Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 145/22.6 BEPDL |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/22/2023 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | RECLAMAÇÃO 276CPPT EXCESSO DE PENHORA QUESTÃO NOVA |
| Sumário: | I - Nunca tendo sido invocada, no momento oportuno, a falta de fundamentação de ato de renovação de penhora (incluindo do valor indicado como estando em dívida), a mesma não pode ser conhecida pelo Tribunal ad quem, dado tratar-se de questão nova (ius novorum) que não é de conhecimento oficioso. II - Sendo apenas invocado pelo executado o excesso de penhora, o Tribunal a quo pode e deve na sua análise apreciar e considerar todos os elementos de prova constantes do PEF que permitam decidir tal questão. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
J… (doravante Recorrente ou Reclamante) veio recorrer da sentença proferida a 28.03.2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada, na qual foi julgada improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal por si apresentada, que teve por objeto a penhora de créditos no montante de 44.028,87 Eur., efetuada no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 2917201501022997 e outros, do Serviço de Finanças (SF) da Horta. Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “1- Não existe qualquer fundamentação na decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada ao reclamante, de facto ou de direito, sobre a decisão de justificadora de renovação da penhora em causa, em violação do dever de fundamentação legal que sobre si impende (cfr. artº 77º/1 da LGT), o que desde logo implica a respetiva anulabilidade, atento o disposto no artº 163º/1 do CPA; 2- Para aferir e ponderar relativamente às onerações que impendem sobre os imóveis em causa, e ajuizar da sua suficiência ou insuficiência para garantir os invocados créditos da AT, deveria a AT incluir tais factos na decisão notificada de renovação da penhora em causa, o não o fez, pelo que não poderá o Tribunal dar como provados factos que não foram contemporaneamente notificados ao reclamante com a decisão de renovação da penhora; 3- O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição refere-se a duas garantias dos administrados: o direito a ser notificado dos atos, e o direito a que tais atos sejam fundamentados. A Constituição aponta para que o dever de fundamentação da Administração deva ser contextual, ou seja, deverá ser elencada no próprio ato, ser parte integrante da decisão administrativa, não sendo possível uma fundamentação à posteriori, devendo ser sempre notificada juntamente com a decisão administrativa, mesmo sem haver um pedido do interessado nesse sentido. A fundamentação é um direito e uma garantia fundamental dos contribuintes; 4- O dever de fundamentação contextual pela Administração tem por escopo uma dupla finalidade: por um lado, “obrigar” a Administração a refletir sobre a adequada solução de determinada questão em aberto; por outro, permitir ao administrado avaliar da qualidade de mérito da solução encontrada, se a mesma é conforme à lei, se deve recorrer ou impugná-la; 5- “Só é válida a fundamentação contextual, ou seja, a que se integra no próprio acto e dele é contemporânea …” (cfr. sumário do acórdão do STA de 22/09/1994, respeitante ao processo nº 032702, disponível em www.dgsi.pt); 6- A decisão da AT de renovar a penhora em causa deverá ser anulada por falta de fundamentação contemporânea e, consequentemente, deverá ser revogada a decisão do Tribunal “a quo” com fundamento em erro de julgamento, visto que da confrontação entre a decisão da AT de renovação da penhora e da respetiva fundamentação de facto e de direito que a acompanha, e a presente decisão judicial, não se pode considerar como provado que as garantias (hipotecas e penhoras) que recaem sobre os referidos imóveis resultem num montante superior ao do valor dos respetivos imóveis; 7- Não foi dada oportunidade ao reclamante de se pronunciar sobre o valor atribuído pela AT aos três imóveis em causa; 8- O Tribunal tem de se “limitar a ajuizar da legalidade do acto sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio acto” (cfr. sumário do acórdão do TCA Sul de 10/05/2011, respeitante ao processo nº 03716/10, disponível em www.dgsi.pt), o que não ocorreu no caso em apreço, pelo que deverá ser revogada a decisão do Tribunal “a quo” com fundamento em erro de julgamento; 9- Em nenhum local da referida notificação da AT, de que se reclamou, se demonstra a dimensão da invocada atualização do valor, nem se demonstra as razões de facto e de direito de tal decisão, em violação do disposto no artº 77º/1 da LGT, o que determina a anulabilidade do ato notificado, atento o disposto no artº 163º/1 do CPA; 10- Deverá o ato tributário em causa ser anulado (cfr. artº 153º/2 e artº 163º/1, ambos do CPA, aplicáveis por via do artº 2º-c) da LGT) e, consequentemente, deverá ser revogada a decisão do Tribunal “a quo” com fundamento em erro de julgamento, visto que da confrontação entre a decisão da AT de renovação da penhora e da respetiva fundamentação de facto e de direito que a acompanha, e a presente decisão judicial, não se pode considerar-se como provado que a penhora dos créditos de tornas do reclamante, ora renovada, não excede o necessário para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Termos em que, Atentas as razões acima descritas, Deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente, por provado, devendo a sentença de que se recorre ser revogada, pois só assim será feita JUSTIÇA.” A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) A decisão reclamada padece de falta de fundamentação de facto e de direito, não podendo o Tribunal a quo dar como provados factos que não foram contemporaneamente notificados ao reclamante com a decisão de renovação da penhora? b) Não foi dada a oportunidade de o Reclamante se pronunciar sobre o valor atribuído pela administração tributária (AT) aos imóveis em causa? c) Verifica-se erro de julgamento, porquanto a insuficiência das penhoras dos imóveis não advém das provas carreadas para os autos na decisão da AT de renovação da penhora? d) Verifica-se erro de julgamento, dado que em lado algum na notificação se demonstra a dimensão da atualização do valor?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A- Em nome do reclamante, correm no Serviço de Finanças da Horta, os seguintes processos de execução fiscal (PEF):
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«Imagem no original» «Imagem no original» (Informação oficial não contestada - Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263535) de 25/11/2022 22:28:26) B- Em 13/10/2020, no âmbito do PEF 2917201501022997 e apensos, foram penhorados os seguintes prédios, propriedade do reclamante: - Prédio situado ao Algar, inscrito sob o artigo 1….6 da matriz predial urbana da freguesia de Feteira do município da Horta e descrito nessa Conservatória sob a ficha n.º 3…./19870325 dessa freguesia; - Prédio situado em Ponta Furada, inscrito sob o artigo 1….8 da matriz predial urbana da freguesia de Feteira do município da Horta e descrito nessa Conservatória sob a ficha n.º 2……/20071010 dessa freguesia; - Prédio situado em Ponta Furada, inscrito sob o artigo 1…..0 da matriz predial urbana da freguesia de Feteira do município da Horta e descrito nessa Conservatória sob a ficha n.º 2……/20100802 dessa freguesia. (Comunicação de penhora, cadernetas prediais - Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263534) Pág. 2 de 25/11/2022 22:28:26; certidões permanentes - Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263534) de 25/11/2022 22:28:26) C- Os prédios inscritos sob os artigos 1…6, 1…8 e 1…0 têm o valor patrimonial tributário (VPT) de €169.695,23, €302.497,22 e €65.076,00, respetivamente. (Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263534) Pág. 2 de 25/11/2022 22:28:26) D- Sobre o prédio inscrito sob o artigo 1…6 encontram-se constituídas e registadas hipotecas para garantia do valor máximo de 32.810 Escudos, € 31.572,50, € 61.152,00 e €114.585,95 e registadas, para além da referida no ponto B, três penhoras, resultantes de processos executivos cujas quantias exequendas ascendem a € 4.337,00, € 304.775,15 e € 31.295,82. (Certidão permanente - Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263534) Pág. 13 de 25/11/2022 22:28:26) E- Sobre o prédio inscrito sob o artigo 1…8 encontram-se constituídas e registadas hipotecas, para garantia do pagamento de dívidas à Fazenda Pública, nos valores de € 251.636,17, € 42.329,60, € 11.227,74, € 7.346,06, € 50.301,00 e à segurança social no valor de € 114.907,38, e registada, para além da referida em B, uma penhora no processo de execução fiscal 2917201201003585, cuja quantia exequenda ascende a € 12.189,71. (Certidão permanente - Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263534) Pág. 19 de 25/11/2022 22:28:26 F- Sobre o prédio inscrito sob o artigo 1…0 encontram-se registadas, para além da referida em B, duas penhoras, nos processos de execução fiscal 2917201401055658 e Aps. e 2917201201003585, cujas quantias exequendas ascendem a € 12.189,71 e € 8.709,72. (Certidão permanente - Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263534) Pág. 25 de 25/11/2022 22:28:26) G- Em 08/10/2021, por despacho da substituta legal do Chefe do Serviço de Finanças da Horta, por delegação de competências do Diretor de Finanças da Horta, foi determinada a penhora do crédito que o reclamante viesse a obter em função da partilha dos bens comuns do casal, por dissolução do casamento com M…, até ao montante de € 37.054,78, no âmbito dos PEF referidos no ponto A. (Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263536) Pág. 2 de 25/11/2022 22:28:29) H- Em 30/09/2022, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Horta, por delegação de competências do Diretor de Finanças da Horta, foi renovada a penhora de créditos efetuada em 08/10/2021, até ao montante atualizado de € 44.028,87, no âmbito dos PEF referidos no ponto A. (Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263536) Pág. 11 de 25/11/2022 22:28:29) I- 08/11/2022 o reclamante foi notificado da renovação da penhora de créditos referida no ponto anterior. (Petição Inicial (52431) Documentos da PI (004263536) Pág. 32 de 25/11/2022 22:28:29)”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada”.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Da falta de fundamentação do ato reclamado Considera, desde logo, o Recorrente que a decisão reclamada que lhe foi notificada padece de falta de fundamentação. Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que na mesma, e bem, nunca foi conhecida a agora invocada falta de fundamentação. E tal sucedeu porque tal questão nunca foi suscitada pelo ora Recorrente no momento oportuno, ou seja, na petição inicial. Com efeito, como refere o Tribunal a quo, em sede de petição inicial foi apenas invocado o excesso de penhora, em virtude de, na perspetiva do ora Recorrente, o crédito exequendo estar idoneamente garantido. Logo, não tendo a falta de fundamentação sido oportunamente suscitada, não poderia ser conhecida, como não foi. Assim, a questão referida trata-se de questão nova (ius novorum). Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais (1) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 454., sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes. Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação (2) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119., o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto. Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes. “Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas” (3) António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120.. In casu, verifica-se, pois, que na presente instância foi efetivamente invocada a já referida questão nova, que, como já referimos, não foi oportunamente invocada. Assim, sendo questão nova e não sendo a mesma do conhecimento oficioso, não pode ser aqui apreciada, votando ao insucesso o alegado pelo Recorrente a este propósito. Por outro lado, o invocado, no sentido de que o Tribunal a quo não poderia ter considerado provadas as garantias que recaem sobre os imóveis em causa, carece de qualquer sustentação. Não nos pronunciando sobre a alegada falta de fundamentação, temos a referir que foi o próprio Reclamante quem invocou que o crédito exequendo estava garantido, o que implica que o Tribunal não só possa como deva apreciar todos os elementos atinentes a essa garantia invocada. Logo, também sob esse prisma carece de razão o Recorrente.
III.B. Da falta de oportunidade de o Reclamante se pronunciar sobre o valor atribuído pela AT aos imóveis em causa Alega, por outro lado, o Recorrente que não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre o valor atribuído pela AT aos imóveis em causa. Como resulta do que foi referido em III.A., também esta questão nunca foi suscitada nos autos anteriormente. Aliás, como resulta da matéria de facto assente, trata-se de elementos constantes do ato de penhora ocorrido em 2020 (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial), no qual estão identificados os prédios em causa e indicado o respetivo valor patrimonial tributário (VPT) – não existindo notícia nos autos de que, nesse momento, o Recorrente se tenha insurgido contra esse elemento que lhe foi dado a conhecer. Não obstante, nos termos já referidos em III.A., tratando-se esta de questão nova (que, em dado momento, o Recorrente configura como falta de fundamentação), da qual não pode este TCAS conhecer, está votado ao insucesso o alegado pelo Recorrente a este propósito.
III.C. Do erro de julgamento, por falta de prova de que a penhora não é excessiva e por falta de demonstração da atualização do valor Considera ainda o Recorrente que se verifica erro de julgamento, em virtude de a insuficiência das penhoras não advir das provas carreadas para os autos na decisão da AT e de em lado algum na notificação se demonstrar a dimensão da atualização do valor. Vejamos. Apesar de o Recorrente configurar o vício alegado como erro de julgamento, na verdade o que dali resulta é que o mesmo entende que não podem ser considerados fundamentos que não estão no ato – ou seja, que estaríamos perante a alegada falta de fundamentação, que não podemos conhecer pelos motivos já invocados supra. In casu, como decorre da sentença recorrida, o Tribunal a quo analisou, e bem, as penhoras ocorridas e os ónus e encargos que impendiam sobre os imóveis penhorados em 2020. Sublinhou o Tribunal a quo que foi a insuficiência detetada que determinou a penhora de créditos, inicialmente determinada em 08.10.2021 [cfr. facto G)] – não havendo notícia de que a mesma tenha sido posta em causa oportunamente pelo ora Recorrente. E concluiu que essa situação se mantinha no momento da renovação da penhora, considerando o valor da dívida exequenda e acrescido. Ora, os elementos em que se sustentou o Tribunal a quo constam do PEF, tendo mesmo sido juntos pelo ora Recorrente, pelo que não só podiam como deviam ter sido tidos em conta, caso contrário seria impossível conhecer o único fundamento alegado na petição inicial: o excesso de penhora. Quanto ao alegado no sentido de em lado algum na notificação se demonstrar a dimensão da atualização do valor, tal não foi invocado em momento oportuno pelo Recorrente, que nunca colocou em causa tal mensuração – remetendo-se para III.A., a propósito do que se referiu sobre questões novas suscitadas em sede de recurso. Como tal, não assiste razão ao Recorrente.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pelo Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 22 de junho de 2023
(Tânia Meireles da Cunha) (Ana Cristina Carvalho) (Vital Lopes) |