Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2045/10.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
SUCESSÃO DE REGIMES LEGAIS – ED/84 – ED/2008
Sumário:I – Na sucessão no tempo de regimes legais disciplinares, tal como no Direito Penal, vigora o princípio da aplicação da lei disciplinar mais favorável, consagrado no art 29º, nº 4 da CRP e no art 2º, nº 4 do Código Penal. Para tanto, impõe-se que se proceda a uma análise comparativa dos regimes, de forma a detetar a lei mais favorável.
II - A norma do art 4º, nº 1 do ED/84, onde literalmente se estabelece que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a falta houver sido cometida, não pode ser interpretada como referindo-se à prescrição do simples direito de instaurar ou iniciar o procedimento disciplinar, mas antes como tendo em vista a prescrição do próprio procedimento disciplinar, aliás como vem anunciado na epígrafe do artigo.
III – Esse prazo prescricional é de 3 anos contados da data da infração disciplinar, salvo se, na pendência do procedimento disciplinar, forem praticados atos instrutórios, cujo efeito interruptivo inutiliza o tempo anteriormente decorrido, como dispõe o art 4º, nº 4 do ED/84.
IV - Além disso, a prescrição do procedimento disciplinar ocorre, em qualquer caso, quando sobre o início do seu prazo, ressalvado o eventual tempo de suspensão (art 4º, nº 5 do ED/84), tiver decorrido o prazo normal mais metade deste, aqui, por efeito da aplicabilidade subsidiária do regime do artº 121º nº 3 Código Penal.
V – O novo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado por aquela Lei nº 58/2008, de 9.9, entrou em vigor em 1.1.2009, e nele vem previsto que o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final (art 6º, nº 6 do ED/2008).
VI – Porém, do nº 3 do art 4º da Lei nº 58/2008, de 9.9, decorre que os prazos de prescrição do procedimento disciplinar estabelecidos no novo Estatuto Disciplinar de 2008 aplicam-se aos procedimentos pendentes e contam-se a partir da respetiva entrada em vigor, ou seja, nos termos do art 7º da Lei nº 58/2008, 1.1.2009, se os prazos anteriormente vigentes, em concreto, não se revelarem mais favoráveis para o trabalhador.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório.
R… recorre da sentença proferida na presente ação administrativa especial de impugnação do despacho, do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que, a 23.4.2010, lhe aplicou pena disciplinar de suspensão graduada em 240 dias, por conversão da que lhe havia sido aplicada, em 18.4.2008, de inatividade por um período de 2 anos.
O tribunal julgou a ação improcedente.
Nas alegações de recurso que apresenta, a recorrente formula as seguintes conclusões:
I. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de Nulidade por omissão de pronúncia. No caso sub judice o Meritíssimo Juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia e podia apreciar, cometendo, assim, a nulidade prevista no artigo 615º, n.º1, alínea d) do C.P.C.
II. A Recorrente alegou e defendeu que antes da entrada em vigor da Lei n.º 58/2008, tinha aplicação, no que ao regime de prescrição de procedimento diz respeito, o artigo 118º do Código penal.
III. A Recorrente invocou, ainda, a seguinte inconstitucionalidade: sendo certo que, sempre seria inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 13º e 29º, nº4 da Constituição, o artigo 4º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro quando interpretado com os seguintes sentidos:
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro o prazo de prescrição do respetivo procedimento é superior a 2 anos.” Ou que
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, não existe prazo de prescrição.”
Inconstitucionalidade que desde já se argui.
IV. Acontece, porém, que apesar da argumentação despendida pela Recorrente, o Tribunal a quo pura e simplesmente ignorou esta concreta e relevantíssima questão colocada, não se pronunciando sobre a mesma.
V. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que o Procedimento Disciplinar 4…/DRL/2004 há muito que se encontra prescrito.
VI. A Lei n.º 58/2008 tinha aplicação imediata a todos os processos, inclusive aqueles que estivessem já em curso, como é o processo em apreciação nos presentes autos.
VII. A referida Lei declarou expressamente que tinha aplicação aos processos pendentes, pelo que, evidentemente, em 01/01/2019, tendo há muito decorrido o prazo de 18 meses, sem que tivesse sido proferida uma decisão disciplinar, teria que se considerar nessa data o procedimento disciplinar prescrito.
VIII. Se a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar apenas se iniciasse, como defende o Tribunal a quo, no dia 01/01/2009, ou seja, com a entrada em vigor da Lei 58/2008, então onde estaria o efeito retroativo da Lei?
IX. Como se referiu no Acórdão do STA, de 21/04/83, Rec. 012730, citado por Carlos Fraga in “O Poder Disciplinar no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, Petrony Editora, 2011 pág.387: “São subsidiariamente aplicáveis ao direito disciplinar os princípios e normas do direito penal sobre prescrição do procedimento.”
X. Temos, portanto que, conforme resulta do Acórdão do STA acima citado, ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 58/2008, como é o caso em apreciação nos presentes autos, se defendida, na falta de legislação específica a aplicação subsidiária do Código penal.
XI. Atendendo ao disposto no artigo 9º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, é necessário considerar aplicáveis os prazos de prescrição do procedimento previstos no art 118.° do Código Penal e não apenas prazos de prescrição do direito de instaurar procedimento, através de uma interpretação sistemática e atualista do Estatuto Disciplinar, compatibilizando-o com as normas de prescrição previstas naquele Código.
XII. De outra forma, verificar-se-ia uma contradição inadmissível entre as normas de prescrição do procedimento criminal e as normas de prescrição do processo disciplinar, caindo-se no absurdo de admitir ser mais vantajoso para o Arguido que a infração disciplinar fosse igualmente considerada uma infração penal.
XIII. Como acima se referiu é o próprio Estatuto Disciplinar que abre portas à aplicação supletiva das disposições relativas à prescrição previstas no Código Penal no seu art. 4.°, n.º 3 e outra interpretação, além de sistematicamente incompatível, seria também contrária à estatuição de apertados prazos de tramitação do processo disciplinar previstos pelo legislador.
XIV. Sendo aplicável a alínea d) do art. 118.° do Código Penal, verifica-se que há muito que decorreu o prazo de prescrição, inclusivamente se considerássemos o referido prazo acrescido de metade (cfr. art. 121.°, n.º 3 do Código Penal). Aliás, só esta interpretação é admissível e consentânea com a posição assumida pelo legislador, o qual na Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro estabeleceu um prazo inferior aos 2 anos estabelecidos no Código penal.
XV. Sendo certo que, sempre seria inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 13º e 29º, nº4 da Constituição, o artigo 4º do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro quando interpretado com os seguintes sentidos:
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º24/84 de 16 de janeiro o prazo de prescrição do respetivo procedimento é superior a 2 anos.” Ou que
“No âmbito do Procedimento Disciplinar exercido ao abrigo do Decreto – Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, não existe prazo de prescrição.”
Inconstitucionalidade que desde já se argui.
XVI. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo é manifesto e gritante que a decisão administrativa que aplicou à A. a pena disciplinar de inatividade, por um período de 2 anos, encontra-se ferida de nulidade por falta de fundamentação.
XVII. No caso Sub Júdice, a quase generalidade dos factos imputados à A. não se encontram temporalmente enquadrados, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo;
XVIII. Para além disso a Decisão Administrativa não procede a qualquer análise da prova;
XIX. Não se pretende, naturalmente, que uma Decisão no âmbito dum procedimento disciplinar tenha o mesmo rigor na fundamentação que uma Sentença judicial, contudo, não pode ser elaborada de modo completamente discricionário e arbitrário, para mais quando se propõe uma sanção gravíssima como é a inatividade por um período de 2 anos.
XX. O Tribunal a quo com o devido respeito, considerou que a Administração se pronunciou “implicitamente” sobre as Nulidades Arguidas pela Recorrente em sede de defesa Administrativa…
XXI. A Recorrente na resposta à nota de culpa arguiu, nomeadamente, a nulidade de todos os atos praticados pela Senhora Instrutora Dr.ª M... P…, em virtude do incidente de suspeição por si levantado;
XXII. Está provado no ponto 12 da matéria de facto que, “A Instrutora Dr.ª M… L…” foi nomeada “em substituição da Dr.ª M… P…”
XXIII. A Recorrente tinha o Direito de ver apreciadas as nulidades e questões colocadas em sede de defesa. Pelo que, encontram-se tanto a proposta de Decisão como a própria Decisão proferidas feridas de nulidade nos termos do artigo 133º, n.º 2, alínea d) do C.P.A., nulidade que desde já se argui.
XXIV. Todas as testemunhas ouvidas no âmbito do procedimento disciplinar foram-no sem a presença da ora recorrente. A Recorrente nunca teve possibilidade de interrogar as testemunhas indicadas no procedimento disciplinar;
XXV. Nem a Administração nem o Tribunal a quo permitiram que a Recorrente pudesse contraditar os testemunhos proferidos em sede de inquérito.
Foi, assim, violado o artigo 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve o presente Recurso obter provimento e em consequência, deve a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser declarada nula, ou, caso assim não se entenda, deve a mesma ser substituída por douto Acórdão que declare prescrito o procedimento disciplinar iniciado em 2004.

O recorrido Ministério da Educação contra-alegou o recurso e formulou as seguintes conclusões:

A. Falta lógica, coerência e pertinência ao recurso interposto pela Recorrente.

B. Ao contrário do que seria suposto, no seu recurso a recorrente questiona muito menos a sentença e muito mais o procedimento disciplinar, pretendendo por via do Recurso proceder a uma nova reabertura, renovação, ou revisão do procedimento disciplinar, quando é sabido não ser essa a finalidade da impugnação contenciosa.

C. No recurso, não são verdadeiramente enunciados fundamentos justificativos da alteração ou da anulação da decisão proferida.

D. A decisão a quo não padece de nulidade por omissão de pronúncia, porque as matérias em causa ficaram prejudicadas, em consequência da solução dada pelo Tribunal à questão da prescrição, como o determinado no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.

E. O Tribunal fez uma análise aturada sobre esse assunto e tomou uma posição juridicamente bem sustentada e difícil de ser posta em causa, motivo pelo qual não assiste razão à Recorrente naquilo que alega.

F. Pese embora a Lei n.º 58/2008 e o EDTEDP, aprovado por aquela Lei, tivessem, a partir de 01/01/2009, passado a aplicar-se ao processo disciplinar aqui em apreço, por força do regime transitório constante no artigo 4.º e em especial no seu n.º 3, da referida Lei n.º 58/2008, os prazos de prescrição do procedimento e das penas, bem como os de reabilitação e o período referido no n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto, contam-se a partir da data da entrada em vigor do Estatuto, isto é, a partir de 01/01/2009.

G. É esta concreta disposição legal que, incompreensivelmente, a Recorrente teima em ignorar e desenvolve todo o seu raciocínio como se a mesma não existisse, quando é esta disposição legal que contém a chave do problema.

H. Ao contrário do que sucedia no ED de 1984, o EDTEFP de 2008 veio, no seu artigo 6.º, n.º 4, determinar que o procedimento disciplinar prescrevia decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

I. Segundo o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência no ED de 1984, os prazos previstos nos artigos 45.º, n.º 1 e 65.º, n.ºs 1 e 3 e 66.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar são ordenadores ou disciplinadores, pelo que a sua inobservância não extingue a possibilidade de prática do ato nem constitui vício procedimental suscetível de se repercutir no ato final do processo disciplinar. A inobservância desses prazos não significa que a Administração tenha reconhecido a inoportunidade do processo disciplinar ou a existência de uma situação em que não se justificava a aplicação da pena, pelo que esta aplicação não viola o princípio da boa-fé.

J. Dado que entre 01/01/2009 e a data em que a Autora foi notificada da decisão disciplinar não decorreram 18 meses, a alegada prescrição do procedimento disciplinar não se verifica.

K. A decisão sancionatória mostra-se suficientemente fundamentada, pelo que não assiste razão à Recorrente quanto lhe imputa falta de fundamentação e bem andou o Tribunal a quo ao decidir do modo como decidiu.

L. Acresce que a Autora, ao longo das suas diversas intervenções, revelou ter percecionado de um modo claro e inequívoco os motivos que determinaram a prolação do ato administrativo sancionatório.

M. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, de que a Administração goza, esta não teve dúvidas de que a ora recorrente praticou as infrações com base nas quais foi sancionada.

N. A circunstância de ter havido uma substituição de instrutora do processo, isso não significa que a primeira instrutora tivesse praticado nulidades, que de resto não existiram, pelo que não cabia ao Tribunal apreciar o que nunca existiu.

O. A Recorrente não assistiu nem tinha de assistir à inquirição das testemunhas, não advindo desse facto qualquer ilegalidade, importando acrescentar que o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação (cfr. artigo 37.º do ED de 1984 e artigo 33.º do EDTEFP, de 2008)

P. Não é ao arguido, mas ao advogado do arguido que, na fase da defesa, a Lei confere o direito de este, querendo, poder estar presente e intervir na inquirição das testemunhas (cfr. artigo 52.º, n.º 7 do EDTEFP, de 2008).

Nestes termos, … requer-se que o presente recurso seja julgado improcedente e, em consequência, seja mantida a sentença recorrida, dado que a mesma se mostra em plena conformidade com o Direito.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto do recurso:
Considerando o disposto nos arts 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e nos artigos 5º; 608º nº 2; 635º nº 4 e 5 e 639º do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas alegações e respetivas conclusões, verificamos que cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de:
i) Nulidade por omissão de pronúncia;
ii) Erro de julgamento de direito por incorreta interpretação e aplicação das normas que tratam da prescrição do procedimento disciplinar.
iii) Erro de julgamento de direito quanto aos demais fundamentos do pedido.

Fundamentação
De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663º, nº 6 do CPC ex vi art 140º do CPTA.

O Direito.
Nulidade por omissão de pronúncia:
A recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia sobre o regime de prescrição do procedimento disciplinar aplicável antes da entrada em vigor da Lei nº 58/2008, de 9.9, que entende ser o do art 118º do Código Penal por o ED/1984 não prever expressamente essa prescrição.
Nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al d), 1ª parte, do CPC, é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar», o que está em consonância com o disposto no art 608º, nº 2 do CPC onde se estabelece que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras» (cfr art 95º, nº 1 e nº 3 do CPTA).
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido.
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra. Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui.
Vejamos agora a situação concreta.
A recorrente articulou a petição inicial, na parte que diz não ter sido conhecida pelo tribunal a quo, começando com a alegação seguinte: Contudo, mesmo que se entendesse que o art 6º, nº 6 da Lei nº 58/2008, de 9.9, não tinha aplicação nos presentes autos, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se admite, então por força do próprio Código Penal o procedimento há muito que se encontrava prescrito.
A recorrente, a título principal, pretende a aplicação ao caso do disposto no art 6º, nº 6 do ED/2008.
Apenas, a título subsidiário, pretende a aplicação do regime de prescrição do procedimento disciplinar do art 118º do CP.
O tribunal recorrido apreciou a pretensão jurisdicional da recorrente e decidiu pela aplicação ao caso do disposto no art 6º, nº 6 do ED de 2008 (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei 58/2008, de 9/9), por entender que o ED de 1984 (aprovado pelo DL 24/84, de 16/1) não previa a prescrição do procedimento disciplinar e, assim, o ED de 2008 é a lei concretamente mais favorável.
Mais decidiu, com fundamento nas normas de aplicação da lei no tempo constantes do artigo 4º, nº 3 e 4 da Lei nº 58/2008, que a contagem do prazo de 18 meses previsto no artigo 6º, nº 6 do ED/2008 se iniciou em 1.1.2009, data de início de vigência daquele Estatuto, ainda que o procedimento disciplinar tenha sido instaurado em 23.4.2004.
Donde concluiu: tratando-se de 18 meses contados desde 1.1.2009 até à notificação da decisão final, em 10/5/2010, constata-se que não decorreu esse prazo.
Não se verifica, portanto, a prescrição do procedimento alegada pela A.
Improcede, assim, este fundamento de ilegalidade do ato.
E devido ao exposto, a alegada inconstitucionalidade das normas do art 4º do ED de 1984, interpretadas com o sentido de não existir prazo de prescrição do procedimento, acaba por, em nosso entendimento, não poder influir na decisão do caso concreto, porque se aplicou o ED de 2008, com um prazo de 18 meses desde 1.1.2009. Logo, existiu a possibilidade de o procedimento em causa prescrever. Não prescreveu no caso, mas existiu um prazo para tal.
Por outro lado, apesar de em concreto e por força das normas aplicadas se verificar que o procedimento disciplinar teria de decorrer durante mais de 6 anos até prescrever (de 23/4/2004 a 1/7/2010), tal é consequência das normas legislativas aplicadas, sabendo-se que a duração do prazo prescricional integra-se na liberdade de conformação do legislador.
Portanto, não se descortina a inconstitucionalidade apontada pela A.
Da transcrição que vimos de fazer, não vislumbramos, salvo o devido respeito, o vício anulatório decorrente de omissão de pronúncia.
Ou seja, não vemos que o Juiz do Tribunal a quo tenha deixado de conhecer da questão da prescrição do procedimento disciplinar instaurado à ora recorrente, sem prejuízo, como lhe permite a lei – art 608º, nº 2 do CPC e art 95º, nº 1 e 3 do CPTA - da alegada inconstitucionalidade das normas do art 4º do ED de 1984, interpretadas com o sentido de não existir prazo de prescrição do procedimento, acaba por, em nosso entendimento, não poder influir na decisão do caso concreto, porque se aplicou o ED de 2008.
Assim, sem necessidade de mais considerados, não merece acolhimento a posição defendida pela recorrente, no sentido de se verificar nesta parte nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, improcedendo pois, nesta parte o recurso.

Erro de julgamento de direito sobre a prescrição do procedimento disciplinar.
A recorrente reitera no recurso estar prescrito o procedimento disciplinar que lhe foi instaurado com o nº 4…/DRL/2004, tanto ao abrigo do Estatuto Disciplinar de 1984 como nos termos do Estatuto Disciplinar de 2008.
Atendendo ao disposto no artigo 9º do DL nº 24/84, de 16.1, é necessário considerar aplicáveis os prazos de prescrição do procedimento previstos no art 118º, nº 1, al d) do Código Penal e assim verifica-se que há muito que decorreu o prazo de prescrição, inclusivamente se considerássemos o referido prazo acrescido de metade (cfr art 121º, nº 3 do Código Penal).
Também, está prescrito o procedimento disciplinar, nos termos do art 6º, nº 6 do ED/2008, por ter sido ultrapassada a duração máxima de 18 meses, contados a partir da data em que foi instaurado o processo disciplinar – junho de 2004 – e a notificação da decisão punitiva – a 29.1.2010.
Nestes termos, a recorrente defende que o tribunal a quo não efetuou uma correta aplicação do direito, em particular, do art 4º da Lei nº 58/2008, de 9.9 e do art 118º, nº 1, al d) do Código Penal ex vi art 9º do ED/84, aos factos.
Vejamos.
Para analisarmos a questão da prescrição nos autos importa que consideremos os seguintes factos:
À autora/ recorrente, na qualidade de docente contratada para lecionar a disciplina de Oficina de Expressão Dramática – OED – na Escola Secundária de Miraflores – vêm imputados factos ocorridos no ano letivo de 2003/2004, em concreto, em 18.12.2003, 28.1.2004, 30.3.2004 6 e 7.4.2004.
Em 23.4.2004 foi-lhe instaurado, por despacho do Presidente do Conselho Executivo, o procedimento disciplinar.
A 18.4.2008 foi proferido despacho, pelo Diretor Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, que lhe aplicou a pena disciplinar de inatividade, por um período de 2 anos.
Por aviso publicado no Diário da República, 2ª série, de 29.1.2010, foi a autora notificada daquele despacho condenatório.
Tendo interposto recurso hierárquico, por despacho de 23.4.2010, do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, foi o mesmo indeferido e levado ao conhecimento da recorrente a 10.5.2010.
No período compreendido entre a prática dos factos – ano letivo de 2003/ 2004 – e a notificação à arguida/ autora/ recorrente da decisão final do procedimento disciplinar – 29.1.2010 e 10.5.2010 – ocorreu a sucessão do regime disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
Com efeito, à data da prática dos factos que vêm imputados à recorrente – ano letivo de 2003/ 2004 – estava em vigor o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº 24/84, de 16.1 (ED/84).
À data da notificação da decisão punitiva – 29.1.2010 – estava em vigor o (novo) Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9.9, que, por força do disposto no artigo 7º da Lei nº 58/2008, entrou em vigor no dia 1.1.2009.
Dada a sucessão no tempo dos referidos diplomas legais, naturalmente, há que começar por determinar qual deles deve ser aplicado ao caso concreto.
Desde logo porque vigora no Direito Disciplinar, tal como no Direito Penal, o princípio da aplicação da lei disciplinar mais favorável, consagrado no art 29º, nº 4 da CRP e no art 2º, nº 4 do Código Penal, pois o direito disciplinar, sendo sancionatório, está sujeito às garantias penais, designadamente a proibição da aplicação retroativa de lei incriminadora ou mais gravosa (cfr Raquel Carvalho, Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas, Universidade Católica Editora, 2012, pág. 17).
O princípio geral não é o da aplicabilidade do novo regime disciplinar aos factos ilícitos praticados antes da entrada em vigor desse novo regime, já que este só será aplicável se se apresentar como mais favorável que o regime anterior.
Como ensinam M. Simas Santos e M. Leal Henriques, a propósito da aplicação da lei penal no tempo, mas perfeitamente transponível para o caso vertente da aplicação da lei disciplinar no tempo, Tratando-se de regime concretamente mais favorável necessário se torna que o juiz faça separadamente os dois cômputos penais, escolhendo e determinando a medida da pena a aplicar in concreto com cada uma das leis e que se atenda não só à pena mas também ao regime aplicável. Deve ter, contudo, em atenção que não podem ser misturados ou combinados os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes, pois aí estaria a arvorar-se em legislador, formando, no seu hibridismo, uma terceira lei dissonante, no seu hibridismo, de qualquer das leis em jogo.
Mas quando é que se pode afirmar que a lei posterior se apresenta como mais favorável que a anterior?
Nelson Hungria defende que isso acontece, quando, nomeadamente:
- a pena cominada atualmente ao crime é, quanto à sua natureza, mais branda que a anterior;
- a pena atual, embora da mesma natureza, é menos rigorosa quanto ao modo de execução;
- o quantum da pena in abstrato é reduzido ou, mantido esse quantum, o critério da sua medida in concreto é menos rígido que o da lei anterior;
- são reconhecidas circunstancias que influem favoravelmente na graduação ou medida da pena (atenuantes, causas de especial diminuição da pena ou condições de menor punibilidade), alheias à lei anterior, ou suprime agravantes ou majorantes (qualificativas, causas de especial aumento de pena ou de maior punibilidade);
(…).
Se não for possível determinar o regime mais favorável deve então aplicar-se a regra do nº 1: a lei vigente à data da prática dos factos (…).
Uma coisa parece certa: a lei nova não deve afetar uma prescrição já adquirida no domínio da lei anterior.
Se os prazos são encurtados, então aplica-se o disposto no art 297º, nº 1 do CC (a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar) (cfr M. Simas Santos e M. Leal Henriques, Código Penal anotado, 1º vol, 1995, Editora Rei dos Livros, pág 100, 101 e 106 – sublinhado e destaques a negrito nossos.
Também Paulo Veiga e Moura, a este propósito, em anotação ao art 4º da Lei nº 58/2008, em Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 19 e 20, refere que a exigência de o regime do novo estatuto se ter de revelar em concreto mais favorável ao trabalhador para ser aplicável a factos passados, significa que se terá de proceder a uma comparação casuística (e não em abstrato) dos factos imputados ao trabalhador à luz dos deveres, da sanção para a sua violação e da concreta tramitação imposta pelo regime disciplinar vigente à data em que os factos foram praticados e à luz de idênticos deveres, sanção e tramitação imposta”, pelo novo regime. “Só se poderá aplicar este novo estatuto a tais factos passados quando no final de tal processo comparativo se possa concluir que este novo regime é globalmente mais vantajoso para o arguido. (…). Embora em algumas situações possa ser fácil concluir pelo carácter globalmente mais favorável, (…), o certo é que tal juízo deve ser efetuado de forma casuística, pelo que só a comparação no caso concreto dos resultados a que conduzia a aplicação de cada regime poderá legitimar a conclusão pela natureza mais ou menos favorável de um regime em relação ao outro.
A prescrição, no âmbito do direito punitivo, é um instituto de direito substantivo relativo ao procedimento e às penas disciplinares ou penais, extinguindo a responsabilidade do infrator no pressuposto de que o decurso de determinado lapso de tempo faz desaparecer as razões determinantes da efetivação da pena, renunciando o Estado ao direito de punir em prol da estabilização das relações de serviço ou outras, marcadas pela verificação de factos caracterizados como falta ou infração (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da P.G.R., n.º 123/87, de 11/03/1988, publicado in D.R., 2.ª Série, n.º 234, de 10/10/1988).
Ora, nos termos do disposto nos artigo 4º do ED/84, com a epígrafe prescrição de procedimento disciplinar, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida (nº 1) e, igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses (nº 2) se o facto qualificado de infração disciplinar for também considerado infração penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal (nº 3).
Este normativo prevê assim dois prazos distintos de prescrição do procedimento disciplinar: (i) um mais longo, de 3 anos, contado desde a prática da infração, ou mesmo superior se e quando a infração tenha natureza disciplinar e penal e o prazo de prescrição do procedimento criminal seja superior a 3 anos e (ii) outro mais curto, de 3 meses.
O prazo de prescrição do procedimento disciplinar previsto no artigo 4º, nº 1 (de 3 anos) é contado a partir do momento da prática da falta e o previsto no artigo 4º, nº 2 (de 3 meses) conta-se do conhecimento da falta pelo dirigente máximo do serviço, atuando tais prazos de forma independente e autónoma relativamente à mesma infração disciplinar.
Assim, determinará a ocorrência de prescrição o decurso, que primeiramente se verificar, de qualquer daqueles prazos, contados a partir de momentos (diversos) que lhes estão pressupostos (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da P.G.R., n.º 123/87, de 11/03/1988, publicado in D.R., 2.ª Série, n.º 234, de 10/10/1988).
Entendemos, no entanto, aqui de modo diverso da sentença recorrida [«o ED de 1984 não previa a prescrição do procedimento» - cfr fls 38 e 35], que a norma do art 4º, nº 1 do ED/84, onde literalmente se estabelece que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a falta houver sido cometida, não pode ser interpretada como referindo-se à prescrição do simples direito de instaurar ou iniciar o procedimento disciplinar, mas antes como tendo em vista a prescrição do próprio procedimento disciplinar, aliás como vem anunciado na epígrafe do artigo.
Adotamos assim o entendimento vertido no acórdão deste TCAS, proferido a 23.10.2008, processo nº 2664/07, nos termos do qual o art 4º, nº 2 do DL 24/84 de 16.01 estabelece o prazo de caducidade da ação disciplinar, não podendo a Administração instaurar o procedimento depois de decorridos 3 meses sobre a data em que “o dirigente máximo do serviço” teve conhecimento da “falta”; o nº 1 do citado artigo estabelece o prazo de prescrição do procedimento disciplinar passados 3 anos sobre a “data em que a falta houver sido cometida”.
Na verdade, se seguíssemos a tese da decisão recorrida, na vigência do Estatuto Disciplinar de 1984, o procedimento disciplinar, uma vez instaurado, ficaria a salvo da prescrição, o que, evidentemente, seria inconstitucional. Por isso, o único modo razoável de entender o nº 1 é aquele que vê ali um prazo para a extinção do direito a proceder disciplinarmente, e não propriamente e apenas a instaurar o procedimento (cfr ac do TCAN de 6.11.2015, processo nº 596/12, ainda que verse sobre o Estatuto Disciplinar da PSP).
Também, não acolhemos a interpretação defendida pela recorrente de considerar aplicáveis os prazos de prescrição do procedimento previstos no art 118º do Código Penal. Os prazos de prescrição do procedimento criminal aplicam-se no procedimento disciplinar nas situações previstas no art 4º, nº 3 do ED/84. O que não se verifica no caso, sendo aplicável o disposto no art 4º, nº 1 do ED/84, sem necessidade de subsidiariamente aplicar o Direito Penal.
Assim, para o que interessa ao presente recurso, o prazo prescricional em causa encontra-se estatuído no art 4º, nº 1 do ED/84 e é de 3 anos contados da data da infração disciplinar, salvo se, na pendência do procedimento disciplinar, forem praticados atos instrutórios, cujo efeito interruptivo inutiliza o tempo anteriormente decorrido, como dispõe o art 4º, nº 4 do ED/84.
Conforme o nº 4 do art 4º do ED/84, o prazo (normal) de três anos interrompe-se pela prática de ato instrutório com influência na marcha do processo, o que demanda a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último ato.
Além disso, tal como alega a recorrente, a prescrição do procedimento disciplinar ocorre, em qualquer caso, quando sobre o início do seu prazo, ressalvado o eventual tempo de suspensão (art 4º, nº 5 do ED/84), tiver decorrido o prazo normal mais metade deste, aqui, por efeito da aplicabilidade subsidiária do regime do artº 121º nº 3 Código Penal.
O que significa que o prazo máximo de prescrição em sede do procedimento disciplinar são 7 (sete) anos e 6 (seis) meses (3 anos acrescidos da metade (ano e meio) e do tempo de suspensão, que não pode ir além de 3 anos (art 120º, nº 2 do CP).
Esta conclusão é a que resulta vertida no acórdão deste TCAS, proferido a 23.10.2008, processo nº 2664/07, a que aderimos, no qual podemos ler ainda: Só assim, a nosso ver, se entende o reporte ao ato de conclusão do procedimento no artº 4º nº 1, exatamente para obstar ao arrastamento no tempo do procedimento por via do efeito interruptivo dos atos instrutórios consagrado no artº 4º nº 4.
Do que vem dito retiram-se duas conclusões.
Primeiro: uma vez decorridos 7 anos e 6 meses sobre a data da falta disciplinar, … , a prescrição do procedimento disciplinar verifica-se inelutavelmente, ainda que a Administração não tenha tomado a decisão final, aqui incluído o poder de reapreciação em sede de recurso hierárquico, nomeadamente através da prática de ato sancionatório no tocante à pessoa do destinatário.
Embora a instrução assuma a natureza de causa interruptiva e, como tal, inutilize todo o tempo anteriormente decorrido permitindo que nova contagem dos 3 anos a partir da data do último ato instrutório, ainda assim a prescrição do procedimento disciplinar pendente tem sempre lugar uma vez atingido o prazo máximo, ex vi artº 121º nº 3 CP conjugado com o artº 4º nº 1 ED; o interessado pode sempre opor-se à prossecução do procedimento invocando a verificação do limite máximo do prazo de prescrição, ainda que haja atos procedimentais a praticar por si requeridos.
Segundo, a tomada de decisão sancionatória em 1º grau ou em via de revisão no recurso hierárquico (2º grau), pelo órgão competente, configura a conclusão do procedimento disciplinar.
Aqui chegados, em face do art 4º, nº 1 do Estatuto Disciplinar de 1984 e do art 121º, nº 3 do CP, porque não resulta prova de verificação de qualquer causa de suspensão do prazo prescricional nos autos (art 4º, nº 5 do ED/84), o prazo máximo de prescrição do procedimento disciplinar são 4 anos e 6 (seis) meses (3 anos acrescidos da metade (ano e meio)).
Pelo que, considerando a data da prática dos factos imputados à recorrente – ano letivo de 2003/ 2004, em concreto, 18.12.2003, 28.1.2004, 30.3.2004 6 e 7.4.2004 – a realização de atos instrutórios – inquirição de testemunhas e junção de documentos - com incidência na marcha do procedimento até à dedução da acusação em 5.9.2005 – a prolação da decisão punitiva a 18.4.2008, notificada a 29.1.2010, confirmada a 23.4.2010 e notificada a 10.5.2010, em outubro de 2008 verificou-se a prescrição do procedimento disciplinar objeto da ação, por ter decorrido o limite máximo do prazo de prescrição (de 4 anos e seis meses sobre a data da prática de cada uma das infrações imputadas à recorrente).

Analisemos agora a situação da recorrente face ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9.9.
O art 6º do ED/2008, a respeito da prescrição do procedimento disciplinar, dispunha o seguinte:
(…).
6 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.
7 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
8 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.
Já o artigo 4º da Lei nº 58/2008, de 9.9, que trata da aplicação da lei no tempo, previa o seguinte:
3 - Os prazos de prescrição do procedimento disciplinar e das penas, bem como os de reabilitação e o período referido no n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto, contam-se a partir da data da entrada em vigor do Estatuto, mas não prejudicam a aplicação dos prazos anteriormente vigentes quando estes se revelem, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador.
Ora, é inequívoco, do nº 3 do art 4º da Lei nº 58/2008, que os prazos de prescrição do procedimento disciplinar estabelecidos no novo Estatuto Disciplinar de 2008 apenas se contam a partir da respetiva entrada em vigor, ou seja, nos termos do art 7º da Lei nº 58/2008, 1.1.2009 (sem prejuízo da aplicação dos prazos anteriormente vigentes, se se revelar, em concreto, mais favorável para o trabalhador). Isso mesmo foi também realçado pela jurisprudência (entre outros, o acórdão do STA de 27.1.2010, processo nº 551/09.
Assim, a pretensão da recorrente de o prazo de prescrição do procedimento disciplinar do art 6º, nº 6 do ED/2008 se aplicar ao seu caso, contando o termo inicial do prazo prescricional desde a instauração do procedimento disciplinar, em 23.4.2004, viola a norma do art 4º, nº 3 da Lei nº 58/2008.
Na verdade, uma coisa é a aplicação da lei mais favorável ao arguido em aspetos que possam (racionalmente) ter cobertura na nova regulamentação legal, o que é, de resto, o caso, dos previstos nos nº 5 e seguintes do art 4º da Lei 58/2008, de 9.9.
Outra, perfeitamente desprovida de razoabilidade, seria considerar o procedimento disciplinar movido à recorrente prescrito desde 23.10.2005, ou seja, decorridos 18 meses contados da data de 23.4.2004 (em que foi instaurado), ao abrigo da Lei nova, antes da mesma ter entrado em vigor no dia 1.1.2009.
Sendo certo que o procedimento disciplinar tratado nos autos foi instaurado em 23.4.2004 e que o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado por aquela Lei nº 58/2008, de 9.9, entrou em vigor em 1.1.2009, o prazo de 18 meses previsto no art 6º, nº 6 do ED/2008 iniciou o seu curso em 1.1.2009. Pelo que, o respetivo termo ocorreria a 1.7.2010.
O que significa, atentos os factos provados, que em 29.1.2010, data da notificação do despacho punitivo de 18.4.2008, e em 10.5.2010, data da notificação do indeferimento do recurso hierárquico interposto pela ora recorrente em 23.4.2010, nos termos do art 6º, nº 6 do ED/2008 e do art 4º, nº 3 da Lei nº 58/2008, o procedimento disciplinar instaurado pelo Ministério da Educação à ora recorrente não estava prescrito.
Assim, e bem, o Tribunal a quo considerou que a contagem do prazo de 18 meses previsto no artigo 6º, nº 6 do ED/2008 se iniciou em 1.1.2009, data de início de vigência daquele Estatuto, ainda que o procedimento disciplinar tivesse sido instaurado em 23.4.2004.
Mas, a sentença recorrida não pode manter-se quando decide que ao caso se aplica a prescrição do procedimento disciplinar prevista no ED de 2008 por ser a lei mais favorável no caso concreto.
Efetuada a análise comparativa do Estatuto Disciplinar de 1984 e do Estatuto Disciplinar de 2008, resulta que a comparação de regimes legais por nós efetuada não é de molde a podermos concluir que o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9.9, traduz, no caso concreto, o regime efetivamente mais favorável para a autora/ recorrente.
Efetivamente, o regime jurídico mais favorável à arguida/ autora/ recorrente é o que decorre do Estatuto Disciplinar de 1984.
Por conseguinte, como dispõe o artigo 4º, nº 3 da Lei nº 58/2008, de 9.9, aplicam-se os prazos de prescrição do procedimento disciplinar anteriormente vigentes porque se revelam, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador.
Em consequência, impõe-se concluir pela procedência do presente recurso, por julgarmos prescrito o procedimento disciplinar 4…/DRL/2004, nos termos do art 4º, nº 1 do ED/1984 ex vi art 121º, nº 3 do CP e do art 4º, nº 3 parte final da Lei nº 58/2008, de 9.9. Pelo que fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios imputados à sentença recorrida.

Decisão
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a ação procedente, anulando-se a sanção disciplinar aplicada à ora recorrente por prescrição do procedimento disciplinar.
Custas a cargo do recorrido em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
*
Lisboa, 2022-04-21,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)
(Catarina Vasconcelos).