Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:762/13.5BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:05/11/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:OBRAS EM CONDOMÍNIO;
OBRAS NÃO LICENCIADAS/AUTORIZADAS
Sumário:I – Havendo disputa quanto à titularidade da fração, não são seguramente os tribunais Administrativos que deverão dirimir tal conflito.
II - Quando à não realização da audiência prévia antes de proferida a decisão de demolição da edificação não licenciada, previsto no n.º 3 do art. 106.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), sempre se dirá que o direito de audiência prévia, sendo um elemento padrão do procedimento administrativo, não constitui uma obrigação absoluta.
III - Mostrando-se impossível a legalização da ampliação e da alteração levadas a cabo, sob pena de violação do alvará de loteamento, nos termos conjugados dos arts. 68.º, alínea a), e, a contrario, 106.º, n.º 2, ambos do RJUE, e 28.º, n.º 6, do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Albufeira (in DR, 2ª Série, n.º 59, de 25.03.2008), está bem de ver que as alterações introduzidas se mostram insuscetíveis de ser autorizadas, em face do que, independentemente do que pudesse ser dito em sede de audiência prévia, nunca o edificado ilicitamente poderia ser objeto de autorização ou licenciamento.
IV - Mostrando-se inviável qualquer possibilidade de conformação das obras de ampliação e alteração realizadas, atento o ordenamento jurídico vigente, o vício de forma decorrente da omissão de audiência prévia não tem como consequência a anulação do ato.
V - Não tendo a Recorrente logrado infirmar a circunstância de ser a titular registada da controvertida fração, face à qual foi determinada a sua demolição, e tendo confessado ter sido ela quem a edificou a ampliação ilícita, está bem de ver que sempre teria legitimidade passiva no âmbito do procedimento de demolição e reposição da legalidade urbanística.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A C......, Lda., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa Especial, intentada contra o Município de Albufeira, tendente à anulação do despacho de 28 de Agosto de 2013 que ordenou a demolição das obras de alteração e ampliação da fração autónoma designada pela letra ‘......’, do Condomínio do E. O. B., sito no Lote …., da Estrada de Santa Eulália, freguesia e concelho de Albufeira, inconformado com a Sentença proferida em 22 de março de 2016, no TAF de Loulé, que julgou a Ação improcedente, veio interpor recurso jurisdicional para esta instância, no qual Concluiu:
“A) A Autora, ora Recorrente, é efetivamente proprietária da fração designada pelas letras …… do edifício C......, sito na freguesia e concelho de Albufeira.
B) A fração em causa, de acordo com a Certidão da Conservatória do Registo Predial de Albufeira tem o uso exclusivo da zona situada a sul da fração, com a área de 400 m2, conforme matéria dada com assente sob a alínea F, pela douta sentença “a quo".
C) Foi na área comum de uso exclusivo indicada em B), que foi edificada a sala de condóminos na sequência do Acordo-Compromisso firmado entre a Autora e Conselho de Administração do Condomínio C......, em 4 de Novembro de 2000, conforme consta da matéria dada como assente sob a alínea G) pela douta sentença recorrida.
D) A construção da sala de condomínio em área comum do prédio só foi levada a cabo por vontade e com o acordo da Administração do Condomínio conforme consta no Relatório de Atividades do ano de 2001.
E) Por isso mesmo, conforme resulta da alínea 1) dos considerandos do despacho impugnado perante o Tribunal "a quo", quando no início do ano de 2006 os Serviços de Fiscalização Municipal da Câmara Municipal de Albufeira detestaram a execução de obras de ampliação da fração autónoma designada pelas letras “......" que não foram precedidas de prévia licença ou autorização camarária afirmaram que as mesmas assentaram na criação de uma sala/divisão independente, afeta à realização das reuniões do Condomínio.
F) Informando, ainda, que a execução das obras seria da responsabilidade da Administração do Condomínio do edifício C. B. em virtude do espaço ampliado ter como afetação conhecida a realização das reuniões e assembleias de condóminos daquele Condomínio (alínea 8 dos considerandos do despacho impugnado perante o Tribunal "a quo”).
G) Com efeito, tal ocorreu por notificação de sucessivos despachos ou deliberações camarárias de 27-1-2006 e 28-1-2008 conforme matéria também dada como assente sob as alíneas J) e K) pela sentença recorrida.
H) Importa, por isso, reconhecer o inusitado do despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Albufeira, impugnado no Tribunal “a quo" que, à revelia do que anteriormente fora decidido pela Entidade Demandada, determinou à Autora, enquanto simples condómina, a demolição da sala do Condomínio com a reposição do “terreno" à situação anterior.
I) Perante a manifesta falta de Audiência Prévia da ora Recorrente (ao contrário do sucedido com as anteriores intimações dirigidas à Administração do Condomínio) a anteceder a prolação do despacho impugnado e em flagrante violação do art° 106° n° 3 do RJUE que prescreve:
“A ordem de demolição ou de reposição a que se refere o n° 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma", considerou, não obstante, a douta sentença “a quo” que a Autora era conhecedora da situação em causa e que lhe era exigida a integral reposição da fração autónoma .......
J) Ou seja, na versão defendida pela douta sentença recorrida, a Recorrente nada poderia alegar em sede de audiência prévia, que pudesse contrariar a decisão impugnada, o que, com todo o respeito, é manifestamente falso, pois a 1ª questão a dirimir seria sempre a de definir a quem caberia responsabilizar pelas obras ilegais executadas.
L) Com efeito, o que estava e está em causa é precisamente a questão de saber quem deve ser o destinatário da ordem de demolição: se a Administração do Condomínio em representação de todos os condóminos - uma vez que a obra em questão foi construída em partes comuns do prédio em propriedade horizontal a pedido e em benefício de todos os condóminos, como a douta sentença “a quo” considerou inequivocamente provado sob as alíneas E), G) e H) da matéria assente, de que é de destacar na ata n° 11 da Assembleia de Condóminos de 2001.11.17 a parte transcrita sob a supracitada alínea H) onde se diz que no que concerne ao uso exclusivo da fração ...... que a Recorrente detinha na zona situada a sul, com a área de 400 m2, esta passa a pertencer ao condomínio (sic) - ou se, pelo contrário, deveria o seu destinatário ser a ora Recorrente.
M) Donde, manifestamente, não é juridicamente sustentável dizer-se, como diz a sentença recorrida, que a Audiência Prévia era inútil em clara violação do disposto no n° 3 do art° 106° do RJUE, ainda para mais quando, até então, de forma clara e inequívoca o Município ora Recorrido em anteriores decisões do mesmo teor e com respeito pelo principio da audiência prévia considerara ser da responsabilidade de todos os condóminos a demolição da referida obra feita em partes comuns do prédio em beneficio de todos os condóminos e com a sua expressa anuência, intimações essas que, todavia, não foram acatadas pelas sucessivas Administrações do Condomínio.
N) Finalmente, ainda em sede de Audiência Prévia tão pouco se poderá perentoriamente afirmar, como o faz a sentença recorrida, que não poderia ser outra a decisão da Entidade Recorrida quando como se pode ler no primitivo mandado de notificação dirigido em 27 de Janeiro de 2006 ao então Administrador do Condomínio (vide doc. 7 junto aos autos com a petição da Ação perante o Tribunal “a quo”) se admite, até, que possa ser apresentado o pedido de legalização para a ampliação da fração denominada por ......, bem como a colocação da telha na cobertura do prédio, em alternativa a proceder à reposição do prédio na situação anterior, concedendo o prazo de 15 dias para a respetiva pronúncia precisamente nos termos do art° 106° n° 3 do RJUE que apenas no que concerne á ora Recorrente entendeu a Autoridade Recorrida poder desrespeitar.
O) Ainda que fosse a ora Recorrente a legítima destinatária da ordem de demolição, o que de todo se não concede, não lhe foi igualmente permitido solicitar a eventual legalização da obra, como resulta da lei.
P) Donde a douta sentença "a quo" ao considerar despicienda a realização da Audiência Prévia em relação à ora Recorrente violou efetivamente o disposto no art° 106° n° 3 do RJUE na sua atual redação, desconsiderando, até, o principio da igualdade de tratamento constante do art° 6ª do CPA cuja violação se mostra patente face ao diferente tratamento adotado pela Entidade Recorrida quando notificou a Administração do Condomínio (a quem sempre concedeu a Audiência Prévia) face à notificação do ora Recorrente (a quem foi subtraída qualquer possibilidade de pronúncia antes da prolação de “nova” decisão final).
Q) A douta sentença Recorrida ao não considerar que o ato ali impugnado teria também violado o disposto no art° 125° n° 2 do CPA enferma, ainda, de erro de direito com violação deste preceito, na anterior redação ao caso aplicável, porquanto atento os antecedentes do despacho impugnado perante o Tribunal “a quo”, se afigura que o mesmo enferma de clara contradição com as decisões anteriores em que se imputou de forma clara, precisa e fundamentada a responsabilidade pela demolição da obra ao Condomínio e respetiva Administração e não à Condómina ora Recorrente.
R) Deve pois entender-se que a fundamentação do novo ato impugnado perante o Tribunal “a quo” é contraditória (e incongruente) com o já anteriormente decidido em definitivo, sobre a matéria, de que resultara, além do mais, o reconhecimento da inoportunidade de se invocar eventuais situações de ilegitimidade.
S) Donde a douta sentença “a quo” ao não reconhecer que a fundamentação dada ao “novo ato” era contraditória com as anteriores decisões tomadas sobre a matéria enferma de erro de direito com violação do art° 125° n° 2 do CPA (na sua primitiva redação) não podendo também por esse facto ser mantida.
T) Finalmente, como resulta dos factos acima relatados e dados como assentes pela sentença recorrida, a obra cuja demolição foi determinada pela despacho impugnado no Tribunal "a quo’’ foi efetuada sobre uma área da cobertura do prédio, que constitui zona comum e destinada a ser fruída como sala de condomínio tendo sido realizada com a anuência e autorização da Administração do Condomínio, ratificada pelos condóminos e tendo-se mantido, sempre, na posse da respetiva Administração.
U) Assim sendo, não pode, com todo o respeito, a sentença “a quo” afirmar que a questão da legitimidade do destinatário da ordem de demolição corresponde a uma apreciação meramente formal quando a Administração na sua atuação está vinculada ao princípio da legalidade e a ter, naturalmente, em conta o disposto no art° 1424° n° 1 do Código Civil conjugado com o disposto no art° 1436° do Código Civil, segundo os quais cabe ao Administrador do Condomínio representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas e assegurar as execução das disposições administrativas relativas ao condomínio, como é o caso.
V) Por isso a douta sentença “a quo” fazendo apelo a jurisprudência inaplicável ao caso (pois não estamos perante um pedido de licenciamento de obra mas perante uma ordem administrativa para a demolição de obra) ao desconsiderar a situação fáctica que deu como assente, considerando que o despacho impugnado ao ter como destinatário o ora Recorrente não violou a lei, enferma por isso de erro de direito com violação do disposto no art° 3º do CPA (na sua primitiva redação) conjugado com os arts. 1424° e 1436° i) e e) ambos do Código Civil, não podendo em consequência ser mantida.
X) Finalmente, não decorrendo do despacho impugnado, nem tão pouco de qualquer parecer técnico junto aos autos, que as obras realizadas sem o necessário licenciamento não poderiam de modo algum ser legalizadas, entende-se ainda que a sentença “a quo" ao consignar, de modo perentório, que aquelas eram insuscetíveis de ser legalizadas, se substituiu ao Município Réu, com desrespeito do princípio da separação de poderes (cfr. art° 3º do CPTA), não podendo também por isso ser mantida.

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 2 de fevereiro de 2017, veio a emitir Parecer em 3 de fevereiro de 2017, no qual, a final, se pronuncia no sentido de que a “(…) douta sentença recorrida que deve ser mantida e ser negado provimento ao Recurso.”

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar se ocorreu, como recursivamente invocado, erro de julgamento na aplicação dos factos ao direito, quer no que respeita ao destinatário da ordem, bem como relativamente à interpretação das normas invocadas, mais se impondo verificar se a sentença recorrida ofendeu os art.ºs 106., n.º 3 do RJUE, e 125º n.º 2, do CPA, 1424.º, n.º 1, e 1436.º, do C. Civil, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“A) Na ‘Relação das Frações Correspondente à Licença de Utilização nº ….. Emitida em 22/05/95’, pode ler-se nomeadamente e no que se refere à fração ‘......’ “Com Área de 613,00 m2 – DESTINADA A ARRECADAÇÃO”
(cfr fls não numeradas do processo administrativo);
B) Em 2013.08.28, a Entidade Demandada emitiu ‘Mandado de Notificação’ da Autora do despacho de 2013.08.28 (cfr doc nº 1 da petição inicial);
C) Em 2013.09.02, a Autora foi notificada do despacho de 2013.08.28 (cfr doc nº 1 da petição inicial);
D) O despacho de 2013.08.28 emitido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Albufeira, é do seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr doc nº 1 da petição inicial);
E) Em 2000.11.04, foi celebrado o ‘Acordo-Compromisso’ entre o Conselho de Administração do Condomínio O......e a C......, Lda., no qual se pode ler designadamente o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr doc nº 2 da petição inicial);
F) Na ‘Certidão do Registo Predial’ de Albufeira pode ler-se no que respeita à fração ‘......’ do prédio em causa que “tem o uso exclusivo da zona situada a sul da fração, com a área de 400 m2 e da zona situada a norte da mesma fração, com a área de 85 m2. (…) 3º PISO-Sótão, destinado a arrecadação- área coberta de 128 m2 (…) 3º PISO-Sótão, destinado a arrecadação - área coberta de 45,60 m2 (…)”(cfr doc nº 3 da petição inicial);
G) No ‘Relatório de Atividades do Ano de 2001’, de 2002.02.09, consta designadamente no ponto 11, o seguinte: “SALA DO CONDOMÍNIO Fruto das negociações efetuadas com o Condómino C......, Lda., o Condomínio O...... dispõe hoje da sua SALA DO CONDOMÍNIO, que, permita-nos o desabafo e alguma vaidade, é hoje o nosso SALÃO NOBRE.
A sala dispõe de 34 cadeiras e duas mesas, um Gabinete da Administração, tem características amplas para a promoção das suas Assembleias Gerais, Convívio e atividades culturais, atributos estes muito pouco comuns em Condomínios em Portugal” (cfr doc nº 4 da petição inicial);
H) Na ‘Ata nº 11’ de 2001.11.17 consta que nesta data se realizou “na Sala do Condomínio do Edifício C......, Assembleia Extraordinária com a seguinte ordem de trabalhos, conforme convocatória:
(…)
3.1. No que concerne ao uso exclusivo da fração ...... que este detinha na zona situada a sul, com a área de 400 m2, este passa a pertencer ao Condomínio.
3.2. Nova redação a dar na alteração da propriedade horizontal quanto à fração ...... – “Sótão, destinada a arrecadação com a superfície coberta de 128 m2, correspondendo a seis vírgula zero quatro por mil do valor total e com o valor parcial e atribuído de duzentos mil escudos”.
3.3. Toda a zona situada a sul da fração AA com a área de 400 m2 é parte comum, do uso exclusivo do condomínio” sendo que os pontos 3.1., 3.2. e 3.3. foram aprovados por unanimidade (cfr doc nº 5 da petição inicial);
I) Na ‘Ata nº 26’ de 2009.01.31, consta designadamente que “reuniram em Assembleia Geral Ordinária, os condóminos do Edifício O......(…) conforme convocatória enviada com a seguinte ordem de trabalhos:
(…)
Ponto seis: Informação sobre intimação do Município de Albufeira para integral reposição da fração autónoma „......‟ do Edifício C......, na situação em que se encontrava antes da execução de ampliação e criação de divisão independente sem licença Camarária pelo Condómino Proprietário C......, Lda. Deliberação sobre a atitude a tomar.
(…)
A Srª. D. A...... solicitou que constasse em ata o pedido para a Administração lhe facultar cópia das cartas enviadas pela Câmara e que contasse ainda que desde a edificação da Casa do Condomínio, que a empresa C......, Lda., não tem acesso à mesma (só em Assembleias) e que não possui qualquer chave da mesma” (cfr doc nº 6 da petição inicial);
J) No ‘Mandado de Notificação’ de 2006.01.27, foi determinado que “o Sr. Administrador do Condomínio C......, Lote ….. – Albufeira, para de acordo com o despacho de 27 de Janeiro de 2006, no prazo de quarenta e cinco (45) dias, apresentados a partir da data da presente notificação apresentar o pedido de legalização para a ampliação da fração denominada por „......‟, bem como a colocação de telha na cobertura do prédio sito no Lote…., em Santa Eulália, freguesia e concelho de Albufeira, caso seja possível, ou naquele prazo repor na situação anterior” (cfr doc nº 7 da petição inicial);
K) No ‘Mandado de Notificação’ de 2008.01.28, foi determinado que “o Sr. Administrador do Condomínio C......, sito no lote…., Estrada de Santa Eulália, freguesia e concelho de Albufeira, do teor do meu despacho de 28 de Janeiro de 2008 (…)” (cfr doc nº 8 da petição inicial);
L) Na ‘Certidão da Conservatória do Registo Predial’ de Albufeira de 2013.11.05, consta designadamente que “A fração ......, tem o uso exclusivo da zona situada a sul da fração, com a área de 400m2 e a zona situada a norte da mesma fração, com a área de 85 m2” (cfr doc juntos com a contestação).

IV – Do Direito
Em síntese, o thema decidendi nestes autos, consiste em saber se estão reunidos os pressupostos para que seja ordenada a anulação do despacho de 28 de Agosto de 2013 proferido pela Entidade Demandada, que, em resumo, determinou a “demolição das obras de ampliação e de alteração, ilegalmente executadas na fração autónoma designada pelas letras „......‟ do Edifício C......, sito na Estrada de Santa Eulália, Albufeira e assegurar a integral reposição daquela tal e qual se encontrava antes da execução das obras ilegais (…) operações que terão que estar integralmente concluídas (sem quaisquer prorrogações) até ao final do mês de Setembro de 2013”.

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª instância, julgar a Ação improcedente.
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…)
─ Falta de audiência prévia.
Nos termos do Acórdão do TCA Sul, Processo nº 03766/08, de 2008.12.04 in www.dsgi.pt, “A audiência prévia não deve ser realizada em casos de manifesta inutilidade e desnecessidade”, o que se verifica no caso presente.
Com efeito, trazendo à colação a ‘Relação das Frações Correspondente à Licença de Utilização nº 115 Emitida em 22/05/95’, nela pode ler-se nomeadamente e no que se refere à fração ‘......’ “Com Área de 613,00 m2 – DESTINADA A ARRECADAÇÃO”, sendo que, ao invés, foi alterado este seu uso, como atesta a ‘Ata nº 11’ de 2001.11.17 que nesta data se realizou, atento o seguinte teor: “na Sala do Condomínio do Edifício C......, Assembleia Extraordinária com a seguinte ordem de trabalhos, conforme convocatória:
(…) 3.2. Nova redação a dar na alteração da propriedade horizontal quanto à fração ...... – “Sótão, destinada a arrecadação com a superfície coberta de 128 m2, correspondendo a seis vírgula zero quatro por mil do valor total e com o valor parcial e atribuído de duzentos mil escudos”.
Assim, a fração ‘......’ que era destinada a arrecadação foi objeto de obras de ampliação e de alteração que a transformaram em salão nobre conforme, também, o mencionado no ‘Relatório de Atividades do Ano de 2001’, de 2002.02.09.
Neste Relatório consta designadamente no ponto 11, o seguinte: “SALA DO CONDOMÍNIO
Fruto das negociações efetuadas com o Condómino C......, Lda., o Condomínio O......dispõe hoje da sua SALA DO CONDOMÍNIO, que, permita-nos o desabafo e alguma vaidade, é hoje o nosso SALÃO NOBRE.
A sala dispõe de 34 cadeiras e duas mesas, um Gabinete da Administração, tem características amplas para a promoção das suas Assembleias Gerais, Convívio e atividades culturais, atributos estes muito pouco comuns em Condomínios em Portugal”.
Salienta-se que a Autora era conhecedora da situação em causa e que lhe era exigida a integral reposição da fração autónoma ‘......’ do Edifício C......, na situação em que se encontrava antes da execução da sua ampliação para criação de divisão independente sem licença camarária, pelo que mesmo que tivesse sido levada a cabo a sua audiência prévia, ao abrigo do previsto no nº 3 do artº 106º do Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro (na redação dada pela Lei nº 26/2010 de 30 de Março (de ora em diante designado por RJUE) ela não facultaria a inversão do sentido da tomada de decisão por banda da Entidade Demandada.
Consequentemente, era despicienda, no caso concreto, a audiência prévia da Autora antes de ser proferido o ato de 2013.08.28.
─ Falta de fundamentação
A Autora advoga, em suma, que o ato impugnado não esclareceu concretamente a sua motivação, violando o preceituado no nº 2 do artº 125º do CPA, uma vez que “decidiu à revelia e em total contradição com as suas decisões anteriores (embora nunca executadas) em que atribuía uma tal obrigação à Administração do Condomínio do Edifício C......”.
Independentemente da eventual troca de informação entre a Entidade Demandada e a Administração do Condomínio do Edifício C......, o ato que nos ocupa, incide sobre a alteração do destino da fração ‘......’, desde logo configurando uma obra ilegal de ampliação por não conforme com o projeto aprovado e licenciado, mostrando-se assaz fundamentado de facto e de direito.
Com efeito, o ato impugnado obedeceu aos ditames do preceituado nos artºs 123º e 124º do CPA, isto é, a fundamentação que o sustentou é expressa, clara, congruente, com o correspondente assento factual e legal e atém-se ao previsto no artº 125º do CPA, pelo que nenhum vício se lhe pode assacar.
Concretizando com maior detalhe o que antecede, refira-se que o dever de fundamentação dos atos administrativos está consagrado no nº 3 do artº 268º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artºs 123º e 124º, ambos do CPA.
Estatui o nº 3 do artº 268º, da CRP que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos “.
Dispõe o nº 1 do artº 123º do CPA, que “sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem sempre constar do ato:
a) A indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;
b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;
c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;
d) A fundamentação, quando exigível;
e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto;
f) A data em que é praticado;
g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial de que emane”.
O nº 2 do mesmo normativo preceitua que ”todas as menções exigidas pelo número anterior devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poderem determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo”.
O artº 125º do CPA, estabelece, por sua vez, nos nºs 1 e 2 que “1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2. Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.
Os cidadãos têm pois direito à fundamentação expressa dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
“A fundamentação é (…) entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada.
Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de Direito, pois a fundamentação não só permite captar claramente a atividade administrativa (princípio da transparência da ação administrativa) e a sua correção (princípio da boa administração) mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do ato administrativo, sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio do poder” – vide J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, pp 935 e 936.
Um ato administrativo estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal, médio, colocado na situação concreta, possa ficar ciente do sentido da decisão, e das razões de facto e de direito que amparam a decisão que consubstancia.
O que equivale a dizer que se encontrará suficientemente fundamentada quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão, quando seja possível conhecer as razões porque o(s) autor(es) do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente – in Acórdãos do STA Processo nº 0988/04, de 2005.01.11, e Processo nº 0787/04, de 2005.01.20, in www.dgsi.pt – o que aconteceu com a notificação à Autora do ato impugnado. Do que antecede o ato de 2013.08.28 não padece de falta de fundamentação.
─ Erro nos pressupostos de facto.
A Autora, em síntese, enuncia que o despacho impugnado enferma do supracitado vício porquanto não é proprietária da fração em apreço, sobre a qual o mesmo incidiu.
Sucede que na ‘Ata nº 26’ de 2009.01.31 se referiu que “reuniram em Assembleia Geral Ordinária, os condóminos do Edifício O......(…) conforme convocatória enviada com a seguinte ordem de trabalhos:
(…) Ponto seis: Informação sobre intimação do Município de Albufeira para integral reposição da fração autónoma „......‟ do Edifício C......, na situação em que se encontrava antes da execução de ampliação e criação de divisão independente sem licença Camarária pelo Condómino Proprietário C......, Lda. Deliberação sobre a atitude a tomar”.
Tal concatenado com o ‘Acordo-Compromisso’, celebrado em 2000.11.04, entre o Conselho de Administração do Condomínio O......e a C......, Lda., que na cláusula 12ª indica que será construída “na área adjacente à fração „......‟ do Edifício, para a construção de uma sala destinada a reuniões de condomínio com instalações sanitárias, obra e projeto a cargo da C......, Lda., que a doará ao condomínio(…)”, resulta que inexiste nos autos a escritura pública de doação em conformidade, pelo que para todos os efeitos legais, a relação existente entre a Entidade Demandada e a Autora ex vi do desrespeito pelo constante no projeto e licenciamento aprovado para a aludida fração, é legítima, válida e correta. O que vale por dizer que é lógica, adequada e legal, a articulação patente no ato de 2013.08.28 entre estas duas partes.
Neste sentido, importa que na ‘Certidão do Registo Predial’ de Albufeira pode ler-se no que respeita à fração ‘......’ do prédio em causa que “tem o uso exclusivo da zona situada a sul da fração, com a área de 400 m2 e da zona situada a norte da mesma fração, com a área de 85 m2. (…) 3º PISO-Sótão, destinado a arrecadação- área coberta de 128 m2 (…) 3º PISO-Sótão, destinado a arrecadação- área coberta de 45,60 m2 (…)”(Por sua vez, na ‘Certidão da Conservatória do Registo Predial’ de Albufeira de 2013.11.05, consta designadamente que “A fração ......, tem o uso exclusivo da zona situada a sul da fração, com a área de 400m2 e a zona situada a norte da mesma fração, com a área de 85 m2” o que vale por dizer que a Autora é a proprietária da fração autónoma ‘......’ do Lote 6 do prédio sub juditio.
Por outro lado, ex ante à prolação do despacho de 2013.08.28, a Autora não fez prova que a fração ‘......’ não lhe pertence, o que levaria a que as alterações e a ampliação constatadas na mesma não lhe pudessem ser assacadas, com as inerentes consequências.
Ora, decorre do artº 11º do RJUE que “1 - Compete ao presidente da câmara municipal, por sua iniciativa ou por indicação do gestor do procedimento decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento de qualquer pedido ou comunicação apresentados no âmbito do presente diploma.
(…) 6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o gestor do procedimento deve dar a conhecer ao presidente da câmara municipal, até à decisão final, qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre o objeto do pedido, nomeadamente a ilegitimidade do requerente e a caducidade do direito que se pretende exercer.
7 - Salvo no que respeita às consultas a que se refere o artigo 13.º, se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o presidente da câmara municipal suspender o procedimento até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, notificando o requerente desse ato, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 31.º do Código do Procedimento Administrativo.
8 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o interessado pode requerer a continuação do procedimento em alternativa à suspensão, ficando a decisão final condicionada, na sua execução, à decisão que vier a ser proferida pelo órgão administrativo ou tribunal competente”.
Daqui resulta que o disposto nos nºs 7 e 8 do RJUE devem ser entendidos tendo em consideração que as licenças estão sujeitas exclusivamente a regras de direito do urbanismo, pelo que a sua concessão deve ser feita sob reserva de direitos de terceiros.
Os atos de gestão urbanística apenas regulam as relações entre a Administração e o seu titular e, por isso, não constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas, ou seja, relações entre o titular da licença e terceiros. Existe, assim, uma independência essencial entre os atos de gestão urbanística e as regras de direito privado.
O Acórdão do STA, Processo nº 41923 de 1998.02.26, reza que “a concessão pela câmara municipal de licença de construção em terrenos de que o requerente beneficiário da licença não é o proprietário, na convicção de que o seria, concede autorização ineficaz face ao verdadeiro proprietário, que pode opor-se ao ato, por todos os meios, ao exercício daquela autorização”.
Não obstante, também não seria correto afirmar que existe uma total desconsideração por parte do Município das regras de direito privado quando pratica atos de gestão urbanística. Se tal fosse assim, então não haveria necessidade de fazer qualquer prova de legitimidade nos processos de licenciamento.
Na verdade, o nº 1 do artº 9º do RJUE e a Portaria nº 232/2008 de 11 de Março, exigem não só que o particular em causa o invoque, mas também que se faça prova, aquando da apresentação do pedido, da titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão.
Ora, o facto do já referido artº 11º do RJUE prever que o Presidente da Câmara Municipal deve decidir sobre as questões de ordem formal e processual que obstem ao conhecimento do pedido, nomeadamente a legitimidade, tal implica, no fundo, a apreciação de questões de direito privado.
No entanto, essa apreciação é meramente formal, não define quaisquer direitos de carácter privado, como por exemplo, a propriedade do bem onde se pretende uma operação urbanística, apenas se limita a verificar se o requerente apresentou o documento comprovativo da sua legitimidade.
Nas palavras da jurisprudência do STA “o mero licenciamento de uma construção particular não tem qualquer repercussão na definição da propriedade do terreno em que a construção se implanta, nem tem repercussão direta nas relações desse prédio com o prédio confinante, designadamente nas relações que entre eles se estabelecem enquanto prédio dominante e serviente” – cfr Acórdão do STA, Processo nº 0893/95 de 2005.11.30, in www.dgsi.pt.
Neste sentido, existindo um conflito entre a Autora e o Condomínio O...... no que concerne à titularidade do direito de propriedade da fração ‘......’, não deve a Administração resolvê-lo e decidir quem é o proprietário, sob pena de usurpação de poderes; no entanto, isso não a impede de emitir a competente licença ou o alvará de loteamento ou de proferir despacho de demolição de obras ilegais e a reposição da situação anterior.
Isto porque desde que o requerente apresente a documentação exigida para a prova da legitimidade, como decorre da Portaria supra mencionada, a autarquia deve continuar a apreciação do projeto urbanístico, mesmo que exista um diferendo entre o requerente e um terceiro quanto à titularidade do direito de propriedade.
Tal só não acontecerá se apesar de ter a prova da titularidade do direito, por uma situação concreta não ter a possibilidade de realizar a operação urbanística – vide Fernanda Paula Oliveira e Outras in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, edição de 2011, Almedina, pp 169/170.
Igual doutrina consta do Relatório, Direito do Urbanismo e Autarquias Locais, da responsabilidade do Centro de Estudos para o Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (CEDOUA), elaborado no âmbito de um protocolo celebrado com a Inspeção-geral da Administração do Território, e publicado pela Livraria Almedina, em 2005, onde a páginas 126, se pode ler o seguinte: “A apreciação da titularidade do direito que confere ao particular legitimidade para requerer o licenciamento não significa, no entanto, um afastamento completo da cláusula salvo direitos de terceiros. É que a apreciação da legitimidade é meramente formal, isto é, limitada a verificar se o requerente apresentou documento comprovativo de legitimidade (que a portaria atual exige que seja a certidão do registo predial), sem ter que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca. E isto é assim porque, para além da submissão exclusiva da licença ou autorização urbanísticas a regras de direito de urbanismo, elas caracterizam-se também por serem emitidas tendo em consideração não o requerente, mas a conformidade do projeto com as regras urbanísticas aplicáveis. Trata-se do carácter real dos atos urbanísticos, segundo o qual a licença ou autorização são emanadas em função das características urbanísticas objetivas do terreno, tendo em conta a regulamentação de urbanismo, e não em função da qualidade do requerente”.
Assim, não cabe ao Município de Albufeira questionar a titularidade do direito de propriedade da Autora sobre a fração em análise, tanto mais quando esta não faz prova da sua legitimidade referindo que a mesma recai sobre um terceiro – o Condomínio O......– para refutar aquele direito. Este litígio apenas pode ser dirimido nos Tribunais Judiciais.
Concludentemente, não poderia a Entidade Demandada deixar de proferir o despacho de 2013.08.28, nos seus exatos termos, e que no fundo, determina a demolição do ilegalmente construído na fração ‘......’.
O Acórdão do STA, Processo nº 0601/10, de 2011.04.07 in www.dgsi.pt, reza que “a demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e que o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo (Acs. de 07.10.2009 – Rec. 941/08, de 24.09.2009 – Rec. 656/08, de 09.04.2003 – Rec. 09/03, e de 19.05.1998 – Rec. 43.433). Mas, como se aponta neste último aresto, esse poder de escolha funciona na base de um pressuposto vinculado, já que a demolição só pode ter lugar “se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade”, pelo que “nesta última hipótese a decisão no sentido da demolição surge como vinculada”. Assim se decidiu igualmente no citado Ac. de 24.09.2009, afirmando-se que “a emissão do juízo de viabilidade de legalização de construção não licenciada tem de anteceder a prática do ato de demolição”, em ordem a que a Administração não imponha aos particulares sacrifícios desnecessários ou desproporcionados para atingir os seus fins de conformação da legalidade urbanística, não determinando a demolição das obras ilegais de modo automático e irreversível sem que previamente averigue da possibilidade de legalização das mesmas. Em anotação ao acórdão de 19.05.1998, nos CJA, nº 19, págs. 37 e segs., Carla Amado Gomes afirma mesmo que não há sequer discricionariedade optativa na escolha do procedimento a adotar – de demolição ou de legalização –, salientando que o procedimento que a Administração deverá instaurar é, obrigatoriamente e em primeira linha, o de legalização, em atenção ao princípio de proporcionalidade, na lógica do menor sacrifício exigível aos particulares, e que “este princípio, a que está desde logo constitucionalmente vinculada, limita num primeiro momento a opção pela demolição, impondo uma verificação prévia das possibilidades de conformação da obra realizada com os cânones da legalidade urbanística”. Esta Autora chama à colação, em conforto deste entendimento, o teor do art. 106º do RJUE (DL nº 555/99), que atribui ao Presidente da Câmara o poder de ordenar a demolição “quando for caso disso”, prevendo igualmente que “a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada”. E anota, inclusivamente, que nem sequer a opção entre legalizar ou demolir, findo o procedimento de legalização, consubstancia uma verdadeira discricionariedade na medida em que a Administração se encontra, então, confrontada com a necessidade de prolação de uma decisão administrativa naturalmente apoiada em estudos e normas técnicas. A liberdade de escolha do órgão administrativo será praticamente inexistente pois que a decisão correta em termos técnicos só pode ser uma: “ou a obra pode subsistir (com ou sem alterações ditadas em função da avaliação técnica...), ou deve ser demolida. Tertium non datur”.
Verifica-se, pois, que a ordem de demolição de obras não licenciadas só deve ocorrer se a Administração concluir pela impossibilidade da sua legalização, surgindo aquela, assim, como ultima ratio.
Neste âmbito, estatui o nº 2 do artigo 106º do RJUE, que “a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração”.
Assim sendo, face à cogitação tendente à demolição de obras ilegais, deve a Administração iniciar um procedimento tendente a averiguar se as mesmas são suscetíveis de ser licenciadas ou autorizadas, concedendo, se for caso disso, prazo aos interessados para praticarem os atos que se impõem em ordem à legalização.
In casu, este procedimento arrastou-se durante anos, com a Entidade Demandada a cursar o procedimento de obstar à manutenção de obras que não eram passíveis de legalização, após as diligências necessárias que conduziram a essa verificação, e, subsequentemente proferiu decisão final, de demolição. Isto porque, reitera-se, após ter apurado que as obras não são suscetíveis de legalização em harmonia com o disposto na alínea a) do artº 68º conjugado com alínea e) do artº 2º ambos do RJUE, que define como obras de alteração “as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente ou sua fração, designadamente a respetiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área de pavimento ou de implantação ou da cércea”.
As obras sub juditio também preenchem o conceito de obras de ampliação pois delas resultou “o aumento da área de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume de uma edificação existente” – vide alínea d) do citado normativo e diploma legal.
Em conclusão, tudo visto e ponderado, o despacho de 2013.08.28, não padece de nenhum dos vícios assacados pela Autora, pelo que se mantém, com todos os efeitos legais.”

Vejamos:
Refira-se, desde já, que se não vislumbram razões de censura relativamente à decisão recorrida, cujo teor argumentativo e decisão aqui se confirma.

Há uma questão incontornável e que, só por si, rebate o entendimento da Recorrente quanto à legitimidade passiva:
As obras na controvertida foram realizadas pela Recorrente, em nome de quem se mantém registada a fração, em face do que a notificação para a determinada demolição sempre teria de lhe ser dirigida (Cfr. Certidão de Registo Predial constante dos Autos).

De resto, havendo eventual disputa quanto à titularidade da fração, não são seguramente os tribunais Administrativos que deverão dirimir tal conflito.

Quando à invocada não realização da audiência prévia antes de proferida a decisão de demolição da edificação não licenciada, previsto no n.º 3 do art. 106.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), sempre se dirá que o direito de audiência prévia, sendo um elemento padrão do procedimento administrativo, não constitui uma regra absoluta.

Com efeito, o prédio no qual a Autora, aqui Recorrente levou a cabo as obras de ampliação e alteração ordenadas demolir insere-se em loteamento urbano, disciplinado por alvará, o qual, por natureza, estabelece áreas máximas de construção, cuja edificabilidade, de acordo com o município e não contrariado pelas contrapartes, se mostra esgotada, pois que a área de construção autorizada foi já consumida pelo conjunto do edificado.

Assim, mostrando-se impossível a legalização da ampliação e da alteração levadas a cabo na fração da Recorrente, sob pena de violação do alvará de loteamento, nos termos conjugados dos arts. 68.º, alínea a), e, a contrario, 106.º, n.º 2, ambos do RJUE, e 28.º, n.º 6, do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Albufeira (in DR, 2ª Série, n.º 59, de 25.03.2008), está bem de ver que as alterações introduzidas se mostram insuscetíveis de ser autorizadas, em face do que independentemente do que pudesse ser dito em sede de audiência prévia, nunca o edificado ilicitamente poderia ser objeto de autorização ou licenciamento.

Mostrando-se inviável qualquer possibilidade de conformação das obras de ampliação e alteração realizadas pela aqui Recorrente, atento o ordenamento jurídico vigente, o vício de forma decorrente da omissão de audiência prévia não tem como consequência a anulação do ato.

Como já se discorreu no STA, nomeadamente no Acórdão de 05.07.2012, proferido no processo n.º 0997/11, «(…) a jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo tem formada desde há muito, uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do ato a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. (…)
«E, nessa decorrência, tem entendido que a omissão do dever de audiência prévia consagrado no artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) não será invalidante da decisão final nos casos em que, através de um juízo de prognose póstuma, o tribunal possa concluir, sem margem para dúvidas, que a decisão tomada era a única concretamente possível. Cfr. os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 9/02/1999, no Recurso nº 39.379, e de 12/12/2001, no Recurso nº 34.981.
«Como se pode ler no acórdão proferido em 14/05/2003, no recurso nº 317/03, “Não basta, convém salientar, que a decisão seja proferida no exercício de poderes vinculados, para ter como não invalidante a violação do disposto no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo, pois pode ainda ser possível, em certos casos de atividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela.
«Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do ato - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental”».

O referido entendimento é aqui aplicável de forma patente, pois que o edifício onde foram executadas as controvertidas obras não suporta a ampliação implementada, por exceder a área de construção titulada pelo correspondente alvará, em face do que a audiência prévia, independentemente do que aí se dissesse, não teria a virtualidade de viabilizar a autorização ou licenciamento do irregularmente construído.

Assim, a preterição da realização da audiência prévia constitui irregularidade não invalidante, e como tal inútil, pelo que não importa a anulação do despacho objeto de impugnação.

Por outro lado, mantendo-se a fração controvertida, por falta de prova em contrário, titulada pela Recorrente, não tinha o Município de notificar o condomínio da demolição, independentemente das notificações que lhe terão anteriormente sido dirigidas, o que só por si não tem qualquer interferência no decidido.

Se é certo que o condomínio poderia vir a ser a benificiário daquela edificação, mantendo-se a Recorrente como titular da mesma, sempre teria o município de a notificar para a reposição do edificado.

Como se disse já, havendo litigio quanto à titularidade da fração, não será o Município nem os Tribunais Administrativos quem terá de dirimir o conflito, por revestir natureza privada.

Efetivamente, no que aqui releva e até prova em contrário a titular da controvertida fração autónoma acima identificada, como resulta da certidão permanente de registo predial constante dos Autos é a Recorrente, mais resultando da mesma que a fração “......” tem o uso exclusivo da zona situada a sul da fração, com a área de 400 m² e a zona situada a norte da mesma fração, com a área de 85 m², situando-se no segundo andar/terceiro piso, destinando-se a arrecadação, tendo uma área coberta de 128 m².

Tudo quanto se mostre edificado acima do descrito, mostra-se ilícito, sendo que a aqui Recorrente confessou ter realizado as obras realizadas para além dos referidos limites, ainda que afirmasse que as iria doar ao Condomínio, o que não a exime da responsabilidade da sua edificação.

Não se verifica pois, e desde logo, a suscitada ilegitimidade passiva da Recorrente relativamente à determinada ordem de demolição.

Reafirma-se que, não tendo a Recorrente logrado infirmar a circunstância de ser a titular registada da controvertida fração, face à qual foi determinada a sua demolição, e tendo confessado ter sido ela quem a edificou a ampliação ilícita, está bem de ver que sempre teria legitimidade passiva no âmbito do procedimento de demolição e reposição da legalidade urbanística.

Nem colhe a circunstância de parte das obras violadoras da legalidade urbanística se localizarem em zona comum do prédio, pois que, como resulta nomeadamente da referenciada certidão predial, a Recorrente detém, enquanto titular da fração ......, o uso exclusivo da área onde aquele segmento das obras ilegais foi executado.

Reitera-se que o facto do Município na fase originária do procedimento administrativo tendente à demolição do edificado ilicitamente edificado, ter notificado o Condómino e não a aqui Recorrente, não altera os pressupostos e que assenta a presente questão, nomeadamente quanto à legitimidade passiva da Recorrente, mormente tendo presente a configuração dada ao ato objeto de impugnação.

Improcede pois o Recurso interposto quanto ao item vindo de analisar.

Quanto à alegada falta de fundamentação do ato objeto de impugnação, não se vislumbra a mesma, o qual assenta numa suposta obscuridade ou contradição dos respetivos fundamentos, o que se não reconhece.

A mera leitura do ato objeto de impugnação permite percecionar de forma clara qual o seu objeto e objetivo, o que não determina que o seu destinatário tenha de concordar com o mesmo, o que é diverso e não se consubstancia numa qualquer falta de fundamentação.

Inexiste, pois, no ato objeto de impugnação qualquer vício de falta de fundamentação.

Aduz-se ainda recursivamente que situando-se a obra a demolir em zona comum do edificado, sempre teria de ser o condomínio a efetivar a determinada demolição, à luz dos arts. 1421º/b, 1424º e 1436º do C. Civil.

Em face de tudo quanto supra se expendeu, improcederá o Recurso.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 11 de maio de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa