Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02228/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/11/2008
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS.
RENDIMENTOS DA CATEGORIA C.
LOTEAMENTO.
Sumário:I -São tributáveis em IRS, na categoria C (abrangente dos rendimentos comerciais e industriais) os lucros resultantes de actividade, habitual ou esporádica, que visa a obtenção do lucro através da revenda ou transformação de bens, pois na categoria G (mais-valias) cabem apenas os ganhos inesperados ou fortuitos, os gerados por valorizações operadas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, ou seja e como a doutrina costuma referir, os ganhos trazidos pelo vento (windfalls).

II -Destarte e atento o disposto no art. 4.º, n.º 1, alínea e), do CIRS, os ganhos derivados da venda de lotes de terreno na sequência do loteamento efectuado pelo vendedor, têm de ser considerados rendimentos de actividade industrial rendimentos da categoria C) e não como mais-valias (rendimentos da categoria G).

III -Tendo o dono do terreno vendido o terreno que adquiriu, o que quer dizer que não vendeu os lotes resultantes da operação de loteamento que foi efectivada no dito terreno já pela sociedade compradora, realizando diversas infra-estruturas, desencadeando o competente processo junto da autarquia local com vista à obtenção das licenças necessárias e desenvolvido as diligências necessárias à venda dos lotes, naturalmente tendo em vista tirar lucro, os ganhos têm de considerar-se como inesperados ou fortuitos, e, por isso, mais-valias para efeitos de tributação em IRS e já não como obtidos no âmbito de uma actividade de natureza comercial por referência ao conceito económico de comércio constante no art. 4.º do CIRS.

IV -Não obsta a essa qualificação o facto de a intenção inicial do vendedor do terreno quando o adquiriu o terreno, pois o que releva é, não apenas a decisão de lotear o terreno mas também a sua concretização mediante a realização no terreno de diversas infra-estruturas urbanísticas e a promoção do processo de loteamento, com o propósito objectivado e obter lucros mediante a venda dos lotes, pois esta actividade com vista à obtenção de lucro, mesmo que seja acidental ou isolada, é que é determinante para a qualificação dos ganhos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

I. - RELATÓRIO

1.1. – O EXCELENTISSIMO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, com os sinais identificadores dos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Mmo. Juiz do TAF de Almada, que julgou improcedente a presente impugnação judicial deduzida por J…….. contra a liquidação de IRS do ano de 2000, concluindo assim as suas alegações:
1ª- O prédio gerador dos ganhos em discussão nos autos foi adquirido por doação e já na posse do impugnante foi transmitido como prédio urbano (vd. escritura de compra e venda);
2ª- Essa transmissão foi tributada pela AT em sede de IRS - categoria C - por se entender que o impugnante praticou uma série de actos conducentes à valorização do prédio, com o intuito de com eles obter lucro, actos esses que não podem revestir outra natureza que não a comercial;
3ª-a douta sentença recorrida entendeu que, a ter havido prática de actos relativamente ao dito prédio, subsumíveis em actos de natureza comercial, tais actos foram praticados pela adquirente do prédio -a U….; não tendo o impugnante praticado, relativamente ao prédio, actos de natureza comercial, sujeitos a tributação em IRS pela categoria C;
4ª-Na verdade foi o impugnante quem desenvolveu as diligências necessárias para a alteração da natureza jurídica do prédio, e sua valorização comercial, contrariamente ao decidido na douta sentença:
a) Assim, foi o impugnante quem em 1994 (seis anos antes de vender o prédio) requereu o licenciamento de operação de loteamento do prédio;
b) Foi em seu nome que foi pedido o averbamento do projecto de loteamento do prédio;
c) Foi em nome do impugnante que foi apresentada a declaração mod. 129 através da qual pretendeu inscrever como artigo urbano prédio inserido em área urbana;
d) Da escritura pública de compra e venda do dito prédio, consta que o impugnante e a mulher venderam um "prédio urbano", e a escritura está assinada pelo impugnante;
e) Em nome do impugnante requereu-se a alteração da sua actividade (não está provado que não foi por ordem sua) acrescentando-lhe outra que envolve loteamento, compra e venda e negociação imobiliária;
f) A testemunha F…… confirma a intenção do impugnante lotear aquela propriedade uns anos antes da venda efectuada;
g) A testemunha F….. F….. afirmou que o valor pago aquando da celebração da escritura de compra e venda teve em conta o potencial urbanístico do terreno.
5ª- A testemunha M…….. afirmou (contrariamente ao alegado pelo impugnante de que nunca teve actividades secundárias) que o impugnante tem rendimentos prediais e "teve turismo rural".
6ª - Verifica-se assim que o impugnante praticou um conjunto de actos, nomeadamente a promoção do processo burocrático indispensável à obtenção das licenças requeridas para essa operação, no sentido de proceder ao loteamento do terreno, e que depois usou para obter um lucro substancial, já que o comprador foi aliciado por essa documentação que provava a viabilidade de loteamento do terreno.
7ª - Com essa iniciativa de promoção do processo burocrático, mais não procurou o impugnante que obter um lucro que não resultou de forma inesperada ou fortuita (e caberia aí na categoria G das mais-valias), antes resultou do esforço e animus do impugnante para valorizar o terreno.
8ª - E ainda que o seu exercício tenha sido ocasional, nada obsta a que os lucros resultantes do exercício de actividade de natureza comercial ou industrial sejam integrados na categoria C, pois a alínea h) do n° 2 do art° 4° do CIRS (na redacção ao tempo da prática dos factos) considera como rendimentos comerciais e industriais os "provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias".
9ª - Verifica-se assim ter a douta sentença recorrida incorrido num erro de julgamento, já que apesar de reconhecer que "O conceito de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros" (negrito e sublinhado nossos), desvalorizou os factos descritos nas conclusões 5ª a 8ª supra.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vs. Exas. se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, e revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por Acórdão que julgue improcedente a impugnação, com todas as consequências legais.
Foram apresentadas contra-alegações, assim concluídas:
i. A douta Sentença de 1ª Instância, proferida na senda do Parecer do Digno Representante do Ministério Público, junto do Tribunal "a quo", fez uma correcta interpretação das normas jurídicas aplicáveis, não merecendo qualquer censura, devendo assim, permanecer na ordem jurídica.
ii. No caso dos presentes autos, não foram praticados actos pelo impugnante que possam ser subsumíveis a uma actividade comercial, ainda que esporádica.
iii. A concessão de alvará deu-se em data em que a proprietária do terreno era a sociedade "U……..", e a posterior urbanização do prédio e exploração do loteamento já foram executados por esta sociedade, que pediu o averbamento do processo de licenciamento do loteamento.
iv. O pedido de licenciamento do loteamento apresentado pelo recorrido junto da Câmara Municipal de ………., não consiste nem é subsumível a uma actividade comercial, ainda que esporádica.
v. Acresce que, o impugnante não vendeu lotes, mas um terreno.
vi. A execução dos actos de urbanização e exploração de loteamento, actos que podem ser subsumíveis a uma actividade comercial, foram todos praticados pela sociedade "U……..", só estes actos é que configuram actos de comércio para efeitos de tributação, nos termos previstos na alínea e) do n° 1 do art. 4° do C.I.R.S.
vii. Razão pela qual a liquidação impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que configura vício de violação de lei e inquina a validade do acto tributário".
viii. De facto, o essencial do conceito de loteamento, radica na divisão de um ou vários prédios, em lotes destinados a construção urbana, devendo excluir-se de tal conceito normativo e bem assim do regime dos loteamentos urbanos todas as situações em que, fundamentalmente, não há lugar à formação de unidades autónomas (neste sentido, vide. Acórdão do STA de 14-03-02 proferido no Recurso n° 48250 e ainda, entre outros, o Acórdão do STA de 08-06-99, proferido no Recurso n° 43953).
ix. A Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem decidido no sentido de que os ganhos provenientes de loteamentos de terrenos, entendidos como venda de lotes de terreno resultantes da divisão de um terreno, no qual foram realizadas infraestruturas, são rendimentos comerciais, configurando a prática de actividade comercial para efeitos do art. 4° do CIRS, ainda que exercida de forma ocasional.
x. Caso os ganhos provenham da venda de terreno pré-adquirido, efectuada em momento anterior à operação de loteamento, como aconteceu, não são rendimentos comerciais, mas mais-valias, neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos de 17-12-02, proferido no Recurso n° 6804 e de 05-07-2005, proferido no Recurso n° 0573/03, ambos, desse Tribunal Central Administrativo Sul e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-06-2006, proferido no Recurso n.° 624/03.
xi. De facto como resulta da conjugação dos pontos A), F) e G) do Probatório da Sentença recorrida, à data da celebração da escritura pública de compra e venda, o Alvará de Loteamento ainda não tinha sido aprovado, pelo que nem sequer existiam lotes no momento da celebração da mesma escritura pública.
xii. O processo administrativo de loteamento de um prédio, consubstancia-se na prática de um acto de licenciamento municipal, formalizado através da emissão de um Alvará.
xiii. No presente caso, a projecção dos efeitos jurídicos desde a génese do processo administrativo, operou na esfera da "U………, LDA", pois, o Alvará de Loteamento, foi passado em nome desta sociedade, (vide, Pontos F) e G) do Probatório da Sentença do Tribunal " a quo" e fls. 17 a 20 da Acta da Câmara Municipal de ……….de 27-11-2000, cfr. anexos 49 a 82, em especial, anexo 67 do Relatório de Inspecção).
xiv. Para determinar o conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há que recorrer ao conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, com o objectivo de obtenção de lucros, neste sentido, vide, entre outros o Acórdão do STA de 02-02-2005, proferido no Recurso n° 0371/04.
xv. Ora, para que se verifique preenchido tal conceito jurídico de actividade comercial ou industrial é, indispensável demonstrar a prática de actos de mediação entre a oferta e a procura, neste sentido, vide, entre outros, o já referido Acórdão desse TCA Sul, de 05-07-2005, proferido no Recurso n° 0573/03.
xvi. Os actos de urbanização e exploração de loteamento, subsumíveis a uma actividade comercial, foram todos praticados pela sociedade "U...., LDA", compradora do terreno.
xvii. Propugna a recorrente, nas suas alegações que foi o recorrido quem desenvolveu as diligências necessárias para a alteração da natureza jurídica do prédio, e sua valorização comercial, porém, salvo melhor opinião, não lhe assiste razão.
xviii. A declaração de alteração de actividade do ora recorrido não contribuiu para a alteração da natureza jurídica do prédio e ainda menos para a sua valorização comercial.
xix. O averbamento do projecto de loteamento, efectuado em nome do recorrido, deu entrada quando este já tinha vendido o terreno e convencionado o preço, pelo que de tal, não auferiu qualquer vantagem, vide, Pontos A) e E) do Probatório da sentença de 1ª Instância.
xx. No que respeita à Declaração Modelo 129, de alteração do prédio em causa nos presentes autos, cabe referir, que as declarações dos contribuintes não têm eficácia constitutiva, pelo que, não é a inscrição nas Finanças que determina que se altere a natureza do prédio, neste sentido, vide, os ponto 1, al. c) e 2 al. c) do Ofício-Circulado n.° 5347.11/91 de 10 de Dezembro de 1991.
xxi. Aliás, o prédio não era urbano, encontrava-se omisso na respectiva matriz predial, apenas tendo sido efectuada a participação para a sua inscrição na matriz predial urbana, vide, Ponto A) do probatório da sentença de 1ª Instância.
xxii. Depois de formalizada a aquisição do prédio em causa, a sociedade "U………., LDA", teria legitimidade para requerer tal participação pelo que tal diligência não se afigura necessária para a alteração da natureza jurídica do prédio, para a sua valorização comercial e, muito menos tido influência no preço convencionado.
xxiii. O requerimento de licenciamento da operação de loteamento efectuado pelo ora requerido, não consiste, nem é subsumível a uma actividade comercial, ainda que esporádica, bem como, não a consubstancia uma mera "intenção", aliás, não concretizada.
xxiv. A prossecução do lucro, mediante o desenvolvimento de qualquer actividade comercial ou industrial acarreta necessariamente, em maior ou menor grau, a assumpção de um risco, risco de que o recorrido prescindiu ao vender o terreno.
xxv. Abdicando da transformação do prédio em lotes realizando, obras no terreno necessárias à posterior venda individualizada, como terraplanagens, saneamento básico, estradas e iluminação.
xxvi. Obras que não fez, o que aliás não foi posto em causa pela recorrente, a quem de harmonia com o preceituado no art. 74.° LGT cabia fazer prova da sua realização, por se tratar de facto constitutivo do direito à tributação de que se arroga titular.
xxvii. A valorização do imóvel operou independentemente de qualquer esforço ou vontade do seu titular, ao ser inserido em área urbanizável no Plano Director Municipal do Município de ……….., bem como, resultou da construção da Ponte Vasco da Gama, pelo que tais ganhos são mais valias.
xxviii. Assim, não obteve o recorrido quaisquer lucros imputáveis ao exercício de alguma actividade comercial ou industrial, pelo que, não se encontra preenchido o conceito de rendimentos comerciais ou industriais, para efeitos do n° 1 do art. 4° do CIRS, devendo a douta sentença do Tribunal "a quo" permanecer na ordem jurídica.
xxix. Por mera cautela de patrocínio, nos termos do n° 1 e n° 2 do art. 684-A do CPC, se requer a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ampliação do âmbito do recurso e o conhecimento dos fundamentos em que o recorrido decaiu, em virtude da procedência da Impugnação Judicial.
xxx. Mais se impugna o seguinte ponto concreto da matéria de facto, e atendendo esse Superior Tribunal à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, bem como, à restante prova documental junto aos autos, tudo como se explicita nos pontos LVl a LXXIX das presentes alegações, ao abrigo do preceituado na alínea a) do art. 712° do CPC se requer, a alteração da matéria de facto nos termos adiante expostos:
xxxi. Deve a decisão do Tribunal "a quo", sobre a matéria de facto, sempre com o douto suprimento de V. Exas., ser alterada nos seguintes termos: 1° Ser excluído da matéria de facto dada como provada, o facto constante do Ponto D) do Probatório da douta sentença em crise;
xxxii. 2.° Serem aditados à matéria de facto dada como provada na douta sentença de 1ª Instância, os factos referidos nas alíneas A) a T) do ponto LXXX das presentes alegações.
xxxiii. Caso esse Venerando Tribunal entendesse ter existido, "in casu" o desenvolvimento de uma actividade comercial ou industrial, o que se refuta com veemência, sempre cabe referir que, caberia considerar que a mesma se enquadraria para efeitos de tributação em sede de IRS, na Categoria D e não na C, porquanto, o recorrido exercia a actividade de bovinicultura.
xxxiv. De facto, como ficou amplamente demonstrado, o recorrido vendeu o prédio em que realizava a sua actividade para comprar outros dois prédios rústicos, nos quais passou a exercê-la, pelo que, a AF teria que ter atendido ao reinvestimento efectuado na aquisição do novo imóvel, calculando a mais-valia de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 43° a 45° do CIRS, o que não fez, pelo que, ainda assim, a liquidação em causa sempre seria ilegal, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.
xxxv. A doutrina vertida na Circular n° 16/92, de 14 de Setembro, da DSIRS, ao contrário do propugnado pela AF, no Relatório de Inspecção, não é sequer aplicável à situação "sub Júdice", porquanto, versa sobre venda de terrenos, precedida de uma operação de loteamentos, o que não aconteceu, in casu.
xxxvi. A "presunção de intencionalidade" (Circular 16/92, de 14-09-1992), resultante da petição de loteamento na óptica da AT, e motivadora de enquadramento na categoria C de IRS, colide frontalmente com as regras de repartição do ónus da prova perfilada no art. 74°, n° 1, da LGT.
xxxvii. À AT, cabia especificar que elementos intelectual e volitivo subjazem dos factos, para concluir a intencionalidade do ganho sujeito, na sua perspectiva, à incidência de rendimentos comerciais, porém, limita-se a presumir uma intenção.
xxxviii. A interpretação da Circular em causa que permita uma inversão das regras do ónus da prova consagradas no art. 74° da LGT, viola o princípio de legalidade estrita a que a AF se encontra vinculada, inquinando o acto tributário.
xxxix. A declaração de alteração de actividade entregue no Serviço de Finanças de ……… em 27-11-01, por o ter sido efectuada por alguém sem poderes de representação, os quais, aliás de forma ilegal, não foram verificados pela AF, é ineficaz em relação ao ora recorrido.
xi. Razão pela qual, se encontra inquinado todo o procedimento subsequente, assente no falacioso pressuposto da actividade de "Urbanizações e Loteamentos", nunca exercida pelo mesmo.
xli. O recorrido manifesta a sua concordância com o decidido na douta sentença do Tribunal "a quo", no sentido de a questão da tributação dos ganhos em causa em sede de mais valias, se encontrar prejudicada, uma vez que a liquidação foi efectuada com base na al. e) do n° 1 do CIRS.
xlii. Por mera cautela de patrocínio, cabe referir que o prédio em causa, no momento da celebração da escritura de compra e venda, não era um "terreno para construção" para efeitos da al. g) do n° 1 do art. 6° do CA.
xliii. Pelo que, resulta claro e sem margem para dúvidas da conjugação do n° 1 do art. 5° do Decreto-Lei n° 442-A/88, de 30 de Novembro, com o n° 1 do art. 1 ° do CIMV, que os ganhos auferidos com a venda do prédio mencionado em 1°, não eram sujeitos ao IMV, pelo que não são, igualmente, sujeitos a IRS.
xliv. Atendendo ao disposto nos arts. 3° e 6° do CCA resulta de forma clara que, quando o prédio em causa foi vendido tinha a natureza de prédio rústico, por força da lei.
xlv. Ora, nos termos da segunda parte do art. 5° do DL 442-A/88, de 30 de Novembro os ganhos derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste código.
xlvi. Pelo que, ainda assim, resulta da conjugação do n.° 1 art. 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, com o n.° 1 do art. 1.° do CIMV, que os ganhos auferidos com a venda do prédio em causa, não eram sujeitos ao IMV, pelo que não são, igualmente, sujeitos a IRS.
xlvii. É inconstitucional o n.° 3 do art. 6.° do CCA, na interpretação que qualifica como terreno para construção, aquele que, para o qual não tendo sido aprovado projecto ou licença de construção, não tenha sido aprovado alvará de loteamento, por violação do principio do Estado de Direito consagrado no art. 2.°, violação do principio da legalidade fiscal consagrado no art. 103.°, n.° 2, bem como do princípio da legalidade da administração consagrado no art. 266.°, n.° 2, todos da Lei Fundamental.
xlviii. Mais é inconstitucional, o n.° 1 do art. 4 do CIRS, al. e) na redacção vigente à data, na interpretação que classifica como ganhos provenientes de actividade comercial ou industrial, na forma de actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos, quando tal pretensa "actividade" se limitou à entrega na competente Câmara Municipal de um pedido de operação de loteamento, o qual só veio a ser concedido depois da transmissão do prédio em causa, por violação do principio do Estado de direito consagrado no art. 2.°, violação do principio da legalidade fiscal consagrado no art. 103°, n.° 2, bem como do princípio da legalidade da administração consagrado no art. 266.°, n.° 2, todos da CRP.
xlix. É inconstitucional o n.° 3 do art. 6.° do CCA, na interpretação que qualifica como terreno para construção, aquele nos termos acima referidos, por violação do princípio da segurança jurídica, elemento essencial do princípio do Estado de Direito consagrado, no art. 2.° da CRP.
l. É inconstitucional o n.° 1 do art. 4 do CIRS, ai. e) na redacção vigente à data, na interpretação que classifica como ganhos provenientes de actividade comercial ou industrial, aqueles nos termos acima referidos, por violação do princípio da segurança jurídica, elemento essencial do princípio do Estado de Direito consagrado, no art. 2.° da CRP.
li. É inconstitucional o n.° 3 do art. 6.° do CCA, na interpretação que qualifica como terreno para construção, aquele nos termos acima referidos, por violação do princípio da igualdade, plasmado no art. 13.°, n.° 1 e n.° 2 da CRP.
lii. É ainda inconstitucional o art. 16.° n.° 1 da LGT, na interpretação que permite atender para efeitos de tributação de um sujeito passivo, a uma declaração de alteração de actividades, nos termos acima referidos, entregue por alguém sem poderes de representação.
Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve:
a) o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente, pelas razões expendidas, sendo mantida a douta sentença do Tribunal "a quo", na ordem jurídica, ou,
b) Caso assim não se entenda, conhecer esse Tribunal da matéria da ampliação do recurso, da impugnação da decisão de facto proferida e da ampliação da matéria de facto requerida, conhecendo assim dos fundamentos em que o recorrido decaiu em virtude do seu conhecimento ter ficado prejudicado pela procedência da Impugnação Judicial, sendo em consequência anulada a liquidação efectuada em sede de IRS, relativa ao ano de 2000, com todas as consequências legais daí advindas.
O EPGA emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. - FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. - DOS FACTOS:
Na sentença recorrida e vista a prova documental produzida foi fixado o seguinte probatório:
A) Em 06/04/2000, por escritura pública realizada no 3° Cartório Notarial de ………., o impugnante e sua mulher venderam à sociedade "U….. – C………., LDA", pelo preço de Esc. 670.000.000$00, o imóvel que identificaram da seguinte forma: "...prédio urbano composto de terreno inserido em área urbana, sito em A……….., freguesia de S……., concelho de B……., omisso na matriz, mas já feita a participação para a sua inscrição em 30 de Março último (tendo estado anteriormente inscrito na matriz cadastral sob o artigo 10 da secção A] tendo a alteração sido instaurada em virtude do prédio se encontrar inserido em área urbana).",
B) O prédio mencionado na alínea anterior havia sido adquirido pelo impugnante J…………., em 11/05/1977, por doação, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial do ……, ao qual foi atribuído na altura o valor matricial de Esc. 34.700$00.
C) Em 21/12/94 o impugnante apresentou junto da Câmara Municipal de B………. um pedido de licenciamento de operação de loteamento do prédio mencionado na alínea anterior, ao qual foi atribuído o n° …/……..
D) Em 18/12/95 foi aprovado, em reunião da Câmara, o processo de loteamento respeitante ao pedido de licenciamento mencionado na alínea anterior.
E) Em 11/04/2000 foi pedido pela sociedade "U………, LDA", junto da Câmara Municipal de B……….. «o averbamento do projecto de loteamento denominado "Q…… .. .." sito na T……… .. ……, em S……., em nome de J……...
F) Em 23/05/2000 foi apresentado junto da Câmara Municipal de B……….., pela sociedade "U…….. – C………, LDA", um pedido de emissão de alvará de licenciamento da operação de loteamento e das obras de urbanização referente ao processo de loteamento n° …/…….
G) Tal pedido foi deferido em reunião de Câmara de 27/11/2000, tendo sido emitido alvará de loteamento com o n°…/….. de 27 de Novembro.
H) Em 30/ 03/ 2000 foi apresentada no Serviço de Finanças de B…………. uma declaração para alteração de inscrição referente ao prédio identificado em A) com a invocação de que se tratava de parcela de terreno inserida em área urbana.
I) Tal declaração foi apresentada por um gestor de negócio que se identificou como sendo J………………….., titular do NIF ……………..
J) Na sequência de uma acção inspectiva interna a Administração Fiscal considerou que na sequência da prática dos actos anteriormente descritos o impugnante J………….. «teve por intenção a transformação de um prédio rústico num urbano, através de uma prévia operação de venda do terreno, o que pressupõe uma prática intencional de actos de valorização do mesmo, retirando aos ganhos assim obtidos a natureza fortuita caracterizadora dos ganhos das mais-valias, configurando, outrossim, um acto de natureza comercial ou industrial, susceptível de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria "C", de acordo com o disposto no arfº 4° do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, em vigor no ano de 2000 (art° 4°, n° l, al. e) do CIRS).»
L) Em função de tal entendimento a Administração Fiscal procedeu a alterações ao rendimento tributável da declaração de IRS do impugnante, na qual incluiu o valor de € 3.376.861,76 euros, a título de proveitos da sua actividade empresarial.
M) Na sequência das alterações ao rendimento tributável a Administração Fiscal procedeu a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2000, de que resultou imposto a pagar, acrescido de juros compensatórios, no montante global de € 1.502.939,28.
N) Em 07/ 03/ 2005 foi apresentada reclamação graciosa pelo impugnante, a qual foi indeferida por despacho, datado de 05/05/2005, do chefe de Divisão de Justiça Tributária.
O) De tal indeferimento foi apresentado recurso hierárquico, que foi igualmente por despacho, datado de 30/08/2005, do subdirector-geral dos impostos.
P) O impugnante exerce a actividade de bovinicultura desde 01/12/1991.
Q) A actividade mencionada na alínea anterior era exercida no prédio mencionado na alínea A).
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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.
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Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Tal como bem se assinala na sentença recorrida, a questão essencial a decidir consiste em saber se a alienação dos prédios em causa nos autos, configura o exercício de uma actividade comercial, e os rendimentos dela obtidos enquadráveis na alínea e) do n° l do art. 4° do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares.
A Mª Juíza julgou procedente a impugnação com o fundamento capital de que, a ter havido prática de actos relativamente ao dito prédio, subsumíveis em actos de natureza comercial, tais actos foram praticados pela adquirente do prédio -a U……., não havendo o impugnante praticado, relativamente ao prédio, actos de natureza comercial, sujeitos a tributação em IRS pela categoria C.
A recorrente FP insurge-se contra o assim fundamentado e decidido, na consideração de que foi o impugnante quem desenvolveu as diligências necessárias para a alteração da natureza jurídica do prédio, e sua valorização comercial, a saber: requereu o licenciamento de operação de loteamento do prédio em 1994 (seis anos antes de vender o prédio); pediu, em seu nome, o averbamento do projecto de loteamento do prédio; apresentou, em seu nome, a declaração mod. 129 através da qual pretendeu inscrever como artigo urbano prédio inserido em área urbana; fez constar da escritura pública de compra e venda do dito prédio, que está por si assinada, que o impugnante e a mulher venderam um "prédio urbano"; foi em seu nome que foi requerida a alteração da sua actividade (não está provado que não foi por ordem sua) acrescentando-lhe outra que envolve loteamento, compra e venda e negociação imobiliária.
A isso acresce que a testemunha F………… confirma a intenção do impugnante lotear aquela propriedade uns anos antes da venda efectuada, a testemunha F…….. F……….. afirmou que o valor pago aquando da celebração da escritura de compra e venda teve em conta o potencial urbanístico do terreno e a testemunha M……….. afirmou (contrariamente ao alegado pelo impugnante de que nunca teve actividades secundárias) que o impugnante tem rendimentos prediais e "teve turismo rural".
É com base em tal circunstancialismo de facto que a recorrente FP advoga que o impugnante praticou um conjunto de actos, nomeadamente a promoção do processo burocrático indispensável à obtenção das licenças requeridas para essa operação, no sentido de proceder ao loteamento do terreno, e que depois usou para obter um lucro substancial, já que o comprador foi aliciado por essa documentação que provava a viabilidade de loteamento do terreno, visando, como essa iniciativa de promoção do processo burocrático, obter um lucro que não resultou de forma inesperada ou fortuita (e caberia aí na categoria G das mais-valias), antes resultou do esforço e animus do impugnante para valorizar o terreno.
Já o impugnante, ora recorrido, defende a manutenção do julgado no entendimento, já adoptado na p.i. e reiterado nas contra-alegações, de que os rendimentos resultantes da venda do prédio não estão sujeitos à incidência de IRS nos termos do disposto na alínea e) do n° l do art° 4° do CIRS já que vendeu um terreno e não lotes pelo que não se encontra preenchido o conceito de rendimentos comerciais previsto naquele preceito legal.
Vejamos o que na realidade se provou.
Resulta do probatório, que o impugnante adquiriu, em 11/05/1977, por doação um prédio que em 06/04/2000 vendeu à sociedade "U……. –C………, LDA".
Relativamente a tal prédio, em 21/12/94 o impugnante apresentou junto da Câmara Municipal de B…………. um pedido de licenciamento de operação de loteamento. Em 23/05/2000 foi apresentado junto da Câmara Municipal de B………, pela sociedade "U……… - C…………., LDA", um pedido de emissão de alvará de licenciamento da operação de loteamento e das obras de urbanização. Tal pedido foi deferido em reunião de Câmara de 27/11/2000, tendo sido emitido alvará de loteamento com o n° …/…… de 27 de Novembro.
Na sequência de uma acção inspectiva interna a Administração Fiscal considerou que o impugnante «teve por intenção a transformação de um prédio rústico num urbano, através de uma prévia operação de venda do terreno, o que pressupõe uma prática intencional de actos de valorização do mesmo, retirando aos ganhos assim obtidos a natureza fortuita caracterizadora dos ganhos das mais-valias, configurando, outrossim, um acto de natureza comercial ou industrial, susceptível de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria "C", de acordo com o disposto no art° 4° do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, em vigor no ano de 2000 (art° 4°, n° 1, al. e) do CIRS).»
Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, a questão em debate é a de saber se os ganhos obtidos pelo recorrido na venda do prédio para construção urbana, incidem, ou não, sobre a transformação de vários prédios rústicos em lotes de terreno para construção urbana na esfera do impugnante, se encontra sujeita a IRS, categoria C.
Quanto à questão de fundo, como se assinala na sentença recorrida, a mesma prende-se com a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2000 com base na tributação do valor obtido pelo impugnante com a venda de lote de terreno.
Como já se patenteou, a administração tributária entendeu que a venda de terrenos precedida de uma operação de loteamento, na medida em que pressupõe uma prática intencional de actos de valorização dos mesmos, retira aos ganhos assim obtidos a natureza fortuita caracterizadora dos ganhos de mais-valias, configurando, outrossim, um ou mais actos de natureza comercial ou industrial, susceptíveis de gerar rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da categoria C, de acordo com o disposto na alínea e) do n° I do art. 4° do CIRS.
Como se viu, no entender do impugnante não houve qualquer prática intencional de valorização do prédio.
E aqui chegados, cabe proceder à subsunção de tal situação fáctica nas correspondentes normas de incidência a fim de se concluir se tais ganhos, resultantes da questionada venda, têm carácter acidental ou fortuito, ou antes se integram numa actividade comercial ou industrial, ainda que consistente num único acto isolado, por quem não exercia essa actividade.
Nos termos do disposto no art.º 1.º do CIRS, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes...
Categoria A – Rendimentos do trabalho dependente;
Categoria B – Rendimentos do trabalho independente;
Categoria C – Rendimentos comerciais e industriais;
...
Categoria G – Mais-valias;
...
Considerando-se rendimentos da categoria C, os rendimentos comerciais e industriais imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial, incluindo:
...
e) Actividades urbanísticas e exploração de loteamentos e ainda a prestação de serviços conexos;
..., art.º 4.º do CIRS.
E nos termos do disposto no n.º1 do art.º 10.º do mesmo CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultem de:
a)Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
...
Assim, para excluir os ganhos obtidos com a venda do referido lote de terreno do seu campo de incidência (de rendimentos da categoria C), e enquadrá-los no conceito de mais-valias, teria que tal rendimento ter um carácter meramente ocasional ou fortuito, ou, no dizer dos ingleses, “de ganhos trazidos pelo vento”, como resultava dos pontos 2 e 4 do preâmbulo do respectivo Código de Imposto de Mais-Valias, sendo a esta luz que devemos continuar a entender se tais rendimentos aqui são subsumíveis.
Como resulta da matéria levada ao probatório e mesmo dos art.ºs 3.º e segs da sua petição inicial de impugnação judicial, as várias transformações por que passou tal prédio e de que resultou o referido loteamento, quer físicas, quer jurídicas, até se alcançar o pretendido loteamento, conduzem a valorizações que nunca se poderão considerar como ocasionais, nem fruto do acaso ou da sorte, pelo os ganhos assim obtidos não poderão nunca ser qualificados como de mais-valias.
Antes, as múltiplas operações efectuadas nesse prédio, integram-se no conceito de “acto de comércio”, tal como se encontra definido no art.º 2.º por referência ao art.º 463.º, ambos do Código Comercial, no desenvolvimento de uma actividade objectivamente comercial ou industrial, com o fito de obter lucros, por isso se enquadrando no conceito de rendimento comercial, ainda que o exercício dessa actividade por banda da ora recorrente possa ter sido ocasional, por quem não o fazia habitualmente, assim se integrando em rendimento da categoria C do IRS, de “rendimentos comerciais ou industriais” Cfr. os acórdãos de 22.6.1999, 20.11.2002, 2.7.2003, 4.11.2004, 2.2.2005 e 29.3.2006, recursos n.ºs 17.441, 1022/02, 772/03-30, 659/04, 371/04-30 e 1213/05, aquele primeiro ainda relativo a contribuição industrial e, ainda, entre muitos, e Acórdão do TCAS de 04.07.2006, no Recurso nº 973/06, cuja fundamentação vimos seguindo de perto.
A expressão actos de comércio utilizada no art.º 2.º do Código Comercial tem um sentido muito amplo, correspondente ao conceito de facto jurídico mercantil lato sensu, no qual se englobam os factos jurídicos em sentido estrito ou factos naturais, os actos jurídicos ou factos humanos e, dentro destes, os negócios jurídicos Cfr. neste sentido, Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2.ª Edição, pág. 61. .
O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros.
Ou seja, no caso, todas as operações de loteamento do prédio em causa, com a prática dos múltiplos actos, quer jurídicos, quer materiais, tiveram o fito de fazer com esse prédio perdesse a sua autonomia, quer económica, quer jurídica, dele resultando vários prédios urbanos pois os lotes de terreno para construção urbana constituem uma das espécies de prédios urbanos – cfr. art º 6º nº1 c) do CCA. .
Assim, cabe aquilatar se o impugnante desenvolveu uma actividade com vista a alcançar o objectivo de loteamento desses prédios, e daí retirar os consequentes proventos económicos, anteriormente ao acto de venda do lote em causa pela ora recorrido, ou se se limitou a uma mera fruição ou mero uso do direito de que era titular sobre esse prédio que não se integrou numa actividade comercial, ainda que ocasional, por não deter a qualidade de comerciante, não sendo necessário por outro lado, que tal actividade tenha, sido exercida por si, pessoalmente, como parecer pretender a recorrente FP, sendo os rendimentos assim obtidos de tributar em IRS, na categoria C.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do TCA de 17/12/02, no Recurso nº 6804/02, também relatado pelo relator desta formação em que expendeu que o loteamento de um terreno e a venda, com intuito lucrativo, dos lotes assim constituídos é uma actividade de natureza comercial ou industrial e, por isso, os ganhos resultantes dessa venda, para efeitos de tributação em IRS, enquadram-se nos rendimentos da categoria C. Se alguma dúvida houvesse, ela seria de imediato desfeita face ao teor da citada alínea e) do art. 4.º, n.º 1, do CIRS.
Como se diz no aresto acabado de referir, é perfeitamente compreensível que o complexo de actos praticados pelo proprietário de um terreno para construção no sentido de proceder ao loteamento de um terreno para construção e à venda dos lotes assim constituídos (designadamente, a realização das infra-estruturas necessárias, a promoção do processo burocrático indispensável à obtenção das licenças requeridas para essa operação e todo o conjunto de diligências necessárias à própria venda dos lotes), com vista à obtenção de lucro, seja qualificada como actividade comercial ou industrial. Na verdade, em toda essa actividade ressalta o seu carácter comercial ou industrial, quer se reporte ao critério económico (ou seja, o de mediação entre a oferta e a procura ou o de incorporação de novas utilidades na matéria, com o objectivo de obtenção de lucros, que parece ser o subjacente ao art. 4.º do CIRS, quer ao critério jurídico.(cfr. TEIXEIRA RIBEIRO, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLI).
Parece-nos, na verdade, que, não decorre da lei a exigência de que a actividade seja exercida com carácter habitual, nada obstando a que os lucros resultantes do exercício, ainda que acidental ou esporádico, de actividade de natureza comercial ou industrial sejam integrados na categoria C.
Isso resulta claramente do disposto na alínea g) o n.º 2 do art. 4.º do CIRS ao considerar como rendimentos comerciais e industriais os «provenientes de actos isolados de natureza comercial ou industrial não compreendidos noutras categorias» – e que não permite sustentar que a habitualidade seja requisito necessário para que o exercício de uma determinada actividade de natureza comercial ou industrial seja considerada como tal, para os efeitos do art. 4.º do CIRS.
Já o velho Código da contribuição industrial no seu o art. 1.º estabelecia a incidência «sobre os lucros imputáveis ao exercício, [...] embora acidental, de qualquer actividade de natureza comercial ou industrial».
E decorre do corpo do art. 10.º, n.º 1, do CIRS, que está excluída a possibilidade de constituírem mais-valias os rendimentos comerciais e industriais, o que significa que por força desse preceito os rendimentos da categoria G (mais-valias) para efeitos de tributação em IRS apenas cabem os ganhos inesperados ou fortuitos, aqueles que resultam de valorizações produzidas nos bens independentemente de qualquer esforço ou vontade do respectivo titular, “os ganhos trazidos pelo vento” (windfalls).
Ora e como resulta da análise feita pela Mª Juíza «a quo», no caso dos autos não foram praticados actos pelo impugnante que possam ser subsumíveis a uma actividade comercial, ainda que esporádica.
Na verdade, a concessão de alvará deu-se em data em que a proprietária do terreno era a sociedade "U....", e a posterior urbanização do prédio e exploração do loteamento já foram executados por esta sociedade que pediu o averbamento do processo de licenciamento do loteamento.
E, também como refere a Mª Juíza, não obsta a tal conclusão o facto do impugnante ter apresentado o pedido de licenciamento de loteamento do prédio.
Com efeito, tal pedido teve por objectivo a valorização do terreno, mas tal acto não consiste nem é subsumível a uma actividade comercial, ainda que esporádica, sendo certo que o impugnante não vendeu lotes, mas um terreno onde exercia a actividade de bovinicultura desde 01/12/1991.
Evidenciam os autos, tal como salienta a Mª Juíza, que a execução dos actos de urbanização e exploração de loteamento, actos esses que podem ser subsumíveis a uma actividade comercial, foram todos praticados pela sociedade "U………..", compradora do terreno. Ora, só estes actos é que configuram actos de comércio para efeitos de tributação, nos termos previstos na alínea e) do n° l do art 4° do C.I.R.S..
Assim o que flui dos autos é que, na realidade, o impugnante vendeu o terreno que adquiriu sem qualquer transformação, pelo que os respectivos ganhos terão de ser considerados como inesperados ou fortuitos e, por isso, mais-valias para efeitos de tributação em IRS, o que quer dizer que não vendeu os lotes resultantes da operação de loteamento que foi efectivada no dito terreno já pela U………….., realizando diversas infra-estruturas, desencadeando o competente processo junto da autarquia local com vista à obtenção das licenças necessárias e desenvolvido as diligências necessárias à venda dos lotes, naturalmente tendo em vista tirar lucro.
Assim, é forçoso concluir que os ganhos resultantes da venda do terreno constituem ganhos inesperados ou fortuitos, independentes da vontade e da acção do Impugnante, e não ganhos resultantes de uma actividade empresarial, ainda que não habitual, de uma actividade de transformação de bens com vista à venda, desenvolvida com o fim da obtenção de lucro ou ganho e, por isso, de natureza comercial ou industrial.
Na verdade, o que releva é, não apenas a decisão de lotear o terreno, mas a sua concretização mediante a realização no terreno de diversas infra-estruturas urbanísticas e a promoção do processo de loteamento, com o propósito objectivado de obter lucros mediante a venda dos lotes, pois esta actividade com vista à obtenção de lucro, mesmo que seja acidental ou isolada, é que é determinante para a qualificação dos ganhos.
Por outro lado e ainda segundo o aresto do TCAS proferido em 04.07.2006 no Recurso nº 973/06, a norma do art.º 5.º do Dec-Lei n.º 442.º-A/88, de 30 de Novembro, que exclui da tributação em IRS os ganhos relativos a imóveis adquiridos antes de 1.1.1989 (entrada em vigor do CIRS), apenas se reporta aos ganhos susceptíveis de serem tributados como rendimentos da categoria G, como desde logo a própria epígrafe da norma claramente dispõe, Regime transitório da categoria G, que não também quanto a rendimentos susceptíveis de serem integrados na categoria C, ou em qualquer outra categoria, para os quais nenhuma limitação de tributação deste mesmo tipo existe, tendo também presente que a categoria G do IRS engloba rendimentos excepcionais, como consta do preâmbulo do mesmo CIRS Cfr. seu ponto 12..
Destarte, não merece censura a sentença ao concluir que a liquidação impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que configura vício de violação de lei e inquina a validade do acto tributário.
Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.
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3- DECISÃO.

Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

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Lisboa, 11/11/2008
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)