Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 667/09.4 BELLE |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 07/13/2023 |
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Relator: | LINA COSTA |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO/ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO INDEMNIZAÇÃO EXPROPRIAÇÃO POR SACRIFÍCIO PERÍCIA SEGUNDA PERÍCIA |
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Sumário: | I. Na impugnação da decisão da matéria de facto recorrida têm de ser observados, cumulativamente, os ónus previstos no nº 1 do artigo 640º do CPC; II. A decisão da matéria de facto recorrida deve ainda ser alterada pelo tribunal ad quem se verificado o disposto no artigo 662º do CPC; III. A parte que discorda do relatório de perícia e dos esclarecimentos prestados pelo perito, na sequência de reclamações, pode, nos termos do artigo 487º do CPC, requerer a realização de uma segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento daquele/s, alegando fundamentadamente as razões da sua discordância; IV. Caso o não faça e o juiz concorde com o relatório de perícia, as respectivas conclusões podem ser vertidas nos factos provados; V. Não é de alterar os factos provados no âmbito do recurso interposto pela parte que não requereu a realização de segunda perícia e que os impugna com o fundamento de que reproduzem de forma acrítica o que consta do relatório pericial cujos pressupostos estão errados, sem observar os ónus previstos no artigo 640º e sem que a prova produzida nos autos imponha decisão diversa. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Estado Português, representado pelo Ministério Público, devidamente identificado como Réu nos autos de acção administrativa comum, instaurada por P. – S. G. R., Lda., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 9.3.2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou parcialmente procedente a presente acção, condenando a Entidade Demandada ao pagamento do valor de €16 903 716,22 por expropriação de sacrifício operada pela revisão do POPNSACV, decorrente da cessação de efeitos do acto de licenciamento do loteamento das E. titulado pelo alvará n° ../80 de ......1980 relativamente à operação urbanística denominada U. E., em razão da entrada em vigor em 5.2.2011 do novo Plano de Ordenamento do Parque Nacional do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV), aprovado por Resolução do Conselho de Ministros n° 11-B/2011 de 27.01.2011, publicada no DR, 1ª série n° 25 de 04.02.2011, improcedendo no demais. Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «1. Destinam-se os presentes autos a determinar o valor da indemnização a atribuir à Autora P. a título de responsabilidade pelo sacrifício, nos termos do disposto no art.º 143.º, n.º 4, do RJIGT, pela entrada em vigor do POOC em 2011 que impossibilitou a construção na Urbanização titulada pelo Alvará de Loteamento n.º ../80, situada em Vila do Bispo. 2. Na douta sentença foram provados, entre outros, os seguintes factos: “4. A Autora é proprietária de 188 lotes destinados à construção de moradias unifamiliares e um lote destinado à construção de três blocos, num total de 64 apartamentos, nos termos das certidões emitidas em 2009.09.23 da U. E., sita na freguesia de S., concelho de Vila do Bispo – cfr. doc. n° 4 da PI; 26. O solo dos lotes referidos em 4) tinha, antes de 05 de Fevereiro de 2011, um valor global de €17.084.852,34 – cfr. relatório de perícia e esclarecimento do perito, a págs. 2862 a 3155 e 3219 a 3228 do suporte digital dos autos; 27. Após 05 de Fevereiro de 2011, o solo dos lotes referidos em 4) tinha um valor global de €181.136,12 – cfr. relatório de perícia e esclarecimento do perito, a págs. 2862 a 3155 e 3219 a 3228 do suporte digital dos autos; 28. Em 05 de Fevereiro de 2011 existiam construções nos lotes 34, 35 e 69 [edificadas] e 70, 101, 148, 162 e 225 [inacabadas], sem licença de utilização, e cuja demolição importaria o custo estimado de 179.165,00 € - cfr. esclarecimentos, a págs. 3155 e 3219 a 3228 do suporte digital dos autos.” 3. Estes factos provados foram sustentados no Relatório Pericial efectuado, que mereceu total acolhimento por parte do Sr. Juiz que, transcrevendo-o, tomou como correctos os pressupostos de que partiu o Sr. Perito e as respectivas conclusões. 4. Conforme se determina no art.º 389.º do Código Civil, “a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.”, devendo, consequentemente, ser efectuada uma análise crítica aos relatórios periciais: quer verificando os pressupostos de que se partiu para se chegar às conclusões; 5. No caso presente tal apreciação crítica não foi efectuada, assim incorrendo a sentença em erro. 6. Os pressupostos de que o Sr. Perito partiu para determinar o valor dos lotes de terreno propriedade da A. foram errados. 7. Para avaliar as capacidades construtivas em cada lote, o Sr. Perito “observou o existente nos outros lotes da urbanização, e já edificados (foram os lotes 51, 60, 115, 120 e 212), tendo-se apurado, na medida do possível, as respectivas áreas aproximadas de terreno, e também as construídas, do que resultaram os seguintes valores: (…) média: 0,37”; tal critério carece, contudo, de método científico e de base legal. 8. Até ao ano de 1991 os diplomas que regiam as operações de loteamento não exigiam a indicação das áreas de construção dentro de cada lote, limitando-se a regulamentar a própria operação fundiária de criação de lotes. 9. Assim, para se determinar o índice de construção em cada lote de terreno teria que se seguir o regime de licenciamento de obras particulares em vigor em cada momento em que fosse submetido um pedido de licenciamento: é que, sabendo-se que as regras de construção têm que ser cumpridas e têm que estar estabelecidas, nada se dispondo no Alvará de Loteamento, haveria então que se recorrer supletivamente ao regime dos licenciamentos de obras particulares e seguir as regras ali consagradas. 10. Não se seguindo este raciocínio, estar-se-á a defender que, numa área abrangida por um Alvará de Loteamento, se nele não estivessem definidos os índices admissíveis de construção em cada um dos lotes, não haveria quaisquer regras aplicáveis – o que seria, além do mais, uma clara violação do disposto no art.º 65.º da Constituição da República Portuguesa, que impõe que o Estado garanta um harmonioso planeamento urbanístico, só possível com o estabelecimento de regras claras acerca das possibilidades edificativas em cada parcela de terreno portuguesa. 11. No tocante à aplicação das leis no tempo vigora entre nós o princípio tempus regit actum, que constitui a regra geral de aplicação das leis no tempo, dele decorrendo que “a lei nova é de aplicação imediata” e tem ínsito o princípio da não retroactividade. 12. Com referência ao direito administrativo, ao princípio tempus regit actum é geralmente imputado o sentido de que os actos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respectiva adopção, ou seja, os actos administrativos são apreciados, quanto à sua legalidade, de acordo com os dispositivos do bloco de legalidade aplicável a data da sua prática. 13. Transpondo para o caso presente, verifica-se que se terá que recorrer aos instrumentos de gestão territorial em vigor na data a que se reporta o presente relatório pericial, isto é, 5 de Fevereiro de 2011. 14. Ora, de acordo com o Regulamento do PDM de Vila do Bispo, publicado no DR, 2.ª série, de 16 de Julho de 2008, e em vigor em 2011, os espaços existentes eram divididos em “espaços canais e outras infra-estruturas, espaços urbanos e urbanizáveis, espaços não urbanizáveis e unidades operativas de planeamento e gestão” (cfr. art.º 19.º). 15. Conforme referido pelo próprio Autor, a U. E. situa-se em Zona de Ocupação Turística, cujos índices de ocupação do solo estão definidos no art.º 26.º, devendo os índices construtivos ser calculados de acordo com aquele preceito. 16. Justificou o Sr. Perito as suas opções de cálculo da área de construção na circunstância de ter observado algumas casas existentes na zona e calculado a sua área em função do terreno de acordo com a observação efectuada no local, concluindo que, se foi possível a sua edificação, então seria esse o índice a calcular. 17. É evidente que esse critério nunca poderia proceder porquanto qualquer indemnização que seja calculada deverá sê-lo atendendo à concreta possibilidade de construção na data que foi especificamente considerada. 18. É que, não contendo o Alvará de Loteamento em causa qualquer regra concreta acerca dos índices de construção permitidos, tal cálculo teria que ser efectuado de acordo com os concretos instrumentos de gestão territorial existentes em cada momento – e é evidente que as construções erigidas o poderão ter sido aquando da vigência de instrumento de gestão territorial que admitisse, naquele concreto momento, construções com a dimensão das que foram observadas. 19. De acordo com o Acórdão proferido nos presentes autos pelo TCA e que ditou a necessidade de efectuar uma avaliação para efeitos de atribuição de indemnização, a data a ter em consideração é 5 de Fevereiro de 2011 – e os índices construtivos a ter em atenção terão que ser aqueles permitidos nessa data, ou seja, aqueles que vêm previstos nos instrumentos de gestão territorial em vigor nessa concreta data. 20. Qualquer conclusão de que o índice de construção admitido, em 5 de Fevereiro de 2011, era diferente do indicado no PDM em vigor naquela data viola o disposto no art.º 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações, por referência ao disposto no art.º 69.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14/05, e art.ºs 4.º e 68.º do RJUE. 21. A douta sentença, ao dar como provados os factos acima transcritos, reproduzindo, acriticamente, as conclusões do relatório pericial, viola, ela própria, os preceitos acima referidos (art.º 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações, por referência ao disposto no art.º 69.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14/05, e art.ºs 4.º e 68.º do RJUE.) 22. Ao invés. o Mm.º Juiz a quo, ao se deparar com o Relatório Pericial elaborado, deveria ter decidido que o mesmo partira de premissas erradas e determinado o Sr. Perito a elaborar novo Relatório, desta feita fazendo o cálculo do valor dos lotes de terreno considerando as efectivas e reais capacidades construtivas nos mesmos à luz da legislação em vigor. 23. Ao não o fazer, a sentença proferida ficou inquinada, padecendo dos mesmos vícios de que padece o referido Relatório. 24. A sentença proferida incorre, por conseguinte, em erro ao fundamentar os factos em clara violação do disposto nos artºs 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações, por referência ao disposto no art.º 69.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14/05, e art.ºs 4.º e 68.º do RJUE. Nestes termos e nos demais de direito deve a presente sentença ser revogada, determinando-se a reabertura da audiência por forma a que seja elaborado novo relatório pericial que, para o cálculo do valor dos terrenos em causa, parta dos índices de construção definidos no art.º 26.º do Regulamento do PDM de Vila do Bispo, publicado no DR, 2.ª série, de 16 de Julho de 2008, e em vigor em 5 de Fevereiro de 2011.». A Recorrida, notificada para o efeito, apresentou as seguintes contra-alegações: Assim não se entendendo, XII. Em anexo ao Relatório Pericial consta a fundamentação da avaliação de cada um dos lotes, enunciando-se sempre, para cada um dos lotes o valor antes e o valor depois de 05/02/2011, que é a data do ato ablativo dos direitos urbanísticos, conforme determinado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul. XIII. O Recorrente indica que no Relatório Pericial não se poderia ter considerado o índice de construção de 0,37, procurando erroneamente induzir este Venerando Tribunal na consideração de que o valor do terreno antes de 05/02/2011 teria sido alcançado com base nesse índice de construção – o que não é verdade. XIV. O Relatório Pericial refere esse índice de construção nos pontos 5.2. dos Anexos II a XLVIII; mas o valor considerado para o cálculo do valor dos lotes antes de 05/02/2011 – e julgado provado no Facto Provado 26 – não é o que consta dos pontos 5.2., mas o que consta dos pontos 5.3. Anexos II a XLVIII do Relatório Pericial. XV. A avaliação que consta dos pontos 5.2. dos Anexos II a XLVIII do Relatório Pericial não corresponde à avaliação final a que chegou o Senhor Perito em cada uma das parcelas, pelo que afigura-se irrelevante para esse valor qual o índice de construção adotado no ponto 5.2. dos Anexos II a XLVIII. XVI. A avaliação final de cada uma das parcelas consta dos pontos 5.3. dos Anexos II a XLVIII do Relatório Pericial, os quais, somados, conduzem ao resultado dado como provado no Facto Provado 26. XVII. E quanto a estes pontos 5.3. dos Anexos II a XLVIII do Relatório Pericial, o Recorrente nada diz, não lhes apontado qualquer erro metodológico ou de direito, aceitando o seu conteúdo – assim delimitou o objeto do seu recurso, do que pode mesmo resultar a inutilidade do recurso interposto. XVIII. Pelo que o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento ao julgar o Facto Provado 26. XIX. Acresce que o Recorrente não identifica que concretos parâmetros do PDM de Vila do Bispo que seriam aplicáveis ou, sequer, alega ou demonstra que o valor alcançado no Relatório Pericial teria sido diferente caso se adotassem tais parâmetros. XX. Por outro lado, o que releva para efeitos da perícia é a capacidade edificativa dos lotes antes da entrada em vigor do POPNSACV, a qual se afere, não com base nos instrumentos de gestão territorial em vigor em 2011, mas com base no alvará de loteamento e nos instrumentos de gestão territorial em vigor à data da emissão daquele alvará e que conformaram a emissão do mesmo alvará. XXI. Nada se especificando no alvará de loteamento em termos de parâmetros de edificabilidade e não existindo qualquer instrumento de gestão territorial aplicável à data da emissão do alvará de loteamento, as únicas condicionantes à edificabilidade nos lotes seriam as resultantes do requerimento do particular, nomeadamente peças desenhadas, decisões e informações constantes do processo de loteamento e/ou das normas legais aplicáveis, nomeadamente do RGEU (devidamente invocado e ponderado no Relatório Pericial). XXII. O próprio PDM de Vila do Bispo de 2008 assim o determina no seu artigo 23.º, n.º 4, ao estipular que os espaços objeto de projetos de loteamento com aprovação municipal ou alvará emitido — como sucede com os lotes em causa nos autos — classificam-se como “áreas de compromisso urbanístico”, valendo nas mesmas os compromissos resultantes dos respetivos atos de licenciamento constitutivos de direitos. XXIII. O Recorrente alega que o Senhor Perito não poderia ter considerado as demais construções, mas sim o que resultasse do PDM em vigor desde 2008; contudo, o Recorrente não alega em que data foram construídos os imóveis considerados pelo Senhor Perito, não se sabendo no processo se foram construídos antes ou depois de 2008, pelo que também por esta via inexiste erro de julgamento da matéria de facto. XXIV. A aplicar-se o PDM de 2008 – o que apenas por cautela de patrocínio se admite, sem conceder –, seria aplicável o disposto no artigo 25.º, n.º 1, alínea b), relativo a áreas de expansão urbanas, que prevê um índice de construção de 0,5 nos empreendimentos turísticos. XXV. Não se especificando índices de construção aplicáveis a moradias e a edifícios de habitação coletiva, terá de entender-se que o índice de construção ali previsto constitui uma média, média essa que corresponde à média dos índices utilizados nos pontos 5.2. dos Anexos II a XLVIII do Relatório Pericial (0,37 para as moradias e 0,68 para apartamentos). XXVI. Caso fosse procedente a tese do Ministério Público no recurso interposto, chegar-se-ia a uma situação de absoluta incompatibilidade com o alvará de loteamento a que se refere o Doc. 5 da petição inicial, v.g. quanto ao lote de terreno para construção de apartamentos, dado que o artigo 26.º do PDM de 2008 indica que estabelecimentos hoteleiros (dir-se-ia prédios) “não poderão ter uma altura superior a 8 m e um máximo de 2 pisos”, o que, manifestamente, é incompatível com o direito conferido pelo alvará de loteamento de construir 64 apartamentos. XXVII. Em qualquer caso, dir-se-á ainda, quanto à alegada aplicabilidade do artigo 26.º do regulamento do PDM de 2008, que o Recorrente desconsidera em absoluto o respetivo n.º 2: “[o] regime de uso, ocupação e transformação do solo nas áreas identificadas como ZOT é o decorrente dos respectivos títulos jurídicos de autorização dos empreendimentos”. XXVIII. E que os parâmetros que cita no seu recurso – constantes do artigo 26.º, n.º 3, apenas se aplicam a alterações aos títulos existentes, o que não é o caso. XXIX. Acresce que os índices que constam do artigo 26.º, n.º 3, do PDM de 2008 – que o Recorrente pretende que fossem aplicáveis – são os resultantes do despacho conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do território e do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 3, de 5 de Janeiro de 1993, despacho esse que, é inconstitucional. XXX. Nesse sentido se pronunciou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 16 de junho de 1996 (cfr. http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf//3de4e17ed64307358025829700366f28?OpenDocum ent&ExpandSection=2). XXXI. Em suma, os parâmetros definidos no artigo 26.º do PDM de Vila do Bispo de 1998 não só decorrem de um despacho/regulamento inconstitucional, como em qualquer caso, não teriam, atenta a sua natureza provisória e supletiva qualquer aplicação ao caso em análise. XXXII. O que é suficiente para concluir que, também por essa razão, não tinham que ser considerados na avaliação levada a cabo pelo Senhor Perito ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 26.º do Código das Expropriações. XXXIII. Pelo que, não pode deixar de entender-se que os pressupostos de que partiu o Sr. Perito, foram os mais corretos e os únicos passáveis de ser considerados atendendo a que se trata de um loteamento datado dos anos 80, época em que inexista o quadro de instrumentos de gestão territorial existentes aos dias de hoje. XXXIV. Inexiste, pois, qualquer erro de julgamento que tenha sido incorrido pelo Tribunal a quo. Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso ser rejeitado ou, assim não se entendendo, deve o mesmo ser julgado improcedente por a sentença recorrida não padecer do vício do que lhe vem assacado, a qual deve ser integralmente mantida, assim se fazendo Justiça.». Com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos o processo vem à Conferência para julgamento. As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em saber se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento de facto por o relatório do perito ter sido reproduzido nos factos provados de forma acrítica, quando o juiz a quo devia ter decidido que o Relatório Pericial elaborado partira de premissas erradas e determinado ao Sr. Perito a elaboração de novo relatório, calculando o valor dos lotes de terreno considerando as efectivas e reais capacidades construtivas do mesmo à luz da legislação em vigor, não o tendo feito, o tribunal recorrido fundamentou os factos em violação do disposto no artigo 26º, nº 1 do Código das Expropriações, por referência ao artigo 69º do Decreto-Lei nº 80/2015, de 15 de Maio e artigos 4º e 68º do RJUE. 1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à promoção imobiliária, adquirindo e vendendo prédios, aprovando projectos e construindo infra-estruturas ou edifícios, vendendo os terrenos, lotes, apartamentos ou moradias e realizando as mais-valias inerentes à sua actividade – cfr. doc. n° 1 da PI; 2. Em 1999.03.16 foi lavrado o Auto de Recepção Definitiva requerido pela Autora 'referente às obras de infra-estruturas, do Loteamento Urbano sito em E. – S. e no qual se pode ainda ler designadamente que "aos dezasseis dias do mês de Março de mil novecentos e noventa e nove, compareceram no local da obra acima referida os (...) representantes da Câmara Municipal de Vila do Bispo (...) a fim de proceder à vistoria das obras de infraestruturas do loteamento, tendo verificado que as mesmas se encontram convenientemente executadas" – cfr. doc. n° 2 da PI; 3. Data de 2008.10.17 o Memorando de Entendimento entre o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e o Município de Vila do Bispo – cfr. doc. n° 3 da PI; 4. A Autora é proprietária de 188 lotes destinados à construção de moradias unifamiliares e um lote destinado à construção de três blocos, num total de 64 apartamentos, nos termos das certidões emitidas em 2009.09.23 da U. E., sita na freguesia de S., concelho de Vila do Bispo – cfr. doc. n° 4 da PI; 5. Em 1980.03.24 foi emitido o Alvará de Loteamento n° ../80, pela Câmara Municipal de Vila do Bispo em nome da S. P. I. Limitada que foi sucessivamente prorrogado – cfr. doc. n° 5 da PI; 6. Pelo despacho de 1994.05.03 do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, foi declarada a compatibilidade do Alvará de Loteamento e de Obras de Urbanização n° …/80, emitido pela Câmara Municipal de Vila do Bispo, em 1980.03.24, com o Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve – cfr. doc. n° 6 da PI; 7. Data de Setembro de 2009 o Relatório de Avaliação Imobiliária “U. E.” referindo como proprietária a Autora – cfr. doc. n° 7 da PI; 8. Pelo ofício de 2009.03.17, J. S. C. informou o Senhor Primeiro Ministro de Portugal do seguinte: "Venho por este meio exercer o meu direito de petição perante V. Exa., nos termos que seguem juntos, relativamente às medidas preventivas adoptadas para a área dos E., que tenho por ilegais além de gravemente lesivas para os meus direitos. Nesta conformidade, acompanha a minha petição um parecer jurídico de um Professor de Direito, reconhecido especialista nesta matéria, bem como relatório elaborado por avaliador oficial" – cfr. doc. n° 8 da PI; 9. Em 2009.03.13 foi elaborado pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade o “Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina - 3a Fase - Proposta de Ordenamento' – cfr. doc. n° 9 da PI; 10. Em Março de 2009 foi elaborado pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade o “Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina - 3a Fase - Proposta de Ordenamento, Programa de Execução” – cfr. doc. n° 10 da pi e cfr doe[sic] n° 4 junto a fls 776 e seguintes; 11. Pelo oficio de 2007.10.22, o Presidente do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade envia ao Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente, a Informação n° 510/07 PNSACV de 2007.10.15 – cfr. doc. n° 1 da contestação; 12. Na Acta de Reunião de 2009.05.26 que teve lugar no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), em Odemira, pode ler-se designadamente que a Ordem dos Trabalhos versou sobre "Abertura da reunião; Análise e Discussão do Parecer Final; Assinatura do Parecer Final e Outros Assuntos" – cfr. doc. n° 2 da contestação; 13. Em 2009.07.06 teve lugar a “Reunião de concertação com a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) sobre o Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, prevista pelo art° 47°, número 4 e art° 32° do DL 380/1999 de 22 de Setembro com a nova redacção que lhe foi dada pelo DL 46/2009 de 20 de Fevereiro” – cfr. doc. n° 3 da contestação; 14. Do Plano Sectorial da Rede Natura 2000, inserem-se no “5140 Formações de Cistus palhinhae em charnecas marítimas” – cfr. doc. n° 4 da contestação; 15. Data de Janeiro de 2006 o Plano Sectorial da Rede Natura 2000, em que nos Sítios de Lista Nacional, integra o 'Sítio da Costa Sudoeste' – cfr. doc. n° 5 da contestação; 16. Do Plano Sectorial da Rede Natura 2000, insere-se nas 'Zonas de Protecção Especial' a Costa Sudoeste – cfr. doc. n° 6 da contestação; 17. A Resolução do Conselho de Ministros n° 13/2010, de 2010.01.28, foi publicada no Diário da República, 1 Série, n° 27, de 2010.02.09 – cfr. doc. n° 1 junto a fls 776 e seguintes; 18. O Aviso n° 2497/2010, de 2010.01.28, publicado no Diário da República, II Série, n° 24, de 2010.02.04 refere que "a partir do dia 18 de Março de 2010 e até 30 de Abril de 2010 fica patente para Discussão Pública, nos seguintes locais, o Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (...)" – cfr. doc. n° 2 junto a fls 776 e seguintes; 19. Data de Março de 2010 o 'Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina — Proposta de Revisão — Discussão Pública - Regulamento' – cfr. doc. n° 3 junto a fls 776 e seguintes; 20. Data de Março de 2009 o "Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina - Avaliação Ambiental Estratégica" – cfr. doc. n° 5 junto a fls 776 e seguintes; 21. Data de Março de 2010 o 'Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina - Fase 3 - Proposta de Ordenamento, Relatório do Plano, Discussão Pública” – cfr. doc. n° 6 junto a fls 776 e seguintes; 22. Em 2010.04.28, em sede de discussão pública, a Autora pronunciou-se sobre o “Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina” – cfr. doc. n° 7 junto a fls. 776 e seguintes. 23. Pela Resolução do Conselho de Ministros n° 19/2008 de 17.01.2008, publicada no DR, Iª série n° 24 de 04.02.2008 foram sujeitas a medidas preventivas pelo prazo de dois anos as áreas, entre outras, das E. no concelho de Vila do Bispo e, pelo mesmo prazo, suspenso o Plano de Ordenamento do Parque Nacional do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV), aprovado pelo DR 33/95, 11.12, alterado pelo DR 9/99, 15.06. 24. Pela Resolução do Conselho de Ministros n° 13/2010 de 28.01.2010, publicada no DR, 1ª série, n° 27 de 09.02.2010 e entrada em vigor em 10.02.2010, foi prorrogado por um ano o prazo de vigência das medidas preventivas para as áreas referidas em 23); 25. Pela Resolução do Conselho de Ministros n° 11-B/2011de 27.01.2011, publicada no DR, P série n° 25 de 04.02.2011, na sequência de procedimento de revisão, foi aprovado o novo Plano de Ordenamento do Parque Nacional do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV), entrado em vigor em 05.02.2011; 26. O solo dos lotes referidos em 4) tinha, antes de 05 de Fevereiro de 2011, um valor global de €17.084.852,34 – cfr. relatório de perícia e esclarecimento do perito, a págs. 2862 a 3155 e 3219 a 3228 do suporte digital dos autos; 27. Após 05 de Fevereiro de 2011, o solo dos lotes referidos em 4) tinha um valor global de €181.136,12 – cfr. relatório de perícia e esclarecimento do perito, a págs. 2862 a 3155 e 3219 a 3228 do suporte digital dos autos; 28. Em 05 de Fevereiro de 2011 existiam construções nos lotes 34, 35 e 69 [edificadas] e 70, 101, 148, 162 e 225 [inacabadas], sem licença de utilização, e cuja demolição importaria o custo estimado de 179.165,00 € - cfr. esclarecimentos, a págs. 3155 e 3219 a 3228 do suporte digital dos autos; * Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão. * A convicção do Tribunal baseou-se na prova documental e pericial constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, que se dá por integralmente reproduzida, bem como das publicações em Diário da República antes referidas.».A análise do recurso pressupõe uma prévia resenha do que, de relevante, sucedeu na tramitação desta acção. Assim, A Recorrida instaurou a presente acção, formulando os seguintes pedidos: «a) julgar a presente acção procedente, por provada, e em consequência, reconhecer o direito validamente adquirido pela Autora a edificar nos terrenos dos autos; b) condenar o RÉU a pagar à Autora a indemnização no valor de €2.263.832,20, correspondente à impossibilidade de aplicação financeira do preço que teria sido obtido com a venda dos lotes de terreno em 2008; c) condenar o Réu a pagar à Autora o valor correspondente à depreciação, entre 2008 e 2010, dos lotes de terreno em causa, no montante de € 2.435.000,00 caso as medidas preventivas cessem no termo do seu prazo inicial e seja restabelecida a faculdade de edificar, ou no montante que venha a ser liquidado em execução de sentença, caso esse pressuposto não se verifique em 2010; d) condenar o Réu a abster-se de determinar a caducidade ou a alteração da licença de loteamento e do direito a edificar de que beneficia a Autora, no quadro da revisão do plano de ordenamento do PNSACV, ou, tendo esse facto ocorrido entretanto, indemnizar a Autora pela totalidade do valor de mercado correspondente aos lotes de terreno em 2008 (€ 24.350.000,00); e) subsidiariamente, ao abrigo do disposto nos artigos 62° da CRP, 16.° do RRCEE e 143.° do RJIGT, condenar o Réu a indemnizar a Autora pelos danos decorrentes da suspensão e do sacrifício do direito a edificar - decorrentes, respectivamente, das medidas preventivas decretadas e da revisão do plano de ordenamento do PNSACV nos montantes a fixar em execução de sentença, caso os referidos actos jurídicos venham a ser considerados lícitos.», Após a fase dos articulados, foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador, determinada a notificação das partes para alegações, a A. apresentou articulado superveniente relativo a alteração da causa de pedir e dos pedidos c) e d) e alegações finais, o R. apresentou alegações finais, a A. apresentou novo articulado superveniente, e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, No recurso jurisdicional interposto pela A. dessa decisão, este Tribunal em decisão sumária e em acórdão, de 15.3.2018, na sequência de reclamação para a conferência daquela, decidiu conceder parcial provimento ao mesmo e: «julgar improcedente o recurso quanto ao pedido de indemnização por facto ilícito (…) e, na revogação da sentença proferida, julgar procedente o pedido de indemnização por expropriação de sacrifício operada pela revisão do POPNSACV, ordenando a baixa dos autos ao Tribunal a quo para prosseguimento da instância mediante os actos processuais julgados necessários i. à determinação do quantum indemnizatório pela expropriação de sacrifício decorrente da cessação de efeitos do acto de licenciamento do loteamento das E. titulado pelo alvará n° ../80 de 24.03.1980 emitido em nome da ora Recorrente P. — S. G. R. Lda pela ora Recorrida Câmara Municipal de Vila do Bispo relativamente à operação urbanística denominada U. E. ii. em razão da entrada em vigor em 05.02.2011 do novo Plano de Ordenamento do Parque Nacional do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV) aprovado mediante Resolução do Conselho de Ministros n° 11-B/2011de 27.01.2011, publicada no DR, 1' série n° 25 de 04.02.2011.», Em cumprimento do julgado, o juiz a quo determinou, por despacho, que, no «“tocante à determinação do montante da indemnização indevida”, em harmonia com o consignado no douto Acórdão, concatenado com o estatuído no artº 171º do Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de Maio, que aprovou a revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, constante do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, será efectuado por perito, à luz do preceituado no nº 1 do artº 467º do CPC.», Ouvidas as partes foi nomeado o perito, o Sr. Engenheiro J. F., e definido o objecto da perícia: «Qual o valor da indemnização por expropriação de sacrífício, em virtude da revisão do POPNSACV que entrou em vigor em 2011.02.05 e que lesou o direito da Autora de edificar nos termos do Alvará nº ../80, tomando em consideração o valor de mercado correspondente aos 188 lotes de terreno destinados à construção de moradias unifamiliares e 1 lote destinado à construção de 3 blocos, num total de 64 apartamentos, dos quais é proprietária, sitos na U. E., freguesia de S., concelho de Vila do Bispo?», Após pronúncia das partes, o juiz a quo reformulou o objecto da perícia, em conformidade com o aduzido pelo R./recorrente, nos seguintes termos: «Apurar qual o valor da indemnização por expropriação de sacrifício, calculado de acordo com os critérios constantes dos artsº 23º a 26º do Código das Expropriações para a expropriação pelo sacrifício e por referência à data da entrada em vigor do POPNSACV, em 2011.02.05, que impediu a edificação nos termos do Alvará nº ../80 nos 188 lotes de terreno destinados à construção de moradias unifamiliares e 1 lote destinado à construção de 3 blocos, num total de 64 apartamentos, sitos na U. E., freguesia de s., concelho de Vila do Bispo -, designadamente: - qual o valor dos solos, calculado nos termos referidos, antes de 05/02/2011; - qual o valor dos solos, calculado nos mesmos termos, em 05/02/2011, após a entrada em vigor do POPNSACV.», A A. interpôs recurso desta decisão com o fundamento de que a mesma impôs uma limitação ao objecto da pericial, que foi admitido, subiu em separado, e não obteve provimento. Do Relatório de Perícia apresentado nos autos extrai-se: «Resposta: Conforme justificações que constam no Anexo I e seguintes, o valor dos solos dos lotes em causa, em 2011, e antes do impedimento de edificação, é de 17.084.852,34 €. // (…) // Resposta: Conforme justificações que constam no Anexo I e seguintes, o valor dos solos dos lotes em causa, em 2011, e após o impedimento de edificação, é de 181.136,12 €.», Notificadas para o efeito, as partes apresentaram reclamações do Relatório que antecede. O R. considerou que as respectivas conclusões não se encontram devidamente fundamentadas, «// Na verdade, na explicitação dos critérios que estiveram na base dos cálculos efectuados para o estabelecimento do valor dos terrenos reportado quer ao período que antecedeu a aprovação do POOC, quer ao período subsequente, o Sr. Perito baseou-se em premissas que, salvo o devido respeito, não encontram respaldo nem nos regulamentos existentes, nem na própria realidade de mercado. Assim: 1. No anexo XLIX o Sr. Perito afirma que, por o alvará de loteamento não ter expressos os índices de construção para cada lote, calculou aquele índice fazendo um cálculo aproximado em relação às demais construções existentes em lotes da zona – assim encontrando o valor de 0,37 de índice para as moradias e 0,68 para os apartamentos. Tal parece-nos, salvo o devido respeito, uma premissa errada. Como sabemos, a gestão territorial está primordialmente atribuída aos municípios cabendo-lhes, através de instrumentos de gestão territorial, definir os termos em que o solo poderá ser utilizado e, portanto, os termos em que o mesmo poderá ser urbanizado. No caso de loteamentos em que não estejam estabelecidos índices de construção dever-se-á lançar mão, portanto, dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis naquela área – vd. Fernanda Paula Oliveira e outros, em RJUE Comentado. Ora, de acordo com o Regulamento do PDM de Vila do Bispo, publicado no DR, 2.ª série, de 16 de Julho de 2008, e em vigor em 2011, os espaços existentes eram divididos em “espaços canais e outras infra-estruturas, espaços urbanos e urbanizáveis, espaços não urbanizáveis e unidades operativas de planeamento e gestão” (cfr. art.º 19.º). Por seu turno, os espaços urbanos e urbanizáveis “integram os espaços urbanos e suas áreas de expansão, zonas de ocupação turística e equipamentos”. O art.º 25.º do Regulamento define os índices de construção aplicáveis às áreas urbanas e áreas de expansão. Verificando-se a zona em que a U. E. está localizada chegamos rapidamente à conclusão que se trata de uma área de expansão de Sagres. Deveremos, portanto, socorrer-nos dos índices ali previstos. Ora, as áreas de expansão de Sagres tinham um índice de construção de 0,3 para o caso de moradias. Deve, portanto, ser este o índice a partir do qual quaisquer cálculos podem ser feitos, por ser o único que tem fundamento legal. De igual forma ter-se-á que recorrer aos índices previstos no mesmo preceito para a construção de apartamentos – que, no caso, seria de 0,4, ao invés do índice de 0,68 encontrado pelo Sr. Perito. 2. No anexo L o Sr. Perito refere que, para apurar os valores de referência de mercado se socorreu de preços de venda anunciados em agências imobiliárias, fazendo depois uma correcção considerando que o preço de venda é, e[sic] média, inferior ao anunciado. Tal opção parece-nos, salvo o devido respeito, pouco sustentada. Assim, ao invés de recorrer aos preços anunciados, deveria o Sr. Perito recorrer aos preços a que foram efectivamente transaccionados lotes de terreno que se situem em zona aproximada. Mais exacto seria, no entanto, recorrer a documentos representativos das transacções efectuadas referentes aos lotes existentes naquela Urbanização e nos quais foram efectivamente implantadas casas – porquanto, no momento da transacção, ainda era possível construir (sem prejuízo das actualizações a serem necessariamente efectuadas para apurar o valor de 2011). Por outro lado, e reportando-nos aos preços de 2011, não podemos olvidar que estávamos em plena crise do imobiliário, após a hecatombe ocorrida em 2008, e os preços terão, evidentemente, que reflectir essa realidade. Repare-se que, de acordo com estatísticas oficiais, como, por exemplo, do Eurostat, consultáveis quer na sua própria página, quer em periódicos nacionais, entre os anos de 2007 e 2013 os preços caíram em Portugal 21%, tendo depois aumentado de forma atípica e recuperado essa perda (por exemplo, vd. https://visao.sapo.pt/imobiliario/2019-0422-precos-das-casas-ja-refletem-impacto-de-uma-decada-de-inflacao/,https:// appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=prc_hpi_a&lang=en,). Com isto pretendemos demonstrar que os aumentos de preços não foram lineares e que, retrocedendo de forma linear como efectuou o Sr. Perito, não se está, seguramente, a encontrar o preço verdadeiro a que eram transaccionados os terrenos para construção à data de 2011, período de forte contracção económica e único relevante para a presente acção. Por outro lado, os preços agora praticados em terrenos que estão à venda reflectem a circunstância de ter sido criado um Parque Natural e de não ser permitida a construção massificada naquela área. Ou seja, a mesma circunstância que impede que a Autora promova a construção pretendida é a que determina os elevados preços estabelecidos para terrenos na área. Ora, da análise dos critérios utilizados pelo Sr. Perito não resulta que todas estas circunstancias tenham sido evadas[sic] em linha de conta no estabelecimento do preço por metro quadrado, o que revela um erro e uma incorrecção de base de cumpre suprir. Desta forma, deverá a reclamação ora apresentada ser atendida, seguindo-se o procedimento consagrado no art.º 485.º, n.º 3, do CPC.», Após contraditório da parte contrária e notificado para o efeito, o Sr. Perito apresentou “Esclarecimentos ao Relatório de Perícia”, dos quais se extrai relativamente à reclamação do R./recorrente o seguinte: «- Relativamente ao exposto no ponto 1 (índices de construção). Resposta: Os índices de construção que o Réu indica são aplicáveis a espaços urbanizáveis, o que não é o caso, pois trata-se de um espaço já urbanizado. Os índices utilizados para os lotes destinados à construção de moradias foram calculados com base nas áreas das construções existentes nos lotes adjacentes e semelhantes na mesma urbanização, partindo do princípio de que, se existem e estão legalizados, é porque foi permitido, e o que foi permitido a uns, seria permitido aos outros, tendo-se calculado os índices como se indicou no ponto 2 do Anexo XLIX. No lote destinado à construção de 64 apartamentos o índice foi calculado como se justificou no ponto 3 do Anexo XLIX, sendo ainda de referir que, se fosse utilizado o índice indicado pelo Réu, a área de construção a utilizar para os 64 apartamentos seria de 0,4 x 4.110 = 1.644 metros quadrados, resultando numa área de 25 m2 para cada apartamento, o que seria incongruente, pois um apartamento tem de ter uma área mínima de 35 m2 (nº 1 do artº 67º do RGEU). Assim, entende-se que os índices utilizados foram os mais corretos e aplicáveis aos casos em análise. - Relativamente ao exposto no ponto 2 (valores de mercado e atualização de preços). Resposta: O procedimento e a metodologia seguidos na determinação dos valores de mercado são os correntes em avaliação imobiliária: pesquisa de mercado, seleção de amostras representativas, e homogeneização, sendo desta forma que a generalidade das avaliações de imóveis são feitas. Relativamente à utilização de valores reais das transações, esses dados não estão acessíveis aos peritos avaliadores com a quantidade e qualidade de informação necessária para se fazer a comparação, não sendo portanto utilizáveis. Relativamente ao mecanismo de atualização de preços, foram utilizados os índices disponíveis mais fiáveis de que se tem conhecimento, entendendo-se ser o cálculo efetuado o mais correto, pois utilizou índices mensais, relativos ao mesmo produto imobiliário, para as duas datas em causa.», Em 26.11.2020 foram as partes notificadas dos referidos esclarecimentos. Em 9.3.2021 foi proferida a sentença que julgou provados, entre outros, os factos 4., 26., 27. e 28., e condenou o Recorrente no pagamento do valor de €16 903 716,22 por expropriação de sacrifício. Da referida sentença foi interposto o recurso agora em análise. Alega o Recorrente, em síntese, que: o tribunal a quo errou ao dar por provados os factos 4., 26., 27. e 28., transcritos do teor do Relatório Pericial apresentado, sem apreciação crítica dos pressupostos de que partiu o Sr. Perito para determinar o valor dos lotes de terreno propriedade da Recorrida; pressupostos que estão errados, pois, para avaliar as capacidades construtivas em cada lote, este observou o existente nos outros lotes da urbanização e já edificados, apurando as respectivas áreas de terreno e também as construídas, de que resultou a média [do índice construtivo] de 0,37; quando, nada dispondo o Alvará de licenciamento, deveria ter seguido supletivamente o regime de licenciamento de obras particulares aplicável; de acordo com o princípio do tempus regit actum; ou seja, o Sr. Perito deveria ter-se socorrido do Regulamento do PDM de Vila do Bispo de 2008, em vigor em 2011, e que consagra que os espaços existentes eram divididos em “espaços canais e outras infra-estruturas, espaços urbanos e urbanizáveis, espaços não urbanizáveis e unidades operativas de planeamento e gestão” (cfr. artigo 19º); porque a U. E. se situa em Zona de Operação Turística, cujos índices de ocupação do solo estão previstos no artigo 26º, os índices construtivos devem ser calculados de acordo com aquele preceito e não por referência a construções erigidas que poderia ter sido licenciadas ao abrigo de outro instrumento de gestão territorial; assim, qualquer conclusão de que o índice de construção admitido em 5.2.2011 era diferente do indicado no referido PDM viola o disposto no artigo 26º do Código das Expropriações, por referência ao disposto no artigo 69º do Decreto-Lei nº 80/2015, de 15 de Maio, e artigos 4º e 68º do RJUE; a sentença recorrida, ao dar por provados os factos referidos, viola estas normas; o juiz a quo deveria ter decidido que o Sr. Perito partiu de premissas erradas e determinado a este que elaborasse novo relatório, efectuando o cálculo do valor dos lotes de terreno considerando as efectivas e reais capacidades construtivas dos mesmos à luz da legislação em vigor; termina, pedindo a revogação da sentença recorrida, a determinação de que seja reaberta a audiência e elaborado novo relatório pericial com os pressupostos correctos, a saber, os índices de construção definidos no artigo 26º do RPDM de Vila do Bispo de 2008. Donde, ainda que não o alegue de forma expressa o Recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto da sentença recorrida, mormente os factos provados 4., 26., 27. e 28., transcritos do Relatório Pericial, por o juiz a quo não ter efectuado uma apreciação crítica dos pressupostos e conclusões do mesmo, dado que, se o tivesse feito, teria concluído que estão errados e teria determinado a elaboração de novo relatório, de acordo com as premissas certas, que teriam conduzido a outras conclusões e a outros factos. Dispõe o nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: Independentemente do que a decisão da matéria de facto recorrida deve ser alterada pelo tribunal ad quem se verificado o disposto no artigo 662º do CPC. Suportando o Recorrente toda a sua alegação no suposto erro do juiz a quo na apreciação da prova pericial e na consequente decisão [e fundamentação] dos factos provados – que, pelas razões expendidas, não logrou demonstrar -, nada mais se impõe a este Tribunal apreciar, tendo o recurso necessariamente que improceder. Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica. Custas pelo Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 13 de Julho de 2023. (Lina Costa – relatora) (Catarina Vasconcelos) (Rui Pereira) |