Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00219/04
Secção:CT- 2.º Juízo
Data do Acordão:11/23/2004
Relator:José Gomes Correia
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DUPLICAÇÃO DE PROCESSOS
Sumário:I).- Tendo uma primeira decisão sido declarada nula por motivos processuais, ao proferir-se nova decisão sobre a mesma matéria não se verifica qualquer violação do principio non bis in idem já que decisão é apenas uma, pois a primeira não subsiste no mundo jurídico.

II).- Na situação dita em I):- há uma só resolução que desencadeou uma actividade homogénea -a contra-ordenação é única, embora por razões de forma tenha originado duas decisões, tendo a primeira desaparecido da ordem jurídica, pelo que, declarada nula a primeira decisão, há caso julgado ou resolvido, sob pena de se violar o princípio constitucional do "non bis in idem" que tem assento no artigo 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

III)- Assim, não se verifica nenhuma duplicação de processos: o processo continua a ser o mesmo, obviamente com o mesmo número e acerca da mesma infracção e o recurso contra a decisão de aplicação da coima tem os fundamentos do primeiro ainda que visando a segunda decisão.

IV)- Mas, tendo a sentença ignorado a segunda decisão de aplicação da coima não conheceu das questões levantadas pela arguida, relativamente à nova decisão administrativa produzida.

V)- Ao apreciar a primeira decisão, que havia sido revogada, o tribunal decidiu questão de facto diversa da constante da decisão de aplicação da coima, ao mesmo tempo que deixou de se pronunciar sobre questões que lhe foram colocadas e que devia conhecer, sendo o despacho judicial recorrido nulo, nos termos do art. 379°, n° l, als. b) e c) e art. 380°, n° 3, ambos do CPP.

VI)- E o regime das nulidades no processo de contra-ordenação tributário se rege pelo disposto no RGIT e no RGCO, sendo ainda subsidiariamente aplicável o CPP, por força do preceituado na al. b) do n° 3 do RGIT e n° l do art. 41° do ROGO, pelo que, tendo sido invocada uma nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, era a mesma do conhecimento oficioso, nos termos do artº. 63°, n° 5 do RGIT.

VII)- Consequentemente, por força do disposto no art. 122° do CPP, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os actos que dele dependerem e aquelas puderem afectar; declarada a nulidade, o acto inválido deve ser repetido, sempre que necessário e possível, assim como devem ser aproveitados todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela. Incumbia pois, à autoridade tributária, que revogou o acto, efectuar, como efectuou, a sua repetição.

IX)- Nunca poderia, assim, ser procedente a argumentação da arguida, segundo a qual os actos nulos não são susceptíveis de revogação, baseada na aplicação do disposto no CPA, diploma que não tem aplicação subsidiária ao ilícito contra-ordenacional, conforme decorre do disposto no art. 3° do RGIT.

X)- Os requisitos legais da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa são os enunciados no citado artigo 79 do RGIT, e, a sua falta constitui nulidade insuprível, nos termos da al. d) do n.° l do art. 63° do RGIT, que tem como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo (cfr. n.° 3 do art. 63 do RGIT), nulidade essa que, sendo do conhecimento oficioso, pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. n.° 5 do art. 63 do RGIT.

XI)- Vendo-se da questionada decisão que ela se fundamentou em que a arguida enviou ao SAIVA, no prazo legal, a declaração periódica relativa ao mês de Janeiro de 2002 sem o correspondente meio de pagamento do imposto na importância de 14.923,02 Euros e que, ao fazer a graduação da coima, a entidade administrativa indicou e fundamentou concretamente quais os elementos determinantes para a fixação do respectivo montante, quais fossem: mera negligência; efectivo prejuízo para a F.N., consubstanciado no montante de IVA que deixou de entrar nos cofres do Estado, carácter acidental e dimensão económica da arguida; para além disso também se indicou na decisão a data do termo do prazo do cumprimento da obrigação, bem como a data do cumprimento da obrigação, o mesmo acontecendo quanto às normas punitivas.

XII)- Da situação descrita em XI)-, decorre que a decisão que aplicou a coima contém de forma suficiente os elementos de facto, com indicação temporal da conduta omissiva do ora recorrente bem como indicação do montante do imposto em falta, pelo que a descrição aí feita satisfaz falado requisito

XIII)- Sendo aplicada coima por infracção ao disposto no art. 26.°, n.° l, do CIVA, ou seja por falta de remessa com a declaração periódica do montante do imposto exigível, independentemente da situação credora que se apresentasse a favor da arguida , a infracção verificou-se, pois, não se trata de imposto cujo pagamento fosse ela a suportar, antes tendo cobrado o mesmo dos seus clientes para entregar nos cofres do Estado, motivo por que se não fez essa entrega é porque deu outro destino ao respectivo montante, que estava à sua guarda.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo :
1. – Inconformada com a decisão que julgou procedente a excepção dilatória que consiste na nulidade da decisão de aplicação da coima e, consequentemente, absolveu a arguida da instância, não conhecendo do mérito da causa nos autos em que foi aplicada uma coima recorreu à arguida M...Pre– Fabricados e Mobiliário Urbano, AS, dela recorre, com os sinais dos autos, a EXCELENTÍSSIMA PROCURADORA DA REPÚBLICA, para o que apresentou as alegações em que conclui:
1a. O despacho judicial sob recurso julgou procedente a excepção dilatória que consiste na nulidade da decisão de aplicação da coima proferida a fls. 21 dos autos e, consequentemente, absolveu a arguida da instância, não conhecendo do mérito da causa.
2a. Porém, a fls. 32 a 37, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos havia revogado a decisão a que se refere o despacho judicial ora recorrido, e proferido nova decisão de aplicação da coima.
3a. A arguida reagiu a esta nova decisão nos termos de fls. 39, defendendo que, "De acordo com o n° l, alínea a) do artigo 139° do Código de Procedimento Administrativo os actos nulos não são susceptíveis de revogação" e, para além disso, manteve tudo quanto alegara no recurso anteriormente interposto, quanto à inexistência da infracção noticiada.
4a. No despacho judicial sob recurso, o tribunal ignorou a nova decisão de aplicação da coima, a qual, aliás, se encontra suficientemente fundamentada, integrando todos os requisitos exigidos pelo art. 79°, n° l do RGIT, nomeadamente quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.
5a. Ao apreciar a decisão de fls. 21, que havia sido revogada, o tribunal decidiu questão de facto diversa da constante da decisão de aplicação da coima, ao mesmo tempo que deixou de se pronunciar sobre questões que lhe foram colocadas e que devia conhecer.
6a. Pelo que o despacho judicial recorrido violou o disposto no art. 64°, n° 3 e 5 do RGCO, sendo nulo, nos termos do art. 379°, n° l, als. b) e c) e art. 380°, n° 3, ambos do CPP, aplicáveis ex vi al. b) do n° 3 do RGIT e n° l do art. 41° do RGCO.
. Deve pois ser revogado e ordenada a sua substituição por outro que leve em conta a não verificação de qualquer nulidade da decisão que aplicou a coima.
Não houve contra – alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2.- Para o efeito se elegem como factos relevantes os seguintes:
a)- Em 22 de Julho de 2003 foi levantado pela Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, contra a sociedade arguida supra identificada, enquadrada em IVA no regime normal mensal, o auto de notícia com o n.°.../2003, de fls. 2 dos presentes autos, pôr ter apresentado a declaração periódica do IVA, referente ao mês de Janeiro de 2002, e respectivo meio de pagamento, depois de terminado o prazo legal.
b)- A sanção ora imputada adveio do facto do s.p. não ter entregue, no respectivo prazo legal, ou seja, até 11.03.2002 (data da infracção) a prestação tributária necessária para satisfazer o montante o IVA exigível (valor da autoliquidação) de 6.: 14.923,02 referente ao período de Janeiro de 2002, que só veio a ser efectuada com a declaração periódica correspondente, apresentada em 02.07.2003 (cfr. Quadro 02 do auto de notícia de fls.2).
c)- Dos factos referidos não resulta imposto em falta dado que a obrigação fiscal entretanto foi cumprida, conforme quadro 04 da informação anexa ao auto de notícia da DSCIVA, junta a fls.3.
d)- Por notificação de 22.10.2003 (fls.5/5v), efectuada nos termos do art.° 70° do RGIT e art.°s 38° e 39° do CPPT, a ora recorrente apresentou defesa ao abrigo do art.° 71° do RGIT, conforme fls. 6 a 17.
e)- Em 11.11.2003, conforme fls. 19/19v, a sociedade arguida foi notificada do despacho exarado em 06.11.2003, no seu requerimento de defesa, e dando-lhe, pela segunda vez, possibilidade de requer o pagamento voluntário da coima, o que não se verificou.
f)- Por despacho de 18.11.2003 e pêlos motivos constantes da decisão de fls. 20, foi aplicada à arguida, pela prática da contra - ordenação prevista nos artigos 26° e 40° do Código do IVA, e punida pêlos artigos 26° e 114° do RGIT, a coima de 6.: 4.029,22 (quatro mil e vinte e nove euros e vinte e dois cêntimos), tendo sido condenada em custas no valor de 6.: 39,91.
g)- Em 21.11.2003 foi a arguida notificada nos termos do n.° 2 do art.° 79° do RGIT, cfr. fls.22/22v.
h)- Em 11.12.2003, foi apresentado o recurso de fls. 23 a 28, que ora se aprecia, no qual a recorrente alega, em síntese útil, que:- “A decisão que aplica a coima deve obedecer aos requisitos previstos no art.° 79°, n°.l do RGIT, entre as quais a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas."; "A omissão das sobreditas exigências legais constitui nulidade insuprível da decisão recorrida, que determina a anulação dos termos subsequentes que deles dependam absolutamente, conforme prescreve o artigo 63°, alínea d) do RGIT." - "Na descrição sumária dos factos imposta na lei para a decisão da aplicação da coima deve esta, indicar o momento da prática da infracção." "A decisão que aplica a coima deve também conter a indicação precisa das normas violadas e punitivas requisito que não se cumpre coma referência de ser a conduta punível pêlos artigos 26° e 114° do RGIT, compostos por vários números, sem que se concretize a norma concretamente aplicada."- "A recorrente não cometeu a infracção noticiada uma vez que entregou em tempo a declaração periódica relativa a Janeiro de 2002, não sendo obrigada a enviar qualquer meio de pagamento pôr ser credora e imposto suficiente para o pagamento do que foi apurado relativamente ao período em causa."- "Eventualmente admite-se erro no preenchimento da declaração inicialmente apresentada, mas tal comportamento não se subsume na infracção noticiada."
Termina pedindo a anulação da decisão recorrida e a sua absolvição.
i)- Na sequência de tal recurso, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos revogou a decisão de aplicação da coima que havia sido proferida a fls. 21, a qual considerou nula e, repetindo o acto, proferiu nova decisão, que aplicou à arguida a coima no montante de 6 4.029, 22, pela prática da contra-ordenação p. e p. p. arts. 114°, n° 2 e art. 26°, n° l, ambos do CIVA – cfr. fls. 32 a 37
j)- A nova decisão foi notificada à arguida em 19/12/03 a qual, sequentemente, apresentou em 07/01/04 o requerimento reagindo contra aquela decisão de aplicação da coima, dizendo, em substância, que, "De acordo com o n° l, alínea a) do artigo 139° do Código de Procedimento Administrativo os actos nulos não são susceptíveis de revogação" ao mesmo tempo reiterando tudo quanto alegara no recurso anteriormente interposto, quanto à inexistência da infracção noticiada – cfr. fls. 37 e 38.
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3.- A recorrente insurge-se contra o decidido afirmando, antes de tudo, que houve omissão de pronúncia ( conclusões 5ª e 6ª).
Fundamentando, aduz que a sentença ao apreciar a decisão de fls. 21, que havia sido revogada, o tribunal decidiu questão de facto diversa da constante da decisão de aplicação da coima, ao mesmo tempo que deixou de se pronunciar sobre questões que lhe foram colocadas e que devia conhecer.

I)- Da nulidade por omissão de pronúncia
Na sentença recorrida decidiu-se julgar procedente a excepção dilatória da nulidade da decisão de aplicação da coima e, consequentemente, absolver a arguida da instância, não conhecendo do mérito da causa.
Para tanto, entendeu o Mm° Juiz que não constam da referida decisão, "exarada a fls. 21 dos presentes autos", os elementos exigidos por lei e consagrados no art. 79°, n° l do RGIT, nomeadamente a indicação de todos os elementos que devem contribuir para a fixação do montante da coima, elementos esses que são, no essencial, os consagrados no art. 27° do mencionado diploma, "porquanto da análise da mesma não é possível saber o porquê de se ter optado, em concreto, pela aplicação de coima no montante global de £ 4.029,22, sem fazer qualquer referência aos vectores que devem integrar o raciocínio de determinação da medida concreta da pena". Assim, "a manifesta falta de fundamentação da decisão recorrida, impede que se conheçam as razões determinantes da mesma, no que diz respeito ao montante da coima concretamente aplicado".
Qui juris?
Evidencia o probatório fixado neste acórdão que, na sequência de recurso apresentado pela arguida, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Arruda dos Vinhos revogou a decisão de aplicação da coima que havia sido proferida a fls. 21, a qual considerou nula, ao mesmo tempo que repetia o acto, proferindo nova decisão, que aplicou à arguida a coima no montante de 6 4.029, 22, pela prática da contra-ordenação p. e p. p. arts. 114°, n° 2 e art. 26°, n° l, ambos do CIVA.
E também é patente no mesmo probatório, que a arguida reagiu à renovada decisão de aplicação da coima nos termos de fls. 39, defendendo que, "De acordo com o n° l, alínea a) do artigo 139° do Código de Procedimento Administrativo os actos nulos não são susceptíveis de revogação" e, para além disso, manteve tudo quanto alegara no recurso anteriormente interposto, quanto à inexistência da infracção noticiada.
Significa que a arguida recorreu contra aquelas decisões, onde, no essencial, se imputa à recorrente não ter entregue a prestação tributária de IVA com a apresentação da respectiva declaração periódica; que a primeira decisão de aplicação de coima foi anulada já depois de interposto recurso e que o despacho que foi notificado ao recorrente, entendeu que o primeiro dos recursos se encontra destituído de objecto, desprovida que foi a decisão impugnada de qualquer efeito pela anulação operada.
Poderia entender-se que ao segundo dos recursos não se pode reconhecer qualquer razão nos fundamentos esgrimidos, já que partem de um pressuposto de valia e persistência da primeira das decisões no mundo jurídico, o que manifestamente se não pode aceitar perante a anulação levada a cabo, que, aliás, a própria recorrente visava no seu primeiro recurso.
A nosso ver, o que a Recorrente invoca como fundamento do recurso jurisdicional é a nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre a nova decisão aplicativa de coima decorrente da anulação da primeira. Isso mesmo resulta claramente do contexto alegatório e fundamentalmente das conclusões 5ª e 6ª.
A invocada nulidade por omissão de pronúncia está prevista no art. 379.°, n.° l alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi dos arts. 2.°, alínea e), do CPT 52.° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei (DL) n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, e do art. 41.°, n.° l, do DL n.° 433/82, que dispõe que é nula a sentença, «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».
Da análise da sentença vê-se que a fundamentação jurídica não se refere à nova decisão, aparentemente porque estabelece uma relação de prejudicialidade entre ambas as decisões e ambos os recursos.
Todavia, não é admissível qualquer obscuridade, criada pela AT, designadamente porque foi atribuído um só número a dois processos relativos a uma só infracção.
Dir-se-á, contudo, que a notificação que foi feita (fls.37), compreende-se perfeitamente que a primeira decisão tinha sido declarada nula e que em substituição daquela foi proferida outra.
É certo que fundamentação do acto administrativo terá de constituir «um discurso apto a fundamentar a decisão tomada», que garanta «um mínimo de transparência na actividade da Administração», e que traduza a «prova de que o agente efectuou uma ponderação de interesses a, pelo menos, decidir com base num raciocínio inteligível» — vieira DE andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Coimbra, 1991, pags.235.247e 248.
E a suficiência de fundamentação do acto administrativo é noção relativa, por dependente do tipo legal de cada acto e da posição do seu destinatário, sua situação concreta e possibilidade real de compreender os motivos da decisão, em ordem à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Assim, a fundamentação não tem que ser exaustiva, pormenorizada, bastando que o destinatário do acto fique em condições de saber o itinerário cognoscitivo seguido pelo autor para decidir em determinado sentido, com o que ficará satisfeito o requisito legal da suficiência dos fundamentos do acto» — acórdão do STA, de 30-11-91, recurso n.º 13.563.
E particularmente quando estamos no âmbito da Administração que produz actuações em massa: «A chamada Administração massiva manifesta-se em vários sectores de actividade, em especial na Administração fiscal, onde os órgãos administrativos são solicitados recorrentemente a praticar actos da mesma espécie em grande número» — acórdão do STA, de 21-7-94, recurso n.° 15.486.
«São actos praticados em matéria tributária em série ou em massa aqueles que exigem da Administração a prática de actos da mesma espécie em grande número.» — acórdão do STA, de 12-2-92, recurso n.° 13.736.
Ora, a notificação efectuada parece conter uma fundamentação de actos em massa que, a nosso ver, não padece de qualquer obscuridade.
No ensinamento do Prof. J. A . Reis, contido CPC Anot., 5º-151, existe obscuridade quando se está perante um passo cujo sentido é ininteligível. Não se sabe o que (..) se quis dizer”.
Perante a doutrina exposta, é manifesto que não existe obscuridade e que a arguida, no seu requerimento de fls. 38, apresentado na sequência da dita notificação, focalizou aspectos que no acto notificado eram perfeitamente claros e que apreendeu como o revela a sua alegação de que "De acordo com o n° l, alínea a) do artigo 139° do Código de Procedimento Administrativo os actos nulos não são susceptíveis de revogação" ao mesmo tempo reiterando tudo quanto alegara no recurso anteriormente interposto, quanto à inexistência da infracção noticiada.
Tendo a primeira decisão sido declarada nula por motivos processuais, ao proferir-se nova decisão sobre a mesma matéria não se verifica qualquer violação do principio non bis in idem na medida em que a decisão é apenas uma, já que a primeira não subsiste no mundo jurídico.
«In casu» há uma só resolução que desencadeou uma actividade homogénea – a contra – ordenação é única, embora por razões de forma tenha originado duas decisões, tendo a primeira desaparecido da ordem jurídica. Assim sendo, declarada nula a primeira decisão, há caso julgado ou resolvido, sob pena de se violar o princípio constitucional do "non bis in idem".
A condenação proferida no presente processo não violou, pois, o princípio ”ne bis in idem” que tem assento constitucional no artigo 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, não se verifica nenhuma duplicação de processos: o processo continua a ser o mesmo, obviamente com o mesmo número e acerca da mesma infracção e o recurso contra a decisão de aplicação da coima tem os fundamentos do primeiro ainda que visando a segunda decisão.
Só que a sentença recorrida, como bem salienta a EMMP recorrente, ignorou a decisão de aplicação da coima proferida a fls. 32 a 37 dos autos a qual, aliás, se encontra suficientemente fundamentada, integrando todos os requisitos exigidos pelo art. 79°, n° l do RGIT, nomeadamente quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima. Assim como não conheceu das questões levantadas pela arguida, relativamente à nova decisão administrativa produzida.
Ao apreciar a decisão de fls. 21, que havia sido revogada, o tribunal decidiu questão de facto diversa da constante da decisão de aplicação da coima, ao mesmo tempo que deixou de se pronunciar sobre questões que lhe foram colocadas e que devia conhecer.
O despacho judicial recorrido é, pois, nulo, nos termos do art. 379°, n° l, als. b) e c) e art. 380°, n° 3, ambos do CPP.
Termos em que declara a nulidade da sentença e, consequentemente, se passar a conhecer, em substituição, do mérito do recurso interposto pela Arguida da decisão administrativa que lhe aplicou a coima, pois o processo reúne todos os elementos para decidir (cfr. art. 426.°, n.° l, do CPP, a contrario).
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Assim,
II.- DO MÉRITO:
a)- O REGIME DE NULIDADES NO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO TRIBUTÁRIO:
Importa apreciar se de acordo com o n° l, alínea a) do artigo 139° do Código de Procedimento Administrativo os actos nulos não são susceptíveis de revogação.
É certo que o acto nulo não produz quaisquer efeitos de direito, não constituindo, modificando ou extinguindo situações jurídicas:- “Nullum est negotium, nihil agitur nihil actum est”.
A nulidade produz-se de pleno direito e o requerente, como o particular, pode resistir ou desobedecer aos efeitos que se pretenda retirar de um acto nulo ( cfr. artº 21º da CRP).
Também é certo que o acto nulo não é susceptível de ratificação, reforma ou conversão, ou seja, é insusceptível de se tornar em acto válido por qualquer forma de convalidação.
Todavia, a nulidade produz efeitos “ex tunc”, ou seja, tem efeitos declarativos e retroage à data da prática do acto; o acto é nulo “ab initio”.
Mas, mesmo a entender-se que os actos nulos não são susceptíveis de anulação, isso não obsta à declaração de nulidade produtora de efeitos “erga omnes”.
Por força do nº 2 do artº 134º do CPA a nulidade é invocável a todo o tempo, isto é, é imprescritível.
E poderá ser invocada por qualquer interessado, incluindo aquele que para ela tenha contribuído de qualquer maneira.
A nulidade também pode ser declarada a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
O facto de o legislador utilizar o termo pode não implica que estejamos perante um poder discricionário.
Com efeito, uma vez detectada a nulidade a Administração ou qualquer Tribunal está vinculado a declarar tal nulidade.
Seja como for, assiste razão à EMMP recorrente ao afirmar que o regime das nulidades no processo de contra-ordenação tributário se rege pelo disposto no RGIT e no RGCO, sendo ainda subsidiariamente aplicável o CPP, por força do preceituado na al. b) do n° 3 do RGIT e n° l do art. 41° do ROGO, pelo que, tendo sido invocada uma nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, era a mesma do conhecimento oficioso, nos termos do artº. 63°, n° 5 do RGIT.
Consequentemente, por força do disposto no art. 122° do CPP, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os actos que dele dependerem e aquelas puderem afectar; como bem refere o MºPº recorrente Declarada a nulidade, o acto inválido deve ser repetido, sempre que necessário e possível, assim como devem ser aproveitados todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela. Incumbia pois, à autoridade tributária, que revogou o acto, efectuar, como efectuou, a sua repetição.
Nunca poderia, assim, ser procedente a argumentação da arguida, segundo a qual os actos nulos não são susceptíveis de revogação, baseada na aplicação do disposto no CPA, diploma que não tem aplicação subsidiária ao ilícito contra-ordenacional, conforme decorre do disposto no art. 3° do RGIT.
Termos em que improcede a questão suscitada pela recorrente.
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b)- DA FALTA DE REQUISITOS DA DECISÃO RECORRIDA:
Antes do mais, cumpre apreciar se a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima sofre da invocada nulidade insuprível decorrente da omissão da descrição sumária dos factos prevista no art. 79 n.° l al. b) e 63° n.° l al. d) do RGIT, nulidade essa que também é do conhecimento oficioso.
Acerca da decisão que aplica a coima, estabelece o artigo 79 do RGIT aprovado pelo art. 1° da Lei 15/2001, aqui aplicável, que a mesma contém:
" l - ...
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
C) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação,
Os requisitos legais da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa são os enunciados no citado artigo 79 do RGIT, e, a sua falta constitui nulidade insuprível, nos termos da al. d) do n.° l do art. 63° do RGIT, que tem como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo (cfr. n.° 3 do art. 63 do RGIT), nulidade essa que, sendo do conhecimento oficioso, pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. n.° 5 do art. 63 do RGIT.
Cumpre, pois, aferir se está satisfeito, na decisão em causa, o requisito da al. b) do n.° l do art. 79 do RGIT, i. é, conterá a mesma "A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas"?
Em consonância com o ponto de vista do recorrente MºPº, afigura-se-nos que sim.
Decorre do disposto na al. b) do n.° l do art. 79 do RGIT, que, sendo requisito legal da decisão, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, é imperativo incluir nela a descrição dos factos e indicar as normas violadas e punitivas que sejam suficientes para permitir ao arguido saber quais são os factos que justificaram a aplicação da coima.
Tal como se refere no Ac. deste TCA de 19/10/04, no Recurso nº 252/04, a descrição dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas na decisão e a nulidade que acarreta a sua omissão visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa que, doutro modo, poderiam ficar diminuídos ou mesmo coarctados se não constasse da decisão a descrição dos factos que justificaram a aplicação da coima. Esta exigência da descrição dos factos não se satisfaz com a simples remissão para o auto de notícia, como tem sido entendimento dos Tribunais Superiores, nomeadamente do STA, que vem considerando nulas as decisões que aplicam coimas ao remeterem para os factos constantes do auto de notícia sem efectuarem a descrição sumária dos factos ( cfr., entre outros, os Ac. do STA de 27.5.98, no Rec. 22.456, de 9.12.98, no Rec. 22.946, de 28.1.97, no Rec. 22.212, de 18.2.98, no Rec. 22.216 e de 13.2.95, no Rec. 17.465).
Em nota ao art. 212 do CPT, a páginas 806, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão in CPPT comentado e anotado referem que "a descrição dos factos, ainda que sumária, não pode limitar-se a afirmar conclusões vagas ou a reproduzir as expressões contidas na norma que prevê a contra-ordenação.
E necessário descrever os actos materiais praticados pelo arguido, a data, o local, se possível, ou aqueles que deixou de praticar estando obrigado a fazê-lo".
Assim, não se satisfaz essa exigência legal a mera remissão para o citado preceito. Na verdade, não obstante se tratar de uma decisão administrativa, o legislador foi bastante exigente nos requisitos que a mesma deve conter, fulminando a sua falta com nulidade insuprível. A exigência da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, consiste na indicação na decisão dos elementos que em concreto contribuíram ou foram determinantes para fixar o montante da coima. Como a coima é variável mais se justifica que na decisão se indiquem concretamente esses elementos, para, assim, se compreender como se chegou ao montante que se fixou e, por que se fixou aquele e não outro.
Ora analisando a questionada decisão, vê-se que a mesma se fundamentou em que a arguida enviou ao SAIVA, no prazo legal, a declaração periódica relativa ao mês de Janeiro de 2002 sem o correspondente meio de pagamento do imposto na importância de 14.923,02 Euros e que, ao fazer a graduação da coima, a entidade administrativa indicou e fundamentou concretamente quais os elementos determinantes para a fixação do respectivo montante, quais fossem: mera negligência; efectivo prejuízo para a F.N., consubstanciado no montante de IVA que deixou de entrar nos cofres do Estado, carácter acidental e dimensão económica da arguida.
Para além disso também se indicou na decisão a data do termo do prazo do cumprimento da obrigação, bem como a data do cumprimento da obrigação,.
E o mesmo se diga quanto às normas punitivas, pois que a decisão não se limita a indicar a punibilidade pelo art. 114 do RGIT .
Assim, no caso dos autos, a decisão que aplicou a coima contém de forma suficiente os elementos de facto, com indicação temporal da conduta omissiva do ora recorrente bem como indicação do montante do imposto em falta, pelo que a descrição aí feita satisfaz falado requisito legal.
Não tem, pois, razão o recorrente.
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c)- DA INEXISTÊNCIA DA INFRACÇÃO:
Face à factualidade apurada não pode afirmar-se que a arguida não praticou a infracção noticiadas porquanto:
a)- a Recorrente era sujeito passivo de IVA e, como tal, competia-lhe entregar nos serviços da AT as declarações periódicas a que alude o art. 40.° do Código daquele imposto (CIVA) e, simultaneamente com as declarações, o montante do imposto exigível, nos termos do art. 26.°, n.0 l, do mesmo código;
b)- a Recorrente, ao remeter a declaração respeitante ao mês de Janeiro de 2002, não a fez acompanhar do meio de pagamento do imposto a entregar ao Estado, do montante de 14.923,02 Euros nem efectuou tal entrega até ao termo do prazo para o efeito.
Consequentemente, a arguida tinha de ser condenada pela infracção nos termos que constam do despacho recorrido.
É que, o método por que opera o IVA determina que não é a arguida, enquanto sujeito passivo do IVA, quem suporta o encargo do pagamento do imposto, que é suportado pelos seus clientes.
Com efeito, o IVA é, nos termos do art. 1.° do respectivo Código, um imposto incidente sobre as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, e sobre as importações de bens.
No tocante às operações internas, o facto gerador do imposto e a sua exigibilidade coincidem no tempo já que, por força do disposto no art. 7.°, n.° l, alíneas a) e h), do CIVA, o imposto é devido e torna-se exigível, nas transmissões de bens, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente e, nas prestações de serviços, no momento da sua realização.
Mas, quando a transmissão do bem ou a prestação do serviço dê lugar, nos termos do art. 28.°, n.° l, alínea a), do CIVA, à obrigação de emitir factura ou documento equivalente é, por regra, no momento da emissão da factura que o imposto se toma exigível (art. 8.° do CIVA), o que encontra a sua “ratio” no facto de o IVA operar pelo método do crédito do imposto ou "das facturas", em que cada um dos operadores económicos que se sucedem ao longo do circuito de produção e distribuição deverá deduzir do imposto liquidado nas suas vendas o montante do imposto que suportou nas suas compras, correspondendo o imposto a entregar ao Estado relativamente ao período fiscal à diferença entre o imposto que o operador facturou aos seus clientes e o imposto que o mesmo suportou nas suas compras.
Tal significa que as empresas têm direito a deduzir ao imposto que recebem dos clientes aquele que pagam aos fornecedores pelo que, verificado o acto sujeito a imposto (transmissão de bens ou prestação de serviços), e dando este lugar à obrigação de emitir factura ou documento equivalente, o sujeito passivo deve nela liquidar o imposto ao adquirente do bem ou serviço, o qual, por sua vez, tem a obrigação de lho pagar. Subsequentemente o sujeito passivo tem de entregar esse o tributo nos Cofres do Estado deduzindo-lhe, através do método do crédito do imposto ou "das facturas" -, o imposto que suportou nas suas compras. Outrossim, o adquirente do bem ou serviço que seja também sujeito passivo de IVA tem o direito de deduzir o imposto pago.
Assim sendo, logo se conclui que não é a arguida quem suporta o IVA, mas antes os seus clientes, mais propriamente, o consumidor final.
Consequentemente e como é jurisprudência pacífica deste TCA manifestada, entre outros, nos acórdãos de 24 de Março de 1998, proferido no recurso com o n.° 65.321; de 29 de Junho de 1998, proferido no recurso com o n.° 690/98; de 22 de Setembro de 1998, proferido no recurso com o n.° 639/98; de 6 de Outubro de 1998, proferido no recurso com o n.° 641/98; de 20 de Outubro de 1998, proferido no recurso com o n.° 642/98; de 19 de Janeiro de 1999, proferido no recurso com o n.° 1132/98; de 11 de Maio de 1999, proferido no recurso com o n.° 1476/98; de 22 de Fevereiro de 2000, proferido no recurso com o n.° 1986/99; de 25 de Junho de 2002, proferido no recurso com o n.° 6682/02, e de 22/10/02, torado no Recurso nº 7055/02, nenhum relevo assuma a alegação de que o s.p. detinha um crédito superior ao imposto apurado.
É que, o montante do IVA a entregar nos cofres do Estado foi recebido pela Arguida dos seus clientes, e foi ela que determinou a não entrega ao Estado do IVA que não lhe pertencia, o que inculca que a Arguida deu outro destino ao dinheiro que recebeu dos clientes como IVA e de que era mera detentora, a título precário. Havendo o IVA sido pago pelos clientes da Recorrente, independentemente da situação credora que se apresentasse a favor da arguida, se não existe o montante a entregar ao Estado é porque a Recorrente lhe deu sumiço.
Acresce que, tendo em conta a natureza do IVA, o imposto a entregar pelos sujeitos passivos ao Estado não pode por estes ser considerado como receita sua e pelo que não lhes assiste qualquer liberdade quanto ao destino a dar ao respectivo montante.
Assim, verificou-se a infracção, uma vez que o IVA nem está na disponibilidade do sujeito passivo pois não passa de um intermediário entre o Estado e os consumidores finais, nem é receita sua, não lhe assiste qualquer opção quanto ao destino a dar-lhe.
Impõe-se-nos, por isso, concluir que o recurso judicial que a arguida deduziu contra a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima não pode merecer provimento.
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4.- Termos em que, acordam os Juizes desta 2ª Secção do TCA em conceder provimento ao recurso e, em substituição, manter a decisão aplicativa da coima impugnada.
Custas pela recorrente apenas na 1ª instância.
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Lisboa, 23/11/2004
Gomes Correia
Casimiro Gonçalves
Ascensão Lopes