Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1629/14.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:APOSENTAÇÃO
REPOSIÇÃO
PILOTO AVALIADOR
ACUMULAÇÃO
Sumário:I– A S......... , SA., embora com personalidade jurídica privada, é uma pessoa coletiva cujo capital social é detido, exclusivamente, pela Região Autónoma dos Açores.
II- Analisando o regime de incompatibilidade estabelecido pelos art.ºs 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2020, conclui-se que o mesmo deve ser aplicado ao Recorrido, conquanto recebeu, simultaneamente, a respetiva pensão de aposentação e o vencimento público devido pelas funções de piloto de aviação ao serviço da S......... .
III– Efetivamente, para efeitos da interpretação dos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, o conceito de “exercício de funções públicas remuneradas” configura um conceito muito amplo, pretendendo significar “todo o tipo de exercício de funções no quadro de relações/vínculos de emprego estabelecidos com um empregador público”, bem como, num “sentido ainda mais amplo, abrangendo também o exercício de cargos públicos, mormente, daqueles que, fora de subordinação jurídica, exercem cargos diretivos ou são titulares de órgãos administrativos.”
IV– À data dos factos, face a todo o regime e enquadramento jurídico aplicável, a S......... , SA., bem como as demais empresas do universo S......... e, especialmente, a S......... , SGPS, são pessoas coletivas que, embora com personalidade jurídica privada, constituem empresas que integram o perímetro empresarial regional público em virtude do respetivo capital social ser detido, exclusivamente, pela Região Autónoma dos Açores.
V- Atento o regime de incompatibilidade estabelecido pelos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, na redação que lhes foi dada pelo mencionado Decreto-Lei n.° 137/2020, bem como aa amplitude do conceito de “exercício de funções públicas remuneradas” e, ainda, à natureza jurídico-empresarial da S......... , SA., importa concluir que o aludido regime de incompatibilidade deve ser aplicado ao Recorrido, uma vez que o mesmo passou a receber, em simultâneo, a pensão de aposentação e o vencimento público devido pelas funções de piloto de aviação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
J........., devidamente identificado nos autos, intentou Ação Administrativa Especial contra a Caixa Geral de Aposentações - CGA, tendente à “(...) anulação do despacho datado 17.03.2014 (…) pelo qual a CGA comunica ao A. que (…), foi decidida a exigência da reposição de €41 957,48, referente às pensões líquidas (indevidamente) recebidas de 2011-01-01 a 2012-10-26, data a partir da qual cessou funções na S......... -S.........., S.A. (sendo que a partir de 2012-11-19 ingressou no INAC, optando aí pela redução de 1/3 da respetiva remuneração), sob pena de, passados que sejam 30 dias sem que a situação se mostre regularizada, ou seja apresentado um plano prestacional de pagamento, o processo ser encaminhado para cobrança coerciva, sem prejuízo de, como medida cautelar, ser deduzido um terço da pensão que lhe compete.”
Por Sentença proferida no TAC de Lisboa em 16/1/2019, foi decidido julgar a Ação procedente.

A CGA, inconformada com a decisão proferida, veio em 20 de fevereiro de 2019 Recorrer da mesma, concluindo:
“1ª A impossibilidade de acumulação de pensões com remunerações em empresas do Estado resulta diretamente da lei do disposto no artigo 78.° do Estatuto da Aposentação, na redação que a este preceito foi dada pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro.
2ª Tendo em conta este quadro legal, assim como o preceituado no n.° 2 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 137/2010, segundo o qual “O disposto nos artigos 78.°e 79.°do Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de novembro, tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário...”, a partir de 2011-01-01 - cfr. n.° 2 do artigo 8.° - o recorrido estava obrigado a fazer a opção que lhe impunha o n.° 2 do artigo 79.° do Estatuto da Aposentação, na redação ora vigente. Isto é, tinha obrigatoriamente de optar entre a suspensão do pagamento da pensão ou a suspensão do pagamento da remuneração.
3ª Contrariamente ao que decidiu o tribunal a quo, a S......... , SA, não está arredada do regime de acumulação de pensões com remunerações previsto no artigo 79.° do Estatuto da Aposentação, uma vez que, inequivocamente, integra o sector empresarial regional dos Açores.
4ª O Decreto Legislativo Regional n.° 7/2008/A, de 24 de março veio estabelecer o regime jurídico do sector público empresarial da Região Autónoma dos Açores, determinando claramente o seu artigo 2.° que o mesmo integra as empresas públicas regionais e as empresas participadas. Por sua vez, o artigo 3.° de tal diploma determina que se consideram empresas públicas regionais as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais a região exerça, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, um influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto.
5ª De acordo com o artigo 1.° do Decreto-Legislativo Regional n° 23/2005/A, de 20 de outubro, a S......... é uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, integrando, por isso, inquestionavelmente, o sector empresarial regional.
6ª O exercício de funções públicas, ou melhor, o exercício de funções no setor público, abrange todos os tipos de atividades e serviços prestados, independentemente da respetiva natureza, pelo que as funções que o Recorrido desempenha ou desempenhou na S......... , independentemente da natureza do contrato individual de trabalho celebrado, encontra-se abrangido pelo regime do artigo 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação.
7ª Pelo que não existe fundamento legal para o recorrido se considerar excluído da sujeição ao regime de acumulação de pensões com remunerações previsto no artigo 79.° do Estatuto da Aposentação, uma vez que a S......... , inequivocamente, integra o sector empresarial regional dos Açores.
8ª Acresce dizer que o problema em apreço foi recentemente objeto de atenção da Inspeção-Geral das Finanças.
9ª Segundo as conclusões formuladas pela Inspeção-Geral das Finanças, na Informação n.° 2015/1663, de 19-05-2016, que mereceu despacho de concordância da Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público, exarado na Nota n.° 56/CP/2016, de 23-06-2016: “c) Apesar de não autorizados, esses trabalhadores exerceram funções em empresas do grupo S......... e acumularam, desde a entrada em vigor do DL n° 137/2010, a remuneração correspondente ao exercício dessas funções com o percebimento de pensão/reforma, em desconformidade com o disposto no Estatuto da Aposentação (art.° 6.°) [nota: do DL 137/2010], devendo nestas circunstâncias proceder à reposição dos montantes recebidos indevidamente da CGA”.
10ª Recomendando “...às empresas do setor empresarial da Região Autónoma dos Açores, S......... , SA e S......... Internacional, SA, e à Caixa Geral de Aposentações, IP que diligenciem no sentido de aplicar na íntegra o estatuído nos arts. 78 e 79.° do Estatuto da Aposentação, bem como de assegurar a regularização dos montantes que se mostrem em desconformidade com o disposto da lei.".
11ª A sentença recorrida, ao decidir em sentido inverso, incorreu em violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, com a redação introduzida pela Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”

A Autor, enquanto Recorrido veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 21 de março de 2019, concluindo:
“A. O recurso interposto pela Ré/Recorrente não deve ser admitido nem pode prosseguir, porquanto não foi paga a taxa de justiça devida.
B. O Tribunal a quo interpretou corretamente os arts. 78° e 79° do Estatuto Aposentação, tendo concluído que «O autor não é funcionário público, nem trabalhador que exerça funções públicas. Pelo exercício de funções na S......... não recebe vencimento público».
C. A decisão a quo foi fundamentada de forma correta, nada lhe devendo ser apontado, uma vez que a S......... (entidade empregadora do Recorrido), apesar de integrar o sector empresarial regional, rege-se pelo direito privado, como decorre do disposto no art. 9o do Decreto Legislativo Regional 7/2008/A de 24.03,
D. e o regime jurídico aplicável aos trabalhadores da S......... é o decorrente do contrato individual de trabalho (art. 20° do Decreto Legislativo Regional 7/2008/A de 24.03).
E. Adicionalmente, as modalidades da relação jurídica de emprego público são tipificadas por lei, sendo constituídas por nomeação ou por contrato de trabalho em funções públicas; situações que não constam da matéria de facto dada por provada.
F. Também no mesmo sentido, a lei que define o regime legal dos trabalhadores que exercem funções públicas excluiu do seu âmbito de aplicação as entidades públicas empresarias., como a S......... (vide n° 5 do art. 3o da Lei n° 12-A/2008, de 27.02, e art. 2º n° 1, al. b da Lei n° 35/2014, de 20 de Junho).
G. No que respeita à natureza da atividade exercida pelo Recorrido, bem andou o Tribunal a quo ao determinar que «(…) essa atividade, ainda que de não consubstancia o exercício de funções .» - cfr. p. 9 Decisão a quo.
H. O entendimento sustentado na decisão recorrida é aliás, conforme à jurisprudência que tem vindo a decidir, consistentemente (cf. acórdãos acima mencionados), no sentido de que o legislador (nos arts. 78° e 79° do Estatuto da Aposentação) pretendeu evitar situações de cumulação do exercício de funções públicas por aposentados, e não o exercício de funções de natureza privada por parte de um aposentado.
Termos em que, e nos melhores de Direito:
Não deve ser admitido o recurso interposto pela Ré/Recorrente, por falta de pagamento da taxa de justiça devida. ou, caso assim não se entenda, Deve o recurso interposto pela Ré/Recorrente ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.”

O Ministério Público, notificado em 15 de maio de 2019, veio a emitir Parecer em 25 de maio de 2019, no qual, a final, se “pronúncia no sentido de que o recurso merece provimento, devendo a ação ser julgada improcedente.”

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa verificar os vícios recursivamente suscitados pela CGA, que se consubstanciam no entendimento de que “o tribunal a quo fez uma interpretação superficial da legislação invocada aplicando mal os artigos 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
“A) O A. foi oficial da Força Aérea, entre os anos de 1968 e 1991, tendo-se entretanto aposentado, pelo que lhe foi atribuída uma pensão, Acordo.
B) Em 1995, o A. celebrou com a S......... -S.......... S.A., um contrato individual de trabalho, para a categoria de Piloto Comandante, cfr. doc. 2, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) Por ofício datado 29.7.2013, a CGA comunicou ao A. o seguinte:
«Segundo foi possível apurar, V. Exa. tem / terá exercido funções / prestado serviços a uma entidade do setor público, recebendo as correspondentes remunerações, o que indicia a existência de uma situação de acumulação de pensão e remuneração não consentida pelo aludido Decreto-Lei n.° 137/2010.
Em face do exposto, caso confirme tal exercício de funções e não tenha entretanto efetuado essa comunicação, solicito a V. Exa. se digne, em 10 dias, informar esta Caixa da sua opção relativamente à prestação cujo pagamento pretende ver suspenso com efeitos desde 1 de janeiro de 2011, sob pena de, na falta de resposta, a CGA ter de suspender a pensão.»», cfr. doc. 3, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Ao qual o A. respondeu, por carta de 8.8.2013, dizendo que:
«No período compreendido entre 01 de Janeiro de 2011 e 26 de Outubro de 2012, o Declarante exerceu as funções de Piloto-Comandante da Linha Aérea na S......... -S.........., S.A. (...)
O art. 78.° do referido Estatuto dispõe que “Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.” (...)
Considerando que o preceito em causa apenas se refere ao exercício de funções públicas, é forçoso concluirmos que o mesmo não se aplica ao Declarante, uma vez que este nunca exerceu funções públicas (...).
Para além disso, a relação laboral existente entre o Declarante e a S......... Internacional, designadamente no período compreendido entre 01 de Janeiro de 2011 e 26 de Outubro de 2012, assentou num contrato individual de trabalho e não num contrato de trabalho em funções públicas (…).
Não se vislumbra, assim, que os artigos 79.° e 79.° do Estatuto da Aposentação se possam aplicar aos trabalhadores ou ex-trabalhadores (como é o caso do Declarante) da S......... Internacional, porquanto os mesmos não exercem, nem exerceram aí, quais funções públicas, pressuposto essencial de aplicação do citado diploma. (...)
Aliás, a S......... Internacional reconheceu expressamente que o Declarante não exercia quaisquer funções públicas ou equiparadas, na sua comunicação de 06 de Junho de 2011 (...).», cfr. doc. 4, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
E) O A. tomou conhecimento do despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações, de 2014-03-17, pelo ofício de 27.5.2014, que comunica ao A. o seguinte:
«informo V. Exa. de que, por despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações, de 2014-03-17, proferido ao abrigo da delegação de poderes conferida pelo respetivo Conselho Diretivo, publicada no Diário da República, II Série, n. 192, de 2013-10-04, foi decidida a exigência da reposição de € 41 957,48, referente às pensões líquidas (indevidamente) recebidas de 2011-01-01 a 2012-10-26, data a partir da qual cessou funções na S......... -S.........., S.A. (sendo que a partir de 2012-11-19 ingressou no INAC, optando aí pela redução de 1/3 da respetiva remuneração), sob pena de, passados que sejam 30 dias sem que a situação se mostre regularizada, ou seja apresentado um plano prestacional de pagamento, o processo ser encaminhado para cobrança coerciva, sem prejuízo de, como medida cautelar, ser deduzido um terço da pensão que lhe compete.
Com efeito, é entendimento desta Caixa que, dado constituir a S......... -S.........., S.A., uma pessoa coletiva de direito público e com capitais públicos, cujo regime jurídico não prevê especialmente a contratação de aposentados, os pensionistas da CGA que nela quisessem exercer funções, se para tanto fossem autorizados, ficariam sujeitos ao regime de cumulação de remunerações e pensões, nos termos do artigo 79.° do Estatuto da Aposentação, no quadro do Decreto- Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro.
Assim, torna-se necessária a restituição à Caixa Geral de Aposentações da quantia de € 41 957,48. (...)», cfr. doc. 1, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
F) A S......... Internacional remeteu ao A. um parecer jurídico, que versa sobre esta questão, cfr. doc. 5, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
G) E, por carta de 6.6.2011, a S......... Internacional comunicou ao A. que: «Assunto: Aplicação do Decreto Lei n° 137/2010 aos trabalhadores da S.........
Exmo. Senhor Comandante,
Na sequência da exposição de 19 de Janeiros de 2011 e conforme foi transmitido verbalmente em reunião de 25 de Maio de 2011, informa-se V.exa., que nos termos do disposto no n° 1, do artigo 20° do DLR n° 7/2008/A, de 24.03, com as alterações introduzidas pelo DRL n°7/2011/A, de 22.03, «O estatuto pessoal das empresas públicas regionais é o do regime do contrato individual de trabalho», pelo que, dúvidas não podem restar (e esta questão parece unânime) que a relação laboral existente entre a empresa e os seus trabalhadores encontra-se sob a tutela do direito privado, não exercendo, portanto, quaisquer funções públicas ou outras equiparadas.», cfr. doc. 6, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“(…) Em 29 de Dezembro de 2010 entrou em vigor o Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro, cujo art.° 6.° veio introduzir importantes mudanças no quadro legal vigente, alterando, designadamente a redação dos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação.
Estabelecendo os n.°s 1 e 3 do art.° 78.° o seguinte:
“1 - Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
(...)
3 - Consideram -se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços”
Prescrevendo os n.°s 1 e 2 do art.° 79.° do novo regime em vigor que:
“1- Os aposentados, bem como os referidos no n.° 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não _podem cumular o recebimento da _pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas _ funções.
2 - Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado ”
De acordo com o preceituado no n.° 2 do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 137/2010, “O disposto nos artigos 78.° e 79.° do Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de Novembro, tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário”.
Dispondo o n.°2 do art° 8.° do mesmo diploma legal, que “O regime introduzido pelo artigo 6.° do presente decreto-lei aplica-se a partir de 1 de Janeiro de 2011 aos aposentados ou beneficiários de pensões em exercício de funções que tenham sido autorizados para o efeito ou que já exerçam funções antes da entrada em vigor do presente decreto-lei”.
Da conjugação destas normas resulta claro que, a partir de 1/1/2011, os aposentados não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente a funções públicas remuneradas, sendo que durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado, sendo obrigatório fazer tal opção.
A S......... integra o sector empresarial regional, sendo uma empresa de capitais exclusivamente públicos, cfr. artigo 1° do Decreto Legislativo Regional n° 23/2005/A, de 20 de Outubro.
Todavia, o Decreto Legislativo Regional n° 7/2008/A, de 24 de Março, consagrou o direito privado como o direito aplicável por excelência a toda a atividade empresarial, seja ela pública ou privada, definindo que «O estatuto do pessoal das empresas públicas regionais é o do regime do contrato individual de trabalho.» (artigo 20°, n° 1).
Resta saber se as funções exercidas pelo A. na S......... são ou não funções públicas.
Como é consabido, as funções públicas são executadas no âmbito dos serviços públicos, que aparecem normalmente como serviços administrativos, e são «o modo de atuar da autoridade pública a fim de facultar, por modo regular e contínuo, a quantos deles careçam, os meios idóneos para satisfação de uma necessidade coletiva individualmente sentida» - cfr. Prof. Marcello Caetano, Direito Administrativo, Almedina, 1983, II vol., pg. 1067.
O sector empresarial regional, particularmente o sector do transporte aéreo, destina- se à satisfação de necessidades vitais, porque o tipo de serviços que prestam é essencial à comunidade.
Mas, a atividade exercida pelo Autor, ainda que de interesse público, não se enquadra no âmbito das funções públicas, pelo que não lhe é aplicável o disposto no artigo 78° do Estatuto da Aposentação, na redação do DL n° 137/2010, de 28 de Dezembro.
Assim sendo, tendo o Autor, após a sua aposentação, continuado a exercer funções como piloto, ao abrigo de um contrato individual de trabalho, com retribuição mensal, com a S......... – S……, SA, essa atividade, ainda que de interesse público, não consubstancia o exercício de funções públicas.
O Autor não é funcionário público, nem trabalhador que exerça funções públicas.
Pelo exercício de funções na S......... não recebe vencimento público.
Termos em que se conclui pela falta de fundamento para lhe ser aplicado o regime previsto nos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto- Lei n° 137/2010, de 28 de Dezembro, que eliminou a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.
O que determina a anulação do ato impugnado, por padecer de vício de violação de lei, reconstituindo a situação que existiria se o ato impugnado não tivesse sido praticado, ou seja pagando ao Autor a pensão de aposentação desde o momento da sua suspensão, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.”

Vejamos:
Cumpre sublinhar que a presente questão tem vindo a ser decidida de modo uniforme por parte, nomeadamente, do STA, divergentemente do que foi o entendimento adotado em 1ª Instância (Vg. Acórdão dos STA de 21 de Maio de 2020 - Processo n.º 2111/14.6BESNT, de 2 de Julho de 2020 - Processo n.º 243/15.2BELSB e de 18 de janeiro de 2021 - Procº nº 1329/14.6BELSB), em face do que se não vislumbram razões que justifiquem que nos afastemos de tal posição.

Assim, seguir-se-á de perto o discorrido no Acórdão desse TCAS nº 1329/14.6BELSB de 17 de dezembro de 2020, que veio a ser confirmado pelo Colendo STA.

As questões suscitadas consistem em saber se o acórdão em crise incorreu em erro de julgamento, ao interpretar indevidamente o disposto nos artigos 78° e 79° do Estatuto de Aposentação e ao reconhecer aos Recorridos o direito de acumular a pensão de aposentação com a remuneração auferida pelo exercício de funções de piloto de aviação na S......... , SA.

A Recorrente vem imputar à decisão em crise erro de julgamento, concretamente, a violação do disposto nos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro.

Ora, o Tribunal a quo, na apreciação e julgamento da causa, entendeu que as funções exercidas pelo agora Recorrido, como piloto de aviação da S......... , SA, contratado através de contrato individual de trabalho, não se consubstancia em funções públicas porque, por um lado, a S......... , SA constitui uma pessoa coletiva de direito privado, não obstante pertencer ao setor empresarial da Região Autónoma dos Açores, pois que atua sob a égide do direito privado, e porque a atividade exercida pelo Recorrido não se destina à satisfação de uma necessidade coletiva.

A Recorrente ataca este entendimento, argumentando que o capital social da S......... , SA é exclusivamente público e que a S......... , SGPS, que detém a S......... , SA, é totalmente detida por capitais públicos, da Região Autónoma dos Açores, em face do que a função exercida pelo Recorrido deve integrar-se no disposto nos n.°s 1 e 3 do art.° 78.° do Estatuto da Aposentação.

Para além do já referido, sobre esta questão já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, mormente nos Acórdãos datados de 02/07/2020, proferido no processo n.° 243/15.2BELSB, de 21/05/2020, proferido no processo n.° 2111/14.6BESNT e de 13/12/2017, proferido no processo n.° 01456/16, os dois primeiros referentes a piloto de aviação a exercer funções na TAP.

Diferentemente das situações tratadas naqueles processos, no caso em apreço estão em causa pilotos da S......... .

A exegese a que se procederá infra, será muito semelhante àquela a que já procedeu no acórdão deste TCAS de 24 de Setembro de 2020, proferido no processo n° 1481/14.0BESNT.

No acórdão em causa, sumariou-se o seguinte:
“I- Para efeitos da interpretação dos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, o conceito de “exercício de funções públicas remuneradas” configura um conceito muito amplo, pretendendo significar “todo o tipo de exercício de funções no quadro de relações/vínculos de emprego estabelecidos com um empregador público”, bem como, num “sentido ainda mais amplo, abrangendo também o exercício de cargos públicos, mormente, daqueles que, fora de subordinação jurídica, exercem cargos diretivos ou são titulares de órgãos administrativos.”
II- “O legislador alargou, enormemente, o leque dos tipos de vínculos geradores de incompatibilidades para aposentados e reformados em termos de exercício de funções remuneradas para entidades ou pessoas coletivas públicas já que, independentemente da duração, regularidade e forma de remuneração, nelas passam a estar incluídos todos os tipos de atividade e de serviços, assim como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, seja ela pública ou privada, seja ela laboral ou de aquisição de serviços.”
III- À data dos factos, face a todo o regime e enquadramento jurídico aplicável, a S........., SA., bem como as demais empresas do universo S......... e, especialmente, a S........., SGPS, são pessoas coletivas que, embora com personalidade jurídica privada, constituem empresas que integram o perímetro empresarial regional público em virtude do respetivo capital social ser detido, exclusivamente, pela Região Autónoma dos Açores.
IV- Pelo que, sopesando o regime de incompatibilidade estabelecido pelos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, na redação que lhes foi dada pelo mencionado Decreto-Lei n.° 137/2020, bem como na amplitude do conceito de “exercício de funções públicas remuneradas” e, ainda, à natureza jurídico-empresarial da S......... , SA., é imperativo concluir que o aludido regime de incompatibilidade deve ser aplicado ao Recorrido, uma vez que este passou a receber, em simultâneo, a pensão de aposentação e o vencimento público devido pelas funções de piloto de aviação.”

Aqui chegados, nos termos do Decreto Legislativo Regional n.° 23/2005/A, de 20 de outubro, a S........., SA. integra o património da Região Autónoma dos Açores desde 1980. O Decreto-Lei n.° 490/80, de 17 de outubro, extinguiu a S......... – S……, S. A. R. L., e constituiu a empresa pública Serviço Açoreano de Transportes Aéreos, designada por S......... , E. P., e posteriormente denominada S......... ......... Serviço Açoreano de Transportes Aéreos, E. P. (artigo 1.° do Decreto Legislativo Regional n.° 2/88/A, de 5 de fevereiro), integrando-a no património da Região e sujeitando-a à tutela do Governo Regional.

Tendo em vista a modernização e expansão da empresa, a sua adaptação às novas condições de liberalização do mercado de transporte aéreo e a flexibilização do seu estatuto, a S......... foi transformada em sociedade anónima pelo Decreto-Lei n.° 276/2000, de 10 de novembro, passando a ter a denominação de S......... – S….., S.A..

Nos termos do artigo 3.° dos respetivos estatutos, aprovados pelo artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 276/2000, de 10 de Novembro, a S......... tinha como objeto principal a exploração, quer direta quer através das participações detidas noutras empresas ou organizações, da atividade de transporte aéreo de passageiros, carga e correio, bem como a prestação de serviços e a realização das operações comerciais, industriais e financeiras relacionadas, direta ou indiretamente, no todo ou em parte, com a referida exploração e que fossem suscetíveis de favorecer a sua realização. Tinha ainda como objeto complementar a exploração de atividades relacionadas com viagens e turismo, com a manutenção de aeronaves e com o handling, podendo, no exercício do seu objeto, adquirir participações em sociedades de responsabilidade limitada, participar em sociedades de qualquer natureza e objeto, em associações, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, ou outras formas de colaboração com terceiros, constituir sociedades anónimas de cujas ações ela seja inicialmente a única titular e criar novas sociedades de acordo com o estabelecido no Código das Sociedades Comerciais relativamente à cisão.

Sob a designação S......... existia, em 2005, um conjunto bastante diversificado de atividades desenvolvidas por diferentes entidades jurídicas: a S......... – S….., S. A.; a S......... – G…., S. A.; a S......... -S.........., S. A.; a S......... Express, Inc. (Canadá), com sede em Toronto; a S......... Express, Inc. (EUA), com sede em Fall River, EUA; e a S......... .

A dimensão e a diversidade das atividades desenvolvidas no âmbito do grupo S......... tornaram necessária uma reorganização empresarial assente numa estrutura jurídica que tivesse em conta o enquadramento financeiro e regulamentar das várias áreas de negócio prosseguidas pelo Grupo S......... .

Nestes termos, tendo em conta a dimensão do universo empresarial do Grupo S......... , importou criar uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que passasse a ser a «cabeça» do Grupo e que detivesse o capital social das empresas que desenvolviam as atividades operacionais. Através da reestruturação do grupo S......... pretendeu-se atingir os seguintes objetivos: a rentabilização de recursos, a flexibilização de gestão, a transparência organizacional e o aproveitamento de novas oportunidades de negócio, nomeadamente através de parcerias.

Ora, a criação da aludida SGPS foi efetuada pelo Decreto Legislativo Regional n.° 23/2005/A, de 20 de outubro, que, no seu art.° 1.°, n.° 1, consagrou: “É criada uma sociedade gestora de participações sociais que adota o tipo de sociedade anónima e a denominação S......... – S….., SGPS, S. A., abreviadamente designada por S......... , SGPS, sociedade de capitais exclusivamente públicos ”.

No n.° 3 do mesmo art.° 1.° ficou plasmado que “a S......... , SGPS, rege-se pelo presente diploma, pelos seus estatutos e, em tudo o que neles não estiver previsto, pelas normas aplicáveis às empresas públicas e às sociedades gestoras de participações sociais”.

Finalmente, no que concerne ao capital social da nova entidade, dispôs o art.° 3.° do mesmo diploma regional, nos n.°s 1 e 2, que o capital social da S......... , SGPS, será integralmente subscrito pela Região e realizado por entradas em dinheiro e em espécie através da entrega das ações representativas da totalidade do capital social da S......... , as quais serão objeto da avaliação a que se refere o artigo 28.° do Código das Sociedades Comerciais, e que as ações da S......... , SGPS, pertencem à Região e só poderão ser transmitidas para pessoas coletivas de direito público, entidades públicas empresariais ou sociedades de capitais exclusivamente públicos.

A estas considerações impõe-se aditar o que resulta do regime previsto no Decreto Legislativo Regional n.° 7/2008/A, de 24 de março, atinente ao setor público empresarial da Região Autónoma dos Açores, que incluía, entre outras, as empresas do universo S......... e, principalmente, a S......... , SGPS, e em que o capital social era exclusivamente público.

Assim, a S......... , SA., embora com personalidade jurídica privada, é uma pessoa coletiva cujo capital social é detido, exclusivamente, pela Região Autónoma dos Açores.

Assente a inserção das empresas do grupo S......... no setor empresarial público da Região Autónoma dos Açores, importa agora averiguar da concreta situação dos Recorridos em termos de aplicação do regime de incompatibilidade dimanante dos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação.

Convocando os factos acima dados como provados, verifica-se que, no momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, o=s Recorrido estava já aposentado e a auferir a correspetiva pensão de aposentação.

Verifica-se, de igual modo, que o Recorrido, à data da entrada em vigor daquele Decreto-Lei n.° 137/2010, exercia funções de piloto de aviação na S......... , SA., ao abrigo de um contrato individual de trabalho.

Analisando o regime de incompatibilidade estabelecido pelos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.° 137/2020, conclui-se que o regime de incompatibilidade deve ser aplicado ao Recorrido, conquanto recebeu, simultaneamente, a respetiva pensão de aposentação e o vencimento público devido pelas funções de piloto de aviação.

Como tal, os atos proferidos pela Recorrente, através dos quais foi suspenso o pagamento da pensão aos Recorridos, mostram-se consentâneos com o novo regime de incompatibilidade, nos termos dos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.° 137/2020.

Aqui chegados, cumpre revogar o acórdão em crise por erro de julgamento, e substitui-lo por outro, julgando improcedente a ação e absolvendo a Recorrente, ali Ré, do peticionado.

V - Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção Social da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão em crise e substituindo-a por outra julgando improcedente a ação e absolvendo a Recorrente do peticionado.

Custas pelos Recorridos - cfr. art° 527. n° 1 e 2 do CPC e artº 189º, n° 2 do CPTA.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira

Eliana de Almeida Pinto