Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11930/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/30/2016
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – ATRASO NA JUSTIÇA – DIREITO A UMA DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL
Sumário:I – Se o pedido indemnizatório é fundado na violação do direito a uma decisão em prazo razoável por referência a um processo-crime no qual os autores se constituíram assistentes e no qual deduziram pedido de indemnização cível, estando em causa a defesa dos seus direitos civis no âmbito do processo penal e o direito a uma resposta atempada a tal pretensão, haverá que balizar temporalmente o decurso da contenda judicial quanto a tais direitos civis.

II – Na apreciação da duração razoável de um processo, ou de outra forma, do limite para a decisão num prazo razoável, o que releva é a análise da tramitação do processo no seu conjunto e não o que aconteceu em cada uma das suas fases, o que obriga a que se não dê demasiada atenção ao cumprimento de cada um dos prazos dos atos desse percurso em detrimento de uma visão de conjunto que atenda a todas as suas incidências.

III - Para enfrentar assim a questão haveria que se atender e considerar no concreto circunstancialismo do caso, e era mister que o Tribunal a quo se tivesse apropriado da realidade processual vertida no identificado processo-crime a que se reporta o invocado atraso na justiça.

III – Se bem que esteja firmado o momento em que o processo foi definitivamente decidido, o que ocorreu em 09/01/2013, e bem assim se mostre assente que o processo havia tido uma primeira decisão em 1ª instância em 11/06/2008, não só não resulta dos elementos contidos nos autos o momento em que se iniciaram e encerram as fases de inquérito, de instrução e de julgamento (cfr. artigos 262º, 276º, 287º, 308º, 376º e 377º do Código de Processo Penal), como, especialmente, deles não resulta em que datas os agora autores requereram a sua constituição como assistentes naquele processo e nele formularam pedido de indemnização cível (cfr. artigos 68º e 71º do Código de Processo Penal), que vem a ser, afinal, o direito civil defendido pelos autores no âmbito daquele processo-crime, e relativamente ao qual se encontra salvaguardado pelo artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem o direito a uma decisão em prazo razoável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

ANA …………………………… e LINO ……………………. (devidamente identificados nos autos), autores na ação administrativa comum que instauraram em 23/11/2013 (Procº nº2750/13.2BELSB) contra o ESTADO PORTUGUÊSna qual peticionam a condenação do Réu no pagamento da quantia de 150.000,00€, a título indemnizatório, e os juros que se vençam desde a citação até integral pagamento, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável –inconformados com a decisão proferida pela Mmª juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no saneador-sentença de 06/06/2014, que julgou improcedente a ação, absolvendo o réu ESTADO PORTUGUÊS do pedido, vêm dela interpor o presente recurso, pugnando pela sua revogação, com condenação do réu nos termos peticionados.
Formulam os recorrentes nas suas alegações as seguintes conclusões nos seguintes termos:

1. Em tese geral, as asserções que permitem ao Tribunal a quo fundar a sua livre convicção partem de pressupostos errados, quer por não ter sido devidamente avaliada e interpretada a prova produzida nos autos, quer por ter havido uma leitura simplista das dificuldades que opõem os cidadãos à ausência de uma justiça célere, não podendo os Tribunais contribuir para que a verdade se torne definitivamente oculta, sem que haja qualquer ato passível de responsabilização jurídica quando estão em causa magistrados incautos e um Estado europeu que não sabe cuidar de levar à prática mecanismos eficazes de realização do Direito; claro que a rapidez nestes autos foi fácil de se conseguir uma vez que a decisão recorrida se limita, como faz e não devia fazer, pelo menos no caso concreto, a adotar uma 'chapa cinco' de desresponsabilização do sistema estadual e de imputação das inúmeras vias processuais aos desgraçados dos cidadãos que não têm culpa de recorrer aos, tribunais para ver assegurados os seus direitos.





2. No caso destes autos estamos perante pais que perderam um filho às mãos de médicos que atuaram negligentemente, tendo o seu processo-crime ultrapassado onze (11) anos, o que configura um prazo que ultrapassa todos os limites expectáveis e razoáveis, que se deve ao facto de terem sido violados os prazos de duração máxima previstos na lei para cada fase processual (oito meses para o inquérito, 4 meses para a instrução), já que foram necessários: 2 anos e 7 meses para a conclusão do inquérito; 7 meses para a conclusão da instrução; 3 anos para a conclusão do julgamento — sem que os recorrentes, ou sequer os demais sujeitos processuais, tenham contribuído para essa delonga, o processo-crime esteve pendente em 1ª instância durante mais de seis (6) anos.





3. Daí até ao trânsito em julgado da decisão definitiva (que teve lugar em 09.01.2013) decorreram, mais cinco (5) anos, o que mesmo que aponte para uma intensa atividade processual em nada permite explicar que o sistema judicial não tenha demonstrado uma capacidade de resposta mais célere para resolver e abreviar todos estes incidentes, requerimentos e recursos — especialmente porque a maior parte deste tempo foi consumida, uma vez mais, por inércia ou ineptidão do Tribunal que julgou este caso em 1ª instância, já que o mesmo violou regras processuais tendo valorado, reapreciado e realterado a prova fixada pela instância superior, o que implicou a necessidade de anulação da primitiva sentença depois de se ter consumido um período de tempo evitável que se traduziu em cerca de mais dois (2) anos de litígio inútil (entre 11.06.2008, data da sentença proferida em 1.ª instância, e 08.11.2011, data do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa); o tempo restante não consumiu mais de seis (6) meses entre pendências no Supremo Tribunal de Justiça e no Tribunal Constitucional.





4. Nos autos que originaram o presente recurso, os ora recorrentes, sem terem contribuído para qualquer desses atrasos, viram de tudo: decisões de prorrogação de prazos de investigação; prazos de duração máxima ultrapassados para cada uma das fases do processo-crime, o que os obrigou até a fazer pedidos de aceleração processual; paralisação do processo por longos períodos temporais sem qualquer justificação; paralisação do processo por motivo de pendência de recursos sem efeito suspensivo; início e repetição de depoimentos em longas sessões de julgamento; protelamento e adiamento de audiências por "impossibilidade de agenda" do tribunal; uma secretaria judicial com um volume de 800 processos atrasados; pedidos de escusa de juízes e de magistrados do Ministério Público; decisões judiciais de declaração de ineficácia da prova já anteriormente produzida; decisões judiciais proferidas em primeira instância em desobediência a decisões anteriores de Tribunais superiores; decisões judiciais anuladas: vários comportamentos relapsos, inúteis e censuráveis demonstrados por magistrados de 1ª instância!!!





5. É neste contexto específico sério ou legítimo imputar a responsabilidade da ineficácia no funcionamento de um sistema de justiça como este aos próprios cidadãos, a todos os títulos prejudicados por tribunais que não funcionam e que originam excesso de pendência, como faz a decisão recorrida???





6. Surge neste contexto tão particular a oportunidade de sublinhar a especial preocupação, a todos os títulos legítima, que suscitam as últimas decisões proferidas pelos tribunais administrativos em Portugal, inusualmente céleres, mas todas votadas ao insucesso dos direitos dos particulares, com o único fito de salvaguardar o orçamento do Estado, poupando-o sempre que intervém como parte em ações de responsabilidade: mas ainda assim cabe perguntar se será este o desiderato de um Estado de Direito?!?





7. Nos presentes autos verifica-se a ocorrência dos pressupostos, ditos clássicos, da responsabilidade civil extracontratual do Estado (e que a própria decisão recorrida foi deixando antever à medida que foi utilizando cada um dos argumentos para afastar a obrigação de indemnizar por parte do Estado): a) atos e omissões juridicamente relevantes e, neste sentido, ilícitos; b) culpa; c) prejuízo; d) nexo de causalidade.





8. Em primeiro lugar estamos perante um conjunto de atos ou comportamentos humanos, ativos e omissivos, que são dominados ou domináveis pela vontade humana, sendo que tais atos e omissões revestem a natureza ilícita que, no caso, decorre da demora de 11 anos para decidir um processo comum em tribunal singular, em que não existia originalidade nos fundamentos da ação, não revestia a matéria de facto especial complexidade, não era volumoso o processo, não existia um número considerável de partes no processo (dois assistentes e dois arguidos, ao princípio; um arguido no final), nem era elevado o número de testemunhas ou peritos ou outros elementos de prova; esta ilicitude assenta na violação da obrigação de realização de um julgamento em tempo útil ou em "prazo razoável" e, por consequência, na ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6º e 19º, nº 1, do Tratado da União Europeia e, nesta perspetiva, infringidos estão os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa.





9. Em segundo lugar, e concretamente do ponto de vista da culpa, os responsáveis pelas várias fases do processo-crime e, de modo especial os comportamentos titulados pelos responsáveis pelo julgamento, não cuidaram de garantir, com zelo e diligência, o poder/dever de direção que é imposto ao juiz por lei (artigo 6º do CPC) e que foi desrespeitado: a obrigação de "providenciarem pelo andamento célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável" (o sublinhado é nosso), e que no caso concreto permitiu demonstrar a inércia do tribunal fundada na conduta negligente ou omissiva do julgador e imputável globalmente ao Estado, que não se pautou pelo critério da diligência do "bonus pater familiae".





10. Do que resulta inexoravelmente haver um nexo de imputação ético jurídico que liga o facto à vontade do agente e que exprime uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto — neste sentido, o Estado atuou com culpa na tramitação do processo comum singular durante longos anos, sem cuidar de o fazer em obediência ao dever de agir em prazo razoável.





11. Em terceiro lugar, conclui-se que existe prejuízo que se funda na própria ofensa ao direito de julgamento num prazo razoável e que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tal como o Tribunal Constitucional Português, têm vindo a autonomizar, e que se traduz no caso concreto nos vários fatores descritos na petição inicial (prolongamento da dor pela perda de um filho; prolongamento pelo sentimento de impunidade e de injustiça; modificação da personalidade e do caráter com encerramento face aos outros; descrença na sociedade; depressão, perda de sono e redução das atividades que antes davam ânimo e alegria; desgaste psicológico e ansiedade pelo prolongado desfecho do processo judicial; negação do sentimento de Justiça; aviltamento, perseguição e humilhação), sendo este prejuízo autónomo, face à perda do filho que motivou o processo-crime, e indemnizável, à luz dos critérios legais previstos nos artigos 483º, 494º e 496º do Código Civil e no artigo 12º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.





12. Em quarto lugar, existe nexo de causalidade, no sentido de causalidade adequada, em virtude de as ações e omissões juridicamente relevantes serem suscetíveis de se mostrar, face à experiência comum, como adequadas à produção do dano ocorrido, havendo fortes probabilidades de o originar; e, assim, o evento é a causa adequada do efeito produzido.





13. Acresce que uma decisão que, como a dos autos, faz imputar aos cidadãos o atraso na justiça, surdindo tal fundamento na existência de mecanismos processuais diversificados admitidos pelo próprio sistema, põe em causa o direito de obtenção de um julgamento em prazo razoável e, por consequência, ofende o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º, nºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6º e 19º, nº1, do Tratado da União Europeia, e, nesta perspetiva, infringe os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8º, nºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa, e é, como tal, equivalente a uma decisão judicial que aplica norma cuja inconstitucionalidade é suscitada durante o processo.





14. Ao mesmo tempo, uma decisão judicial que, como a dos autos, põe em causa o princípio da responsabilidade das entidades públicas consagrado no artigo 22º do texto constitucional, por se recusar a proceder à sua aplicação num caso em que existe a obrigação de indemnizar assente num prejuízo causado decorrente de atos e omissões praticados pelo Estado no exercício da função judicial, é equivalente a uma decisão judicial que recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.





15. Nesta dupla perspetiva, a decisão recorrida é suscetível de ter uma interpretação normativa genérica e aplicável 'erga omnes' e, por isso, é inconstitucional, da mesma cabendo recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que é equivalente a uma decisão que tanto aplica norma cuja inconstitucionalidade é suscitada durante o processo, como se recusa a aplicar norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280º, n.º1, alíneas a) e b), da Constituição da República Portuguesa.





16. Conclui-se, por fim, que se justifica a colocação de uma questão prejudicial de reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia a propósito da interpretação correta a dar a direitos fundamentais, como são o direito a um julgamento em prazo razoável e o direito à tutela jurisdicional efetiva, enquanto direitos gerais da União Europeia, ao abrigo da competência que os artigos 19º, nº1, do Tratado da União Europeia e 267º, primeiro parágrafo, alínea a), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia lhe conferem, e que se requer no final do presente articulado para garantia da interpretação e aplicação exigíveis no quadro do Direito da União Europeia.


Requereram ainda o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com a colocação da seguinte questão prejudicial, sustentando ser a resposta interpretativa suscetível de obstar à boa decisão da causa no processo principal até que seja pronunciado e fixado o Direito da União Europeia aplicável ao caso concreto: «Uma decisão que, como a dos autos, nega aos particulares lesados o ressarcimento da obrigação de indemnizar imputável ao Estado Português, em sede de responsabilidade civil extracontratual, assente numa pendência de onze (11) anos, decorrente da tramitação anormal de um processo comum singular, devida à inércia do Tribunal (mas que este imputa à responsabilidade das próprias partes), é conforme ou põe em causa o direito à obtenção de um julgamento em prazo razoável e o direito à tutela jurisdicional efetiva, enquanto princípios gerais do Direito da União Europeia, e como tal consagrados no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?»
Com o recurso juntaram ainda doze (12) documentos.


O Recorrido ESTADO PORTUGUÊS, contra-alegou, sustentando dever ser indeferido o requerido reenvio prejudicial por o Tribunal nacional não ter sido confrontado com qualquer dúvida sobre a interpretação e aplicação de qualquer norma de direito comunitário; requerendo o desentranhamento dos documentos juntos com o recurso, por a sua junção ser inadmissível, nos termos dos artigos 425º e 651º do CPC; e no mais pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão de improcedência da ação proferida pelo Tribunal a quo. Concluiu formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
I. No presente recurso jurisdicional, os Recorrentes não impugnaram a matéria de facto dada por provada.

II. Consequentemente, na economia do presente recurso, teremos de nos ater à seguinte factualidade dada por provada:

A) Em razão do parto do feto de que estava grávida a ora Autora, ocorrida no dia 2.3.2002, no Hospital ………………., na Amadora, por acção do médico Francisco ………………………….., o recém-nascido faleceu - ver docs. Juntos aos autos.

B) Este episódio deu origem ao processo-crime n°4022/02.9TDLSB tendo o Ministério Público deduzido acusação contra aquele médico, por prática de crime de homicídio negligente, p e p pelo artº137°, nº1 do Código Penal, e contra outro médico que esteve na sala de partos, de nome Ana …………………………………… - ver docs juntos aos autos.

C) Os ora Autores deduziram pedido de indemnização cível no processo-crime.

D) No mesmo processo foi requerida a abertura de instrução pelos arguidos - ver docs juntos aos autos.

E) Os arguidos foram pronunciados - ver docs juntos aos autos.

F) Foram deduzidas contestações pelos arguidos, Hospital ……………… e I……….. …………………. - ver docs juntos aos autos.

G) O processo comum singular foi julgado e decidido por sentença proferida no dia 11.06.2008, da 3ª seção do 4° Juízo Criminal de Lisboa, tendo os arguidos sido absolvidos dos crimes porque vinham pronunciados - ver doc n°2 junto com a petição inicial.

H) Os ora Autores interpuseram recurso da decisão - ver docs juntos aos autos.

I) Por acórdão de 16.09.2009, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento ao recurso, alterando a matéria de facto provada e não provada, revogando a sentença da 1ª instância, quanto à absolvição do médico, condenando-o pela prática de um crime de homicídio por negligência, p e p pelo artº137, n°1 do CP, ordenando a remessa dos autos à 1ª instância para reabertura da audiência e determinação da pena a aplicar e apreciação do pedido de indemnização - ver doc n°4 junto com a petição inicial.

J) O médico interpôs recurso da decisão para o STJ - ver docs juntos aos autos.

K) Não tendo o recurso sido admitido, apresentou reclamação para o Presidente do Tribunal - ver docs juntos aos autos.

L) A reclamação foi indeferida e o médico interpôs recurso para o Tribunal Constitucional - ver docs juntos aos autos.

M) A 27.9.2010 foi proferida decisão sumária pelo relator da 1ª seção do Tribunal Constitucional, no sentido de não tomar conhecimento do recurso - ver doc n° 5 junto com a petição inicial.

N) O médico reclamou desta decisão sumária - ver doc n°6 junto com a petição inicial.

O) Por acórdão de 10.11.2010, o Tribunal Constitucional confirmou a decisão reclamada - ver doc n°6 junto com a petição inicial.

P) O processo baixou à 1ª instância, onde foi julgado e decidido, por sentença de 5.04.2011, que condenou o médico na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 6 meses, e no pagamento de uma indemnização, solidariamente com o Hospital, de € 40.000,00 - ver doc nº7 junto com a petição inicial.

Q) Os ora Autores recorreram da decisão - ver docs juntos aos autos.

R) Por acórdão de 8.11.2011, proferido pela 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi concedido parcial provimento ao recurso e o médico condenado na pena de 10 meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de € 80,00, e no pagamento de indemnização de € 50.000,00, acrescida de juros - ver doc n° 8 junto com a petição inicial.

S) O médico recorreu para o STJ - ver docs juntos aos autos.

T) Em 20.6.2012, a 3ª seção do STJ rejeitou o recurso interposto, confirmando o acórdão recorrido - ver doc n°9 junto com a petição inicial.

U) O médico arguiu a nulidade da decisão - ver doc n°10 junto com a petição inicial.

V) Por acórdão de 19.9.2012, a 3ª secção do STJ indeferiu o requerimento em que o médico arguiu a nulidade - ver doc n°10 junto com a petição inicial.

W) O médico requereu a declaração de prescrição do procedimento criminal- ver docs juntos aos autos.

X) Por decisão sumária do STJ de 15.11.2012, foi rejeitado liminarmente, por manifesta improcedência, o pedido do médico no sentido de declarar prescrito o procedimento criminal contra ele dirigido - ver doc n°11 junto com a petição inicial.

Y) Desta decisão o médico reclamou para a conferência - ver docs juntos aos autos.

Z) Por acórdão de 9.1.2013, o STJ confirmou a decisão sumária — ver doc n°12 junto com a petição inicial."

III. A segunda questão refere-se aos 12 documentos que os recorrentes juntaram, com as alegações de recurso.

IV. Não tendo sido impugnada a matéria de facto dada por provada, e atendendo a que se trata de documentação com data muito anterior à da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos, a que os Autores tiveram necessariamente acesso antes da entrada do processo em Tribunal, afigura-se inadmissível, por intempestiva, a junção de tais documentos, nesta fase de recurso, devendo pois ordenar-se o seu desentranhamento e devolução aos apresentantes - art°s 425° e 651° CPC, aplicáveis por força do disposto no artº1° CPTA.

V. Por último, cumpre referir que não se encontram preenchidos os requisitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da Justiça.

VI. A douta sentença recorrida fez uma análise ponderada dos factos e do Direito, tendo decidido de acordo com a lei nacional e comunitária, não merecendo pois qualquer reparo.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/DAS QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, importa aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quanto à solução jurídica da causa, ao julgar improcedente a ação de responsabilidade civil extracontratual com fundamento na não verificação dos pressupostos de ilicitude, culpa e nexo de causalidade.
Cumprirá, ainda, e previamente, decidir da admissibilidade, ou não, da junção de documentos apresentados com o recurso bem como do requerido reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia das Comunidades.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Pelo Tribunal a quo foi dada como provada a seguinte factualidade:

A) Em razão do parto do feto de que estava grávida a ora Autora, ocorrida no dia 2.3.2002, no Hospital …………………, na Amadora, por acção do médico Francisco ……………………, o recém-nascido faleceu - ver docs. Juntos aos autos.

B) Este episódio deu origem ao processo-crime n°……../02.9TDLSB tendo o Ministério Público deduzido acusação contra aquele médico, por prática de crime de homicídio negligente, p e p pelo artº137°, nº1 do Código Penal, e contra outro médico que esteve na sala de partos, de nome Ana ……………………….. - ver docs juntos aos autos.

C) Os ora Autores deduziram pedido de indemnização cível no processo-crime- ver docs juntos aos autos.

D) No mesmo processo foi requerida a abertura de instrução pelos arguidos - ver docs juntos aos autos.


E) Os arguidos foram pronunciados - ver docs juntos aos autos.

F) Foram deduzidas contestações pelos arguidos, Hospital …………… e I…………B…………. - ver docs juntos aos autos.

G) O processo comum singular foi julgado e decidido por sentença proferida no dia 11.06.2008, da 3ª seção do 4° Juízo Criminal de Lisboa, tendo os arguidos sido absolvidos dos crimes porque vinham pronunciados - ver doc n°2 junto com a petição inicial.

H) Os ora Autores interpuseram recurso da decisão - ver docs juntos aos autos.

I) Por acórdão de 16.09.2009, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento ao recurso, alterando a matéria de facto provada e não provada, revogando a sentença da 1ª instância, quanto à absolvição do médico, condenando-o pela prática de um crime de homicídio por negligência, p e p pelo artº137, n°1 do CP, ordenando a remessa dos autos à 1ª instância para reabertura da audiência e determinação da pena a aplicar e apreciação do pedido de indemnização - ver doc n°4 junto com a petição inicial.

J) O médico interpôs recurso da decisão para o STJ - ver docs juntos aos autos.

K) Não tendo o recurso sido admitido, apresentou reclamação para o Presidente do Tribunal - ver docs juntos aos autos.

L) A reclamação foi indeferida e o médico interpôs recurso para o Tribunal Constitucional - ver docs juntos aos autos.

M) A 27.9.2010 foi proferida decisão sumária pelo relator da 1ª seção do Tribunal Constitucional, no sentido de não tomar conhecimento do recurso - ver doc n° 5 junto com a petição inicial.

N) O médico reclamou desta decisão sumária - ver doc n°6 junto com a petição inicial.

O) Por acórdão de 10.11.2010, o Tribunal Constitucional confirmou a decisão reclamada - ver doc n°6 junto com a petição inicial.


P) O processo baixou à 1ª instância, onde foi julgado e decidido, por sentença de 5.04.2011, que condenou o médico na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 6 meses, e no pagamento de uma indemnização, solidariamente com o Hospital, de € 40.000,00 - ver doc nº7 junto com a petição inicial.


Q) Os ora Autores recorreram da decisão - ver docs juntos aos autos.


R) Por acórdão de 8.11.2011, proferido pela 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi concedido parcial provimento ao recurso e o médico condenado na pena de 10 meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de € 80,00, e no pagamento de indemnização de € 50.000,00, acrescida de juros - ver doc n° 8 junto com a petição inicial.


S) O médico recorreu para o STJ - ver docs juntos aos autos.


T) Em 20.6.2012, a 3ª seção do STJ rejeitou o recurso interposto, confirmando o acórdão recorrido - ver doc n°9 junto com a petição inicial.




U) O médico arguiu a nulidade da decisão - ver doc n°10 junto com a petição inicial.




V) Por acórdão de 19.9.2012, a 3ª secção do STJ indeferiu o requerimento em que o médico arguiu a nulidade - ver doc n°10 junto com a petição inicial.




W) O médico requereu a declaração de prescrição do procedimento criminal- ver docs juntos aos autos.




X) Por decisão sumária do STJ de 15.11.2012, foi rejeitado liminarmente, por manifesta improcedência, o pedido do médico no sentido de declarar prescrito o procedimento criminal contra ele dirigido - ver doc n°11 junto com a petição inicial.




Y) Desta decisão o médico reclamou para a conferência - ver docs juntos aos autos.




Z) Por acórdão de 9.1.2013, o STJ confirmou a decisão sumária — ver doc n°12 junto com a petição inicial."

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B – De direito
1. Da admissibilidade ou não da junção dos documentos apresentados pelas recorrentes com as suas alegações de recurso
Com as suas alegações de recurso as recorrentes juntaram doze (12) documentos.
De harmonia com o disposto no artigo 651º nº 1 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), aplicável aos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, e aqui temporalmente aplicável em face da data em que a ação foi instaurada (23/11/2013), “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”.
Ressuma deste normativo que a junção da prova documental deve ocorrer na 1ª instância, já que os documentos se hão-de destinar a demonstrar factos cuja verificação o Tribunal é chamado a aferir no respetivo julgamento.
De modo que apenas será legítimo às partes juntarem documentos com as respetivas alegações de recurso quando a sua apresentação não tenha sido possível em momento oportuno na 1ª instância. Impossibilidade que poderá decorrer quer da superveniência objetiva do documento quer da sua superveniência subjetiva (conhecimento). E será também legítima a apresentação de documentos com as alegações quando a sua apresentação se revele necessária por virtude da decisão proferida (designadamente quando esta se revê surpreendente relativamente ao que seria expetável) - (vide a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2ª Edição, pág. 189-190).
O presente recurso vem interposto da decisão de improcedência do pedido indemnizatório que os autores, aqui recorrentes, formularam contra o réu ESTADO PORTUGUÊS, com fundamento em violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, decisão que foi proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo em 06/06/2014, em sede de despacho-saneador, ao abrigo do disposto nos artigos 593º nº 1 e 595º nº 1 do CPC novo, ex vi dos artigos 35º nº 1 e 42º nº 1 do CPTA (na redação à data, anterior à dada pelo DL. 214-G/2015, de 2 de Outubro), logo após a apresentação da contestação pelo réu ESTADO PORTUGUÊS, e respetiva notificação aos autores, por ter entendido que o processo fornecia os elementos necessários para conhecer de imediato da daquela pretensão.
Isso, não obstante, o ESTADO PORTUGUÊS ter requerido na sua contestação, que fosse requisitado ao tribunal criminal o identificado Processo Comum Singular n° ………../02.9TDLSB, do 4° Juízo Criminal de Lisboa, 3a Seção, a que se reporta o invocado atraso na justiça, por forma a demonstrar o historial daquele processo, cujos respetivos atos processuais e datas ali elencou (vide artigo 7º da contestação), e os documentos juntos pelos autores com a sua petição inicial não os refletirem integralmente (como resulta da contraposição de uns e outros).
E porque na sentença recorrida se entendeu que «…resulta dos factos alegados e provados, que os Autores nunca identificaram qualquer ato ou omissão da secretaria ou dos magistrados que demonstrasse delonga na tramitação ou decisão da causa» e que «…o tempo decorrido entre o início do processo e até ser proferida decisão final, cerca de dez anos, não foi consequência da inoperância do sistema de Administração da Justiça» mas fruto da «…intensa atividade processual desenvolvida por todos os sujeitos processuais, incluindo os Autores, que utilizaram todos os meios processuais ao seu dispor, facultados pela lei, na defesa dos direitos que entendiam assistir-lhes», entendimento contra o qual se insurgem, defendendo, entre o demais, que a duração total do processo-crime, de cerca de 11 anos, ultrapassou todos os limites expectáveis e razoáveis, e que foram também violados os prazo de duração máxima previstos na lei para cada fase processual, que indica, tendo o processo-crime estado pendente em 1ª instância durante mais de seis (6) anos e decorrido mais cinco (5) anos até ao trânsito em julgado da decisão definitiva, de modo que não obstante a referida intensa atividade processual, o sistema judicial não demonstrou capacidade de resposta mais célere para resolver e abreviar todos as sucessivas ocorrências processuais.
O que explica, e justifica, a junção aos autos dos novos documentos agora apresentados pelos recorrentes com as suas alegações de recurso.
O que se decide.
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2. Do requerido reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia
Os recorrentes requereram no recurso o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com a colocação da seguinte questão prejudicial, sustentando ser a resposta interpretativa suscetível de obstar à boa decisão da causa no processo principal até que seja pronunciado e fixado o Direito da União Europeia aplicável ao caso concreto: «Uma decisão que, como a dos autos, nega aos particulares lesados o ressarcimento da obrigação de indemnizar imputável ao Estado Português, em sede de responsabilidade civil extracontratual, assente numa pendência de onze (11) anos, decorrente da tramitação anormal de um processo comum singular, devida à inércia do Tribunal (mas que este imputa à responsabilidade das próprias partes), é conforme ou põe em causa o direito à obtenção de um julgamento em prazo razoável e o direito à tutela jurisdicional efetiva, enquanto princípios gerais do Direito da União Europeia, e como tal consagrados no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?».
O referido artigo 267º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia), prevê efetivamente o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia quando seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros da União Europeia questão atinente com a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União Europeia.
Sucede é que na situação presente o quadro normativo convocado não admite, por um lado, e não justifica, por outro, o requerido reenvio.
É que, deve explicitar-se, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em cujo artigo 6º nº 1 é assegurado o direito a uma decisão judicial em prazo razoável, foi adotada no âmbito do Conselho da Europa, em Paris, a 4 de Novembro de 1950, e que foi ratificada por Portugal através da Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, organização internacional distinta da União Europeia nem confundível com qualquer dos seus órgãos ou instituições, designadamente com o Conselho Europeu ou com o Conselho da União Europeia (cfr. artigo 13º do Tratado da União Europeia, versão consolidada).
Assim, e pelo exposto, indefere-se o requerido reenvio.
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3. Do mérito do recurso
3.1 Da decisão recorrida
É objeto do presente recurso a decisão de improcedência do pedido indemnizatório que os autores, aqui recorrentes, formularam contra o réu ESTADO PORTUGUÊS, com fundamento em violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, decisão que foi proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo em 06/06/2014, em sede de despacho-saneador (saneador-sentença), ao abrigo do disposto nos artigos 593º nº 1 e 595º nº 1 do CPC novo, ex vi dos artigos 35º nº 1 e 42º nº 1 do CPTA (na redação à data, anterior à dada pelo DL. 214-G/2015, de 2 de Outubro), por ter entendido que o processo fornecia os elementos necessários para conhecer de imediato da daquela pretensão.
Nela começou por fazer-se o seguinte enquadramento jurídico, nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
No ordenamento jurídico português o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva – cfr art 20º, nº 4 e 5 e art 268º, nº 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa – e a infracção a esse direito constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual – ver arts 22º da Constituição da República Portuguesa, art 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, DL nº 48051, de
11.1967 (revogado pela Lei nº 67/2007, de 31.12).
O art 22º da Constituição da República Portuguesa define a responsabilidade civil do Estado e seus órgãos e agentes nos termos seguintes:
«O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções e omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
O DL nº 48.051, de 21.11.1967 regulou a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, no domínio dos actos de gestão pública.
A 31.12.2007 foi publicada a Lei nº 67/2007, que aprovou o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, o qual entrou em vigor no dia 30.1.2008 e revogou o DL nº 48.051, de 21.11.1967.
Em matéria de aplicação de lei no tempo rege o princípio que resulta do art 12º do Código Civil, que é no sentido de que a lei nova entra em vigor para ser aplicada aos factos posteriores à sua entrada em vigor, com respeito do regido pela lei antiga.
No caso, como o Réu Estado vem demandado com base no instituto de responsabilidade civil extracontratual decorrente de «incompreensível e injustificável» atraso no exame de um processo crime, iniciado em março de 2002 e terminado em janeiro de 2013, serão aplicáveis em concorrência e sucessivamente o regime previsto no DL nº 48.051, de 21.11.1967, e na Lei nº 67/2007, de 31.12.
De todo o modo, lendo o art 2º, nº 1 do citado DL nº 48051, de 21.11.1967, ou o art 7º, nº 1 da Lei nº 67/2007, de 31.12, ficamos a saber que a responsabilidade civil
extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, depende da verificação cumulativa dos pressupostos seguintes:
1. o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário;
2. a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
3. a culpa, nexo de imputação ético-jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
4. o dano, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
5. o nexo de causalidade entre o facto e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa.

Este tipo de responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no art 483º, nº 1 do Código Civil (cfr Ac do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.1.1987, in Ac Dout, nº 311, pág 1384), sendo esta o regime que se aplica à conduta do Réu.
São estes pressupostos (que, no fundo, condicionam, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante) que carecem de ser provados.»

Após o que passou a apreciar cada um daqueles pressupostos, assim enunciados, tendo por base a matéria de facto que ali foi dada como provada, tendo concluído não haver lugar à indemnização peticionada por não se mostrarem verificados, no caso, os respetivos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, mormente os de ilicitude, culpa e nexo de causalidade.
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3.2 Da tese dos recorrentes
Pugnam os recorrentes pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene o réu ESTADO PORTUGUÊS no pagamento da indemnização peticionada, sustentando para o efeito, nos termos que expõem nas suas alegações de recurso e que reconduzem às respetivas conclusões que as asserções que permitem ao Tribunal a quo fundar a sua livre convicção partem de pressupostos errados, quer por não ter sido devidamente avaliada e interpretada a prova produzida nos autos, quer por ter havido uma leitura simplista das dificuldades que opõem os cidadãos à ausência de uma justiça célere, não podendo os Tribunais contribuir para que a verdade se torne definitivamente oculta, sem que haja qualquer ato passível de responsabilização jurídica quando estão em causa magistrados incautos e um Estado europeu que não sabe cuidar de levar à prática mecanismos eficazes de realização do Direito; que a decisão recorrida se limita, como faz e não devia fazer, pelo menos no caso concreto, a adotar uma “chapa cinco” de desresponsabilização do sistema estadual e de imputação das inúmeras vias processuais aos desgraçados dos cidadãos que não têm culpa de recorrer aos, tribunais para ver assegurados os seus direitos; que na situação dos autos se está perante pais que perderam um filho às mãos de médicos que atuaram negligentemente, tendo o seu processo-crime ultrapassado onze (11) anos, o que configura um prazo que ultrapassa todos os limites expectáveis e razoáveis; que foram violados os prazos de duração máxima previstos na lei para cada fase processual (oito meses para o inquérito, 4 meses para a instrução), tendo sido necessários 2 anos e 7 meses para a conclusão do inquérito; 7 meses para a conclusão da instrução; 3 anos para a conclusão do julgamento, sem que os recorrentes, ou sequer os demais sujeitos processuais, tenham contribuído para essa delonga, tendo o processo-crime estado pendente em 1ª instância durante mais de seis (6) anos; que daí até ao trânsito em julgado da decisão definitiva (que teve lugar em 09.01.2013) decorreram, mais cinco (5) anos, o que mesmo que aponte para uma intensa atividade processual em nada permite explicar que o sistema judicial não tenha demonstrado uma capacidade de resposta mais célere para resolver e abreviar todos estes incidentes, requerimentos e recursos, especialmente porque a maior parte deste tempo foi consumida, uma vez mais, por inércia ou ineptidão do Tribunal que julgou este caso em 1ª instância, já que o mesmo violou regras processuais tendo valorado, reapreciado e realterado a prova fixada pela instância superior, o que implicou a necessidade de anulação da primitiva sentença depois de se ter consumido um período de tempo evitável que se traduziu em cerca de mais dois (2) anos de litígio inútil (entre 11.06.2008, data da sentença proferida em 1.ª instância, e 08.11.2011, data do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa); que o tempo restante não consumiu mais de seis (6) meses entre pendências no Supremo Tribunal de Justiça e no Tribunal Constitucional; que naqueles autos os ora recorrentes, sem terem contribuído para qualquer desses atrasos, viram de tudo: decisões de prorrogação de prazos de investigação; prazos de duração máxima ultrapassados para cada uma das fases do processo-crime, o que os obrigou até a fazer pedidos de aceleração processual; paralisação do processo por longos períodos temporais sem qualquer justificação; paralisação do processo por motivo de pendência de recursos sem efeito suspensivo; início e repetição de depoimentos em longas sessões de julgamento; protelamento e adiamento de audiências por "impossibilidade de agenda" do tribunal; uma secretaria judicial com um volume de 800 processos atrasados; pedidos de escusa de juízes e de magistrados do Ministério Público; decisões judiciais de declaração de ineficácia da prova já anteriormente produzida; decisões judiciais proferidas em primeira instância em desobediência a decisões anteriores de Tribunais superiores; decisões judiciais anuladas: vários comportamentos relapsos, inúteis e censuráveis demonstrados por magistrados de 1ª instância; que neste contexto específico não é sério ou legítimo imputar a responsabilidade da ineficácia no funcionamento de um sistema de justiça como este aos próprios cidadãos, a todos os títulos prejudicados por tribunais que não funcionam e que originam excesso de pendência, como faz a decisão recorrida; que no caso se verifica a ocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que a decisão recorrida foi deixando antever à medida que foi utilizando cada um dos argumentos para afastar a obrigação de indemnizar por parte do Estado: a) atos e omissões juridicamente relevantes e, neste sentido, ilícitos; b) culpa; c) prejuízo; d) nexo de causalidade.
No que respeita à ilicitude dizem os recorrentes estar-se perante um conjunto de atos ou comportamentos humanos, ativos e omissivos, que são dominados ou domináveis pela vontade humana, sendo que tais atos e omissões revestem a natureza ilícita que, no caso, decorre da demora de 11 anos para decidir um processo comum em tribunal singular, em que não existia originalidade nos fundamentos da ação, não revestia a matéria de facto especial complexidade, não era volumoso o processo, não existia um número considerável de partes no processo (dois assistentes e dois arguidos, ao princípio; um arguido no final), nem era elevado o número de testemunhas ou peritos ou outros elementos de prova; que esta ilicitude assenta na violação da obrigação de realização de um julgamento em tempo útil ou em "prazo razoável" e, por consequência, na ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6º e 19º, nº 1, do Tratado da União Europeia e, nesta perspetiva, infringidos estão os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa.
No que se refere à culpa, dizem os recorrentes que os responsáveis pelas várias fases do processo-crime e, de modo especial os comportamentos titulados pelos responsáveis pelo julgamento, não cuidaram de garantir, com zelo e diligência, o poder/dever de direção que é imposto ao juiz por lei (artigo 6º do CPC) e que foi desrespeitado: a obrigação de "providenciarem pelo andamento célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável" (o sublinhado é nosso), e que no caso concreto permitiu demonstrar a inércia do tribunal fundada na conduta negligente ou omissiva do julgador e imputável globalmente ao Estado, que não se pautou pelo critério da diligência do "bonus pater familiae".
Acrescentando então que daqui resulta inexoravelmente haver um nexo de imputação ético jurídico que liga o facto à vontade do agente e que exprime uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto, dizendo que, neste sentido, o Estado atuou com culpa na tramitação do processo comum singular durante longos anos, sem cuidar de o fazer em obediência ao dever de agir em prazo razoável.
Defendem ainda os recorrentes existir prejuízo, que se funda na própria ofensa ao direito de julgamento num prazo razoável e que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tal como o Tribunal Constitucional Português, têm vindo a autonomizar, e que se traduz no caso concreto nos vários fatores descritos na petição inicial (prolongamento da dor pela perda de um filho; prolongamento pelo sentimento de impunidade e de injustiça; modificação da personalidade e do caráter com encerramento face aos outros; descrença na sociedade; depressão, perda de sono e redução das atividades que antes davam ânimo e alegria; desgaste psicológico e ansiedade pelo prolongado desfecho do processo judicial; negação do sentimento de Justiça; aviltamento, perseguição e humilhação), sendo este prejuízo autónomo, face à perda do filho que motivou o processo-crime, e indemnizável, à luz dos critérios legais previstos nos artigos 483º, 494º e 496º do Código Civil e no artigo 12º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
E por último, pugnam existir nexo de causalidade, no sentido de causalidade adequada, em virtude de as ações e omissões juridicamente relevantes serem suscetíveis de se mostrar, face à experiência comum, como adequadas à produção do dano ocorrido, havendo fortes probabilidades de o originar; e, assim, o evento é a causa adequada do efeito produzido.
A este argumentário acrescentam os recorrentes que uma decisão que, como a dos autos, faz imputar aos cidadãos o atraso na justiça, surdindo tal fundamento na existência de mecanismos processuais diversificados admitidos pelo próprio sistema, põe em causa o direito de obtenção de um julgamento em prazo razoável e, por consequência, ofende o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º, nºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6º e 19º, nº1, do Tratado da União Europeia, e, nesta perspetiva, infringe os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8º, nºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa, e é, como tal, equivalente a uma decisão judicial que aplica norma cuja inconstitucionalidade é suscitada durante o processo, ao mesmo tempo em que põe em causa o princípio da responsabilidade das entidades públicas consagrado no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, por se recusar a proceder à sua aplicação num caso em que existe a obrigação de indemnizar assente num prejuízo causado decorrente de atos e omissões praticados pelo Estado no exercício da função judicial, sendo equivalente a uma decisão judicial que recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade e que assim, nesta dupla perspetiva, a decisão recorrida é suscetível de ter uma interpretação normativa genérica e aplicável “erga omnes” sendo, por isso, inconstitucional, da mesma cabendo recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que é equivalente a uma decisão que tanto aplica norma cuja inconstitucionalidade é suscitada durante o processo, como se recusa a aplicar norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280º, n.º1, alíneas a) e b), da Constituição da República Portuguesa.
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3.3 Da análise e apreciação das questões
3.3.1 Do erro quanto ao pressuposto da ilicitude
3.3.1.1 A propósito do facto e da sua ilicitude a decisão recorrida começou por explanar o seguinte, que se passa a transcrever:
«Do facto.
O facto consiste num acto jurídico ou num facto material traduzido num comportamento humano voluntário, que pode revestir a forma de ação ou de omissão.
Por via de regra, o ato jurídico deriva de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva. Já o facto material é normalmente produto ou resultado da execução ou omissão de tarefas, de ordens e atividades dos agentes ao serviço da pessoa colectiva, no nosso caso, o Estado Português.
Do que ficou provado, estamos aqui perante um ato ou comportamento humano omissivo dominado ou dominável pela vontade.
Da ilicitude.
O pressuposto da ilicitude decorre, no caso, da demora de 11 anos para decidir um processo comum singular.
Vejamos então se se verifica.
O art 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito a uma «decisão judicial em prazo razoável».
Nos termos do art 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13.10, e aplicável nos termos do art 8º da Constituição da República Portuguesa, «qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada num prazo razoável por um Tribunal, o qual decidirá sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil».
Ainda, e não obstante o nosso processo civil ser dominado pelo princípio do dispositivo – art 264º do Código de Processo Civil de 1961 e art 5º do Código de Processo Civil de 2013 – o poder de direção do processo cumpre ao juiz, que, de acordo com o art 265º, nº 1 do Código de Processo Civil de 1961 e art 6º do Código de Processo Civil de 2013, deve «providenciar pelo andamento célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável».
Diz-nos a jurisprudência – Ac do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.3.2006, processo nº 5/04 – que: «A mera e formal constatação em abstrato da inobservância dum prazo processual fixado na lei para prolação de decisão por parte dum magistrado não desencadeia ou preenche a previsão do art. 20º, nº 4 da CRP e o 6º, § 1º da CEDH e não gera a verificação do requisito da ilicitude, já que tal posicionamento equipara o decurso de prazo processual legalmente previsto para a prática dum ato com o conceito de obtenção de decisão em «prazo razoável», confundindo os dois conceitos, o que não nos parece legítimo e corresponder a adequada interpretação deste último conceito, sendo que se inexiste constitucionalização dos prazos processuais não devemos considerar como fonte de anormal funcionamento da administração da justiça todo e qualquer atraso ou incumprimento dos prazos processuais pelas partes ou pela Administração.
A apreciação e integração do conceito de justiça em «prazo razoável» ou de obtenção de decisão em «prazo razoável» constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido in concreto e nunca em abstrato, pelo que, nessa tarefa, nunca nos poderemos socorrer única e exclusivamente do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos atos processuais pelos vários intervenientes.
A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida, no caso vertente (uma ação cível declarativa), a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso (incluindo a junto do Tribunal Constitucional) e ainda a fase executiva».
Atendendo, tal como o fez o sumário do Ac do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.10.1998, processo nº 36.811, in www.dgsi.pt/jsta, a que na apreciação do prazo razoável, «os elementos a considerar são designadamente: complexidade da causa, comportamento dos demandantes, conduta dos órgãos, funcionários e agentes do serviço de justiça».
Também, neste sentido, J. J. Gomes Canotilho, em anotação ao AC do Supremo Tribunal Administrativo, de 7.3.1989, in RLJ, ano 123º, 1.2.1991, nº 3799, pág 307 e a jurisprudência do Tribunal Europeu (por ex: decisão de 26.10.1988, no caso Martins Moreira contra o Estado Português; de 23.3.1994, no caso Silva Pontes contra Portugal, recentemente esta jurisprudência acrescentou um outro elemento que se prende com o assunto do processo e ao significado que ele pode ter para o requerente).
A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem avalia a razoabilidade da duração dum processo de acordo com os critérios seguintes:
- o da complexidade do processo,
- o do comportamento das partes,
- o da atuação das autoridades competentes no processo,
- o que se prende com o assunto do processo e o significado que ele pode ter para os Autores.
Na complexidade do processo devem analisar-se as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo [mormente, número de pessoas/partes
envolvidas na acção; tipo de peças processuais, nomeadamente, articulados; produção de prova e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional; sentença (as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio); número de jurisdições envolvidas por via de recursos; elaboração da conta].
O segundo critério – a avaliação do comportamento das partes - atende não só ao uso do processo para o exercício ou efectivação de direitos como à utilização de mecanismos processuais (afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória). Daí que o TEDH exige que o queixoso, aqui A., tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes.
Relativamente ao terceiro critério atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo, mas, também, ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais.
A este propósito o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infracção ao art 6º da CEDH, porquanto face à ratificação desta Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respectivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele art 6º.
Também a justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho não tem merecido aceitação pois se pode afastar a responsabilidade pessoal dos juízes não afasta a responsabilidade dos Estados.
Assim, para efeitos de avaliar se houve violação do direito à justiça em “prazo razoável” a conduta negligente ou omissiva do juiz é equivalente à inércia do tribunal ou de qualquer autoridade dependente do tribunal em que corre o processo. Nessa medida, quer estejamos perante actuação ou omissão de juiz, quer estejamos face a ausência de juiz, de falta de juízes por não haverem sido formados ou por má gestão dos respectivos quadros face ao volume de serviço do tribunal (deficiente definição dos quadros), quer, ainda, quando haja grande volume de serviço e não haja um adequado quadro de funcionários judiciais, o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial.
Por fim, quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objeto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida
pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes.
Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante, a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, mormente, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas (sua regularização).
O critério da finalidade do processo assume importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa irreparável. Com efeito, o tardar numa decisão judicial para além daquilo que foi o prazo alegado ou reclamado como necessário para evitar tal ofensa poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, desvirtuando-se por completo o direito à tutela jurisdicional efectiva em sede cautelar (cfr Ac do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.3.2006, processo nº 5/04).»

Após o que, visando subsumir a situação dos autos aos critérios que ali enunciou, suportada nos entendimentos jurisprudenciais que citou, a Mmª Juíza do Tribunal discorreu o seguinte:
«Munidos destes critérios, passamos a aferir, se no caso, ocorreu violação do direito à obtenção de uma decisão no processo crime em tempo razoável, no processo crime nº ………../02.9TDLSB, da 3ª seção do Tribunal Criminal de Lisboa.
In casu, constata-se que o processo em causa foi um processo comum singular, pelo óbito de um recém-nascido no trabalho de parto, ocorrido em 2.3.2002, no Hospital Fernando da Fonseca.
Desde logo, resulta dos factos alegados e provados, que os Autores nunca identificaram qualquer ato ou omissão da secretaria ou dos magistrados que demonstrasse delonga na tramitação ou decisão da causa.
O que os Autores alegaram e provaram foram as fases e intervenientes processuais por que o processo-crime passou, desde que teve início, no ano de 2002, até ao seu desfecho, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
O que evidência, como bem nota o Ministério Público, a intensa atividade processual desenvolvida por todos os sujeitos processuais, incluindo os Autores, que utilizaram todos os meios processuais ao seu dispor, facultados pela lei, na defesa dos direitos que entendiam assistir-lhes.
Com efeito, a denúncia pelo óbito do recém-nascido ocorreu no ano de 2002, imputando os ora Autores falta de diligência aos médicos que assistiram a Autora no trabalho de parto, no dia 2.3.2002, e que culminou com a morte do recém-nascido.
O processo foi investigado, em fase de inquérito, e proferido despacho de encerramento.
Da acusação foi requerida a abertura de instrução e proferido despacho de pronúncia.
Os Autores deduziram pedido cível, que foi contestado.
Foi realizado o julgamento.
Proferida sentença pela 1ª instância.
Dela interposto recurso pelos Autores.
Decidido parcialmente a favor dos recorrentes.
Com a decisão não concordou o arguido, que interpôs recurso para o STJ.
O recurso não foi admitido.
O arguido apresentou reclamação para o Presidente do STJ.
Que lhe foi indeferida.
Ainda assim formulou pedido de aclaração.
Que indeferido foi seguido de recurso para o Tribunal Constitucional.
O recurso não foi admitido, mas o arguido reclamou.
Foi então proferido acórdão pelo Tribunal Constitucional.
Os autos baixaram à 1ª instância.
Foi feito julgamento.
Seguido de sentença.
Os ora Autores não se conformaram com a decisão e dela recorreram.
O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão.
O arguido recorre da decisão.
O Supremo Tribunal de Justiça decidiu.
O arguido imputa nulidade à decisão.
O STJ proferiu acórdão.
Após o que o arguido arguiu a prescrição do procedimento criminal.
O pedido foi rejeitado por decisão sumária do STJ.
Ainda assim, o arguido reclamou para a conferência.
E, finalmente, em 9.1.2013, o STJ confirmou a decisão sumária de não prescrição.
Ou seja, as partes no processo crime, desde o início do processo até ser proferida decisão final, usaram de todos os mecanismos processuais que lhes são facultados pela lei do processo penal, pela Constituição da República Portuguesa, pelas normas do Tribunal Constitucional.
Correram todas as instâncias de recurso, incluindo a junto do Tribunal Constitucional.
Assim sendo, o tempo decorrido entre o início do processo e até ser proferida decisão final, cerca de dez anos, não foi consequência da inoperância do sistema de Administração da Justiça.
O que tudo somado, a factualidade apurada e os critérios a ter em conta, concluímos que não ocorreu no caso violação do direito dos Autores à justiça em prazo razoável, tal como vem previsto no art 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no art 6º, nº 1 da Convenção dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13.10, aplicável, nos termos do art 8º da Constituição da República Portuguesa, na nossa ordem jurídica interna, e concretizado no DL nº 48.051, de 21.11.1967, entretanto, revogado pela Lei nº 67/2007, de 31.12.
Pelo exposto, concluímos que os Autores não alegaram e os autos não dispõem de factos susceptíveis de configurar a ilicitude na atuação do Estado Português, na Administração da Justiça no processo crime nº 4022/02.9TDLSB.
Dando-se, assim, por não verificado o requisito do facto ilícito.»
3.3.1.2 Comece-se por explicitar que não obstante a Mmª Juíza do Tribunal a quo tenha começado por fazer um correto enquadramento da questão, convocando corretamente o quadro normativo aplicável, e percorrendo simultaneamente a jurisprudência e doutrina nacional, que citou, acabou por a desconsiderar na subsunção que fez quanto à situação concreta dos autos.
Com efeito, ainda que ao enunciar os critérios de aferição do prazo razoável para efeitos do disposto do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), a Mmª Juíza do Tribunal a quo tenha explanado que deveria atender-se «…não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo, mas, também, ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo» exigindo-se que o direito ao processo equitativo «…se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais», tendo relembrado simultaneamente que o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a lacuna na sua ordem jurídica, a complexidade da sua estrutura judiciária ou a insuficiência de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado, porquanto face à ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem os Estados comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes do seu artigo 6º (vide designadamente pág. 11. do saneador-sentença), veio a considerar não ocorrer no caso violação do direito dos autores à justiça em prazo razoável porque, como entendeu, «…o tempo decorrido entre o início do processo e até ser proferida decisão final, cerca de dez anos, não foi consequência da inoperância do sistema de Administração da Justiça», resultando sim da «…intensa atividade processual desenvolvida por todos os sujeitos processuais, incluindo os Autores, que utilizaram todos os meios processuais ao seu dispor, facultados pela lei, na defesa dos direitos que entendiam assistir-lhes». Designadamente por «…as partes no processo crime, desde o início do processo até ser proferida decisão final, usaram de todos os mecanismos processuais que lhes são facultados pela lei do processo penal, pela Constituição da República Portuguesa, pelas normas do Tribunal Constitucional», correndo «… todas as instâncias de recurso, incluindo a junto do Tribunal Constitucional», daí retirando que «… o tempo decorrido entre o início do processo e até ser proferida decisão final, cerca de dez anos, não foi consequência da inoperância do sistema de Administração da Justiça» (vide págs. 12 e 14 do saneador-sentença).
Passando a concluir que não tendo os autores identificado «…qualquer ato ou omissão da secretaria ou dos magistrados que demonstrasse delonga na tramitação ou decisão da causa» (porque «…o que alegaram e provaram foram as fases e intervenientes processuais por que o processo-crime passou, desde que teve início, no ano de 2002, até ao seu desfecho, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça» - vide pág. 12 do saneador-sentença) e os autos não disporem «…de factos suscetíveis de configurar a ilicitude na atuação do Estado Português, na Administração da Justiça no processo crime nº 4022/02.9TDLSB», se dava «…por não verificado o requisito do facto ilícito» (vide pág. 14 do saneador-sentença).
Ora, importa desde já precisar que a causa de pedir, tal como foi configurada pelos autores na ação, se cingiu à duração global do processo crime em causa, que os autores computaram de excessiva, alegando na petição inicial designadamente que «desde o início do processo-crime até à decisão final nele proferida decorreram onze anos, o que se traduz num período de pendência excessivamente longo», que «nada justificou um prazo tão longo para que o mencionado processo-crime fosse examinado e decidido, não se compadecendo os ora demandantes com o mau funcionamento da atividade judicial do Estado que esteve na origem do excesso de pendência do seu processo»; que «a negação do direito a um julgamento num prazo razoável implicou o prolongar da dor pela perda do seu filho e pelo sentimento de impunidade e de justiça, com consequências graves», e que «ao longo destes onze anos viveram desgastados e ansiosos pelo desfecho do processo» devendo o estado «ser condenado no pagamento de uma indemnização adequada e suscetível de compensar a negação do seu direito ao julgamento do seu processo num prazo razoável» (vide artigos 17º, 18º, 19º, 22º e 26º da petição inicial).
Pelo que era por referência a tal causa de pedir – o alegado excesso da duração global do processo – que deveria ser aferido se no caso havia sido violado, ou não, o invocado direito a uma decisão judicial em prazo razoável. Sendo assim a despropósito a consideração, tecida na decisão recorrida, de que os autores não identificaram qualquer ato ou omissão da secretaria ou dos magistrados que demonstrasse delonga na tramitação ou decisão da causa.
Assim, e como foi explicitado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/11/2013, Proc. 0144/13, in, www.dgsi.pt/jsta, à luz da jurisprudência do TEDH, ali invocada, o limite da duração razoável de um processo, ou de outra forma, o limite para a decisão num prazo razoável está “…relacionado com as diversas variáveis que condicionam o andamento de cada processo, o que significa que o «prazo razoável» depende das circunstâncias concretas de cada caso”, de modo que “…só se pode afirmar que um processo foi decidido para além do «prazo razoável» quando o mesmo foi julgado para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da «máquina judicial».” Ao que acrescenta: “…se se concluir que a decisão final foi proferida para além do «prazo razoável» mas que esse atraso se deve a uma tramitação com incidências extraordinárias, não provocadas pelo funcionamento da «máquina judicial» - designadamente que se ficou a dever à complexidade do processo, à própria natureza deste ou ao censurável comportamento das partes - então haverá que concluir não estarem reunidos os requisitos de que depende o apontado dever indemnizatório. Sendo certo que nessa apreciação o que releva é a análise da tramitação do processo no seu conjunto e não o que aconteceu em cada uma das suas fases o que obriga a que se não dê demasiada atenção ao cumprimento de cada um dos prazos dos atos desse percurso em detrimento de uma visão de conjunto que atenda a todas as suas incidências. Ou seja, e dito de forma diferente, na procura das causas responsáveis pelo atraso na decisão do processo a atenção deve ser concentrada naquelas que decorrem do comportamento das autoridades judiciárias pois que só se concluir que a demora foi irrazoável, foi chocante, foi inaceitável para os critérios e expectativas do homem comum e que tal resulta do andamento da máquina da administração da justiça é que se poderá falar na responsabilidade civil extra contratual do Estado.”
A esta luz impunha-se ao Tribunal a quo que encarasse a questão neste prisma. O que não fez.
E se para enfrentar assim a questão haveria que atender e considerar no concreto circunstancialismo do caso, era mister que o Tribunal a quo se tivesse apropriado da realidade processual vertida no identificado Proc. n° ………/02.9TDLSB, do 4° Juízo Criminal de Lisboa, 3a Seção, a que se reporta o invocado atraso na justiça.
O que não fez, já que não obstante o ESTADO PORTUGUÊS ter requerido na sua contestação que fosse requisitado ao tribunal criminal aquele identificado Proc. n°…………/02.9TDLSB, por forma a demonstrar o seu historial, cujos respetivos atos processuais e datas ali elencou (vide artigo 7º da contestação), a Mmª Juíza do Tribunal a quo passou a apreciar imediatamente, logo após a apresentação da contestação e respetiva notificação aos autores, o mérito da ação em sede de despacho-saneador por ter entendido que o processo fornecia os elementos necessários para o efeito. Sendo certo que os documentos que foram juntos pelos autores com a sua petição inicial não o refletem integralmente. Não permitindo desde logo aferir em que data foi iniciado o processo-crime, com abertura do inquérito, nem tão pouco quando é que os autores nele se constituíram como assistentes ou quando nele formularam o pedido de indemnização cível. O que também não vem vertido na factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo.
Ora, se o pedido indemnizatório é fundado na violação do direito a uma decisão em prazo razoável por referência a um processo-crime no qual os autores se constituíram assistentes e no qual deduziram pedido de indemnização cível, estando em causa a defesa dos seus direitos civis no âmbito do processo penal e o direito a uma resposta atempada a tal pretensão, haverá que balizar temporalmente o decurso da contenda judicial quanto a tais direitos civis.
Atenha-se que na interpretação que tem vindo a ser adotada pelo TEDH, o direito a decisão judicial em prazo razoável a que se reporta o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não é aplicável ao queixoso em processo-crime, por não lhe assistir um direito à acusação ou condenação. – (assim se considerou designadamente nas seguintes decisões: decisão de 4.10.1976, queixa n.º ……../75; decisão de 15.5.1995, queixa n.º …………./94; decisão de 6.7.1995, queixa n.º ……../94; decisão de 7.4.1997, queixa n.º ……./95, todas as decisões disponíveis para consulta no sítio da internet do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, www.echr.coe.int).
Admitindo todavia a jurisprudência do TEDH a aplicação do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente no que respeita ao direito a uma decisão em prazo razoável, quanto ao queixoso nos casos em que este defende no processo penal os seus direitos civis – (vide a este respeito Ireneu Cabral Barreto, in Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Anotada, 2010, páginas 117 e 118 bem como as seguintes decisões: queixa n.º ………../84, acórdão de 23.10.1990; decisão de 15.5.1995, queixa n.º ………/94; acórdão de 12.2.2004; decisão de 7.4.1997, queixa n.º………./95; queixa n.º ………/99).
É a situação dos autos, já que os autores constituíram-se assistentes e deduziram pedido de indemnização cível no processo-crime n°……../02.9TDLSB, no qual haviam sido constituídos arguidos dois médicos, pela prática de crime de homicídio negligente, em razão da morte do feto de que a autora estava grávida.
Processo no qual, após uma primeira decisão absolutória proferida em 1ª instância (em 11/06/2008), veio, após várias instâncias de recurso, um dos médicos arguidos a ser condenado criminalmente, com condenação no pagamento aos autores de uma indemnização, em montante ali fixado, decisão que só viria a transitar em julgado, após várias vicissitudes, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2013.
Ora se bem que esteja firmado o momento em que o processo foi definitivamente decidido, o que ocorreu em 09/01/2013, e bem assim se mostre assente que o processo havia tido uma primeira decisão em 1ª instância em 11/06/2008, não só não resulta dos elementos contidos nos autos o momento em que se iniciaram e encerram as fases de inquérito, de instrução e de julgamento (cfr. artigos 262º, 276º, 287º, 308º, 376º e 377º do Código de Processo Penal), como, especialmente, deles não resulta em que datas os agora autores requereram a sua constituição como assistentes naquele processo e nele formularam pedido de indemnização cível (cfr. artigos 68º e 71º do Código de Processo Penal), que vem a ser, afinal, o direito civil defendido pelos autores no âmbito daquele processo-crime, e relativamente ao qual se encontra salvaguardado pelo artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem o direito a uma decisão em prazo razoável.
De acordo com o disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA (redação atual), o tribunal de recurso deve, mesmo oficiosamente anular a decisão proferida na 1ª instância quando, não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, ou quando se considere indispensável a ampliação desta.
Como diz a este respeito Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, pág. 250 ss., pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por terem sido omitidos factos que se revelem essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo, tratando-se de uma possibilidade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que o tribunal de recurso se confronte com uma objetiva omissão de factos relevantes, a qual deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes.
É o que sucede no caso.
Impõe-se, pois, a anulação do saneador-sentença proferido, com baixa dos autos à 1ª instância a fim de aí, após requisição ao tribunal criminal do identificado processo-crime a que se reporta o invocado atraso na justiça, ademais solicitada pelo ESTADO PORTUGUÊS na sua contestação, e com apropriação dos atos processuais nele praticados relevantes para a decisão do mérito da causa nos termos supra indicados, sejam os mesmos aditados, designadamente os vertidos no artigo 7º da contestação, devidamente concretizados, incluindo as datas em que os aqui autores se constituíram assistentes naquele processo e em que nele deduziram pedido de indemnização cível.
O que se decide.
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3.3.1 Em face do supra decidido fica prejudicado o conhecimento das demais questões trazidas em recurso, de que assim nos abstemos de conhecer.

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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, anulando-se o saneador-sentença recorrido, baixando os autos à 1ª instância para que aí prossigam os seus termos em conformidade com o determinado, se a tanto nada entretanto obstar.
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Sem custas nesta instância.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 30 de Junho de 2016

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela