Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 183/12.7BELRA |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 09/28/2017 |
Relator: | JOAQUIM CONDESSO |
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO. NÃO CONHECIMENTO DE QUESTÃO DEVIDO A NEXO DE PREJUDICIALIDADE. ERRO DE JULGAMENTO. NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO. ARTº.615, Nº.1, AL.C), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO. DECISÃO TABELAR CONSTANTE DO RELATÓRIO DE UMA SENTENÇA NÃO PRODUZ CASO JULGADO FORMAL. CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO. PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. PRAZO PARA DEDUZIR IMPUGNAÇÃO JUDICIAL CONTRA UM ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE I.R.S. ARTº.140, Nº.4, AL.A), DO C.I.R.S. PRAZO DE DEDUÇÃO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA. INTEMPESTIVIDADE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA. IMPOSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA DO ACTO COM FUNDAMENTO EM VÍCIOS GERADORES DE ANULABILIDADE. |
Sumário: | 1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil). 2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma. 3. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. 4. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. 5. A decisão tabelar constante do relatório de uma sentença e incidente sobre a inexistência de excepções de que cumpra conhecer (decisão esta que não produz caso julgado formal, ou não reveste qualquer efeito preclusivo - cfr.artº.573, nº.2, do C.P.Civil), não obsta ao conhecimento fundamentado, o qual venha a revelar-se necessário, de uma excepção peremptória, como se revela no caso dos presentes autos, quanto à examinada inimpugnabilidade do acto objecto do processo de impugnação, tudo em virtude da anterior intempestividade da reclamação graciosa deduzida e consequente existência de caso decidido ou resolvido. 6. O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido. 7. O específico prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do anterior C.P.Tributário; artº.102, do C.P.P.Tributário). 8. A contagem do prazo para interposição de recurso contencioso de impugnação deve fazer-se nos termos do artº.279, do C. Civil, isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis (cfr.artº.20, nº.1, do C.P.P.Tributário). No cômputo do prazo em questão, quando o seu termo final ocorra em domingo, dia feriado ou férias judiciais, faz com que o mesmo termo se transfira para o primeiro dia útil seguinte (cfr.artº.279, al.e), do C.Civil). 9. A partir da data da entrada em vigor da Lei 60-A/05, de 30/12 (Orçamento do Estado para 2006), o prazo para deduzir impugnação judicial contra um acto de liquidação de I.R.S. é de 90 dias (cfr.artºs.140, nº.1, do C.I.R.S., e 102, nº.1, do C.P.P.T.), contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (artº.140, nº.4, al.a), do C.I.R.S.), quer da liquidação resulte ou não imposto a pagar, norma especial que prefere ao referido artº.102, do C.P.P.T., "ex vi" do nº.4, deste último preceito. 10. Por outro lado, o prazo de dedução de reclamação graciosa é, igualmente, peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública, sendo, actualmente, de cento e vinte dias, contados dos factos previstos no artº.102, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.70, nº.1, do C.P.P.Tributário). 11. A intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, conduzindo, a verificar-se, à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto em sede contenciosa. Recorde-se, no entanto, que bastará imputar ao acto um vício gerador de nulidade ou invocar a sua inexistência jurídica para a situação poder ser objecto de apreciação contenciosa, pelo que, o denominado caso decidido, em vez de constituir uma garantia de estabilidade definitiva do acto, se reconduz, no máximo, a uma simples impossibilidade de impugnação do acto com fundamento em vícios geradores de anulabilidade. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO X RELATÓRIO X N..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.180 a 186-verso do presente processo, através da qual julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, tudo no âmbito do presente processo de impugnação visando as liquidações de I.R.S., relativas aos anos de 2006 e 2007 e no montante total de € 20.655,43. X O recorrente termina as alegações (cfr.fls.203 a 207 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões: 1-A douta sentença recorrida considerou a impugnação intempestiva, devido ao facto da AT ter considerado intempestiva a reclamação graciosa; 2-Em relação à alegada intempestividade, os dados de que o sujeito passivo pode tomar conhecimento, quanto à data em que foi notificado da liquidação, e de acordo com o n° 4 do artigo 140° do CIRS, referem-se aos registos das notas de cobrança do IRS, com os seguintes números: - RY500673059PT quanto ao IRS do ano de 2006; - RY500845567PT quanto ao IRS do ano de 2007; 3-No site dos CTT, disponível ao público e a que o sujeito passivo e seu mandatário recorreram para contar o seu prazo, a data da aceitação de ambos os registos foi a 16.06.2010; 4-De acordo com o n° 1 do artigo 39° do CPPT, “As notificações efectuadas nos termos do n° 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3o dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse não seja dia útil”; 5-Sendo o dia 16.06.2010, quarta-feira, logo o 3o dia posterior foi sábado dia 19.06.2010 e o primeiro dia útil seguinte foi 21.06.2010; 6-Ambas as notificações se verificaram 30 dias após o dia 21.06.2010, ou seja no dia 21.07.2010; 7-O prazo para apresentar a reclamação graciosa é de 120 a contar da notificação ou seja 120 dias a contar de 21.07.2010 e o prazo decorreu até 18.11.2010, data em que a reclamação graciosa foi remetida através de registo postal número RC621740255PT, sendo por isso tempestiva; 8-A AT diz que as notificações foram “...efectivamente recepcionadas em 16.06.2010”, mas tal facto é irrelevante porque não se subsume em qualquer dos elementos do tipo da norma ínsita no n° 1 do artigo 39° do CPPT; 9-A AT afirma-se ainda que os registos são de 15.06.2010 e não de 16.06.2010, juntando uma declaração dos CTT, em que esta instituição declara que os registos são de facto de 15.06.2010, desconhecendo-se qual a informação verdadeira, se a do site ou da declaração; 10-A administração fiscal afirma agora esse facto mas não o fez constar da notificação que remeteu ao sujeito passivo; 11-O que consta do site dos CTT acessível ao público, é que os registos foram aceites em 16.06.2010, não havendo qualquer alerta de que os dados podem ser inexatos; 12-Se a lei indica que a notificação se considera efetuada no terceiro dia posterior ao registo, só pode ser conferido no site oficial dos CTT e ali consta o dia 16.06.2010, uma vez que a AF não comunicou a data do início da contagem do prazo, nem havia outro meio disponível para o sujeito passivo proceder à contagem do prazo; 13-Fica demonstrado que a alegada intempestividade da reclamação graciosa não se verifica, uma vez que os elementos notificados e disponibilizados ao sujeito passivo, demonstram que os prazos foram normativamente observados; 14-Pelos factos demonstrados, verifica-se que a reclamação foi apresentada dentro do prazo, sendo a impugnação igualmente tempestiva; 15-A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” marcou audiência de julgamento, ouviu as testemunhas, notificou para alegações, quando o seu julgamento foi o de considerar a exceção perentória da intempestividade, sendo actos inúteis e ilegais praticados no processo; 16-Negar a aplicação do direito quando está em causa ou não, a diferença de um dia num prazo de 120 dias, que a confirmar-se tem por base um erro não imputável ao sujeito passivo, constitui uma violação clara do princípio da proporcionalidade; 17-A decisão recorrida é ilegal, porquanto se por um lado afirma que “Não se verificam outras nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra oficiosamente conhecer ou obstem ao conhecimento do mérito da causa ” por outro julga a ação improcedente por intempestividade, reconhecendo a existência de uma exceção, que anteriormente não admitiu existir; 18-Alinhando com a intempestividade invocada pela ré, não devia a ação continuar para audiência de julgamento, com audição de testemunhas e alegações, nem transcrever relatório relativo à matéria de facto; 19-A douta decisão recorrida não se mostra clara, nem congruente quando é contraditória nos seus elementos e na inobservância dos preceitos legais antes referidos; 20-A douta sentença recorrida é nula por violação da alínea c) do artigo 615° do CPC, por referir que "... no depoimento das testemunhas (...) que responderam às perguntas com isenção e de modo credível no que se refere aos pontos n° 14 e 15 dos factos provados” quando os factos considerados provados com os n°s 14 e 15 referem-se a troca de correspondência entre a AT e os CTT, matéria sobre a qual as testemunhas não se pronunciaram; 21-É ainda ininteligível, porque é ambígua e obscura nos 5o e 6o parágrafos de fls 13 da sentença, quando se refere a caso julgado numa reclamação graciosa e, por esse facto a improcedência das alegações do impugnante; 22-A douta sentença recorrida é ainda nula por violação da alínea c) do artigo 615° e 607° do CPC, ao verter para a decisão parte do relatório da ré sem qualquer referência aos factos invocados pelo autor contrário ao relatório versando sobre matéria de facto para de seguida decidir que, “(...) não podem ser apreciados os fundamentos de impugnação relativos às liquidações adicionais impugnadas, uma vez que, quanto a estas se formou caso julgado face à intempestividade da reclamação apresentada. Pelo que improcedem na totalidade as alegações do impugnante.”; 23-A douta decisão recorrida é ilegal por violação dos artigos 607° e n° 2 do artigo 608° do CPC, por ausência de pronúncia sobre a ilegalidade invocada pelo autor do procedimento inspetivo com base em derrogação do sigilo bancário, das alegadas omissões das categorias B e G; 24-Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V.Exas deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, determinando a anulação da decisão recorrida. X Não foram produzidas contra-alegações. X O Tribunal “a quo” exarou despacho (cfr.fls.209 e 210 dos autos), no qual, além de sustentar a inexistência de qualquer nulidade que afecte a sentença objecto de recurso, rectificou um erro de escrita existente na fundamentação da matéria de facto provada, ao abrigo do artº.614, do C.P.Civil (cfr.conclusão 20 do recurso). X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.218 a 221 dos autos). X Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação. X FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO X A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.180-verso a 184-verso dos autos): 1-O impugnante, N..., com o n.i.f. …, exerce a actividade de “Advogado”, com o CAE 6010 e estava enquadrado, nos anos de 2006 e 2007, em sede de IRS no regime simplificado de tributação e em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral (cfr.relatório de inspecção constante a fls.91 a 107 dos presentes autos); 2-Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI 200801003, de 9/07/2008, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ... da DGCI, desencadearam ao impugnante a acção de inspecção externa de âmbito parcial em sede de IVA e IRS, no âmbito da qual apuraram correcções à matéria colectável em sede de IRS no montante de EUR 7.519,85 no exercício de 2006 e de EUR 70.122,58 no exercício de 2007, com recurso a correcções meramente aritméticas (cfr.relatório de inspecção constante a fls.91 a 107 dos presentes autos); 3-Foi elaborado o relatório de fiscalização junto aos autos a fls.91 a 107 do processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções em sede de IRS, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: “(…) II-Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
II.1- Credencial e período em que decorreu a acção de inspecção X A - Não provado que o custo da obra realizada no prédio cuja venda originou a tributação na categoria G, tenha ascendido a EUR 192.457,93 face à inexistência de documentos que comprovem o alegado custo da obra, não se revelando suficiente a prova testemunhal produzida. Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir…”. X Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte, após rectificação constante do despacho exarado a fls.209 e 210 do processo: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e no depoimento das testemunhas M..., mãe do impugnante e M... Nogueira que responderam às perguntas com isenção e de modo credível no que se refere aos pontos n.° 16 e 17 dos factos provados…”. X ENQUADRAMENTO JURÍDICO X Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção no âmbito da presente impugnação, tudo em virtude da dedução intempestiva da reclamação graciosa identificada no nº.8 do probatório. X Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário). Alega o recorrente, em primeiro lugar e em sinopse, que a decisão recorrida é ilegal por violação dos artºs.607 e 608, nº.2, e 615, do C.P.C., por ausência de pronúncia sobre a ilegalidade invocada pelo autor do procedimento inspetivo com base em derrogação do sigilo bancário (cfr.conclusões 22 e 23 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia. Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37). No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13). Conforme é jurisprudência constante, quando o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/1/2014, proc.6995/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7343/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2014, proc.7784/14). "In casu", foi precisamente isso que se passou. O Tribunal "a quo" julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, o qual implicou o não conhecimento dos fundamentos da causa. Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso. Aduz o recorrente, em segundo lugar, que a decisão recorrida é ilegal, porquanto, se por um lado afirma que “Não se verificam outras nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra oficiosamente conhecer ou obstem ao conhecimento do mérito da causa”, por outro, julga a acção improcedente por intempestividade, reconhecendo a existência de uma excepção, que anteriormente não admitiu existir. Que é também ininteligível, porque ambígua e obscura, quando nos quinto e sexto parágrafos, a fls.13 da sentença, se refere a caso julgado numa reclamação graciosa e, por esse facto se decide pela improcedência das alegações do apelante (cfr.conclusões 17, 19 e 21 do recurso), pretendendo assacar à decisão do Tribunal "a quo", cremos, o vício de nulidade devido a contradição entre os fundamentos e a decisão. Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37). No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7435/14). Mais se deve recordar que a decisão tabelar constante do relatório de uma sentença e incidente sobre a inexistência de excepções de que cumpra conhecer (decisão esta que não produz caso julgado formal, ou não reveste qualquer efeito preclusivo - cfr.artº.573, nº.2, do C.P.Civil), não obsta ao conhecimento fundamentado, o qual venha a revelar-se necessário, de uma excepção peremptória, como se revela no caso dos presentes autos, quanto à examinada inimpugnabilidade do acto objecto do processo de impugnação, tudo em virtude da anterior intempestividade da reclamação graciosa deduzida e consequente existência de caso decidido ou resolvido (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 2/4/2009, rec.125/09). Ora, a existência daquela decisão tabelar e do posterior conhecimento, em sede de enquadramento jurídico da sentença, de uma excepção peremptória não gera, manifestamente, a nulidade da decisão recorrida em virtude de vício de oposição entre os fundamentos e a decisão ou devido a ininteligibilidade da mesma. Já quanto à menção do caso julgado no quinto parágrafo de fls.13 da sentença (cfr.fls.186 do processo), a mesma deve reconduzir-se antes a um mero lapso de escrita, porquanto se deveria querer mencionar o caso resolvido, ou caso decidido, invocados no final do segundo parágrafo da mesma página da sentença e relativos à fase graciosa do processo administrativo. No entanto, tal lapso de escrita também não gera, de forma nenhuma, a nulidade da decisão recorrida consagrada no artº.615, nº.1, al.c), do C.P.Civil. Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico (obscuridade; contradição) na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade. Face ao exposto, julga-se improcedente também este fundamento do recurso. Argui também o apelante, em síntese e conforme acima se refere, que a sentença recorrida julgou a impugnação intempestiva devido ao facto da A. Tributária ter considerado intempestiva a reclamação graciosa. Que o prazo para apresentar a reclamação graciosa é de 120 dias a contar da notificação, no caso, com termo inicial em 21/07/2010 e termo final em 18/11/2010, data em que a reclamação graciosa foi remetida através de registo postal, sendo por isso tempestiva. Que o Tribunal “a quo” marcou audiência de julgamento, ouviu as testemunhas, notificou para alegações, quando o seu julgamento foi o de julgar procedente a excepção peremptória da intempestividade, pelo que estamos perante actos inúteis e ilegais praticados no processo. Que ao negar a aplicação do direito quando está em causa a diferença de um dia num prazo de 120 dias, situação que a confirmar-se tem por base um erro não imputável ao sujeito passivo, constitui uma violação clara do princípio da proporcionalidade (cfr.conclusões 1 a 16 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida. Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício. O prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc. 6038/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.6125/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7004/13). O específico prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do anterior C.P.Tributário; artº.102, do C.P.P.Tributário; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.241; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/6/95, rec.19056, Ap. D.R., 14/8/97, pág.1725 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/03/2014, proc.7360/14). Por outro lado, recorde-se que a contagem do prazo para interposição de recurso contencioso de impugnação deve fazer-se de acordo com o artº.279, do C. Civil, isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis (cfr.artº.49, nº.2, do C.P.Tributário; artº.20, nº.1, do C.P.P.Tributário). Mais se deve levar em consideração, no cômputo do prazo em questão, que o seu termo final em domingo, dia feriado ou férias judiciais, faz com que o mesmo termo se transfira para o primeiro dia útil seguinte (cfr.artº.279, al.e), do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6767/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/03/2014, proc.7360/14; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.145). Voltando ao caso “sub judice”, desde logo, se dirá que a partir da data da entrada em vigor da Lei 60-A/05, de 30/12 (Orçamento do Estado para 2006), o prazo para deduzir impugnação judicial contra um acto de liquidação de I.R.S. é de 90 dias (cfr.artºs.140, nº.1, do C.I.R.S., e 102, nº.1, do C.P.P.T.), contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (artº.140, nº.4, al.a), do C.I.R.S.), quer da liquidação resulte ou não imposto a pagar, norma especial que prefere ao referido artº.102, do C.P.P.T., "ex vi" do nº.4, deste último preceito (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/10/2011, rec.517/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9266/16). Por outro lado, o prazo de dedução da reclamação graciosa é, igualmente, peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública, sendo, actualmente, de cento e vinte dias, contados dos factos previstos no artº.102, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.70, nº.1, do C.P.P.Tributário). De acordo com o exame da factualidade provada (cfr.nºs.5 e 6 do probatório), deve concluir-se que a data de registo postal dos documentos de notificação das liquidações impugnadas ocorreu em 15/06/2010 (terça-feira), assim se presumindo a sua efectivação no dia 18/06/2010, uma sexta-feira (cfr.artº.39, nº.1, do C.P.P.T.). Pelo que, o prazo de trinta dias consagrado no artº.140, nº.4, al.a), do C.I.R.S., teve o seu termo final em 18/07/2010 (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil). O termo inicial do prazo de cento e vinte dias fixado para a dedução de reclamação graciosa ocorreu em 19/07/2010, sendo o termo final fixado em 15/11/2010 (segunda-feira). Tendo a reclamação graciosa sido deduzida pelo ora recorrente em 18/11/2010 (cfr.nº.8 do probatório), deve considerar-se a mesma intempestiva. Ora, a intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, conduzindo, a verificar-se, à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto em sede contenciosa. Recorde-se, no entanto, que bastará imputar ao acto um vício gerador de nulidade ou invocar a sua inexistência jurídica para a situação poder ser objecto de apreciação contenciosa, pelo que, o denominado caso decidido, em vez de constituir uma garantia de estabilidade definitiva do acto, se reconduz, no máximo, a uma simples impossibilidade de impugnação do acto com fundamento em vícios geradores de anulabilidade (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 2/4/2009, rec.125/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 31/5/2017, rec.1609/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.495). Revertendo ao caso dos autos, do exame do articulado inicial deste processo (cfr.fls.1 a 23 dos autos), deve concluir-se que o recorrente somente imputa aos actos tributários vícios geradores da sua anulabilidade (e deve vincar-se que o pedido formulado no final da p.i. é de anulação dos actos de liquidação, pedido típico de processo de impugnação judicial), situação que conduz à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade dos actos em sede contenciosa, conforme mencionado supra. Pelo que, bem andou a sentença recorrida ao julgar improcedente a presente impugnação, em virtude da inimpugnabilidade dos actos de liquidação de I.R.S. objecto do processo. Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão. X DISPOSITIVO X Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica. X Condena-se o recorrente em custas. X Registe. Notifique. X Lisboa, 28 de Setembro de 2017
(Joaquim Condesso - Relator)
(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)
(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto) |