Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:78/10.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores: IVA.
ÓNUS DA PROVA DOS PRESSUPOSTOS DO DIREITO À DEDUÇÃO.
Sumário:i) O ónus da prova dos pressupostos do direito à dedução exerce-se através da junção das facturas ou de documento equivalente que demonstre os custos incorridos pelo sujeito passivo e a ligação com a sua actividade económica.
ii) O alegado imposto suportado não pode ser apurado mediante presunção, dado o valor central da segurança jurídica que permeia o sistema do crédito do imposto, o qual exige a apresentação de factura ou documento equivalente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
L......, melhor identificados nos autos, veio deduzir impugnação judicial, na sequência da notificação do despacho de 20.11.2009, proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2004, no valor total de €12.054,00 e 1.807,11, respectivamente.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 238 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 20 de Abril de 2018, julgou improcedente a impugnação.
Nas alegações de fls. 278 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente formulou as conclusões seguintes:
«A) A impugnação judicial apresentada, suscitava, punha e põe, em causa a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, relativos ao exercício de 2004, no valor total de 12 054,00 € e 1 807,11€, invocando-se excesso de quantificação da referida liquidação em virtude de não ter sido relevado qualquer IVA dedutível, mas tão somente o apuramento do IVA liquidado.
B) Nos termos da Lei, deverá através de métodos indiretos ou indiciários, determinar um valor ajustado e correto de IVA, a reclamar ao contribuinte.
C) Defende-se que nesta situação, ao valor do IVA apurado a favor do Estado no montante de 12 054,00 €, em função da declaração de rendimentos de IRS, do mesmo ano, haverá que deduzir IVA pago na aquisição de bens e serviços necessários à obtenção do rendimento, documentos esses que não possui, mas a que se atribuí o montante não inferior a 8 500,00 €, pelos valores indiciários de que dispõe.
D) Por outro lado, o ora alegante, pagou as liquidações oficiosas determinadas pelos Serviços do IVA, no montante de 1 122,30 €, conforme consta dos autos, bem como as coimas, nunca tendo sido os valores pagos em termos de IVA indiciário descontados ao valor reclamados pelo Serviço Tributário.
E) Por outro lado e contrariando a Lei, não foi utilizado qualquer método indireto ou indiciário para a liquidação do referido IVA.
F) O IVA foi calculado diretamente com base na faturação do contribuinte, sem qualquer dedução.
G) É sabido, e abundam decisões nesse sentido, de instâncias inferiores, do Tribunal Central Administrativo do Sul e até do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, e até normas internas dos Serviços, de que estes se deverão socorrer de métodos indiretos ou indiciários (avaliação fiscal ou estimativa) para apuramento dos valores que, por diversas circunstâncias e condições, nomeadamente aquelas em que o contribuinte em causa se encontra, para apuramento do valor a entregar pelo contribuinte.
H) O valor apurado, e confirmado pela sentença de que se recorre é a simples operação aritmética relativa aos valores percebidos pelo contribuinte no âmbito do seu desempenho profissional, pela taxa de IVA em vigor!
I) Assim não se cumpriu a determinação legal nem se tomou em consideração a diversa e abundante doutrina e jurisprudência sobre a matéria, na decisão de que se recorre.
J) A prescrição, confirmada, em primeiro lugar pelo Serviço de Finanças de Cascais-2, e que informou o ora Alegante sobre a referida prescrição!
K) Refere, concretamente a informação fiscal, que veio dar o dito por não dito: " O IVA respeita ao ano de 2004. Começando a contar para efeitos de prescrição em janeiro de 2005, conforme o disposto no art.º 48° nº 1 da LGT. Se assim fosse, sem mais qualquer incidente, prescreveria em janeiro de 2013,já que não se constata qualquer citação pessoal.
L) "Contudo, em 4 de abril de 2009 constatamos a concretização de uma citação postal - aliás a única citação que consta da tramitação do processo de execução fiscal nº 3433……. - constituindo aquele motivo de interrupção da prescrição face ao preceituado no art.º 49º nº 1 da LGT, bem como de acordo com as instruções emanadas pela DSGCT."
M) Ora tal citação é postal, como e bem é referido, não confere efeito interruptivo da prescrição.
N) Como consta, entre outros do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, 2ª secção, Contencioso Tributário, Processo 00141/ 10.6BECBR: "A citação a que se refere o art.º 49º nº1 da LGT confere efeito interruptivo da prescrição não é a citação através de postal nos termos do art.º 191° do CPPT, relativamente à qual a lei não estabelece qualquer presunção do seu recebimento e respetiva data, e que tem carácter provisório, mas a citação efetuada nos termos do art.º 193° do mesmo Código, após a penhora, quando for feita pessoalmente ou, caso a citação pessoal se não mostre possível, a citação edital".
X
A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra alegações.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.

X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) O Impugnante apresentou queixa pela prática de crime de abuso de confiança, contra a sociedade V… – G….., Lda., com sede em Cascais, imputando à técnica oficial de contas Eunice Marina Palha o desapossamento dos documentos contabilísticos relevantes dos anos de 2004 a 2006, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Cascais – 1.ª Secção de Processos sob o n.º 3984/07.4ACSC [cf. certidão a fls. 13 a 20 do processo de reclamação graciosa em apenso e prova testemunhal].
B) A coberto da ordem de serviço n.º OI20…….., foi despoletada uma acção de inspecção ao Impugnante, em sede de IVA, referente ao exercício de 2004 [cf. fls. 39 processo de reclamação graciosa em apenso].
C) A 13.11.2008, foi elaborado o relatório de inspecção, onde consta nomeadamente o seguinte:
“(…)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas
III.1. Introdução Prévia
De acordo com a informação disponível neste Serviço de Inspecção, bem como no âmbito do cruzamento de informação, nomeadamente a declaração anual, anexo J, verificou-se que o sujeito passivo, no ano de 2004, obteve rendimentos, os quais obrigavam à apresentação da declaração de rendimentos, a que se refere o artigo 57.º do Código do Imposto s/ o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS). Tal declaração veio a ser apresentada na sequência de notificação efectuada nos termos do n.º 3 do artigo 65.º do CIRS.
III.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado
• Enquadramento
Em termos de incidência em Imposto s/ o Valor Acrescentado, é sujeito passivo face à actividade profissional exercida (Advogados - CIRS 6010), estando desde 1 de Agosto de 1988, enquadrado no regime normal, com periodicidade trimestral (anexo 1).
• Declarações Periódicas
Apesar de se encontrar sujeito a IVA quanto às prestações de serviço realizadas no ano de 2004, até à presente data não entregou o montante do imposto exigível, nem enviou as declarações periódicas, a que se encontrava obrigado, por força do disposto no n.º 1 do artigo 26.º, na alínea c) n.º 1 do artigo 28.º e alínea b) n.º 1 do art.40.º, todos do Código do IVA (anexo 2).
• Rendimentos Obtidos - Rendimentos Profissionais ou Empresariais - Categoria 8
No exercício de 2004 o sujeito passivo efectuou prestações de serviços no total de 63.442,21€, no respeitante à sua actividade de profissional liberal - advocacia, conforme consta no anexo 8 da sua declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, os quais estão sujeitos a IVA (anexo 1).
Em face dos elementos disponíveis, considera-se imputável ao período 0412T o valor dos serviços prestados declarados, sendo:

PeríodoBase tributávelIVA em falta
0412T63.442,2112.054,00
Total63.442,2112.054,00
(…)
IX. Direito de audição
Através do ofício n.º 08…., de 29.10.2008, a que correspondeu o registo dos CTT RR48….., foi notificado o sujeito passivo para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT (anexo 3).
Em 10.Nov.2008, deu entrada nesta unidade orgânica o direito de audição, via fax, composto de 4 (quatro) folhas, expondo o seguinte: (anexo 4)
1. Admite estarem em falta as declarações de IVA relativas ao ano de 2004, bem como o imposto devido;
2. Alega que tinha entregue a sua contabilidade à empresa V….. – G….., Lda., com sede em cascais ... que se viu desapossado de todos os elementos de contabilidade, relativamente aos anos de 2004 e seguintes ... dado que a referida sociedade deixou de ser contactável, tendo desaparecido com todos os documentos e elementos contabilísticos que lhes havia confiado;
3. Que não conseguindo contactar com nenhum dos responsáveis da mesma sociedade, nem com o Técnico Oficial de Contas, apresentou participação junto do Tribunal da Comarca de Cascais, em 20 de Dezembro de 2007, conforme fotocópia de participação que diz juntar; NOTA: o fax recebido na DDF compõe-se de quatro páginas, não incluindo qualquer documento.
4. Que tal participação deu origem ao processo de Inquérito n.º 3984/07.4TACSC- 1.ª Secção de Processos do Serviço do Ministério Público de Cascais, o qual se encontra na fase de inquérito, aguardando acusação e posterior julgamento;
5.Que tal impede de apresentar os elementos relativos ao ano de 2004, defendendo que a falta do IVA e das declarações periódicas não é da responsabilidade do próprio, mas de terceiro. Assim, entende que deverá a liquidação e cobrança aguardar pelo fim do processo crime;
6. "Que tal impedimento tem como principal interveniente uma pessoa reconhecida oficialmente, nomeadamente pelos Serviços de Finanças como pessoa de confiança dos contribuintes em geral, tendo para o efeito, especiais e legais prorrogativas, nomeadamente no contacto e colaboração com os Serviços de Finanças”.
7. Defende que ao valor de IVA apurado a favor do Estado no valor de 12.054,00€, em função da declaração de rendimentos de IRS do mesmo ano, haverá que deduzir o IVA pago na aquisição de bens e serviços necessários à obtenção do rendimento, documentos esses que não possui... a que atribui montante não inferior a 8.500,00€ ... pelos valores indiciários de que se dispõe (nosso sublinhado);
8. Que pagou as liquidações oficiosas determinadas pelo Serviço do IVA, bem como as coimas correspondentes à não entrega das declarações de IVA do ano de 2004;
9. Concluindo que se deverá aguardar pela recuperação de tais documentos, para proceder à sua contabilização a determinação do débito ou crédito que se vier a apurar.
10. Finaliza, referindo que poderão ser ouvidas as testemunhas arroladas na participação crime, que diz juntar ao requerimento.
X. CONCLUSÃO
DOS FACTOS
Em face das diligências antes efectuadas pelos Serviços desta Direcção de Finanças, com vista à recolha dos elementos considerados pertinentes, cabe referir o seguinte:
1. Foi o contribuinte notificado para apresentar as cadernetas de recibos mod 6 (artigo 115.° CIRS), pelo ofício n.º 09….. de 16.Nov.2007 (anexo 5).
2. Respondeu em 29.Nov.2007, informando que toda a documentação se encontrava em poder da TOC e sua adjunta, referindo diligências efectuadas, embora sem êxito, no sentido da obtenção dos documentos - Entrada Geral n. ° 11….., de 30.Nov.2007 (anexo 6).
3. Pelo N/ oficio n.º 10….., de 19.Dez.2007, foi notificada a TOC Carla Sofia Filipe Silva Domingues (NIF 2(…….), para o mesmo efeito referido em 1. (anexo 7).
4. Em resposta (Entrada Geral n.º 4……, de 16.Jan.2008) a TOC informou que não representa o contribuinte desde 11.Abr.2007, conforme registo que efectuou através das declarações electrónicas. Acrescentou que não tem em seu poder quaisquer documentos do contribuinte, pelo que os mesmos terão de ser obtidos junto do próprio. Refere ainda que foi dado ao contribuinte conhecimento do teor da carta (anexo 8).
5. Note-se que apesar de a TOC se ter desvinculado em 11.04.2007 (há 19 meses) não há evidência de qualquer actuação do SP, no sentido de regularizar a sua situação tributária, nem tão pouco procedeu à actualização do cadastro, indicando o TOC substituto.
6. A designação/escolha do TOC é da inteira responsabilidade dos sujeitos passivos do imposto, devendo os litígios que porventura possam existir ser dirimidos em sede própria, a tal sendo alheios quaisquer Serviços da Administração Fiscal.
7. Assinala-se que a tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade, nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal.
8. Na consulta às declarações de IVA mantém-se a falta de apresentação de declarações desde 2004 até ao 2.º trimestre de 2008, inclusive (vide anexo 9), facto não compatível com as obrigatoriedades a que se encontra sujeito (e não apenas em sede de IVA) - situação a tratar oportunamente pelos Serviços, em sede própria.
DO DIREITO
1. Incidência pessoal
• Art.º 2.º n.º 1, al. a) do CIVA
São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade exerçam actividades de produção, comércio ou prestações de serviços... desde que essa operação seja conexa com o exercício da actividade ... ;
Ou seja,
A responsabilidade pelo cumprimento das obrigações fiscais (na caso, entrega das declarações de IVA e montante de imposto) é do próprio e não de terceiros.
2. Liquidação e pagamento do Imposto
• Art.º 19.º n.º 1 do CIVA
Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
•Art.º 19.º n.º 2 do CIVA
Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados na forma legal, em nome e na posse do SP.
Ou seja,
A falta de documentação comprovativa do IVA suportado pelo SP a montante inviabiliza a dedução de qualquer valor àquele que foi apurado como IVA Liquidado, o qual corresponde ao IVA a entregar nos cofres do Estado, no caso em análise.
(…) [cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 35 a 47 do processo de reclamação graciosa em apenso].
D) Por despacho de 14.08.2008, do Chefe de Divisão da Inspecção Tributária, foi sancionado o teor do relatório identificado no ponto anterior [cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 35 do processo de reclamação graciosa em apenso].
E) A 22.12.2008 foi o Impugnante notificado da liquidação adicional de IVA n.º 08….., referente ao exercício de 2004, no montante de €12.054,00 [cf. fls. 22 do processo de reclamação graciosa em apenso].
F) A 22.12.2008 foi o Impugnante notificado da liquidação de juros compensatórios em sede de IVA n.º 08……., referente ao exercício de 2004, no montante de €1.807,11 [cf. fls. 23 do processo de reclamação graciosa em apenso].
G) A 25.03.2009 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3433……, no valor de €13.861,11, por falta de pagamento das liquidações identificadas em E) e F) supra, suspenso por prestação de garantia - penhora registada em 18.03.2010 [cf. informação oficial a fls. 83 do PAT em apenso].
H) A 05.05.2009 foi pelo Impugnante apresentada reclamação graciosa contra os actos de liquidação identificados em E) e F) supra, instaurado no Serviço de Finanças de Cascais 2 sob o n.º 343…….. [cf. processo de reclamação graciosa em apenso].
I) Por despacho de 20.11.2009, do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa foi indeferida a reclamação identificada no ponto anterior [cf. fls. 85 a 90 processo de reclamação graciosa em apenso].
J) Através do ofício n.º 10….., de 25.11.2009, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi o Impugnante notificado do teor da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 91 a e 92 processo de reclamação graciosa em apenso].
K) A presente acção foi interposta a 11.12.2009 [cf. fls. 6 dos autos].
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Foi produzida prova testemunhal através da inquirição da testemunha M......, amigo do Impugnante, que acompanhou de perto a situação do Impugnante, do que se refere à relação com a técnica oficial de contas da V……., uma vez que esta era também a sua técnica oficial de contas. Teve conhecimento a referida técnica oficial de contas causou muitos problemas a vários clientes, embora tenha admitido que não conhecia em pormenor os factos relacionados com o Impugnante, mas tendo prestado testemunho essencialmente sobre factos que lhe diziam respeito.»
X

2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 238 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 20 de Abril de 2018, que julgou improcedente a impugnação, deduzida por L......, melhor identificado nos autos, na sequência da notificação do despacho de 20.11.2009, proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2004, no valor total de €12.054,00 e 1.807,11, respectivamente.
2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação judicial, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Resulta dos factos provados em sede de procedimento de inspecção foi pela AT detectado o falta de apresentação de declarações periódicas de IVA, referentes ao exercício de 2004, tendo o Impugnante no entanto auferido rendimentos no âmbito da sua actividade profissional. Apurado o montante dos rendimentos auferidos naquele exercício, foi tal valor declarado para efeitos de IRS, tendo os serviços de inspecção calculado o montante de IVA em falta, liquidado em função dos valores apurados.
Em sede de direito de audição prévia, insurgiu-se o Impugnante contra os cálculos efectuados, defendendo que para além do IVA liquidado, deveria ser relevado o IVA dedutível, não conseguindo, contudo, apresentar prova que lhe conferisse o refeito direito à dedução de IVA.
Não obstante vir invocar a possível existência de crime, através do qual ficou desapossado da contabilidade relevante para o exercício em causa, certo é que se trata de uma relação particular, a existir entre o próprio e a técnica oficial de contas, e que terá de ser dirimido no local próprio, que não na presente acção judicial tributária.
Certo é que é sobre o Impugnante que recai o ónus de prova quanto ao direito à dedução de IVA, pelo que o mesmo deveria ter encetado todas as diligências necessárias com vista a suprir a falta de documentação relativa à contabilidade, nomeadamente pedindo segundas vias das facturas que lhe conferiam o direito à dedução de IVA».
2.2.3. O recorrente censura a sentença recorrida imputando-lhe erro de julgamento, no que respeita aos itens seguintes:
a) A dívida mostra-se prescrita, ao invés do propugnado pela sentença recorrida;
b) A liquidação adicional devia ter considerado o IVA dedutível, pelo que tal omissão deve ser valorada como fundamento de anulação da mesma, por vício de violação de lei.
2.2.4. No que respeita à prescrição da dívida emergente do acto tributário questionado, o recorrente alega que a citação postal efectuada não tem virtualidade interruptiva, pelo que a dívida mostra-se prescrita.
Por seu turno, a sentença considerou não estar prescrita a dívida em causa nos autos, porquanto,
«Mediante uma análise perfunctória, e considerando os elementos disponíveis nos autos, não resulta estar prescrita a dívida associada às liquidações aqui em análise, uma vez que tratando-se de facto tributário cujo início da contagem do prazo ocorreu em 01.01.2005 (cf. artigo 48.º, n.º 1 da LGT), e ainda que não existam quaisquer outros factos suspensivos ou interruptivos, certo é que a interposição de contencioso de apreciação da legalidade da dívida – reclamação e posterior impugnação judicial-, associada a prestação de garantia, ocorrida em 18.03.2010 [cf. al. H) dos factos assentes], constitui facto suspensivo, razão pelo qual a contagem do prazo de prescrição ficou suspensa, pelo menos, em 18.03.2010, data em que ainda não havia decorrido 8 anos desde 01.01.2005».
Vejamos.
Estatui o artigo 49.º da LGT (versão vigente) o seguinte:
«1. A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2. Revogado.
3. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, como o facto que se verificar em primeiro lugar.
4. O prazo de prescrição suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida».
O prazo de prescrição é de oito anos (artigo 48.º/1, da LGT). No caso, o prazo inicia-se em 01.01.2005 (artigo 48.º/1, in fine, da LGT) e terminaria em Janeiro de 2013. Em 18.03.2010, ocorre a prestação de garantia idónea, com suspensão da execução fiscal (alínea G), do probatório). A prestação de garantia associada à instauração de reclamação graciosa e à interposição da presente impugnação judicial(1) determinam a suspensão do prazo de prescrição (artigo 49.º/4, da LGT). A suspensão mantém-se enquanto não transitar em julgado a sentença proferida nos presentes autos. Pelo que a suspensão do prazo se mantém e a dívida não se mostra prescrita.
Ao julgar no sentido de não declaração de prescrição da dívida emergente do acto tributário impugnado, a sentença não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. No que respeita ao erro de julgamento, por referência à asserção de que a liquidação adicional devia ter considerado o IVA dedutível, pelo que tal omissão deve ser valorada como fundamento de anulação da mesma, por vício de violação de lei. Para sustentar a sua posição, o recorrente invoca que «nesta situação, ao valor do IVA apurado a favor o Estado no montante de 12 054,00 €, em função da declaração de rendimentos de IRS, do mesmo ano, haverá que deduzir IVA pago na aquisição de bens e serviços necessários à obtenção do rendimento, documentos esses que não possui, mas a que se atribuí o montante não inferior a 8 500,00 €, pelos valores indiciários de que dispõe»; que «contrariando a Lei, não foi utilizado qualquer método indireto ou indiciário para a liquidação do referido IVA; o IVA foi calculado diretamente com base na faturação do contribuinte, sem qualquer dedução».
Apreciando.
A correcção em apreço tem a fundamentação seguinte(2):
Apesar de se encontrar sujeito a IVA quanto às prestações de serviço realizadas no ano de 2004, até à presente data não entregou o montante do imposto exigível, nem enviou as declarações periódicas, a que se encontrava obrigado, por força do disposto no n.º 1 do artigo 26.º, na alínea c) n.º 1 do artigo 28.º e alínea b) n.º 1 do art.40.º, todos do Código do IVA (anexo 2).
• Rendimentos Obtidos - Rendimentos Profissionais ou Empresariais - Categoria 8
No exercício de 2004 o sujeito passivo efectuou prestações de serviços no total de 63.442,21€, no respeitante à sua actividade de profissional liberal - advocacia, conforme consta no anexo 8 da sua declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, os quais estão sujeitos a IVA (anexo 1).
Em face dos elementos disponíveis, considera-se imputável ao período 0412T o valor dos serviços prestados declarados, sendo:

    Período
    Base tributável
    IVA em falta
    0412T
    63.442,21
    12.054,00
    Total
    63.442,21
    12.054,00
(…)

Estatui o artigo 22.º, n.º 1, do CIVA (versão vigente), que «O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período».
Determina o artigo 178.º/a), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado(3) que «[para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições: // a) Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma factura emitida em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.ºe 240.º».
No mesmo sentido, dispõe o artigo 28.º/1, do CIVA (versão vigente), que os sujeitos passivos devem emitir factura ou documento equivalente por cada transmissão de bem ou prestação de serviços [b)] e devem enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo [c)].
«Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação» [artigo 22.º/2, do CIVA, versão vigente]
«Concretizando, o sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. Utilizando o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respectivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo. Isto é, o sujeito passivo assume as vestes de devedor ao Estado pelo montante do tributo que factura aos seus clientes sobre o valor das vendas ou serviços prestados (imposto liquidado a jusante ou sobre os "outputs") e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços realizados para o exercício da respectiva actividade (imposto suportado a montante ou sobre os "inputs"), no mesmo período de tempo»(4).
A jurisprudência e a doutrina sublinham a importância da factura no sistema de crédito de imposto do IVA. «Relativamente ao emitente, a factura permite o controlo do pagamento do imposto…Já relativamente ao seu destinatário, a factura permite o controlo do direito à dedução. // A função de controlo está directamente associada à natureza plurifásica do imposto e ao encadeamento liquidação-dedução. O sistema “aproveita-se” do interesse recíproco da fiabilidade/validade da factura por parte dos dois lados de uma transacção. A factura é, ao mesmo tempo, suporte de liquidação do imposto e da dedução do imposto. // Neste contesto, compreende-se a razão pela qual o artigo 178.º da Directiva [IVA] faz depender “o exercício” do direito à dedução da emissão de uma factura regular. E assim é, desde logo, porque, de acordo com o sistema do IVA, uma factura na posse do seu destinatário funciona … como um título de crédito sobre o Estado, que torna justificadas as formalidades a que se encontra sujeita»(5).
No caso em exame, o recorrente não apresenta prova das transacções incorridas, nem do IVA alegadamente suportado. O ónus da prova dos pressupostos do direito à dedução exerce-se através da junção das facturas ou de documento equivalente que demonstre os custos incorridos pelo sujeito passivo e a ligação com a sua actividade económica. O alegado imposto suportado não pode ser apurado mediante presunção, dado o valor central da segurança jurídica que permeia o sistema do crédito do imposto, o qual exige a apresentação de factura ou documento equivalente, nos termos das normas acima citadas. O ónus da prova dos pressupostos do direito à dedução não foi, pois, observado pelo recorrente. De onde resulta que o alegado imposto dedutível não pode ser considerado, como não foi, nas liquidações adicionais em apreço.
A julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(Lurdes Toscano)
(2º. Adjunto)
(Benjamim Barbosa)


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(1) Alíneas H) a K), do probatório.

(2) Alínea C), do probatório.

(3)https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex:32006L0112

(4) Acórdão do TCAS, de 30.11.2017, P. 1081/09.7BELRS

(5) André Conde Morais e Sofia Saraiva de Menezes, “Formalidades das Facturas e direito à dedução: o Acórdão Barlis”, in Cadernos do IVA, 2017, Coordenação Sérgio Vasques, 2017, pp. 63/91, máxime, pp. 81/82.