintes pressupostos:
a. Para cálculo dos proveitos omitidos, neste exercício, tomaremos como base os custos com pessoal, calculados com base nos valores das remunerações declaradas para efeitos de IRS, acrescidos dos encargos com a Segurança Social respeitantes a entidade pagadora, ou seja 23,75% no caso dos trabalhadores e 21,5% no tocante a gerentes.


2003
Identificação
NIF
Remunerações
Seg. Social
V…..…..7.728,001.835,40
R…..…..5.156,201.224,60
J…..…..6.720,001.596,00
F…..…..6.624,001.407,60
A…..…..6.624,001.407,60
32.852,207.471,20


Total dos custos com pessoal = 32852,20 + 7 471,20 = 40323,40
b. Para o efeito utilizaremos os rácios de âmbito regional para este sector de actividade, em poder da DGCI, cuja forma de cálculo é a correspondente ao R.18 - Rendimento do Pessoal, demonstrada no oficio 1834 de 97/10/10 da DSEPCPIT.

RI8 = Volume de Negócios.
Custos com pessoal
Trabalharemos com o rácio de 4,12 correspondente à mediana.( Anexo III)
c. O Lucro Tributável proposto é calculado abatendo a Volume de Negócios os custos necessários á formação dos proveitos que dada a natureza da actividade, serviços prestados, corresponde aos custos com o pessoal.

Exercício de 2004
Com base nos mesmos pressupostos as quantificações do lucro tributável deste exercício serão:
a. Neste exercício o gerente A….., não apresentou declaração de rendimentos, para efeitos de IRS, pelo que presumimos uma remuneração igual à do ano anterior
2004
Identificação
NIF
Remunerações
Seg. Social
V…..…..7.728,001.835,40
R…..…..5.460,001.296,75
J…..…..67.182,001.705,73
F…..…..6.600,001.402,50
A…..…..6.624,001.407,60
33.593,007.647,98


Total dos custos com pessoal = 33 594,00 + 7 647,98 = 41241,98
b. Neste exercício o rácio correspondente á mediana é de 4,07. (Anexo IV )
Exercício de 2005
Também neste exercício usaremos os mesmos pressuposto s para a quantificação do lucro tributável deste exercício:
Remunerações declaradas no exercício:
a)

2004
Identificação
NIF
Remunerações
Seg. Social
V…..…..7.456,001.770,80
R…..…..5.446,001.293,43
J…..…..6.958,001.402,50
F…..…..6.600,001.402,50
A…..…..6.600,001.402,50
33.060,007.521,75


Total dos custos com pessoal = 33060,00 + 7521,75 = 40581,75
b. Uma vez não dispormos de rácio para este exercício, usaremos, o rácio 4,07, utilizado no exercício de 2004, uma vez ser o exercício mais próximo que se encontra determinado.
b. Uma vez não dispormos de rácio para este exercício, usaremos, o rácio 4,07, utilizado no exercício de 2004, uma vez ser o exercício mais próximo que se encontra determinado.
Volume de Negócios. = 167 854,86
Lucro tributável = Volume de Negócios. - Custos
Lucro tributável = 167 854,86. - 41 241,98
Lucro tributável proposto = 126 612,88

2005
Rácio 4,07
Custos com pessoal = 40 581,75
V.N. ?
4,07 = Volume de Negócios
40581,75
Volume de Negócios. = 165 167,72
Lucro tributável = Volume de Negócios. - Custos
Lucro tributável = 165 167,72 -40581,75
Lucro tributável proposto = 124585,97

f. Desde 01/01/2005 que a impugnante ficou enquadrada no regime simplificado de tributação por falta do seu exercício de opção pelo regime simplificado (cfr. ponto II.3.2 do Relatório de Inspecção, a fls. 7 e ss. do PAT e informação de cadastro constante de fls. 38 do PAT);
g. A 24/05/2007 foi apresentado pedido de revisão (cfr. documento de fls. 69 do PAT);
h. A 05/07/2007 teve lugar reunião de peritos, conforme acta de fls. 74 e ss. do PAT);
i. A 20/06/2007 foi proferido despacho que fixou a matéria tributável em sede de IRC em 125.809€ para o ano de 2003, 126.612,88€ para o ano de 2004, e, de 124.585,97€ para o ano de 2005, dando-se o mesmo por produzido (cfr. despacho de fls. 70 e ss. do PAT);
j) Foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IRC (cfr. artigo 1.º da contestação, a fls. 27 dos autos):
i. 2003: LA n.º……, no valor de 42.362,82€;
ii. 2004: LA n.º….., no valor de 34.261,79€
iii. 2005: LA n.º….., no valor de 32.467,44€
k. Não foram entregues declarações de remunerações dos exercícios de 2003 a 2010 pela impugnante junto do ISS, IP (cfr. ofícios de fls. 190 e 200 dos autos);
l. Relativamente aos exercícios de 2003 a 2005 V….., R….., J….. e F….. declararam ter recebido rendimentos provenientes da aqui impugnante (cfr. ponto II.3.3 do Relatório de Inspecção e documentos de fls. 136 e ss. dos autos);
m. Relativamente ao exercício de 2003 A….. declarou ter recebido rendimentos provenientes da aqui impugnante (cfr. ponto II.3.3. do Relatório de Inspecção, fls. 11 do PAT);
n. R….. trabalhava recebendo ordens do Sr. C….. (cfr. depoimento da primeira e segunda testemunha);
o. Por vezes J...... recebia pagamento dos donos das obras (cfr. depoimento da primeira e segunda testemunha);
p. A carrinha utilizada à data dos factos para transportar J….. e R….. para as obras, era de J….. (cfr. depoimento da segunda testemunha e documento de fls. 109 dos autos);
q. O prumo utilizado nas obras, à data dos factos, era de J….. (cfr. depoimento da segunda testemunha);
r. Os andaimes com que trabalhavam, à data dos factos, eram da segunda testemunha (cfr. depoimento da segunda testemunha);
s. Em 20/10/2002 foram penhorados e apreendidos no processo de execução ordinária que correu termos com o n.º89/95 os bens identificados a fls. 101 e ss. dos autos, que se dão por aqui reproduzidos para todos os efeitos;
t. J..... e R..... trabalharam para a sociedade aqui mpugnante cerca de vinte anos (cfr. depoimento das testemunhas);
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A prova dos factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas, conforme indicado em cada alínea do probatório, sendo que as folhas que se indicam do processo respeitam à numeração do SITAF).
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Factos não provados:

u. Que J….. e R….. nos anos em causa tenham auferido rendimentos de trabalho dependente provenientes da sociedade aqui impugnante.
Não é possível concluir que J….. e R….., que foram inquiridos, fossem trabalhadores da aqui impugnante, recebendo da impugnante rendimentos a título de retribuição de trabalho dependente, isto é que de facto estivessem ao trabalho da mesma, ficando este Tribunal com a convicção de que os mesmos não eram capazes de distinguir entre trabalhos realizados para o Sr. C….. e a sociedade C….., Lda. o que é compatível com o seu depoimento no sentido de que o Sr. P…. apesar de lhes arranjar os trabalhos, muitas das vezes lhes dizia “para se arranjarem” dividindo entre si o pagamento que fosse devido. Mais afirmou a segunda testemunha que os instrumentos de trabalho não eram da sociedade, o que de resto está provado quanto à carrinha e andaimes.
Por fim leva-se também em conta que, como afirmou a primeira testemunha, J..... e R….. nem sempre trabalhavam em construção civil, sendo que por vezes R….. e J….. iam apanhar lenha para consumo do Sr. C….. ou do seu filho e que faziam “bricolage”.
De resto esta conclusão é também compatível com a falta de entrega das declarações contributivas junto do ISS, IP.
Assim considera-se verosímil o defendido pela impugnante no sentido de que as declarações de rendimento entregues por V….., R….., J….., F….. e A….. tenham sido elaboradas em erro, o que aliás se compatibiliza com os conhecimentos que pessoas que trabalham na área da construção têm das cada vez mais complexas obrigações declarativas que sobre si impendem.
De nada vale, tendo em consideração o que se escreveu, nomeadamente quanto à confusão entre C….., sujeito singular e C….., Lda. a sua convicção no sentido de terem apenas deixado de trabalhar para a impugnante em Agosto de 2012.
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De Direito
A recorrente insurge-se contra a sentença com um argumento fundamental: errada apreciação da prova e, consequentemente, errada aplicação do direito. Ou seja, a recorrente imputa à sentença recorrida um erro de julgamento, que no seu entender resulta da sentença ter errado “na determinação da matéria de facto não provada e respectiva fundamentação”, e “desrespeitado o princípio da descoberta da verdade material, por incorrecta apreciação da prova produzida nos autos”.
Vejamos, então, se a matéria de facto dada como provada na sentença pode ser alterada.
Nos termos do art.º 640.º do CPC o recorrente que pretenda atacar a decisão relativa à matéria de facto deve observar estes ditames legais:
1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fun­damento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e pro­ceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 — O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636.°.
Como a recorrente não observou este regime - que corresponde ao regime do art.º 690.º-A, do CPC, na versão anterior - a impugnação da matéria de facto tem de ser obviamente rejeitada.
Contudo ainda se dirá o seguinte:
O Mm.º Juiz a quo exarou a motivação quanto à decisão da matéria de facto, da qual se retira a sua convicção. Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substracto lógico e dominada pelas regras da experiência, o que manifestamente se verifica no caso em apreço.
Por outro lado o princípio da imediação limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi anteriormente considerado, o que também não se verifica no caso presente, pelo que não é possível ao tribunal de recurso alterar a decisão da matéria de facto, designadamente nos segmentos propugnados pela recorrente, porque tal equivaleria a uma indevida intromissão na liberdade de apreciação da prova do tribunal a quo, que a lei não aconselhe a não ser que seja evidente uma errada apreciação da prova por parte deste.
O que não é o caso.
Assim, não tendo o recurso sido correctamente estruturado segundo o regime legal aplicável, para que fosse possível ao tribunal ad quem alterar a matéria de facto, e não existindo elementos que permitam considerar que a convicção formada no tribunal a quo é irrazoável ou ilógica, o recurso está fatalmente votado ao insucesso.
De facto, a decisão apoia-se, segundo um estrito ponto de vista jurídico, num silogismo correcto entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, já que se colhe objectivamente da primeira a constatação de que a recorrida não poderia ser tributada por inactividade (aliás, a própria IT constatou a sua “inexistência”), não bastando que a denominação da recorrida seja semelhante à do seu sócio-gerente.
Por outro lado o princípio da capacidade contributiva, esgrimido pela recorrente, não legitima a aplicação das normas de incidência em situações de total ausência de factos tributários. No caso concreto, a falta de declarações e a ausência de contabilidade não permitiam o recurso a métodos indirectos, na medida em que ressalta do próprio relatório de inspecção (desde logo pela constatação da inatividade ou “inexistência”) a ausência absoluta daqueles. Com efeito, a mera falta de apresentação de declarações periódicas não legitima por si só o recurso a tais métodos.
Em resumo e para concluir, a sentença decidiu correctamente e, por isso, o recurso não merece provimento.
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3 - Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2020-06-25
Benjamim Barbosa
Ana Pinhol
Isabel Fernandes