Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:209/14.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA;
MÉTODO PRO RATA;
DUPLICAÇÃO DE COLECTA;
JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:1. Para efeitos da dedução do IVA contido nos bens e serviços adquiridos por uma sociedade que exerce actividades que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito, deve adoptar-se um procedimento de imputação directa: faz-se a alocação directa dos inputs às actividades económicas a que se destinam, deduzindo a totalidade do IVA se o input for consumido numa actividade que concede o direito à dedução, ou não deduzindo qualquer parcela de IVA caso a actividade em que esse input é consumido não confira esse direito.
2. Só depois dessa fase, e relativamente aos inputs que subsistam, porque utilizados de forma indistinta ou simultânea (inputs promíscuos), para exercício de actividades que conferem e outras que não concedem o direito à dedução de IVA, se deve passar à segunda fase do processo, da repartição do imposto residual, com aplicação das regras do art.º 23.º do CIVA, ou seja, com aplicação dos métodos da percentagem (ou do pro rata) ou da afectação real.
3. Se a opção do sujeito passivo pelo método da afectação real com base no critério da área de exploração provocar ou for susceptível de provocar distorções significativas na tributação, a AT pode vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento.
4. Não afecta a legalidade do imposto liquidado adicionalmente com base nas correcções ao método de dedução, por duplicação de colecta, se por virtude dessa liquidação adicional são efectuadas reliquidações, ainda que com erro, nos valores reportados a períodos de tributação subsequentes.
5. A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios nos termos do art.º 35.º da LGT depende da existência de culpa (a título de dolo ou negligência), por parte do contribuinte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja foi julgada procedente a impugnação deduzida por T……………………., SA, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros compensatórios, referentes aos períodos de Dezembro de 2009 e 2010.
Inconformada com a decisão, a Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional.
A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:


a) Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com a douta sentença recorrida, quando dá como assente na alínea G) do probatório referindo-se à atividade de imobiliária que: ¯Tal atividade imobiliária é desenvolvida por entidades externas à sociedade Impugnante desde 2010 sendo até então levada a cabo pela própria”.
b) Porquanto, do que resulta do depoimento das testemunhas, nomeadamente do Diretor da T.............. é que a sociedade contratou sociedades imobiliárias para procederem à venda dos apartamentos, sendo certo que a celebração de tais contratos não a desliga dessa atividade.
c) Acresce que, na alínea Z) o Tribunal a quo dá como assente relativamente à Reclamação Graciosa apresentada pela Impugnante em 15.05.2014 que: ¯Até à presente data não foi dado conhecimento da decisão que sobre ela tenha recaído,
d) Acontece porém que, a referida Reclamação Graciosa foi apensa aos presentes autos, no estado em que se encontrava, uma vez que se verifica uma relação de prejudicialidade entre a presente Impugnação e a referida Reclamação.
e) Face ao exposto entendemos que a douta sentença recorrida padece de vício de erro de julgamento da matéria de facto.
f) No que respeita à dedução de IVA suportado na aquisição de bens e/ou serviços que são utilizados conjuntamente em atividades que conferem direito à dedução do imposto – atividade turística - e em outras atividades que não conferem esse direito – atividade imobiliária -, não podemos concordar com a conclusão a que chega o Tribunal a quo, de que a atividade imobiliária é apenas residual.
g) Tendo em conta a publicidade que é feita ao T.............., a qual é pública (nomeadamente acedendo à sua página da internet) verifica-se que, a atividade imobiliária assume prioridade no âmbito do empreendimento turístico ¯T..............‖;
h) Na verdade, a Impugnante procedeu à construção de diversos imóveis destinados a numa primeira fase a venda e posteriormente, caso os seus proprietários assim o pretendam, à exploração turística.
i) Aliás tal facto resulta do relatório de Inspeção Tributária quando refere que os ¯relatórios de gestão da empresa demonstram que a atividade da empresa está centrada na comercialização de imóveis e na exploração de diversos apartamentos turísticos‖, ou seja, primeiro a comercialização de imóveis, segundo a exploração de diversos apartamentos turísticos.
j) Acresce que, contrariamente ao que se pretende fazer crer face aos factos dados como provados, não é pelo facto da Impugnante ter contratado terceiros para proceder à venda dos apartamentos que torna a atividade imobiliária irrelevante.
k) A dedução de IVA, por parte de sujeitos passivos mistos, suportado na aquisição de bens e/ou serviços de utilização mista, encontra-se regulada no artº 23º do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
l) De acordo com o referido preceito legal o do IVA dedutível respeitante a bens e/ou serviços afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, deve ser determinado mediante a utilização de uma percentagem, apurada nos termos do disposto no nº 4, do artº 23º do CIVA, sem prejuízo de o sujeito passivo poder optar pela afetação real, nos termos do disposto no nº 2 do mesmo artigo;
m) Podendo ser adotados como critérios objetivos: a) A área ocupada; b) O número de elementos do pessoal afeto; c) A massa salarial; d) As horas-máquina; e) As horas-homem,
n) No entanto e ainda de acordo com o referido ofício circulado, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objetivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens e/ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevante.
o) Na verdade, a norma do nº 2, do artº 23º do CIVA permite aos sujeitos passivos um amplo grau de liberdade na definição dos critérios (objetivos) a utilizar, mas nas situações em que se verifique que os critérios utilizados provocam ou podem provocar distorções significativas de tributação, a Autoridade Tributária pode impor condições especiais ou de fazer cessar esse procedimento, artº 23º, nº 2 in fine.
p) No âmbito da legislação comunitária prevê-se que o IVA suportado em bens e/ou serviços utilizados por um sujeito passivo, para efetuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução só é admitida relativamente ao IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações – pro rata de dedução -, verificando-se que nas duas Diretivas do IVA, apesar de, se admitirem outros critérios a adotar pelos Estados Membros, o critério que se encontra previsto e definido em concreto é o pro rata do volume de negócios, artº 19º da 6ª Diretiva e artº 174º da Diretiva do IVA.
q) No que respeita ao caso concreto, verificou-se que a Impugnante para apuramento do IVA dedutível relativo aos bens e serviços de utilização mista, lançou mão do disposto no artº 23º, nº 2 do CIVA,
r) Tendo calculado a percentagens do IVA dedutível com base no critério das áreas afetas às atividades económicas sujeitas e com direito a dedução e às atividades económicas isentas e sem direito a dedução, tendo incluído nas primeiras a área referente a um campo de golf que faz parte do T...............
s) Efetuada ação de inspeção tributária à Impugnante, incidente sobre o IVA, o referido método de cálculo foi corrigido nos termos e com os fundamentos constantes do Relatório de Inspeção Tributária, porquanto, entendeu-se que ¯a consideração da área do campo de golf no cálculo da referida percentagem desvirtua por completo o resultado obtido‖.
t) Na verdade, se tivermos em conta o tipo de bens e serviços comuns às diversas atividades desenvolvidas pela Impugnante, verifica-se que apenas os que respeitam à publicidade e de uma forma indireta também às de animação do resort, poderão considerar-se comuns à atividade referente ao Campo de Golf (uma vez que poderão beneficiar essa atividade).
u) Porquanto, que quem gere a referida atividade é uma sociedade, que embora pertença ao Grupo da Impugnante, é considerada terceira, tendo uma gestão própria.
v) Pelo que, considerar que 82% dos custos comuns respeitam ao Campo de Golf é desvirtuar a realidade e, em consequência, criar distorções significativas na tributação, tendo tal pressuposto ficado devidamente demonstrado no Relatório de Inspeção Tributária.
w) O artº 23º do CIVA prevê dois métodos de dedução de IVA nas atividades mistas, o método do pro rata e o método da afetação real, em que o primeiro é a regra geral e o segundo opcional.
x) Assim, não cabia à Administração Tributária escolher qual o critério que a Impugnante devia optar para proceder à dedução do IVA no caso em apreço.
y) Na verdade, o que a lei determina é que a Administração Tributária face à opção do sujeito passivo verifique se o critério de afetação real utilizado provoque ou possa provocar distorções significativas na tributação e em caso afirmativo afaste a aplicação de tal método, aplicando a regra geral.
z) No que respeita aos ajustamentos efetuados pela Administração Fiscal no âmbito da ação de inspeção, com vista à aplicação do método pro rata de dedução, não podemos, salvo o devido respeito, concordar com a conclusão a que se chegou na douta sentença recorrida.
aa) Na verdade, contrariamente ao invocado na douta sentença, entendemos que os referidos ajustamentos se encontram devidamente fundamentados quer de facto quer de direito porquanto, ao aplicar o método pro rata, a Administração Tributária tem de dar cumprimento ao disposto no artº 23º do CIVA.
bb)Sendo certo que, face à decisão do Tribunal a quo os referidos ajustamentos não influenciarem os resultados da liquidação de IVA, tendo em conta o método de afetação real, pelo qual a Impugnante optou, o certo é que os mesmos se encontram devidamente fundamentados.
cc) Na verdade, não resultam quaisquer dúvidas quanto ao tipo de operações efetuadas e às razões que levaram a que as mesmas não fossem consideradas.
dd) Entende o Tribunal a quo que a Administração Fiscal laborou em erro manifesto ao demandar da Impugnante em duplicado imposto e juros compensatórios com reliquidações sobreposta a outras cujo valor correspondente já havia sido deduzido ao reembolso de IVA peticionado, verificando-se assim, uma duplicação de coleta, razão pela qual, também com este fundamento, se têm de declarar nulas as liquidações impugnadas.
ee) Salvo o devido respeito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos levados ao seu conhecimento, senão vejamos.
ff) Na verdade, quando da concretização das correções efetuadas no âmbito da ação de inspeção, verificou-se um erro, erro esse reconhecido pela Fazenda Pública na sua contestação.
gg) No entanto, tal erro foi corrigido, não tendo do mesmo resultado uma duplicação de coleta.
hh) Porquanto, se tivesse sido efetuada apenas a reliquidação do valor do reembolso (sem as liquidações referentes aos períodos 0912 e 1012), tendo em conta os valores corrigidos no âmbito da ação de inspeção tributária a mesma daria um valor a reembolsar de 1.582.099,37€.
ii) No entanto como foram efetuadas as duas liquidações supra referidas – as mesmas são contabilizadas na conta corrente de IVA, como se tivessem sido pagas -, razão pela qual a reliquidação deu um valor superior – 2.762.997,51€.
jj) Nestes termos, verifica-se que na sequência das correções efetuadas à dedução do IVA em causa nos presentes autos, não se verificou uma duplicação de coleta porquanto, se por um lado se liquidou adicionalmente IVA, por outro o IVA liquidado adicionalmente foi tido em consideração na reliquidação do valor do reembolso posteriormente apurado.
kk) Face ao exposto, verifica-se, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida se mostra ilegal por erro de julgamento da matéria de facto, por violação do artº 23º do CIVA e por erro de julgamento.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser a sentença recorrida, revogada, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada Justiça,
Mais se requer que, mostrando-se o valor da presente causa superior a 275.000,00€, nos termos do disposto no n.º 7, do art. 6º, do Regulamento das Custas Processuais, e analisados os seus requisitos, seja proferida decisão que determine a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça aí prevista.
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A Impugnante apresentou contra-alegações, tendo arrematado com o seguinte quadro conclusivo:


(1)



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Neste Tribunal, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer de fls. 520 a 523 dos autos no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelos Recorrentes, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pela Recorrente Fazenda Pública consiste em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ausência de fundamentação formal e material das correcções levadas a efeito ao critério do método de afectação real adoptado pela impugnante na dedução do IVA e se estão verificados os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios.


II.FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Da Matéria de Facto

A) A sociedade Impugnante iniciou a sua atividade em 01/04/1967 sendo anteriormente designada como “T…………………………, SA”;
B) Tem como actividade principal a gestão e exploração turística de várias infra estruturas no sul do país designadamente do resort turístico situado na península de Tróia;
C) Este resort turístico é composto por diferentes empreendimentos turísticos, os quais se distribuem em hotéis, vilas turísticas, apartamentos turísticos, campo de golf, piscinas, praias, campos de ténis, de paddle, de futebol com vista à realização de estágios, marina, restaurantes, bares, lojas de apoio, supermercado, zonas de parqueamento, zona museológica com ruínas romanas;
D) A exploração turística do resort é efetuada de um modo integrado mediante o qual são consideradas todas as infra estruturas que o integram e a dinamização é efetuada de modo global;
E) Tal exploração é desenvolvida conjuntamente ainda que a vertente hoteleira tenha direcção própria que, contudo, reporta à gestão conjunta do resort;
F) A sociedade Impugnante desenvolve, paralelamente a esta, a actividade de venda de imóveis;
G) Tal actividade é desenvolvida por entidades externas à sociedade Impugnante desde 2010 sendo até então levada a cabo pela própria;
H) Dos cerca de 150 funcionários que a sociedade detinha então somente estavam afectos 3 a essa área de negócio;
I) Foi decidida a mudança de estratégia através da delegação da comercialização imobiliária a profissionais externos pela reduzida expressão que essa área revelava e por não se demonstrar compensatório despender meios humanos a tal fim;
J) A sociedade Impugnante foi submetida a inspecção tributária relativa aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 sendo o seu âmbito exclusivo em matéria de IVA;
K) Foi tal inspeção motivada pelo pedido de reembolso de IVA apresentado pela Impugnante na declaração periódica relativa ao período 2012-12;
L) A sociedade em questão está enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal desde 01/01/1986;
M) A sociedade está colectada para o exercício da atividade “promoção imobiliária”;
N) Concluiu o relatório final, e datado de 16/10/2013, que a Impugnante exerce uma actividade mista realizando operações que conferem direito à dedução e operações que a não conferem sendo estas relativas à venda de mercadorias e produtos acabados (apartamentos e moradias em Tróia), a débitos emitidos a empresas do grupo referentes a arrendamento e a débito de juros de suprimentos e / ou operações financeiras;
O) Quanto ao IVA deduzido respeitante a bens do imobilizado foi consignado no relatório tratar-se de parte do IVA suportado na construção do empreendimento “A.............”;
P) O IVA efetivamente deduzido respeitava a 8 fracções do empreendimento que foram vendidas nos anos de 2011 e 2012;
Q) Quanto ao IVA apurado como tendo sido deduzido relativamente a outros bens e serviços regista-se no relatório que a Impugnante vinha deduzindo 100% daquele IVA que suportava com a aquisição desses serviços;
R) Em setembro de 2012 procedeu a Impugnante a uma regularização de IVA a favor do Estado relativa ao período decorrente entre 2008 e julho de 2012 e respeitante a custos comuns de acordo com a área do empreendimento afeta a cada uma das suas actividades – isenta e não isenta – procedendo ao pagamento do montante de 378.825,43 €;
S) Entendeu a ATA que a sociedade Impugnante deduziu indevidamente o IVA nos termos que fez constar do relatório e em seguida se transcreve:













T) Sobre as correcções aritméticas propostas foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças Adjunto, em 01/11/2013, de concordância com estas e respetivos fundamentos;
U) Foi notificada a sociedade impugnante quanto ao teor definitivo do relatório de inspecção e correcções determinadas;
V) Na sequência destas foi efetuada reliquidação que deu origem a liquidação adicional nos montantes de 899.882,51 € e 281.015,51 € relativos aos períodos 0912 e 1012; quanto aos períodos 1112 e 1212 deram origem a reliquidação do valor do reembolso apurado em 2.762.997,51 €;
W) O valor do reembolso foi pago em 31/12/2013, por compensação no processo de execução fiscal nº ……………. e mediante transferência bancária operada em 08/01/2014;
X) Efetuada uma nova inspecção face às reliquidações operadas, mediante relatório da Divisão de Inspecção Tributária, datado de 24/06/2014, conclui este, secundando os mesmos pressupostos do anterior relatório, que:
“(…) É de diferir na totalidade o reembolso no valor de 2.762.997,51 € em que 1.582.099,37 € já foram pagos ao sujeito passivo quanto a diferença no valor de 1.180.099,14 € deve ser compensada nas liquidações nº ……….. e ………… emitidas para os períodos 0912 e 1012”;
X) Em 15/05/2014 a sociedade apresenta reclamação graciosa contra a liquidação de IVA nº ……………. respeitante ao valor a reembolsar de 1.582.099,37 €;
U) Mediante esta peticiona a anulação parcial da liquidação na parte em que indeferiu o reembolso de IVA respeitante ao período 1212 que deveria ser deferido na íntegra com o consequente reembolso da quantia em falta, acrescida dos juros indemnizatórios legalmente devidos, vencidos e vincendos;
X) A reclamação graciosa foi remetida à Direcção de Serviços de Reembolso por se tratar da entidade competente;
Z) Até à presente data não foi dado conhecimento da decisão que sobre ela tenha recaído;
Y) Em 30/04/2014 a sociedade deu entrada a petição inicial que deu origem aos presentes autos de impugnação;
Z) O campo de golfe existente no resort já citado data de finais da década de 1970 e da anterior proprietária T………….;
AA) O campo de golfe foi renovado e actualizado pela Impugnante para adaptá-lo e colocá-lo em exploração;
BB) O campo de golfe é gerido pela empresa G............. desde o tempo em que era propriedade da T............., sendo participada pela Impugnante;
CC) A G............. integra o grupo S............ ao qual pertence, igualmente a Impugnante;
DD) Ficou acordado com a entrada da G............. no grupo que a cessão de exploração do campo de golfe somente seria paga quando a exploração tivesse resultados positivos;
EE) O resort implica custos gerais e outros específicos de cada uma das actividades nele existente;
FF) A determinação e imputação dos custos específicos revela-se tarefa complexa para os serviços de contabilidade;
GG) Tal dificuldade conduziu a que este departamento de contabilidade tivesse optado pelo critério universal da área dos imóveis englobados pelo resort, sendo este o mesmo adoptado pelo grupo em outros casos similares;
HH) Este é o critério sempre adoptado aquando da venda de imóveis por empresas do grupo;
II) Os custos respeitantes à vertente imobiliária eram respeitantes aos fins de gestão, ou seja, ao suporte administrativo que a empresa do grupo destinada à organização contabilística prestava;
JJ) A imputação dos custos comuns pela área global do empreendimento decorre dos elementos para tal fornecidos ao departamento de contabilidade pelo departamento de controlo de gestão;
LL) Os custos comuns, ou de fins de gestão, são partilhados por todas as actividades do empreendimento e, no que a este respeitam, pagos globalmente ao departamento de contabilidade;
MM) As tarefas executadas pelo departamento de contabilidade relativamente à actividade de imobiliária da Impugnante representam cerca de 10 % da totalidade daquelas que são prestadas para esta;
NN) A afectação real dos custos é efetuada pelo departamento de contabilidade sempre que dispõe de dados para o efeito;
OO) Perante a impossibilidade de determinação do fim do custo é considerado como comum, recaindo a final correspondentemente no critério da área universal;
PP) O departamento de controlo de gestão fornece as áreas de ocupação do empreendimento assentando nos valores inscritos na matriz;
QQ) Durante a acção inspectiva a sociedade Impugnante ou o departamento de contabilidade não foram questionados acerca da afectação dos meios humanos a cada uma das áreas de negócio.
6.1.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos referenciados dos autos. Ademais constituiu-se com fundamento nos depoimentos das testemunhas inquiridas, designadamente aquelas que foram arroladas pela sociedade Impugnante dada a sua particular função – Director do T............, controller no T............, responsável do departamento de contabilidade da S............ – Serviços de Consultadoria e coordenador do serviço de contabilidade desta mesma empresa – e coerência. No que respeita à testemunha arrolada pela Fazenda Pública impõe-se referir que se bastou ao teor do relatório de inspecção, aliás por si subscrito, não acrescentando matéria susceptível de apreciação.
7.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficaram por provar quaisquer factos relevantes.

II.2. Do Direito

Delimitado o âmbito objectivo do recurso pelas conclusões da alegação, começa a Recorrente por invocar erro de julgamento quanto aos factos vertidos nos pontos G) e Z) da matéria assente.
Deixou-se vertido naquele ponto G) da matéria assente: «Tal actividade [de venda de imóveis – cf. anterior ponto F)] é desenvolvida por entidades externas à sociedade Impugnante desde 2010 sendo até então levada a cabo pela própria.
Por outro lado, deixou-se vertido no ponto X) e no impugnado ponto Z), o seguinte: «X) A reclamação graciosa foi remetida à Direcção de Serviços de Reembolso por
se tratar da entidade competente;
Z) Até à presente data não foi dado conhecimento da decisão que sobre ela tenha recaído».
Pretende a Recorrente que sejam alterados aqueles pontos do probatório, porquanto e no que respeita ao ponto G), “do que resulta do depoimento das testemunhas, nomeadamente do Director da T.............. é que a sociedade contratou sociedades imobiliárias para procederem à venda dos apartamentos, sendo certo que a celebração de tais contractos não a desliga dessa actividade”.
Analisada a prova indicada, altera-se o ponto G) do probatório, de modo a constar do mesmo: «Tal actividade de venda de imóveis, que era levada a cabo pela própria impugnante, passou a ser desenvolvida a partir de 2010 através de sociedades imobiliárias contratadas pela impugnante para procederem à venda dos imóveis».
O segmento “…sendo certo que a celebração de tais contractos não a desliga dessa actividade”, é conclusivo, não contém matéria factual que possa integrar o probatório – cf. art.º 607.º, nºs 3 e 4, do CPC.
No que respeita ao ponto Z), compulsado o apenso de reclamação graciosa e sendo certo que a mesma foi junta a estes autos de impugnação judicial no estado em que se encontrava, altera-se esse ponto do probatório, de modo a dele passar a constar: «Sobre a reclamação graciosa não recaiu qualquer decisão até à data de apresentação da presente impugnação(2)».

Estabilizada a matéria de facto, importará prosseguir na apreciação das demais questões do recurso.
Mostram os autos e o probatório que em acção inspectiva se constatou que a impugnante para apuramento do IVA dedutível relativo aos bens e serviços de utilização mista, lançou mão do disposto no art.º 23.º, n.º 2 do Código do IVA.
Tendo calculado a percentagem do IVA dedutível com base no critério das áreas afectas às actividades económicas (i) sujeitas ao imposto e com direito a dedução e às áreas afectas às actividades económicas (ii) isentas e sem direito a dedução, tendo incluído nas primeiras a área correspondente a um campo de golf que faz parte do T...............
No âmbito da acção inspectiva, o método de dedução segundo a afectação real, pelo qual optou a impugnante, veio a ser corrigido nos termos relatados, em suma, no entendimento de que “a consideração da área do campo de golf no cálculo da referida percentagem desvirtua por completo o resultado obtido”.

O artigo 23.º do CIVA, em que se suporta de direito a correcção levada a efeito, determina:
«Artigo 23.º
Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 – (…)».

Para melhor enquadramento do tema em questão, impõe-se uma nota prévia, colhida do Acórdão do STA, de 10/28/2015, tirado no proc.º 01497/12: «…em causa está apenas a dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços que sejam afectados conjuntamente às actividades exercidas, isentas e tributadas, os bens e serviços conjuntos ou mistos, também denominados inputs promíscuos, na terminologia da doutrina fiscal italiana (Cfr. JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, Desfazendo …, págs. 35 a 71.).
Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado relativamente a esses bens de utilização mista, estes sujeitos passivos podem recorrer ao método da afectação real (Genericamente, este método consiste em discriminar na contabilidade os bens e serviços utilizados nas operações sujeitas a imposto, sendo o direito à dedução circunscrito a esses inputs. Trata-se de um critério que permite mensurar a efectiva utilização dos inputs da actividade na produção dos bens ou serviços transaccionados pelo sujeito passivo.), ou ao método da percentagem de dedução ou do pro rata. Em conformidade com este último, têm direito à dedução de IVA que suportaram nos seus inputs na percentagem correspondente ao peso relativo ou fracção que as operações sujeitas a IVA têm no conjunto das operações isentas e não isentas que praticam (Este método visa encontrar a percentagem da dedução admissível através de uma fracção (divisão) em que no numerador figura o montante anual (sem imposto) das transmissões de bens e serviços que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual de todas as operações efectuadas (também sem imposto), incluindo as isentas ou “fora do campo” do imposto. A medida (percentagem) da dedução do IVA suportado a montante é apurada com base na relação entre os volumes de negócios que permitem a dedução do imposto suportado e pelas actividades que não permitem essa dedução.)» (fim de cit.).

Assim, a limitação do direito à dedução imposta pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIVA pressupõe, antes de mais, que o sujeito passivo seja um «sujeito passivo misto».
E é «sujeito passivo misto» quem faz a utilização mista dos seus inputs em que foi suportado IVA, afectando-os simultaneamente a operações que conferem o direito à dedução (operações tributáveis ou isentas com direito à dedução – isenção completa) e a operações que não conferem esse direito (operações não sujeitas ou sujeitas mas isentas sem direito à dedução – isenção incompleta);


O «sujeito passivo misto» pode determinar a percentagem de IVA dedutível recorrendo ao método do pro rata, sendo que, neste caso, tem de calcular a proporção das operações que conferem o direito à dedução no total de operações e proceder à dedução do IVA suportado usando essa proporção (art.º 23.º, n.º 1 alínea b) e n.º 4 do CIVA), ou, em alternativa, pode optar por autonomizar os seus sectores de actividade, isentos e tributáveis, pelo método de dedução por afectação real dos bens e serviços utilizados em cada um desses sectores, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
Neste último caso e ainda nos termos do mesmo preceito, “sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação”.
No método de afectação real, que a doutrina fiscal vem considerando o método mais preciso, embora exija um sistema de custeio mais elaborado, o direito à dedução é apurado considerando o grau, proporção ou intensidade da utilização dos bens e/ou serviços em cada actividade – isenta e tributável – usando critérios objectivos (3) que devem ser adaptados à situação e organização concreta do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens e/ ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, isentas e tributáveis.

Feito o enquadramento necessário e baixando aos autos, constata-se que a impugnante, aqui Recorrida, um sujeito passivo misto, adoptou o método da afectação real na dedução do IVA, utilizando como critério de repartição das actividades (isenta e tributável) o da área de exploração de cada um dos sectores de actividade (turístico e imobiliária), daí resultando, como a própria diz, que “…do total da área de exploração, 969.059m2, 107.595m2 (11%) respeitavam à actividade imobiliária e 861.464m2 (89%) respeitavam à actividade turística”.

A Administração tributária, conforme explicitado no RIT, não aceitou o método da dedução por afectação real com base no critério da área de exploração, porquanto e, nomeadamente: (i) “a empresa partiu do pressuposto que as áreas afectas a cada uma das actividades foram imutáveis ao longo daqueles cinco anos [período de 2008 a Julho/2012], o que não corresponde à verdade, até porque a empresa veio alienando, ao longo dos exercícios, diversos imóveis que construiu para venda (actividade isenta)”; (ii) “Nos cálculos foi considerado, relativamente à actividade não isenta de IVA, a área total do campo de golf (791.590m2), que representa 92% do total da área afecta à actividade não isenta de IVA e 82% do total da área considerada para efeitos de determinação da percentagem. Ora, a consideração da área do campo de golf no cálculo da referida percentagem desvirtua por completo o resultado obtido, uma vez que, face ao leque de empreendimentos e estruturas geridos pela T.............., a grandeza da superfície do campo de golf não é minimamente proporcional aos gastos relacionados com o mesmo. Com efeito, a empresa ao considerar a área do campo de golf está a assumir que 82% dos gastos comuns com outros bens e serviços (serviços de consultoria e gestão, publicidade, honorários, animação no resort, entre outros) são imputáveis ao campo de golf, o que não corresponde à realidade. Aliás, os relatórios de gestão da empresa demonstram que a actividade da empresa está centrada na comercialização de imóveis e na exploração de diversos apartamentos turísticos no T.............., nunca sendo feita qualquer menção ao campo de golf”.

Como se vê, os fundamentos da decisão de não aceitação do critério da área estão suficientemente explanados no relatório de inspecção tributária, em termos que permitem acessivelmente ao sujeito passivo destinatário a apreensão das razões e motivações factuais e jurídicas subjacentes à prática do acto correctivo do critério escolhido, preenchendo a exigência contida no art.º 77.º, n.º 1 da LGT.

Nessa medida, a sentença incorreu em erro de julgamento quando concluiu estar insuficientemente fundamentado o afastamento do critério aplicado pelo sujeito passivo impugnante na repartição das actividades isenta e tributável.

Questão diversa, que não se prende já com a da fundamentação formal, antes a supõe ultrapassada, consiste em saber se a decisão da AT de não aceitação do critério da área de exploração na dedução do IVA, escolhido pelo sujeito passivo, fundada na convicção de que provoca distorções significativas na tributação, enferma de erro nos pressupostos factuais, como julgou a sentença recorrida e vem propugnando a Recorrida.

Na medida em que se arroga o direito à dedução do IVA nos inputs de utilização mista, de acordo com o critério da área de exploração, daí resultando uma imputação de custos dedutíveis aferidos à actividade não isenta (turística) superior àquela que resulta do método alternativo preconizado pela AT como o mais proximal à situação do sujeito passivo impugnante, a este cabia, nos termos gerais de direito, o ónus de demonstrar que o critério por si escolhido é o que melhor se adequa à sua situação e organização concreta, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens e/ ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, o mesmo não provocando, nem podendo provocar distorções significativas na tributação – cf. artigos 23/2 do CIVA, 74/1 da LGT e 341.º e 342/1 do Código Civil.

Ora, compulsada a factualidade vertida no probatório, designadamente a constante dos pontos A) a I) e Z) a QQ), não descortinamos nada de decisivo que permita infirmar os pressupostos factuais em que assentou a decisão de não aceitação do critério adoptado pelo sujeito passivo impugnante, ou seja e conforme relatado, “que a empresa ao considerar a área do campo de golf está a assumir que 82% dos gastos comuns com outros bens e serviços (serviços de consultoria e gestão, publicidade, honorários, animação no resort, entre outros) são imputáveis ao campo de golf, o que não corresponde à realidade”.

De resto, nem a análise da prova testemunhal nos permite colher quaisquer factos relevantes que importe levar ao probatório, pois como se referiu, embora a doutrina fiscal assinale ser o método da afectação real o mais preciso na dedução do IVA dos inputs de utilização promíscua, não deixa também de salientar que o mesmo exige um sistema de custeio mais elaborado, sendo certo que nenhum documento contabilístico ou extra contabilístico corrobora e concretiza o que afirmam, de modo vago e genérico, as testemunhas da impugnante.

A sentença recorrida manifestamente incorreu em erro de julgamento quanto ao juízo conclusivo que extraiu da factualidade assente no sentido de que se mostra idóneo (i.e., não provoca distorções significativas na tributação) o critério da área de exploração adoptado pela impugnante e ora Recorrida, salientando-se que a Recorrida não requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do art.º 636.º do CPC.

Legitimada a correcção da AT ao método da afectação real segundo o critério da área de exploração, a AT fez cessar esse procedimento da empresa nos termos do n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, e aplicou na repartição da dedução pelas actividades o método do pro rata, previsto na alínea b) do n.º 1 e n.º 4 do art.º 23.º do CIVA.

Pretende a Mma. Juiz recorrida que a escolha deste método de dedução em detrimento de outros, eventualmente mais proximais, não está justificado pela AT.

Mas salvo o devido respeito, não é a AT que tem de justificar a escolha do método do pro rata que se considera ser a regra geral na dedução dos inputs de utilização mista – nesse sentido, pode ver-se o Acórdão do STA, de 05/25/2011, tirado no proc.º 0169/11.
É o sujeito passivo misto quem tem de demonstrar a inidoneidade desse método dedutivo à situação concreta da sua organização empresarial, ou seja, que a aplicação do pro rata conduz a distorções significativas na tributação, apresentando-se mais proximal o método da afectação real embora eventualmente com recurso a outro critério de repartição ou mediante a imposição de condições especiais.
Ora, a impugnante e ora Recorrida nada demonstrou de decisivo a tal respeito, de modo a poder ver afastada a aplicação oficiosa do método do pro rata à situação concreta da sua organização.
Como assim, a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela insuficiente fundamentação formal do método de dedução aplicado pela AT e que o mesmo se mostra desfasado da realidade e não tem na sua base qualquer averiguação da AT visando apurar a sua justeza material.

Uma última palavra quanto à questão dos ajustamentos. Tratam-se de correcções aos valores declarados reportados aos períodos em causa, ditados pela aplicação do método do pro rata – cf. artigos 20.º e 23.º n.º 4, do CIVA, salientando-se que os custos de imputação directa à actividade (casos em que é exequível estabelecer uma ligação entre a despesa e o rendimento) não estão compreendidas no domínio do que se designa de repartição do imposto residual, aqui em causa.

Quanto ao invocado erro de julgamento da sentença quanto à verificação de duplicação de colecta, vejamos.

Dispõe ao art.º 205º, sob a epígrafe “Duplicação de colecta”:
1 - Haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
2 - A duplicação de colecta só poderá ser alegada uma vez, salvo baseando-se em documento superveniente demonstrativo do pagamento ou de nova liquidação.
3 - Alegada a duplicação, obter-se-á informação sobre se este fundamento já foi apreciado noutro processo e sobre as razões que originaram a nova liquidação.
4 - Para efeitos dos números anteriores, a alegação da duplicação de colecta será de imediato anotada pêlos serviços competentes da administração tributária nos
respectivos elementos de liquidação.

Têm entendido a jurisprudência e a doutrina, de modo uniforme, que a duplicação de colecta só se verifica quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) que esteja pago um tributo;
b) que se exija da mesma ou de diferente pessoa um outro tributo de igual natureza;
c) que tal tributo se refira ao mesmo período de tempo, cf. entre outros, o acórdão do STA, de 18/12/2013, tirado no recurso n.º 01181/12.

Segundo Jorge Lopes de Sousa, “a duplicação da colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta. No entanto, torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma, o que não acontecerá, por exemplo, no caso de liquidações adicionais em que se pretende cobrar um tributo que, indevidamente, não foi liquidado inicialmente.” – cf. “CPPT anotado e comentado”, 6ª edição, 2011, vol. III, pág. 526.

Mais à frente esclarece o mesmo autor que, para que se possa concluir pela duplicação da colecta é essencial que o tributo esteja pago por inteiro, “a referência ao pagamento do tributo por inteiro tem ínsita a exigência de que o tributo devido esteja totalmente pago, o que afasta a possibilidade de invocação da duplicação de colecta quando o tributo apenas está parcialmente pago, na sequência da primeira liquidação, seja porque foi feito o pagamento apenas de parte das prestações, seja porque a primeira liquidação, apesar de estar paga na sua totalidade, não atinge o montante a cobrar em face da segunda liquidação”, cf. pág. 527.

Ora, salvo o devido respeito, o acervo factual constante dos pontos V) a U) do probatório que a sentença indica como decisivo na decisão de julgar verificada a duplicação de colecta, a nosso ver, não ocorre.
Na verdade, as liquidações adicionais de imposto impugnadas (n.º…………, no valor de 899.882,53 Euros relativa ao período de 0912 (Dezembro/2009) e n.º………, no valor de 281.015,51 Euros, relativa ao período de 1012 (Dezembro/2010)), não foram objecto de qualquer reliquidação, como se alcança do ponto X); o que foi objecto de reliquidação foram os valores de reembolso apurados para os períodos seguintes de 1112 e 1212 (ponto V)). Portanto, não há qualquer ilegalidade por duplicação de colecta que afecte as liquidações de imposto impugnadas, pois delas não emerge qualquer dívida que já se encontre integralmente paga.
O que se passa é que por virtude dessas liquidações adicionais originadas na aplicação do método do pro rata, houve que proceder à reliquidação dos valores em conta corrente apurados para os períodos de tributação subsequentes, mas o eventual erro que aqui possa ter ocorrido (por via de regularizações entretanto efectuadas pelo s.p.) não afecta a legalidade das liquidações adicionais impugnadas (cronologicamente e até materialmente anteriores) por duplicação de colecta.
A sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ilegalidade, que sancionou com a nulidade, das liquidações com fundamento em duplicação de colecta.

Quanto aos juros compensatórios peticionados na douta P.I. entendeu a sentença recorrida que não eram liquidáveis ao sujeito passivo impugnante, porquanto o pagamento do imposto não foi retardado por causa imputável à sociedade impugnante. Vejamos.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 35º da LGT, «São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.»
Regra que surge, igualmente, positivada no nº 1 do actual art. 96º (correspondente ao anterior art. 89º) do CIVA: «1. Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária.»
E daqui decorre, desde logo, que para que o sujeito passivo deva juros compensatórios se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto (Cfr. sobre esta matéria o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, 1999, pp. 146 e ss.) e sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa (cfr. ac. do STA, de 18/2/98, rec. n° 22.325) – vd. Ac. do STA (Pleno da Secção do CT), de 01/22/2014, tirado no proc.º 01490/13.

No mesmo sentido, deixou-se consignado no sumário doutrinal do Acórdão do STA (Pleno da Secção do CT), de 01/21/2015, tirado no proc.º 0632/14, que “A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)”.

Como se deixou consignado no Acórdão deste TCA Sul, de 01/12/2010, exarado no proc.º 03177/09, «Os juros compensatórios têm a natureza de indemnização por facto ilícito: o incumprimento de um dever. Ora, a responsabilidade por actos ilícitos tem assento na culpa do causador do dano, segundo o artigo 483.º do Código Civil; esta, nos termos do artigo 487.º deste último diploma, não pode ir além da exigibilidade da diligência do homem médio, ou seja, da diligência reportada ao campo do cumprimento recíproco dos deveres impostos ao devedor e ao credor (ver Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, p. 196) – cf. Duarte Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal, I, 1984, p. 362.
A culpa, como é sabido, consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual – cf. os artigos 487.º, n.º 2, e 799.º, n.º 2, do Código Civil; e Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 110, p. 151.
A culpa, em sentido restrito, traduz-se na omissão da diligência exigível. O agente devia ter usado de uma diligência que não empregou. Devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar, e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse – cf. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 2.ª edição, p. 328.
A culpa exprime um juízo de responsabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo, e a negligência – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, p. 559. Em suma: a culpa, em qualquer das suas modalidades, traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.
Para além da possibilidade da enunciação de um juízo de censura sobre o comportamento decorrente da violação dos deveres de colaboração e de lealdade para com a Administração Fiscal, torna-se necessária ainda a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do contribuinte e o retardamento da contribuição devida – cf., neste sentido, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-5-1989, e de 1-2-1989, no Apêndice ao Diário da República, respectivamente, de 15-5-1991, a p. 691 e ss., e de 12-10-1990, a p. 128 e ss..
Se não estiver demonstrada a culpa do contribuinte, designadamente porque a Administração Fiscal ou terceiro de algum modo concorreram para o atraso na liquidação, não devem ser liquidados juros compensatórios. (fim de cit.).

Antes de mais, convém assentar que no regime actual sendo embora o método do pro rata a regra geral, proceder à dedução pelo método da afectação real é uma opção subjectiva do contribuinte, não tendo de comunicar essa intenção previamente à Administração tributária, como sucedia no anterior regime dedutivo dos s.p. mistos, inexistindo, por conseguinte, qualquer incumprimento de obrigações acessórias de que decorra a ilicitude da conduta.
Outrossim, consta da matéria assente e é repetidamente alegado pela Recorrida que o método adoptado é o que vem sendo seguido pelas empresas do grupo em casos similares.
Por outro lado, note-se, a AT não se limitou a fazer cessar para futuro o método de dedução por afectação real baseado na área de exploração, tendo feito cessar esse método de dedução seguido pelo contribuinte com efeito retroactivo a anos anteriores ao da inspecção tributária.
Neste contexto, tem-se por justificada a conduta da Recorrida, que se limitou a optar pelo método dedutivo que lhe pareceu o mais adequado à situação tributária da sua organização, sem que tal conduta constitua qualquer facto qualificado por lei como ilícito.
Sendo que, por outro lado, não resulta da matéria assente, nem a AT sequer alega, qualquer procedimento seu com base no qual se possa formar um juízo sustentado de censura à actuação da Recorrida na escolha do método de dedução; dito de outro modo, não indica a AT que deveres de colaboração e informação (art.º 59.º da LGT) prestou em tempo à Recorrida, através dos quais se possa afirmar que esta sabia ou devia saber que o método de dedução por si escolhido provocava ou era susceptível de provocar distorções significativas na tributação.
Por conseguinte, não estão reunidos os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, sendo de validar o decidido na sentença recorrida, embora por fundamentos diversos.

Quanto à peticionada dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça, vejamos.
Como se sabe, nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, por um lado, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, por outro, a lisura da conduta das partes e o elevado valor do processo, que é de 1.343.589,16 Euros, justifica-se a dispensa de pagamento de 75% do remanescente de taxa de justiça.


III.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:
(i) Conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial das liquidações de imposto n.º ………….. e n.º…………;
(ii) No mais, negar provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida e anular as liquidações de juros compensatórios n.º……….. e n.º………….

Custas na proporção do decaimento, que fixo em 90% para a Recorrida e 10% para a Recorrente, atendendo aos valores liquidados de imposto e de JC, sem prejuízo da dispensa de pagamento de 75% do remanescente de taxa de justiça, que aproveita a ambas as partes.

Lisboa, 04 de Junho de 2020.

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(Vital Lopes)

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(Luísa Soares)
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(Mário Rebelo)

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(1)4 Cfr. Ac. do TCAN de 31.05.2012, dado no proc. n.º 02324/04.9BEPRT.

(2) Por lapso, constam do probatório da sentença dois pontos Z), mas o que vem impugnado é o que apreciamos por expressa indicação da Recorrente.

(3) Área ocupada; O número de elementos do pessoal afecto a cada actividade; A massa salarial; As horas-máquina; As horas-homem – vd. Ofício-circulado 30130 de 23 de Abril de 2008 do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA.