Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1048/08.02BELSB
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CARREIRA DOCENTE
INSTITUTO POLITÉCNICO
BOLSEIRO
REGRESSO AO SERVIÇO
CONTRATO PROGRAMA
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE LIVRE ESCOLHA DE PROFISSÃO
USURPAÇÃO DE PODER
LOCUPLETAMENTO À CUSTA ALHEIA
PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS
Sumário:I - O DL 162/82, de 08.MAI, obriga o pessoal docente de todas as universidades e institutos universitários que tenham efectuado estudos de pós-graduação e estágios na situação de bolseiro a prestar à instituição universitária a que pertencia no momento em que se deslocou tempo de serviço igual ao período durante o qual permaneceu fora da referida instituição universitária.

II - Em caso de incumprimento da obrigação de prestação à universidade ou ao instituto universitário a que pertencia o docente no momento em que se deslocou tempo de serviço igual àquele durante o qual permaneceu fora da referida instituição universitária, incumbe-lhe repor todas as verbas despendidas e os vencimentos correspondentes ao período em que esteve ausente.

III – Não configura qualquer restrição ao direito de escolha de profissão, e violação dos arts. 18º e 47º, da CRP, o facto de o docente ter que pagar uma compensação por não ter cumprido o que se encontrava acordado no contrato programa para a formação avançada outorgado com o IPL.

IV – Em tal desiderato não é afectado o seu direito a exercer a profissão que vinha exercendo mas que não pretendia continuar a exercer por conta do Recorrido IPL, nem a desvincular-se do contrato de provimento que tinha com aquela entidade, conforme foi sua vontade.

V - Ao pedir a rescisão do seu contrato que celebrara com o IPL, incumprindo o contrato, constituiu-se a Recorrente no dever contratual e legal de indemnizar em montante igual ao que lhe fora pago em vencimentos durante o período em que estava ausente.

VI - O Instituto está a exercer um poder de autoridade, legalmente conferido, em face do incumprimento contratual imputável à docente, e dentro dos estritos limites contratualmente fixados, inexistindo usurpação de poderes.

VII - Como inexiste abuso de direito e locupletamento à custa alheia no pedido de indemnização formulado pelo R. já que durante todo o período em que o A. esteve a fazer o doutoramento, aquele ter gasto menos dinheiro do que gastaria se o A. nunca tivesse sido equiparado a bolseiro, porque apenas suportou 25 % do seu ordenado enquanto Professor Adjunto e o pagamento da remuneração de assistente. Isso porque o locupletamento à custa alheia, em termos simples, dá-se quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa e in casu ocorre causa justificativa do pedido de reposição das ajuizadas quantias: ao dispensar o A. do serviço docente para que este pudesse obter o grau de doutoramento, o R. deixou de poder contar com os seus serviços pelo que, para além da despesa com 25% do ordenado do A., o sofreu um prejuízo cujo montante é o equivalente aos vencimentos recebidos pelo A. no período de dispensa do serviço de docência.

VIII - O art. 40.° do Decreto-Lei n.°155/92, de 28 de Junho, institui a prescrição relativa às verbas cuja reposição é pedida e cujo prazo é de cinco anos, o qual não se verifica pois o termo a quo dos cinco anos é o da data do facto que deu origem ao dever de reposição, concretamente, a data em que o A. denunciou o contrato de docente com o R. e que aconteceu em 20 de Setembro de 2005 e como a ordem de reposição de quantias foi dada em 18 de Fevereiro de 2008, desde a data da denúncia até à ordem de reposição passaram 2 anos 4 meses e 28 dias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I -RELATÓRIO:

RUI ....., m.i. nos autos, veio propor ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO contra o INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA, pedindo a anulação do Despacho de 18 de Fevereiro de 2008 do Presidente do Instituto Politécnico de Leiria ordenou a reposição por parte do ora A. da quantia de 117.800,87€, correspondente aos vencimentos, subsídios de refeição, férias e natal processados ao A. entre Setembro de 2001 e Agosto de 2004, alegando, em síntese, que a ordem de reposição das quantias recebidas não encontra fundamento no contrato, nem na lei.

Por acórdão de 31.03.2015 foi julgada totalmente procedente a acção, declarando a anulação do ato impugnado.

Irresignado, veio o Réu interpor recurso o qual apresenta as seguintes conclusões:

“(i) Dos factos dados como provados resulta que nunca o Recorrente manifestou junto do Recorrido que não pretendia continuar a relação laborai que mantinham ou que dispensava a prestação dos seus serviços, motivo pelo qual não se pode presumir, como o fez o douto aresto recorrido, que o Recorrente perdeu o interesse na manutenção do Recorrido ao seu serviço;
(ii) Tal presunção é absolutamente contrária àqueles que foram os comportamentos do Recorrente e que têm implícita a ideia de que este pretendia e tinha interesse em continuar a relação laborai com o Recorrido, nomeadamente quando decidiu continuar a pagar grande parte dos vencimentos e quando decidiu que o Recorrido tinha que regressar mais cedo ao serviço por assim o necessitar;
(iii) Tendo o Recorrido rescindido, de forma unilateral, o contrato que mantinha com o Recorrente em 20 de setembro de 2005, apenas se manteve ao serviço do Recorrente por um período de 5 meses, após a obtenção do grau de doutoramento, quando, por força do disposto na cláusula 5a do contrato celebrado entre ambos, estava obrigado a permanecer ao serviço por um período mínimo de 35 meses, por ser este o tempo que durou a sua dispensa;
(iv) Por tal motivo, o Recorrido deverá restituir as quantias por si percebidas a título de vencimento e subsídios durante o período de formação avançada em que não esteve ao serviço do Recorrente, sendo manifesto, por isso, que o douto acórdão recorrido, ao decidir em sentido diverso, padece de erro de julgamento, devendo, em consequência, ser revogado e substituído por outro que reconheça a improcedência total da ação movida pelo Recorrido, sob pena de violação do disposto na cláusula 5a do contrato celebrado entre Recorrido e Recorrente.
Termos em que ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias, Venerandos Desembargadores, farão JUSTIÇA!”

O Autor e Recorrido contra -alegou, concluindo do modo que segue:

“1ª O aresto em recurso Julgou a acção procedente por violação dos princípios da justiça e da boa fé por entender que tendo o A. concluído o doutoramento e não tendo a entidade demandada promovido a sua integração na carreira nem manifestado a sua intenção de manter a relação de emprego não era justo nem compatível com a boa fé que aquele ficasse ad eternum numa situação de precaridade laborai, uma vez que a subsistência da obrigação do recorrido dependia da subsistência do interesse do recorrente em aproveitar a sua mais-valia como doutorado, daí decorrendo que não havendo aquele interesse não subsistia mais a referida obrigarão.
2ª A única discordância do recorrente principal prende-se com o facto de entender que o Tribunal a quo errou ao considerar que o Politécnico não pretendia manter a relação laborai e aproveitar a mais-valia decorrente do doutoramento obtido pelo recorrido, uma vez que nada disso estaria provado.
Sucede, porém, que,
3ª Não assiste a menor razão ao recorrente principal, pois não só foi dado por provado que o Politécnico não pretendia manter a relação com o recorrido (v. pontos n º 12 da matéria provada), como da cláusula 5ª do contrato programa resultava claramente que a obrigação de permanência do recorrido só subsistiria se o recorrente tivesse manifestado a intenção de continuar a contar com ele e a integrá-lo no seu quadro de pessoal, pelo que bem andou o Tribunal a quo quando defendeu que é claramente violador dos princípios da justiça e boa fé que não se tenha manifestado esta intenção e depois de exija a reposição de todos os vencimentos por o recorrido ter procurado a estabilidade profissional que o recorrente nunca lhe concedeu e sempre recusou dar-lhe. Acresce que,
4ª Para além de ser notório que a obrigação de o recorrido permanecer ao serviço do recorrente só subsistia se este tivesse manifestado a sua intenção de o contratar e manter a relação de emprego - o que não sucedeu -, sempre um conjunto de outras razões justificariam a inexistência de qualquer dever de indemnizar ou de repor vencimentos por parte do recorrido, conforme se demonstrou nos demais vícios invocados na petição inicial - e que não foram conhecidos pelo Tribunal a quo por estarem prejudicados pela procedência do vício de violação dos princípios da justiça e da boa fé,
Na verdade,
5ª Não só o contrato programa não previa o pagamento de qualquer indemnização ou a reposição de quaisquer vencimentos em caso de rescisão do contrato pelo docente, como, ainda que o previsse, sempre o estaria a fazer em Violação do disposto no art.º 14° do DL n° 185/81 - que permitia a um docente rescindir livremente o contrato com 60 dias de antecedência - e do art.° 18° da Constituição, uma vez que estaria a impor uma restrição ao direito de liberdade de escolha de profissão que não resultava da lei.
Para além disso,
6ª A reposição de vencimentos ordenada não só já estava prescrita ex vi do disposto no art.° 40° do DL n° 155/92, como traduzia um abuso de direito e um locupletamento à custa alheia, na medida em que o Politécnico procura receber mais de €100.000,00 quando no período a que se reportam os vencimentos cuja devolução se ordenou esse mesmo Politécnico não suportou tais vencimentos, o que é o mesmo que dizer que se pretendem reaver 100% de tais vencimentos quando na realidade apenas se suportaram 25% desses mesmos vencimentos.
Consequentemente,
7ª Para além de o aresto em recurso não padecer do erro de julgamento que lhe é apontado pelo recorrente principal, sempre o recurso independente teria de ser julgado improcedente pelos demais vícios apontados pelo Autor na petição inicial e que não foram conhecidos pelo Tribunal a quo por o seu conhecimento estar prejudicado por força da anulação decretada. Contudo,
8ª Já se julga que o recurso subordinado agora interposto pela A. deve ser julgado procedente por o aresto em recurso não ter efectuado a melhor interpretação do direito quando julgou improcedente o vício de usurpação de poder, pois não só o próprio contrato programa previa expressamente uma obrigação indemnizatória em caso de incumprimento contratual e não a reposição de quaisquer Vencimentos - e in casu não houve qualquer abono indevidamente processado ao recorrente subordinado, o qual sempre recebeu a remuneração que lhe era devida nos termos da lei -, como seguramente a condenação ao pagamento de indemnizações é matéria da exclusiva competência dos tribunais (v. art.° 4°/1/i) do ETAF e o art.° 37°/2/f) do CPTA), pelo que a condenação por via administrativa decretada pelo acto impugnado constitui uma clara usurpação de poder, na medida em que um órgão administrativo está a exercitar um poder de um órgão judicial.
Nestes Termos,
a) Deve ser julgado improcedente o recurso interposto peia entidade demandada, com as legais consequências;
b) Deve ser concedido provimento ao recurso subordinado, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA.”

O DMMP junto deste tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, e nada disse.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. Fundamentação

2.1. De facto

A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão:
1 - O A. é docente do ensino superior, sendo doutorado em Engenharia Civil (acordo).
2 - Em 1996 começou a leccionar na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do IPL como Professor-adjunto equiparado fora do quadro (acordo).
3 - O A., em 2000, manifestou várias vezes o seu desagrado relativamente à precariedade do seu vínculo - o de Professor adjunto equiparado fora do quadro, cf. resposta aos quesitos.
4 - O A. conhecia a existência de uma vaga de Professor Coordenador afecta ao Departamento de Engenharia Civil, em 2000, tal como em Setembro de 2004 e de que em muitos casos, tais vagas foram ocupadas pelos Professores da entidade demandada que se doutoraram em primeiro lugar, cf. resposta aos quesitos.
5 - Face às práticas anteriores da entidade demandada em matéria de preenchimento de vagas da categoria de professor coordenador, o A. decidiu permanecer na mesma para o ano lectivo de 2001/2002 e inicia em Outubro o seu doutoramento, cf. resposta aos quesitos.
6 - Tendo, para o efeito, sido dispensado de serviço docente como equiparado a bolseiro pelo período total de três anos, com início em 21 de Setembro de 2001, mediante a celebração de um contrato programa para formação avançada com o Instituto Politécnico de Leiria, cf. doc. n.° 2 e acordo.
7- O doutoramento do A. foi financiado pelo PRODEP, o qual suportou 75% dos seus vencimentos, competindo à Escola Superior de Tecnologia de Leiria financiar os restantes 25% (acordo).
8 - Durante o período em que o ora A. esteve de licença a Escola Superior de Tecnologia e gestão contratou um docente com a categoria de assistente par e o substituir (acordo).
9 - Em Setembro de 2004, quando estavam decorridos 35 dos 36 meses de dispensa de serviço, o A. foi obrigado a regressar ao serviço na Escola, cf. resposta aos quesitos.
10 - Em 11 de Abril de 2005 o ora A. concluiu o seu doutoramento em Engenharia Civil (acordo).
11- Em virtude de ter concluído o doutoramento e de permanecer fora do quadro e numa situação precária desde 1996, o A. logo solicitou a abertura do concurso para Professor Coordenador da sua área, cf. resposta aos quesitos.
12 - O A. foi informado de que não iria ser aberto, de imediato, concurso para preenchimento do lugar vago da categoria de professor coordenador, cf. resposta aos quesitos.
13 - Provado que em 2005, após ter concluído o doutoramento, o A. foi informado de que se deixasse de leccionar na entidade R. poder-lhe-ia ser exigida a devolução dos vencimentos recebidos durante os três anos de dispensa de serviço integral para doutoramento, cf. resposta aos quesitos.
14 - O A. concorreu a um concurso para Professor da Universidade Técnica de Lisboa, tendo vencido esse mesmo concurso e sido provido como Professor Auxiliar, cf. fls 101 e segts dos autos em suporte de papel.
15- Tendo rescindido o contrato administrativo de provimento que o ligava à Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria com efeitos a partir do dia 20 de Setembro de 2005, cf. doc. n° 3 junto à p.i. e acordo.
16 - Por despacho exarado em 18 de Fevereiro de 2008, o Presidente do Instituto Politécnico de Leiria ordenou a reposição por parte do ora A. da quantia de 117.800,87€, correspondente aos vencimentos, subsídios de refeição, férias e natal processados ao A. entre Setembro de 2001 e Agosto de 2004 (v. doc. n°1 e acordo).
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Factos não provados
Não foi provado que:
1 - O A. logo reafirmou que já em 2001 tinha informado de que não pretendia continuar na Instituição na situação precária de equiparado, pelo que se não houvesse a abertura de uma vaga para o quadro teria que concorrer a outras instituições, cf. resposta aos quesitos.
2 - O R. tenha manifestado ao A. que pretendia manter qualquer vínculo contratual.
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Apreciação crítica da prova

A factualidade provada teve por base a prova documental, a posição do R. quanto aos factos alegados na p.i. e também a prova testemunhal produzida, como ficou indicado a propósito de cada um dos factos dados como provados.
O facto não provado n.°2 é um facto essencial, tendo em conta a cláusula 5.a do contrato (cf. fls. 22 dos autos) e não foi alegado nem provado pelo R. que pretendia manter o vínculo com o A., após o doutoramento.

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2.2. Do Direito:

Fixada a factualidade relevante, vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto (artºs. 635º e 639º do CPC).
É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe prioritariamente neste recurso é a de juridicamente fundamentar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação e interpretação das normas jurídicas que disciplinam a situação em apreço e que justificou a decisão de procedência total da presente acção, com a consequente anulação do acto impugnado.
Na verdade, e no fundamental, no Acórdão ora em crise perfilhou o entendimento de que, uma vez que "Em 11 de Abril de 2005 a ora A. concluiu o seu doutoramento em Engenharia Civil (cf. facto provado nº 10), mantendo-se na Escola, em regime de precariedade, tendo pedido a abertura de concurso (cf. facto provado nº11), ao que o R. respondeu que de imediato o mesmo não iria ser aberto (cf. facto provado nº 12), esta resposta do R. não pode significar outra coisa senão não pretender aproveitar a formação adquirida pelo A. no futuro, dando-lhe funções e condições compatíveis com a aquisição do grau de doutor que adquiriu, dentro do prazo, com classificação máxima e dentro de área de formação considerada de interesse para o R. (cf. cláusula 4ª do contrato, a fls. 21 dos autos).
Mais se considera no Acórdão recorrido que a obrigação do A., decorrente da referida cláusula 5ª pressupõe o interesse do R., ou seja, demonstrada a falta de interesse, cessa tal dever simétrico, correspectivo do referido poder do R.
Vê-se, pois, que o Acórdão recorrido parte da falta de um pressuposto fixado no contrato, para declarar a invalidade do acto, pois, fazendo apelo à factualidade mencionada com base na qual o A. invoca a violação dos princípios da justiça e da boa fé, o tribunal subsume-a a errada interpretação e aplicação da cláusula 5ª do contrato e considera que a conduta do A. é reveladora do cumprimento dos deveres de lealdade e boa-fé para com o R. incluindo na fase após a rescisão, sendo revelador disso o requerimento junto a fls. 104 dos autos. De resto, veio a ter sucesso em concurso aberto noutra instituição, passando a ocupar lugar de quadro.
O recorrente insurge-se contra a solução jurídica plasmada do Acórdão recorrido que assentou na consideração de que o acto impugnado viola os princípios da justiça e da boa fé, porquanto através do mesmo foi exigido a reposição por parte do Recorrido da quantia de 117.800,87€, com base no disposto no cláusula 5ª do contrato programa para formação avançada, celebrado entre Recorrido e Recorrente, quando, na verdade, não estavam verificados os pressupostos para tanto, nomeadamente o interesse do Recorrente na manutenção do Recorrido ao serviço, o que configura um manifesto erro de julgamento. Isso porque resulta dos factos dados como provados (vide ponto 6º do probatório), que o Recorrido foi, pelo Recorrente, dispensado do serviço docente como equiparado a bolseiro, por um período de três anos, com início em 21 de Setembro de 2001 mas que tal dispensa operou-se mediante a celebração de um contrato programa para formação avançada.
O recorrido aceita a tese do acórdão quanto a este fundamento, embora, em recurso subordinado, entenda que o acto padece, também do vício de usurpação de poderes que deverá ser conhecido se for caso disso.
Vejamos.
No contrato controvertido ficou estabelecido que "o segundo outorgante obriga-se a manter o vínculo com o primeiro outorgante, se este o pretender, uma vez obtido grau, por tempo não inferior a uma vez o da dispensa e/ou equiparação a bolseiro que lhe foi concedida".
E flui do ponto 9 do probatório que o A., ora o Recorrido foi chamado para regressar ao serviço do R. e ora Recorrente, face à necessidade que este evidenciava na prestação dos seus serviços, regresso que ocorreu em Setembro de 2004.
Mais evidencia o probatório que o Recorrido conclui o seu doutoramento em 11 de Abril de 2005, tendo solicitado, de imediato, concurso para preenchimento do lugar vago da categoria de professor coordenador.
Sucede que, como também flui do ponto 13º do probatório, em face desta solicitação foi informado ao Recorrido que não iria ser aberto de imediato concurso para preenchimento do lugar vago da categoria de professor coordenador.
Ora, tal como bem refere o Recorrente, foi por livre iniciativa do Recorrido, e não porque o Recorrente não pretendesse a continuação do vínculo laboral, que o Recorrido decidiu rescindir o contrato administrativo de provimento que mantinha com o Recorrente.
Donde que, sendo veraz que nunca o Recorrente manifestou junto do Recorrido que não pretendia continuar a relação laboral que mantinham ou que dispensava a prestação dos seus serviços, é indevida a presunção operada na decisão recorrida nos sentido de que o Recorrente perdeu o interesse na manutenção do Recorrido ao seu serviço.
É que, em completa concordância com o ponto de vista do Recorrente, a simples informação que prestou ao recorrido de que não iria, no imediato, e só porque este o requereu, ser aberto o concurso para o preenchimento de uma vaga de professor coordenador, não pode ser valorada como uma intenção do Recorrente prescindir dos serviços do Recorrido.
A prova por presunção consiste da dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido, e se chega a um facto desconhecido (cfr. A. Varela, Man. Proc. Civil, 2ª ed., pág. 501). E dúvidas não podem subsistir de que o tribunal a quo operou com uma presunção de facto, judicial ou natural ao fundar-se nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação empírica dos factos (sendo nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuadamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto).
E também aqui não podemos deixar de sufragar o entendimento do Recorrente segundo o qual a presunção construída pelo tribunal a quo se revela contrária aos comportamentos assumidos pelo Recorrente e que ficaram descritos e que apontavam claramente para que este pretendia e tinha interesse em continuar a relação laboral com o Recorrido, sobretudo quando decidiu continuar a pagar grande parte dos seus vencimentos e quando decidiu que o Recorrido tinha que regressar mais cedo ao serviço por assim o necessitar.
Daí a conclusão geral e definitiva de que o Recorrente jamais manifestou a vontade de não continuar a usufruir dos serviços do Recorrido, o que vale por dizer que a conduta do Recorrido de rescindir, de forma unilateral, o contrato que mantinha com o Recorrente em 20 de Setembro de 2005, equivale a dizer que aquele só se manteve ao serviço do Recorrente por um período de 5 meses, após a obtenção do grau de doutoramento.
Ora, por força do disposto na cláusula 5ª do contrato celebrado entre ambos, estava obrigado a permanecer ao serviço do Recorrente, porque este manifestou essa sua vontade por um período mínimo de 35 meses, tempo correspondente à duração da sua dispensa.
Razão pela qual ficou o Recorrido obrigado à restituição das quantias por si percebidas a título de vencimento e subsídios durante o período de formação avançada e que não esteve ao serviço do Recorrente.
De resto, foi esse o entendimento jurisprudencial adoptado em casos idênticos ou similares, como pode ver-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.10.2008, proc. nº 02446/05.9BEPRT, citado pelo Recorrente e publicado em www.dgsi.pt e em que se expende que "o pessoal docente de todas as universidades e institutos universitários que tenham efectuado estudos de pós-graduação e estágios na situação de bolseiro [estão obrigados] a prestar à instituição universitária a que pertencia no momento em que se deslocou tempo de serviço igual ao período durante o qual permaneceu fora da referida instituição universitária/ [sendo que] em caso de incumprimento da obrigação de prestação à universidade ou ao instituto universitário a que pertencia o docente no momento em que se deslocou tempo de serviço igual àquele durante o qual permaneceu fora da referida instituição universitária, incumbe-lhe repor todas as verbas despendidas e os vencimentos correspondentes ao período em que esteve ausente".
Pontifica ainda, a respeito, o Acórdão do STA de 01-02-2017, tirado no Recurso nº 0877/16, que, sob os descritores “Instituto Politécnico-docente-equiparação a bolseiro-contrato programa- Incumprimento-Indemnização- Direito de livre escolha de profissão -Usurpação de poder”, doutrinou que “(…)VI - Ao exigir o pagamento de uma determinada quantia a título de indemnização o Recorrido está apenas a accionar a cláusula contratual que previa que em caso de incumprimento do contrato celebrado, por parte da recorrente, esta se obrigava a indemnizar o IPL em montante igual ao que lhe fora pago em vencimentos durante o período em que estava ausente, conforme decorria da alínea e) do art. 180º do CPA (então vigente).VII - O Instituto está a exercer um poder de autoridade, legalmente conferido, em face do incumprimento contratual imputável à docente, e dentro dos estritos limites contratualmente fixados, inexistindo usurpação de poderes.”
Do que vem dito, é inexorável a procedência do recurso do Réu e a improcedência do recurso subordinado do Autor.
Na verdade não se verifica qualquer erro de julgamento quanto ao invocado vício de usurpação de poderes, que resultaria, como defende a recorrente, da violação dos arts. 212º da CRP, art. 4º do ETAF e 37º do CPTA.
Com efeito, ao exigir o pagamento de uma determinada quantia a título de indemnização o Recorrente está apenas a accionar a cláusula contratual que previa que em caso de incumprimento do contrato celebrado, por parte da recorrente, esta se obrigava a indemnizar o IPL em montante igual ao que lhe fora pago em vencimentos durante o período em que estava ausente, conforme decorria da alínea e) do art. 180º do CPA (então vigente).
O Recorrente está, como tal, a exercer um poder de autoridade, legalmente conferido, em face do incumprimento contratual imputável ao Recorrido e dentro dos estritos limites contratualmente fixados.
Trata-se aqui de responsabilidade contratual cujos pressupostos têm de ser apreciados por apelo ao clausulado no contrato, e aos motivos que levaram o Recorrido a fazê-lo cessar como já atrás se aquilatou para concluir este tribunal que existiu incumprimento por parte do Autor e ora Recorrido o qual levou o Recorrente a accionar a cláusula indemnizatória.
O ónus de alegar e provar que os pressupostos desta responsabilidade contratual não se verificavam, recaía sobre o recorrido, o qual não logrou fazê-lo.
Pelas razões expostas, não se verifica a invocada usurpação de poderes, improcedendo as conclusões do recurso subordinado.
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Em face do acabado de fundamentar e decidir, impõe-se observar a regra da substituição ao tribunal recorrido consagrada no artº 665º nº 2 do CPC e segundo a qual “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer de certas questões (…) por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, [o TCAS), se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Ora, é esse o caso, de resto aventado pelo recorrido nas conclusões 4ª a 7ª ao considerar que:
- sempre um conjunto de outras razões justificariam a inexistência de qualquer dever de indemnizar ou de repor vencimentos por parte do recorrido, conforme se demonstrou nos demais vícios invocados na petição inicial - e que não foram conhecidos pelo Tribunal a quo por estarem prejudicados pela procedência do vício de violação dos princípios da justiça e da boa fé; Na verdade,
- Não só o contrato programa não previa o pagamento de qualquer indemnização ou a reposição de quaisquer vencimentos em caso de rescisão do contrato pelo docente, como, ainda que o previsse, sempre o estaria a fazer em Violação do disposto no art.º 14° do DL n° 185/81 - que permitia a um docente rescindir livremente o contrato com 60 dias de antecedência - e do art.° 18° da Constituição, uma vez que estaria a impor uma restrição ao direito de liberdade de escolha de profissão que não resultava da lei. Para além disso,
- A reposição de vencimentos ordenada não só já estava prescrita ex vi do disposto no art.° 40° do DL n° 155/92, como traduzia um abuso de direito e um locupletamento à custa alheia, na medida em que o Politécnico procura receber mais de €100.000,00 quando no período a que se reportam os vencimentos cuja devolução se ordenou esse mesmo Politécnico não suportou tais vencimentos, o que é o mesmo que dizer que se pretendem reaver 100% de tais vencimentos quando na realidade apenas se suportaram 25% desses mesmos vencimentos. Consequentemente,
- Para além de o aresto em recurso não padecer do erro de julgamento que lhe é apontado pelo recorrente principal, sempre o recurso independente teria de ser julgado improcedente pelos demais vícios apontados pelo Autor na petição inicial e que não foram conhecidos pelo Tribunal a quo por o seu conhecimento estar prejudicado por força da anulação decretada.
Todavia, o conhecimento em substituição nos termos definidos no nº 2 do artº 665º do CPC, em princípio, estava dependente de o relator deste recurso, antes de proferir decisão, ter de ouvir cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias, consoante o disposto no nº 3 do mesmo inciso legal.
Ante-se que pela Reforma de 1995, introduzida ao CPC pelo DL nº 329-A/95, foram aditados ao artº 715º dois números consagrando um regime inovador que no relatório daquele diploma foi assim justificado:
Consagrou-se «expressamente a vigência da regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido, ampliando e clarificando o regime que a doutrina tem vindo a inferir da lacónica previsão do artº 715º do CPC, por se afigurar que os inconvenientes resultantes da possível supressão de um grau de jurisdição são largamente compensados pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal «ad quem». Neste sentido, estatui-se que os poderes de cognição da Relação incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio – cumprindo à Relação, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de serem decisões – surpresa, resolvê-las, sempre que disponha dos elementos necessários».
Assim, de harmonia com a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (artº 715º, nº 2 do CPC, 665º, nº2 na sua actual redacção) os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio.
Por outro lado, é manifesto que o cumprimento do contraditório plasmado no nº 3 do artº 715º (actual nº 3 do artº 665º) do CPC apenas se impõe no caso de procedência do recurso, como é o caso.
É também pacífico que a obrigação de substituição do TCAS ao tribunal recorrido, imposta pelo nº 2 do artº 665º do CPC, existe mesmo que o recorrido – como aconteceu «in casu» - não tenha lançado mão do disposto no artº 636, nº 1 do mesmo Código.
Mas será necessário ouvir as partes para se pronunciarem sobre o objecto desta decisão, devendo o relator deste processo, antes de proferir aquela decisão em substituição, a fim de evitar decisões surpresa, mandar notificar cada uma das partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as questões objecto dessa decisão, nos termos do nº 3 do artº 665º?
Há, na verdade, que conhecer das sobrantes questões elencadas na p.i., em que foram assacados ao acto impugnado os seguintes vícios que tornam o pedido de reposição indevido:
(a) vício de usurpação de poder;
(b) Violação do princípio da prossecução do interesse público e particularmente da Justiça que uma instituição não pretenda recrutar para os seus quadros um docente habilitado com o doutoramento e depois procure ser indemnizada por esse docente não ter permanecido ao seu serviço numa situação precária;
(c) abuso de direito e um verdadeiro locupletamento à custa alheia;
(d) Incorre em vício de violação de lei decorrente de:
1.- O contrato programa só prever o pagamento de uma indemnização em caso de violação da cláusula 3.ª e não da cláusula 5.ª;
2.- O regime previsto no Decreto-Lei n.°162/82 e Decreto-Lei n.°178/83 não se aplica uma vez que estas normas foram revogadas pelos Decretos-Lei n.°s 282/89 e 272/88;
3.- Entendendo-se não existir revogação, o disposto naqueles diplomas só se aplica aos docentes de carreira e já não aos equiparados;
4.- A cláusula de obrigação de permanência no trabalho viola o direito à liberdade de escolha de profissão, consagrado no art. 47.°, n.° 1, da CRP;
5.- Associar à rescisão o dever de pagar uma indemnização correspondente aos vencimentos auferidos durante o período de bolseiro viola o art. 11.° do Decreto-Lei n.° 185/81;
6.- Ocorre a prescrição pois se está a ordenar a reposição de verbas recebidas há mais de cinco anos, infringindo o disposto no art. 40.° do Decreto-Lei n.°155/92;
(e) O acto impugnado deveria ter efectuado compensação de créditos e débitos, nomeadamente com (i) Subsídio de férias e as férias não gozadas pelo A., no montante aproximado de 5.700 €; (ii) Horas extraordinárias; (iii) Diferencial remuneratório por exercer funções de professor equiparado, no montante aproximado de 7.200 €; e (iv) Viagem ao Chile em representação da Instituição no valor de 1.700 €.
Em face da procedência do recurso quanto aos fundamentos apreciados na sentença (violação dos princípios da justiça e da boa fé) e da improcedência da ampliação do recurso (incidindo sobre o vício da usurpação de poderes) haverá que apreciar, em substituição, o mérito das demais questões que o tribunal recorrido deixou de conhecer pois nada obsta à sua apreciação e o processo reúne todos os elementos para decidir, havendo as partes tomado posição sobre as mesmas (cfr. art.665º, n.°s 2 e 3 do CPC).
Na verdade, só quando as partes não hajam tomado posição é que se justifica que sejam ouvidas sobre as questões de que não se conheceu por se julgar prejudicado esse conhecimento em virtude da procedência por outro fundamento.
É que, tendo-se já pronunciado sobre os fundamentos porque consideram ilegal/legal o acto que agora, em face da procedência, tem de ser solucionada, a decisão que for proferida com preterição da audição do recorrente e da recorrida, não atenta contra o princípio do contraditório e do fair trial, inexistindo “decisão surpresa”.
É que, se decidir sobre a legalidade/ilegalidade do acto impugnado fundado nos elementos que se encontram nos autos, o presente acórdão não o fará, sem que às partes não fosse dada oportunidade de sobre ela se pronunciarem.
Com efeito, o artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil é aqui plenamente aplicável e tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as, as denominadas decisões - surpresa, sendo que a decisão no acórdão recorrido da questão da legalidade do acto impugnado não constitui, propriamente, uma decisão - surpresa.
O artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões -surpresas.
Mas, pergunta-se, onde está a decisão - surpresa?
É que:
1º. – O Autor e ora recorrido, assacou ao acto impugnado os vícios que supra se deixaram catalogados e em relação aos quais reclama neste recurso a sua cognição para serem julgados procedentes;
2º - A entidade recorrente, respondeu a esse fundamento, reafirmando a legalidade do acto impugnado na sua contestação (vide fls. 36 e ss) posição que melhor explicitou e desenvolveu nas alegações pre-sentenciais que apresentou a fls. 127 e ss;
3º. - Ora não há nenhuma argumentação nova surgida na 2ª instância.
A decisão que vier a ser tomada no acórdão sobre tal questão, em nada afecta quer a pretensão deduzida, quer a defesa.
Diga-se, como nota final, que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências – cfr. "Temas da Reforma do Processo Civil" - Almedina, 1997, Desembargador Abrantes Geraldes, pág. 70.
Donde que se passa a conhecer de imediato e sem mais formalidades, dos vícios apontados.

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Como se disse acima, a sentença recorrida conheceu apenas dos vícios da usurpação de poderes e da violação dos princípios da justiça, da boa fé e e da prossecução do interesse público.
Em substituição, cumpre conhecer, então e em primeiro lugar, do abuso de direito e locupletamento à custa alheia.
Nessa vertente, considera o A. e ora recorrido que o pedido de indemnização formulado pelo R. e ora recorrente constitui um abuso de direito e um autêntico locupletamento à custa alheia já que durante todo o período em que o A. esteve a fazer o doutoramento, o R. gastou menos dinheiro do que gastaria se o A. nunca tivesse sido equiparado a bolseiro, porque apenas suportou 25 % do seu ordenado enquanto Professor Adjunto e o pagamento da remuneração de assistente.
O R. dissente destas contas que diz serem de “mercearia”, olvidando aspectos essenciais subjacentes ao pedido de reposição de quantias por parte do R.
Vejamos.
O locupletamento à custa alheia ou enriquecimento sem causa, em termos simples, dá-se quando o património de certa pessoa se valoriza ou deixa de desvalorizar, à custa de outra pessoa, e sem que para isso exista uma causa justificativa – nesse sentido, ver Galvão Telles, Dir. Obrigações, 5ª ed., pág. 154.
Ora, já atrás se demonstrou que in casu ocorre causa justificativa do pedido de reposição das ajuizadas quantias: ao dispensar o A. do serviço docente para que este pudesse obter o grau de doutoramento, o R. deixou de poder contar com os seus serviços.
Assim, como é lógico, para além da despesa com 25% do ordenado do A., o sofreu um prejuízo cujo montante é o equivalente aos vencimentos recebidos pelo A. no período de dispensa do serviço de docência.
Não se verifica, pois, apontado vício.
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O Autor e ora Recorrente assaca ao acto impugnado vícios de violação de lei, o primeiro dos quais atinge o contrato programa e os demais derivados de não serem aplicáveis os Decretos-Lei n.°s 162/82, de 8 de Maio e Decreto-Lei n.°178/83, de 4 de Maio aos docentes equiparados, de ocorrer a violação do art. 14.° do Decreto-Lei n.° 185/81, de 1 de Junho e do art. 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Junho.

Isso porque, sustenta o Autor quanto ao contrato programa, este apenas prevê o pagamento de uma indemnização em caso de violação da cláusula 3.ª e não da cláusula 5.ª e que, por esta razão, haverá vício de violação de lei do acto impugnado.
Ora, sucede que à relação contratual estabelecida entre o A. e o R. para além das cláusulas contratuais firmadas no contrato, é também aplicável o Regulamento para Concessão a Docentes de dispensa e/ou equiparação a bolseiro para efeitos de formação avançada, isso até por força do próprio contrato (vide cláusula 13.ª).
Mas no caso há ainda que observar o Decreto-Lei n.° 162/82, de 8 de Maio, aplicável aos estabelecimentos do ensino superior politécnico, por força do Decreto-Lei n.° 178/83, de 4 de Maio.
Dispõe o art. 1°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 162/82, de 8 de Maio, que "O pessoal docente de todas as universidades e institutos universitários que tenha efectuado estudos de pós-graduação e estágios na situação de bolseiro é obrigado à prestar à universidade ou ao instituto universitário a que pertencia no momento em que se deslocou tempo de serviço igual àquele durante o qual permaneceu fora da referida instituição universitária, com manutenção de todos os direitos e regalias inerentes à sua categoria, sob pena de ter de repor todas as verbas dispendidas e os vencimentos correspondentes ao período em que esteve ausente."
O A., no entanto, afirma que estes diplomas não se aplicam por terem sido revogados pelos Decretos-Lei n.°s 272/88, de 3 de Agosto e 282/89, de 23 de Agosto, nos termos do art. 7.°, n.° 2, do Código Civil.
Adversamente, o R. e ora Recorrente professa a tese de que aqueles Decretos-Lei n.°s 162/82, de 8 de Maio e Decreto-Lei n.° 178/83, de 4 de Maio, visam regular a formação de pessoal docente das universidades, institutos universitários e institutos superiores politécnicos, ao passo que os Decretos-Lei n.°s 272/88, de 3 de Agosto e 282/89, de 23 cie Agosto vieram regular a equiparação a bolseiro no país e estrangeiro dos funcionários e agentes do Estado, ou seja, aqueles diplomas regulam uma situação especial e estes diplomas uma situação geral. Ora, afirma ainda o recorrente, nos termos do art. 7.°, n.° 3, do Código Civil, a lei geral não revoga lei especial, excepto se for outra a intenção inequívoca do legislador, o que não sucede, pelo que é aplicável o art. 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 162/82, de 8 de Maio, ao caso em apreço, sendo irrelevante que esta reposição de quantias não esteja prevista no contrato celebrado entre o A. e o R.
E a razão parece estar do lado do recorrente pelas razões supra analisadas a propósito do recurso como se aponta nos já referenciados Acórdãos do STA de 01-02-2017, Recurso nº 0877/16 e do TCAN de 16-10-2008, Recurso nº02446/05.9BEPRT em que se afirma que a concessão de equiparação a bolseiro obedece, como não podia deixar de ser às disposições legais que regulam a equiparação a bolseiro fora do país a qual é regulada pelos DL nº 289/89, de 23/8, DL nº 272/88, de 3/8 (por força do art. 2º, nº 1 daquele primeiro diploma) e 162/82, de 8/5.
Assim, pois, respigando o que nesses acórdãos se fundamenta, de acordo com o art. 1º do DL nº 282/89, “Aos funcionários e agentes do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público poderá ser concedida a equiparação a bolseiro fora do País, quando se proponham realizar programas de trabalho e estudo ou frequentar cursos ou estágios, desde que tais iniciativas se revistam de reconhecido interesse público”.
Determinando o art. 2º, nº 1 deste diploma uma norma remissiva para o DL nº 272/88, estabelece-se no art. 2º, nº 1 deste diploma que: “A equiparação a bolseiro caracteriza-se pela dispensa temporária, total ou parcial, do exercício das funções, sem prejuízo das regalias inerentes ao seu efectivo desempenho, designadamente o abono da respectiva remuneração e a contagem de tempo de serviço para todos os efeitos legais.”
Ainda quanto às obrigações dos bolseiros estabelece o DL nº 162/82, de 8/5 [aplicável ao pessoal docente ou bolseiro das instituições de ensino superior não universitário por força do artigo único do DL nº 178/83, de 4/5], o seguinte, no seu art. 1º, nº 1:
“O pessoal docente de todas as universidades e institutos universitários que tenham efectuado estudos de pós-graduação e estágios na situação de bolseiro é obrigado a prestar à universidade ou ao instituto universitário a que pertencia no momento em que se deslocou tempo de serviço igual àquele durante o qual permaneceu fora da referida instituição universitária, com a manutenção de todos os direitos e regalias inerentes à sua categoria, sob pena de ter de repor todas as verbas despendidas e os vencimentos correspondentes ao período em que esteve ausente.”
Consequentemente, por todas estas razões das quais decorre ser aplicável o art. 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 162/82, de 8 de Maio, ao caso em apreço e ser irrelevante que esta reposição de quantias não esteja prevista no contrato celebrado entre o A. e o R., improcede o fundamento em análise.
Defende ainda o Autor que não são aplicáveis os Decretos-Lei n.°s 162/82, de 8 de Maio e Decreto-Lei n.°178/83, de 4 de Maio aos docentes equiparados.
Mas já se viu que não tem razão, sendo certo que, como enfatiza o recorrido, a compressão prevista nos Decretos-Lei n.°s 162/82, de 8 de Maio e Decreto-Lei n.° 178/83, de 4 de Maio se apresenta proporcional, necessária e adequada, na medida em que o tempo de permanência exigido é o mesmo tempo concedido de dispensa para formação e só assim se evita que o Estabelecimento de Ensino não invista na formação do docente em vão, dando garantias sólidas de retorno do investimento inexistindo, por isso, qualquer fundamento de inconstitucionalidade invocado.
Quanto à violação do art. 14.° do Decreto-Lei n.°185/81, de 1 de Junho, sendo líquido que nele se estabelece que o docente e o estabelecimento de ensino podem denunciar o contrato até sessenta dias antes do termo do prazo do contrato, também o é, como já resulta do antes exposto, que esta norma de carácter geral de denúncia cede perante os preceitos especiais ínsitos nos Decretos-Lei n.°s 162/82, de 8 de Maio e Decreto-Lei n.° 178/83, de 4 de Maio.
Por outro lado, a cláusula de obrigação de permanência no trabalho não viola o direito à liberdade de escolha de profissão, consagrado no art. 47.°, n.°1, da CRP. Isso mesmo brota do Acórdão do STA de 01-02-2017, prolatado no Recurso nº 0877/16 e já citado ao doutrinar que “I - Inexiste qualquer restrição ao direito de escolha de profissão, e violação dos arts. 18º e 47º, da CRP, pelo facto de a docente ter que pagar uma compensação por não ter cumprido o que se encontrava acordado no contrato programa para a formação avançada outorgado com o IPL.
II – Tal não põe em causa, como não pôs, o seu direito a exercer a profissão que vinha exercendo (e que não pretendia continuar a exercer por conta do Recorrido IPL), nem a desvincular-se do contrato de provimento que tinha com aquela entidade, conforme foi sua vontade.”
Sobre a violação do art. 40.° do Decreto-Lei n.°155/92, de 28 de Junho, ou seja, a prescrição relativa às verbas cuja reposição é pedida e cujo prazo é de cinco anos, também não se verifica pelas razões expostas pelo recorrido pois o termo a quo dos cinco é o da data do facto que deu origem ao dever de reposição, concretamente, a data em que o A. denunciou o contrato de docente com o R. e que aconteceu em 20 de Setembro de 2005.
Assim, porque a ordem de reposição de quantias foi dada em 18 de Fevereiro de 2008, desde a data da denúncia até à ordem de reposição passaram 2 anos 4 meses e 28 dias.
Destarte, como não foi excedido o prazo de cinco anos, não se verifica a alegada violação do art. 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho.
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O A. invocou ainda que deve ser feita uma compensação de créditos e débitos, facto que torna ilegal a ajuizada ordem de reposição.
Concretamente, diz o A. que o R. deveria ter procedido à compensação de créditos relativos ao subsídio de férias e as férias não gozadas, às horas extraordinárias, ao diferencial remuneratório por exercer funções de professor equiparado e à viagem ao Chile em representação da Instituição.
Mas também aqui lhe falha razão porquanto, no que tange ao subsídio de férias e féria não gozadas, como salienta o recorrido, o A. não faz prova de ser credor de tais créditos dado que não indica quer o ano a que respeitam, quer os dias de férias que não gozou.
No que se refere às horas extraordinárias e ao diferencial remuneratório por exercer funções de professor equiparado, a que o A. não atribui qualquer.
E sobre a viagem ao Chile, o A. não junta qualquer comprovativo de despesa que tenha efectuado em representação da Instituição, nem indica que despesas fez que julga ter direito a ver reembolsadas.
Ora, como da factualidade nada consta a respeito dessas matérias, que o mesmo é dizer que o A. não faz prova de que seja credor daquelas quantias e dos factos que lhes deram origem, é óbvio que soçobra a pretensão compensatória de créditos.
De tudo o que vem dito decorre a improcedência total da acção intentada pelo Autor e ora Recorrido.

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3. Decisão

Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso revogando a decisão recorrida e, em substituição, julgar improcedente a acção.
Custas pelo Autor e recorrido em ambas as instâncias.

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Lisboa,19 de Abril de 2018
[José Gomes Correia]
[António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos]
[Pedro Marchão]