Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:27/19.9BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI IURIS
Sumário:i) A decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma (art. 120.º, n.º 1, in fine, do CPTA).

ii) É legítimo o IFAP considerar como não elegíveis, para efeito de financiamento pelo FEADER, despesas apresentadas pelo promotor, em pedido de pagamento, consubstanciadas em facturas emitidas por fornecedor subcontratado, naquilo em que tais despesas, sem correspondência real, ultrapassam o chamado preço de entrada ou 1º preço.

iii) Na falta de demonstração da ilegalidade do acto suspendendo, a pretensão de que se suspenda a eficácia desse acto soçobra, por falta do indispensável fumus boni iuris.

iv) Na ausência de factos demonstrativos dos prejuízos alegados pela Recorrente derivados da actuação da ora Recorrida, tem que soçobrar o pedido indemnizatório formulado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório

A............... interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que, nos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia contra si deduzidos contra o IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., julgou improcedente a providência cautelar requerida. Terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

1º O despacho “a quo” viola o dever de gestão processual consagrado nos artºs 7º-A e 118º nºs. 1 e 5 CPTA;

2º Ao não admitir os meios de prova requeridos pela Requerente, o despacho “a quo” pôs em crise as condições do processo para a justa composição do litígio;

3º A matéria articulada nos artºs. 175º a 190º do requerimento inicial da providência, contem verdadeiros factos que consubstanciam o requisito do “periculum in mora” para o decretamento da providência;

4º A matéria articulada nos artºs. 175º a 190º do requerimento inicial pode ser provada por prova documental, testemunhal e pela tomada de depoimento de parte do representante legal da Requerente;

5º Os documentos nºs. 27 a 32 juntos com o requerimento inicial comprovam a incapacidade financeira da Requerente para o pagamento da quantia exigida no ato suspendendo, consubstanciando o requisito do “periculum in mora”;

6º Ao não apreciar e valorar a documentação junta aos autos pela Requerente, o tribunal “a quo” violou o dever da boa gestão processual;

7º Ao decidir como decidiu, impedindo a produção de prova requerida pela Requerente, o despacho “a quo” não permitiu o exercício do direito de contraditório da Requerente, violando o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes (cfr. artº 3º e 4º CPC);

8º O despacho “a quo” violou o direito da Requerente à prova dos factos alegados, em desrespeito manifesto do princípio do processo equitativo consagrado no artº 10º da Declaração Universal do Direitos do Homem e no artº 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa;

9º Importa para a aferição dos prejuízos que se querem evitar com a presente providência, a apreciação e prova da concreta factualidade constante dos artºs. 175º a 190º do requerimento inicial, e que foi desprezada na decisão “a quo”;

10º A sentença “a quo” é também errada quando não sujeitou aqueles factos a uma fase de instrução, não obstante os julgar como controvertidos, para a prova dos prejuízos e das suas consequências na sobrevivência da Requerente;

Sem prescindir,

11º Em face da prova documental carreada para os autos, está provado o requisito do “periculum in mora” que justifica a procedência da requerida providência.

O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo aí concluindo do modo que segue:

1.ª Na Sentença recorrida, a Mª Juiz a quo conheceu, apreciou e julgou, em H), I) e J) da sua Fundamentação de Facto, toda a factualidade relevante à averiguação do periculum in mora, enquanto requisito do decretamento da providência cautelar requerida, para tal não se tendo mostrado necessária a produção de prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte;

2ª Por outro lado, os factos relativamente aos quais a A............... pretende, no âmbito do presente recurso, que fosse produzida tal prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte, não constitui factualidade controvertida, razão pela qual também, por isso, sobre ela não se mostraria necessária (ou, sequer, pertinente) a produção de prova;

3ª Acresce que resulta dos factos que a A............... pretenderia submeter a produção de prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte é que a A...............,

- não sendo «possuidora ou proprietária de qualquer património»;

- não tendo «qualquer capacidade para devolver a parte do valor do subsídio determinada pelo ato ora requerido»;

- não tendo «meios económicos nem bens penhoráveis que possam permitir a constituição de garantia que determine a adoção da presente providência cautelar ao abrigo do n° 6 do art° 120º CPTA»;

é que a A............... se encontra, objetiva, material e concretamente, numa situação de real e efetiva insolvência, pelo que se lhe impunha/impõe a sua apresentação à insolvência em conformidade com o disposto no artº 18º do CIRE;

4ª Como tal, será de concluir que:

- nem o decretamento da providência requerida contribuiria para a solvência da A...............;

- nem o seu não decretamento contribuiria para o agravamento da sua situação económica e financeira – de insolvência em que objetivamente já se encontra;

5ª Como tal, também, afigura-se absolutamente irrelevante a produção de prova sobre tal factualidade, sem que isso seja suscetível de poder constituir para a A............... qualquer denegação e/ou preterição das suas garantias processuais ou, mesmo, suscetível de poder influir na decisão da causa;

6ª Todavia, também se admitirá que este TCA, no uso dos poderes conferidos pelo artº 662º do CPC, possa entender dever aditar tal factualidade à Fundamentação de Facto da Sentença recorrida, sendo que dela não resultará perfuntoriamente, que seja, minimamente provado:

- que «A manutenção das atividades da Requerente depend[a] assim da imediata suspensão dos efeitos do ato requerido», porquanto tal suspensão de eficácia nenhuns efeitos teria na situação efetiva de insolvência em que a A............... já se encontra;

- que «A devolução do subsídio atribuído pelo Requerido à Requerente conduz[a], necessariamente ao estrangulamento financeiro da Requerente, com o consequente incumprimento das obrigações da Requerente perante trabalhadores, fornecedores e proprietários das zonas integradas florestais e das áreas agrupadas», porquanto tal «estrangulamento financeiro» financeiro já decorre da circunstância de não lhe serem processados subsídios e não da requerida suspensão de eficácia;

- que «Em suma, a não suspensão de eficácia do ato requerido signifi[que] a insolvência da Requerente, pelo que o efeito da ação principal, por força da anulação da decisão impugnada, de nada lhe valerá», porquanto a A............... já se encontra material e legalmente numa situação de efetiva insolvência;

- e que tal factualidade, «Constitu[a] uma situação de facto consumado e prejuízos de impossível reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal (cfr. art° 120º n° 1 CPTA)», que, por um lado, a A............... não indica, e que, por outro lado, também se não vislumbra, dada, precisamente, a efetiva situação de insolvência em que a A............... já se encontra;

7ª Finalmente, também importará observar que a factualidade subjacente à prática do ato suspendendo, bem como também subjacente à prática dos demais atos administrativos referentes às demais Operações da A............... se acha em averiguação no Inquérito a ser tramitado na 2ª Secção de Inquéritos da Procuradoria da Instância local – Portalegre - sob o nº 776/16.3T9PTG, no qual o IFAP já requereu a sua constituição como Assistente nos termos do disposto no artº 77º do CPP, o que não poderá deixar de relevar para efeitos de ponderação de interesses públicos e privados em presença;

8ª Resulta, assim, das precedentes Conclusões, que nem o Despacho da Mª Juiz a quo que considerou dispensável a produção de prova testemunhal e a tomada de declarações de parte, nem a Sentença recorrida se mostram passíveis de qualquer censura;

9ª Todavia, no caso de assim se não entender, sempre, então, se afiguraria poder ser aproveitada a prova já produzida relativamente a tal factualidade no âmbito do Proc. nº 162/18.0 BECTB em conformidade com o decidido no Acórdão deste TCA de 07/02/2019, com a consequente decisão de não decretamento da providência cautelar requerida.


Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o tribunal a quo errou ao ter indeferido a produção de prova testemunhal e depoimento de parte requeridos;

- Se o Tribunal a quo errou, de facto e de direito, ao não suspender a eficácia da decisão de 4.10.2018 do presidente do conselho directivo do IFAP, pelo qual havia sido determinado a devolução do valor de EUR 774.449,59, correspondente à soma das quantias tidas por indevidamente recebidas no âmbito da operação n.º ..............., designada por “Área Agrupada de V...............”, por ter considerado não verificado o requisito do periculum in mora (primeira parte do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA).



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

A) A Requerente é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída por produtores florestais, tem por objeto social a defesa e promoção dos interesses dos produtores e proprietários florestais e o desenvolvimento de ações de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora; a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, a conservação da natureza, bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados: cfr. doc. 1 junto com o Requerimento Inicial – RI;

B) Em 2013-06-14, a Requerente celebrou com a Entidade Requerida um acordo denominado “Contrato de Financiamento nº ...............”, referente ao pedido de apoio na operação nº ..............., designada por “Área Agrupada de V...............”, no âmbito da candidatura ao Programa PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, no Eixo “Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural”, subprograma 2 – “Gestão Sustentável do Espaço Rural”, Medida 2.3 – “Gestão do Espaço Florestal e Agro-Florestal”, Ação 2.3.3 – “Valorização Ambiental dos Espaços Florestais”, Sub ação 2.3.3.3 “Proteção contra Agentes Bióticos Nocivos”: cfr. doc. 2 junto com o RI;

C) Do acima referido contrato, ressalta além do mais, que a Entidade Requerida concedeu à Requerente um subsídio não reembolsável no valor de €946.710,98 correspondente a 65,55% do valor do investimento total da operação aprovada para aquela Área Agrupada; que os pagamentos são realizados sob a condição da sua elegibilidade e conformidade com as normas aplicáveis e; ainda que, em caso de incumprimento, pode ocorrer a modificação unilateral do contrato de financiamento e a consequente devolução das ajudas indevidamente recebidas: cfr. doc. 2 junto com o RI;

D) Em 2017, as contas da Requerente registam um prejuízo de € 579.202,72 e apresentam prejuízos acumulados de € 3.577.408,07, assim como proveitos nulos, regista dívidas no valor global de € 3.576.581,30, e um resultado financeiro negativo de € 3.571.793,79, correspondente à soma do prejuízo de €579.202,72 no exercício de 2017 e os prejuízos acumulados dos anos anteriores (resultados transitados) no valor de € 2.992.591,07: cfr. doc. 27 a doc. 30 juntos com o RI;

E) Ato suspendendo:

Em 2018-10-04, o Presidente do Conselho Diretivo da Entidade Requerida decidiu:

[…] – Doc. 3 junto com o r.i.;

F) Em 2018-10-08, foi a Requerente notificada do ato suspendendo: cfr. doc. 3 junto com o RI;

G) Em 2019-01-08, a Requerente intentou a presente providênciacautelar neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. fls. 1 a 205 dos autos;

H) Para além, para além do ato suspendendo a Entidade Requerida, determinou também a alteração de, pelo menos, 23 outros contratos de financiamento celebrados com a Requerente, e a devolução do valor total de €3.013.668,57, correspondente aos montantes dos subsídios atribuídos à Requerente nas operações a seguir identificadas:

1. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de F..............., determinando a devolução do valor de € 78.374,48;

2. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada da B..............., determinando a devolução do valor de € 108.207,98;

3. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada da F..............., determinando a devolução do valor de € 59.024,78;

4. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de T..............., determinando a devolução do valor de € 228.765,26;

5. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de C..............., determinando a devolução do valor de € 3.622,24;

6. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de M..............., determinando a devolução do valor de € 11.880,40;

7. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de S..............., determinando a devolução do valor de € 100.007,12;

8. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada V..............., determinando a devolução do valor de € 520.042,98;

9. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada da H..............., determinando a devolução do valor de € 524.383,54;

10. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de V..............., determinando a devolução do valor de € 166.543,04;

11. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada H..............., determinando a devolução do valor de € 109.647,58;

12. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de ..............., determinando a devolução do valor de € 60.655,78;

13. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada da L..............., determinando a devolução do valor de € 3.379,32;

14. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de T..............., determinando a devolução do valor de € 33.112,94;

15. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada da C..............., determinando a devolução do valor de € 55.618,87.

16. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de A..............., determinando a devolução do valor de € 56.229,86.

17. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada F..............., determinando a devolução do valor de € 87.842,47.

18. Operação nº ..............., designada por ZIF do V..............., determinando a devolução do valor de € 379.233,88.

19. Operação nº ..............., designada por ZIF do V..............., determinando a devolução do valor de € 44.858,90.

20. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de V..............., determinando a devolução do valor de € 106.942,59.

21. Operação nº ..............., designada por ZIF de S..............., determinando a devolução do valor de € 101.729,42.

22. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada da C..............., determinando a devolução do valor de € 47.814,85.

23. Operação nº ..............., designada por Área Agrupada de V..............., determinando a devolução do valor de € 125.759,29.

: cfr. doc. 4 a doc. 26 juntos com o RI;

I) A Requerente não é possuidora ou proprietária de qualquer património: cfr. doc. 31 junto com o RI:

J) Em agosto de 2018, nas contas bancárias tituladas pela Requerente, todas da Caixa ..............., o saldo bancário disponível em agosto de 2018, é de €1.040,60: cfr. doc. 32 junto com o RI.

Consta ainda da sentença recorrida que não se provou que:

Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções das partes integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito, posto que, no essencial, se houve por banda da Entidade Requerida pagamento (precedido de verificação física e validação dos técnicos da DRAPAL), cuja devolução (assente v.g. na redução e na exclusão de despesas) foi determinada e se encontra agora sindicada, assume-se a aceitação dos mesmos até ao momento em que, face aos resultados da ação de controlo, verificou a existência do que considera ser irregularidades que fundamentam a prolação do ato em crise.

Outrossim, não resulta indiciariamente assente quais as obrigações que a Requerente alega ter perante trabalhadores, fornecedores e proprietários das zonas integradas florestais e das áreas agrupadas, os quais, sublinhe-se, também não logra identificar, podendo ter feito e apresentado, como se impunha, prova documental de tais factos alegados: vide art. 342º e art. 364º n.º 1 (referência declaração negocial) ambos do Código Civil – CC.




II.2. De direito

Começa a Recorrente por imputar erro de julgamento ao despacho pré-sentencial e com a sentença notificado que dispensou a realização das diligências de prova requeridas, com fundamento no art. 118º, n.º 5, e art. 7º-A do CPTA, por julgar que nos presentes autos a matéria que se discutia era essencialmente de direito, e integrada por factos a provar por documentos já juntos aos autos.

Alega neste ponto a Recorrente que articulou nos autos matéria de facto concreta, especificada e suficiente para se avaliar a existência do requisito do periculum in mora, sendo que “[a] matéria de facto articulada nos artºs. 127º a 131º da p.i. corresponde a factualidade concreta que pode e deve ser objeto de instrução, caso se entenda que não resulta já do probatório a verificação do requisito de “periculum in mora”; // Ao contrário do decidido na decisão reclamada, aqueles factos especificam, descrevem e consubstanciam o requisito do “periculum in mora” evocado pela Requerente para o decretar da providência cautelar”.

E importa ter presente que na situação dos autos a providência cautelar requerida veio a ser indeferida com fundamento na ausência de demonstração do periculum in mora.

Ora, este tribunal tem repetidamente afirmado que (cfr. i.a. a nossa recente decisão sumária de 22.03.2019 no processo 790/18.4BEBJA):

A base de uma decisão justa de mérito assenta necessariamente no julgamento adequado dos factos provados e não provados que permitam ao julgador a construção silogística necessária entre os factos e o direito a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC.

Ao não permitir a produção de meio de prova testemunhal, quanto ao requisito periculum in mora, com tal decisão a Mma. Juiz a quo cerceou o direito que a norma fundamental consagra (artigo 20º nº 1 da CRP), sendo que o ora RECORRENTE logrou ensaiar a demonstração - prova indiciária - dos danos potenciais que resultarão da execução do acto impugnado (avançando prova documental e requerendo prova testemunhal). Haverá, pois, que determinar as diligências de prova que permitam provar, ou não, a factualidade oportunamente alegada pelo requerente da providência.

Como se disse no ac. de 19.10.2017 deste TCAS, proc. n.º 1087/16.0BELRA:

“(…) a jurisprudência tem vindo a preconizar que “O despacho que se pronuncie sobre a admissibilidade dos requerimentos probatórios deve considerar o direito à prova como uma manifestação do princípio do contraditório, admitindo todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos principais ou instrumentais, sem proceder a um juízo de relevância baseado na convicção da verificação ou não verificação do facto que se pretende provar por esse meio de prova. Essa convicção do juiz pode situar-se entre uma mera opinião baseada em elementos algo superficiais e a certeza adquirida alicerçada em elementos seguros de persuasão. A formação do juízo de convicção deverá exigir sempre uma atitude de prudência pelo juiz. // Isto porque, “O direito à prova constitui uma trave mestra do processo, um direito estruturante da relação jurídica processual, que entronca com o princípio da tutela jurisdicional efetiva e com as condições de acesso ao direito e à justiça, tutelados no artigo 20.º da Constituição.”

Com efeito, o Tribunal a quo sustentou o indeferimento da providência cautelar requerida pelo RECORRENTE precisamente por considerar que este não logrou provar os factos demonstrativos dos requisitos necessários ao seu decretamento, em particular o periculum in mora, mas afinal não lhe deu a oportunidade adjectiva para fazer essa prova. E como referido pelo RECORRENTE, a prova requerida e cuja produção foi recusada destinava-se a demonstrar, designadamente, a factualidade alegada no artigo 20.º do r.i.

E se o tribunal a quo considerou essa alegação genérica ou insuficientemente concretizada, então deveria ter feito uso dos poderes-deveres previstos nos art.s 7.º-A, 87.º, nº 1, al. b) e nº 3, do CPTA”.

Ou seja, do exposto resulta que a falta de produção de prova testemunhal e do depoimento de parte viola claramente o direito à produção de prova que assiste à ora Recorrente.

Nesta parte o tribunal a quo errou ao considerar que nos presentes autos a matéria que se discutia era essencialmente de direito, e integrada por factos a provar por documentos já juntos aos autos. A matéria factual alegada e contida nos art.s 180.º a 190.º do r.i., a qual tem por referência a situação patrimonial e financeira da Recorrente e as consequências para si da execução do acto suspendendo, é susceptível de prova por qualquer meio de prova.

Porém, a consequência do apontado erro de julgamento não gera a imediata procedência do recurso, nem é determinativa da baixa dos autos para ulterior instrução da causa.

Vejamos porquê.

Com efeito, como aliás refere o Recorrido nas suas contra-alegações, lendo a oposição, constata-se que essa mesma factualidade está admitida por acordo, por ausência de impugnação (cfr. art. 118.º, nº 2, do CPTA). Como este concluiu:

“(…) os factos relativamente aos quais a A............... pretende, no âmbito do presente recurso, que fosse produzida tal prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte, não constitui factualidade controvertida, razão pela qual também, por isso, sobre ela não se mostraria necessária (ou, sequer, pertinente) a produção de prova;// 3ª Acresce que resulta dos factos que a A............... pretenderia submeter a produção de prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte é que a A............... - não sendo «possuidora ou proprietária de qualquer património»; - não tendo «qualquer capacidade para devolver a parte do valor do subsídio determinada pelo ato ora requerido»; - não tendo «meios económicos nem bens penhoráveis que possam permitir a constituição de garantia que determine a adoção da presente providência cautelar ao abrigo do n° 6 do art° 120º CPTA»; é que a A............... se encontra, objetiva, material e concretamente, numa situação de real e efetiva insolvência, pelo que se lhe impunha/impõe a sua apresentação à insolvência em conformidade com o disposto no artº 18º do CIRE // 4ª Como tal, será de concluir que nem o decretamento da providência requerida contribuiria para a solvência da A...............; nem o seu não decretamento contribuiria para o agravamento da sua situação económica e financeira – de insolvência em que objetivamente já se encontra; // 5ª Como tal, também, afigura-se absolutamente irrelevante a produção de prova sobre tal factualidade, sem que isso seja suscetível de poder constituir para a A............... qualquer denegação e/ou preterição das suas garantias processuais ou, mesmo, suscetível de poder influir na decisão da causa.

Ou seja, mesmo a efectivar-se o aditamento ao probatório, por recurso à faculdade prevista no artigo 662.º, nº 1, do CPC, tal em nada alteraria o desfecho da acção.

Na verdade, no caso concreto não se verifica uma probabilidade de vencimento nos autos principais, a qual é imposta pelo artigo 120.° do CPTA, pelo que sempre se imporia considerar como não verificado o requisito do fumus boni iuris, e, assim, indeferir-se a providência requerida. Matéria que este tribunal ad quem está em condições de conhecer.

A A..............., ora Recorrente, pretende obter a suspensão da eficácia da Decisão suspendenda, imputando-lhe: i) prescrição do procedimento, ii) falta de fundamentação e iii) erro nos pressupostos de facto e de direito.

Relativamente à invocada prescrição, importa desde já observar que, considerando a natureza continuada e/ou repetida das irregularidades constatadas no universo das operações da A..............., designadamente as Operações identificadas no seu RI, estamos perante uma infracção repetida e continuada da mesma norma de elegibilidade de despesas decorrente da facturação da A............... LDA e da P..... LDA. Pelo que o início da contagem do prazo da prescrição do procedimento iniciar-se-ia na data da cessação da última irregularidade praticada no universo de tais Operações, tal como resulta do disposto no 2ª parágrafo do art. 3.º do R 2988/95, bem como da jurisprudência do STA sobre a matéria.

Com efeito, neste caso está em causa a inelegibilidade de despesas facturadas à A............... pela A............... LDA e da P..... LDA, sendo tal irregularidade praticada repetidamente pela ora Recorrente, infringindo-se, em todas elas, como arguido pelo Recorrido, a mesma norma referente à elegibilidade de despesas. E tendo presente, por um lado, a natureza continuada e/ou repetida das irregularidades em causa e, por outro lado, a data do último pagamento efectuado na Operação - 23.12.2015 - e a data em que a A............... foi notificada da intenção de o IFAP recuperar as quantias tidas por indevidamente recebidas no seu âmbito - 11.09.2018 -, ter-se-á que concluir que nesta data (11.09.2018), o procedimento não se acha prescrito pelo decurso de um prazo de 4 anos, sendo que sempre teria que considerar-se que se teria interrompido o prazo prescricional entretanto decorrido. Pelo que, na data da prolação da Decisão suspendenda - em 4.10.2018 -, o procedimento não se encontrava prescrito.

Donde, no caso em apreço, e numa apreciação perfunctória – que é aquela que a natureza do meio processo em uso exige - não se verificar a invocada prescrição dada a natureza repetida e/ou continuada da infracção em causa.

No que se refere à falta de fundamentação, resulta de forma expressa e clara da economia da Decisão suspendenda que, na sequência de controlo efectuado à Operação em causa, em auditoria da IGF, no âmbito da Certificação de Contas, que a mesma se funda no facto de terem sido constatadas irregularidades relativas a elegibilidade de despesas facturadas por A................, LDA e P.... LDA, tendo resultado dessa acção da IGF que em observância da regulamentação comunitária, deveria ser implementado um Plano de Acção com o objectivo de delimitar o perímetro e quantificar o potencial impacto financeiro das referidas irregularidades, porquanto a A............... era beneficiária de outras operações financiadas por fundos europeus, nomeadamente agrícolas. Tal gerou que, as despesas respeitantes a prestação de serviços, por parte das referidas empresas, bem como a razoabilidade dos custos nestas circunstâncias, carecessem de verificação adicional, designadamente no que se referia à evidência dos fluxos financeiros entre o promotor e os fornecedores em causa, bem como os movimentos contabilísticos entre as empresas, repercutindo-se tal verificação adicional, na análise de elegibilidade da despesa apresentada, de forma a assegurar a necessária pista de controlo da despesa, em termos de fornecimento do bem, prestação do serviço, facturação e pagamento, com vista à sua validação, no caso de os valores facturados, efectivamente fornecidos, se encontrarem em conformidade com os preços de mercado.

Por outro lado, igualmente determinou a adequação dos subsídios em conformidade com a realidade apurada no âmbito da Operação em causa, tendo, na circunstância, o IFAP, para tal efeito, procedido à reanálise dos Pedidos de Pagamento (PP’s) submetidos pela A............... no âmbito da Operação em causa.

Tudo isto se extrai da Decisão suspendenda e resulta de inequívoco da instrução procedimental, onde se expõem com rigor os dados de facto que estão na base da decisão final proferida. E por aqui claudica igualmente o apontado erro de julgamento, que não se detecta.

A matéria de fundo que é abordada no presente processo prende-se com a erro acerca da (in)eligibilidade das despesas, tendo presente um critério de razoabilidade das despesas em face dos preços praticados no mercado concorrencial. Ou dito de outro modo, no caso de apoio à subcontratação, a demonstração de que os valores cobrados pelo fornecedor estão em desconformidade com os valores de mercado dos bens e/ou serviços.

Ora, sobre esta questão já se pronunciou o STA no acórdão de 4.10.2017, proc. nº 550/17, onde se sumariou que: “I- É legítimo o IFAP considerar como não elegíveis, para efeito de financiamento pelo FEADER, despesas apresentadas pelo promotor, em pedido de pagamento, consubstanciadas em facturas emitidas por fornecedor subcontratado, naquilo em que tais despesas, sem correspondência real, ultrapassam o chamado preço de entrada, ou 1º preço. // II - O acto administrativo que exclui essas despesas está acobertado pelo regime comunitário e nacional no que respeita à elegibilidade de despesas”.

Entendeu o STA, em situação análoga à presente, o seguinte:

Enquadremos, portanto, e antes de mais, em termos de direito comunitário e nacional, o exercício administrativo traduzido no acto impugnado pela A………….. e anulado pelas instâncias.

Prescreve o Regulamento [CE] nº1290/2005, do Conselho, de 21.06 - respeitante ao financiamento da política agrícola comum, e aplicável ex vi artigo 119º do Regulamento nº1306/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12 - no seu artigo 9º - sobre «Protecção dos interesses financeiros da Comunidade e garantias relativas à gestão dos fundos comunitários» - o seguinte: […] «1- Os Estados-Membros devem: a) Adoptar, no âmbito da política agrícola comum, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, bem como quaisquer outras medidas necessárias para assegurar a protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade em especial a fim de: [i] Se certificarem da realidade e regularidade das operações financiadas pelo FEAGA e pelo FEADER; [ii] Prevenir irregularidades e proceder judicialmente contra as mesmas; [iii] Recuperar os montantes perdidos devido a irregularidades e negligências; [iv] Criar um sistema eficaz de gestão e controlo, que inclua a certificação das contas e uma declaração de fiabilidade assinada pelo responsável do organismo pagador creditado. 2. A Comissão assegura que os Estados-Membros se certifiquem da legalidade e regularidade das despesas referidas no nº1 do artigo 3º e no artigo 4º, bem como do respeito dos princípios de boa gestão financeira […]» […].

O Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09 - relativo ao «Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural» [FEADER], e aplicável ex vi artigo 88º do Regulamento nº1305/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12 - refere nos seus considerandos o seguinte: «61. De acordo com o princípio da subsidiariedade e sob reserva de excepções, devem ser estabelecidas regras nacionais aplicáveis à elegibilidade de despesas». E este mesmo Regulamento, diz, no seu artigo 71º, e sob a epígrafe «Elegibilidade das Despesas», que «[…] 2. As despesas são elegíveis para contribuição do FEADER apenas quando incorridas para a realização de operações decididas pela autoridade de gestão do programa em questão, ou sob a sua responsabilidade, de acordo com os critérios de selecção fixados pelo organismo competente. 3. As regras relativas à elegibilidade das despesas são fixadas ao nível nacional, sob reserva das condições especiais estabelecidas no presente regulamento para determinadas medidas de desenvolvimento rural». E diz ainda, para o que aqui interessa, no seu artigo 74º, nº1, sob a epígrafe «Responsabilidade dos Estados-Membros» que «1. Os Estados-Membros aprovam todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nos termos do nº1 do artigo 9º do Regulamento [CE] nº1290/2005, a fim de garantir a protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade».

O Regulamento [EU] nº65/2011, da Comissão, de 27.01 - que estabelece «as regras de execução do Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09», relativas «aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural», e aplicável por força do artigo 43º do Regulamento Delegado nº640/2014, da Comissão, de 11.03 – estipula no seu artigo 24º, sob a epígrafe «Controlos administrativos», que «[…] 2. Os controlos administrativos dos pedidos de apoio incluem, nomeadamente, a verificação: […] d) Do carácter razoável dos custos propostos, que são avaliados através de um sistema de avaliação adequado, tais como custos de referência, comparação de diferentes propostas ou um comité de avaliação; […] 3. Os controlos administrativos dos pedidos de pagamento incluem, nomeadamente, e tanto quanto seja adequado relativamente ao pedido em causa, a verificação: […] b) Da realidade das despesas declaradas; c) Da operação concluída, por comparação com a operação para a qual o pedido de apoio foi apresentado e concedido».

O DL nº37-A/2008, de 05.03 - que estabelece «as regras gerais de aplicação dos programas de desenvolvimento rural [PDR] financiados pelo FEADER», e «aprovados nos termos do Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09, para o período 2007/2013» [alterado pelo DL nº66/2009, de 20.03, que o republica, e pelo DL nº69/2010, de 16.06] - considera como «despesa elegível» [artigo 3º, alínea l)] aquela que é «perfeitamente identificada e claramente associada à concretização de uma operação cuja natureza e data de realização respeitem a regulamentação específica do PDR em causa, bem como as demais regras nacionais e comunitárias aplicáveis».

A Portaria nº1137-D/2008, de 09.10 - aprova o Regulamento de Aplicação da Acção nº2.3.3, «Valorização Ambiental dos Espaços Florestais», da Medida 2.3, «Gestão do Espaço Florestal e Agro-Florestal», integrada no Subprograma nº2, «Gestão sustentável do espaço rural», do «Programa de Desenvolvimento Rural do Continente [PRODER] [e alterada pelas Portarias nº147/2009, de 06.02, nº739-B/2009, de 09.07, nº814/2010, de 27.08, nº228/2011, de 09.06, e nº253/2013, de 07.08] - diz, no seu artigo 11º, que «As despesas elegíveis e não elegíveis são, nomeadamente, as constantes do Anexo I ao presente regulamento» sendo que, no dito Anexo I, se descriminam, nos seus vários pontos, as despesas elegíveis e não elegíveis para cada uma das intervenções, estando tal descriminação efectuada por espécies de despesas. Mas, note-se, não só as despesas, para «serem elegíveis», terão de ser enquadradas numa das espécies expressamente previstas em cada um dos subpontos do ponto 1, como também resulta - do intróito do referido ponto 1 - que o serão atendendo ao respectivo valor de mercado e até ao limite dos valores constantes nas tabelas da Comissão de Acompanhamento para as Operações Florestais [CAOF] quando aplicável.

Por fim, importará referir o chamado «Manual Técnico do Beneficiário - Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER [Investimento] e FEP» - cuja 1ª versão foi «aprovada» em Junho de 2012, e a 2ª versão em Abril de 2014, pelo Presidente do IFAP - que «de uma forma simplificada visa dar a conhecer as principais regras nacionais e comunitárias que os beneficiários dos Programas de Desenvolvimento Rural e do FEP devem adoptar em sede de contratação das operações e na apresentação dos pedidos de pagamento». Ora, segundo este Manual, as «facturas apresentadas a pagamento» no âmbito de operações de financiamento comunitário, devem integrar sempre, como elemento obrigatório, a «Quantidade e denominação dos bens/serviços» adquiridos e prestados, e prescreve o seu ponto «6.2», sobre «Disposições Complementares de Elegibilidade da Despesa», e além do mais, que «A despesa a considerar elegível é a que estiver de acordo com os preços de mercado, sendo que no âmbito da subcontratação o valor aceite será limitado ao montante dessa subcontratação [1º preço de venda/preço de entrada]».

Foi este o enquadramento jurídico - comunitário e nacional - que assistiu ao «acto impugnado», e «anulado».

7. E dele ressuma, desde logo, a consagração pelo «direito comunitário» de um dever de protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade por parte de todos os Estados-Membros, aos quais cabe, respeitados determinados princípios gerais, estabelecer as regras sobre elegibilidade, designadamente, de despesas apresentadas nos pedidos de pagamento, mediante as necessárias «disposições legislativas, regulamentares e administrativas» e podem ser responsabilizados se não o fizerem. E ressuma o dever de respeito pelo princípio da boa-gestão financeira e pelos critérios de selecção de despesas fixados pelo organismo competente, não se podendo prescindir nem da verificação da realidade das despesas declaradas, nem da sua aferição segundo o critério da razoabilidade de custos.

Assim, do referido e citado artigo 24º, do Regulamento nº65/2011, mais do que a mera possibilidade, resulta o dever de o aqui IFAP, regido pelos princípios da boa gestão financeira e da eficaz defesa dos interesses financeiros da Comunidade, excluir, do financiamento pelo FEADER, despesas sem correspondência real, isto é, despesas que não obstante corresponderem a uma acção executada não lhes subjaz o correspectivo bem ou prestação, mostrando-se, por isso, irrazoáveis em termos de mercado concorrencial.

É esta, aliás, e ao que tudo indica, a razão de ser da consagração, no referido «Manual Técnico», do critério do «1º preço de venda/preço de entrada», aplicável no âmbito da subcontratação, e em sintonia com o DL nº37-A/2008, de 05.03, e com a Portaria 1137-D/2008, de 09.10, que exige a ponderação do «valor de mercado» - que é sempre valor de algo, nomeadamente de bens ou serviços - como necessária à elegibilidade das despesas comparticipadas.

E com esse decreto-lei, portaria, e manual técnico, o Estado Português, como Estado-Membro da União Europeia, está precisamente a dar «cumprimento» ao dever que emerge dos supra citados regulamentos comunitários, concretamente ao dever imposto no artigo 9º, nº1 alínea a) do Regulamento [CE] nº1290/2005, do Conselho, de 21.06 [ver, também, o citado artigo 74º, nº1, do O Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09], que determina a adopção, no âmbito da política agrícola comum, de todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à protecção eficaz dos interesses da Comunidade, mormente na linha de exigência de uma boa gestão financeira, gerindo e verificando de forma inteligente e arguta, a concessão e aplicação de recursos escassos, que, no fim da linha, encontram os bolsos de todos os cidadãos europeus.

8. Ora, a decisão administrativa tomada pelo «Presidente do Conselho Directivo do IFAP», que determinou a alteração do contrato de financiamento referente à operação «Área Agrupada de M...............» e a devolução do valor já recebido pela A……….., insere-se precisamente no âmbito de aplicação deste quadro normativo acabado de abordar.

Efectivamente, e logo na vanguarda normativa, porque se encontravam perante uma situação de despesas emergentes de subcontratação, impunha-se ao IFAP, para as poder considerar «elegíveis» para pagamento, a sua aferição de acordo com os preços de mercado, mas com o limite imposto pelo critério do «1º preço de venda/preço de entrada». Critério este oportunamente aprovado pelo Presidente do IFAP, e, ao que vimos, no exercício de competência perfeitamente legitimada no direito comunitário.

Mas, não só legitimada. É que a fixação desse «critério» está em sintonia com o dever imposto pelo «direito comunitário» aos Estados-Membros, de procederem a uma «boa gestão financeira» dos subsídios comunitários concedidos aos seus nacionais, o que impõe - como já dissemos - uma gestão inteligente, previdente, e arguta, que feche a porta a despesas irreais.

No caso, a A…………, enquanto «promotora» da operação subsidiada, instruiu os dois primeiros pedidos de pagamento com duas facturas - factura nº…/2013 e factura nº…/2014 - ambas emitidas pela B…………, nas quais esta empresa, enquanto fornecedora, adicionava uma margem de lucro ao preço dos bens e serviços que havia subcontratado, sem que lhe correspondesse qualquer mais-valia, qualquer valor acrescentado da sua parte.

Trata-se, portanto, da pura adição de um valor a que não corresponde qualquer contrapartida, sem correspondência real, que abre a porta a preços fictícios e à especulação, e que, nas referidas circunstâncias factuais e jurídicas, não poderá ser qualificado de razoável num mercado concorrencial. Na verdade, os terceiros que forneceram os bens adquiridos e prestaram os serviços solicitados fizeram-no, obviamente, com margem de lucro, pois para isso trabalham, de modo que os valores por eles cobrados já traduziam custos razoáveis, não tendo de ser os dinheiros comunitários a suportar novas, e irreais, margens de lucro.

Por isso mesmo, o IFAP, ao utilizar o critério da razoabilidade do preço que consta do ponto 6.2 do referido «Manual Técnico» - «1º preço de venda/preço de entrada» -, considerando como custos máximos elegíveis, para efeitos de co-financiamento, os limitados aos montantes da subcontratação, não só cumpriu essa disposição administrativa como agiu em consonância com o preceituado no artigo 24º, nº3 alínea b), do Regulamento [EU] nº65/2011, que exclui do financiamento despesas sem correspondência real.

9. Deste modo, e ao contrário do decidido, a decisão administrativa impugnada não está contaminada pelo «erro nos pressupostos» que lhe foi apontado pela autora da acção e requerente cautelar, pois o IFAP podia ter considerado, como considerou, apenas elegível a parte das despesas correspondente ao valor que os bens e serviços tiveram no âmbito da subcontratação”.

Assim sendo, não se pode dar como preenchido o pressuposto da existência de fumus boni juris (idem, com as mesmas Partes, o acórdão deste TCAS de 23.11.2017, proc. nº 317/16.2BECTB, por nós relatado).

Quanto ao requisito do fumus boni juris, cumpre destacar, como já se fez, i.a. no acórdão deste TCAS de 20.04.2017, proc. n.º 1197/16.3BESNT, que a revisão do CPTA de 2015, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, modificou a sua relevância, quer no que se refere à sua suficiência para o decretamento da providência (situação que o anterior art. 120.º, n.º 1, al. a), previa), quer por via da uniformização do regime no que se refere à comprovação da probabilidade de procedência da acção principal (existente no regime anterior, em que se distinguia, com exigência variável, conforme estivesse em causa uma providência conservatória ou uma providência antecipatória).

Neste particular, refere Vieira de Almeida, in A Justiça Administrativa (Lições), 15.ª ed., 2016, pp. 320 e s.:

“(…)

Antes de 2015, nas situações intermédias, que correspondem à grande maioria dos casos, em que há uma incerteza prima facie relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei optava por uma graduação, em função do tipo de providência requerida: a) se a probabilidade fosse maior, isto é, “se fosse provável que a pretensão principal viesse a ser julgada procedente nos termos da lei", podia ser decretada a providência, mesmo que fosse antecipatória; b) se a providência pedida fosse apenas uma providência conservatória, já não era preciso que se provasse ou que o juiz ficasse com a convicção da probabilidade de que a pretensão fosse procedente, bastando que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão principal ou a existência de circunstâncias que obstassem ao seu conhecimento do mérito. Por outras palavras, a lei bastava-se com um juízo negativo de não-improbabilidade (non fumus malus) da procedência da acção principal para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obrigava a que se pudesse formular um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência antecipatória.

A eliminação desta diferenciação, em 2015, pode justificar-se pela dificuldade e eventual inadequação, em alguns casos, da distinção conceitual entre as providências, mas significa objectivamente uma maior exigência de prova feita ao requerente para a obtenção de medidas cautelares conservatórias - e, portanto, um maior relevo negativo da juridicidade material. [sublinhado nosso]

Seja como for, o fumus boni iuris não é decisivo, tendo de verificar-se os outros requisitos necessários para a concessão, designadamente, o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem como, conforme veremos a seguir, a proporcionalidade dos efeitos.

Há, portanto, aqui, um tributo à justiça material (à legalidade e aos direitos dos particulares), que deixa de ser, como era antes de 2002, a pretexto da sumaridade do conhecimento do juiz, sacrificada ou menosprezada por respeito, por vezes absolutamente indevido, ao poder administrativo e à pretensão de validade dos seus actos - embora o Código, com alguma prudência, não confira à "aparência do direito” uma prevalência absoluta, precisamente por estarem em jogo interesses contrapostos e conflituantes, que necessitam, como veremos melhor, de uma ponderação.

Na realidade, a relevância da juridicidade material, sobretudo nos casos de incerteza à primeira vista, não pode ser pretexto para alongar e desvirtuar o processo cautelar - que, visando uma decisão provisória ou interina, se caracteriza justamente por uma cognição sumária sobrecarregando-o com uma argumentação e uma instrução aprofundadas sobre o mérito da causa, como se fosse um processo principal. A referência ao “fumus”, ou seja, à "aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais.

Também explica Mário Aroso de Almeida, a este propósito, in Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, p. 451, o seguinte: “A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.”.

Significa isto que no (actual) regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. Embora a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunem com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente.

No caso em apreço, que, repete-se, é similar ao decidido pelo STA, a diferença entre o preço original dos bens e serviços e o preço final facturado e para o qual foi pedida a comparticipação financeira comunitária, apenas se terá ficado a dever à margem de lucro que os fornecedores entenderam adicionar, sem que tenha trazido – pelo menos tal não vem demonstrado, desde logo porque não foi alegado -, pela sua intervenção quaisquer mais-valias que justificassem a diferença.

Assim, tudo visto, temos que a Decisão suspendenda se encontra devidamente fundamentada, em observação do regime legal vigente e considerando as circunstâncias de facto apuradas em controlo realizado à Operação em causa. Nesta medida, não se demonstrando a provável invalidade do acto suspendendo, não poderá deferir-se a providência requerida, tornando-se assim inútil, efectuar o juízo de ponderação de interesses.

Deixe-se ainda estabelecido, sublinhando-o, que a análise empreendida é sumária e perfunctória, cumprindo as exigências inerentes ao grau de conhecimento - fundamentação de facto e de direito – tida como exigida nestes autos cautelares (neste sentido, v. o ac. do STA de 22.03.2018, proc. nº 1486/17, donde se retira que não é exigível nem permitida uma análise aprofundada de cada ilegalidade imputada pela requerente cautelar, o que poderia esvaziar de conteúdo a acção principal). E da análise efectuada, considerando devidamente a jurisprudência tirada sobre esta matéria (preponderando o citado acórdão do STA de 4.10.2017), haverá que concluir pela improbabilidade da ora Recorrente sair vencedora na acção principal.

Por fim cumpre evidenciar que o IFAP está vinculado, nos termos do disposto no art. 9.º do R 1290/2005 “a assegurar uma protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade em especial a fim de: i) se certificarem da realidade e regularidade das operações financiadas pelo FEAGA e pelo FEADER: ii) prevenir irregularidades e proceder judicialmente contra as mesmas, iii) recuperar os montantes perdidos devido a irregularidades ou negligências. O IFAP, enquanto “Organismo Pagador”, ainda está vinculado, por força do disposto no nº 6 do art. 7.º do R 1306/2013, a gerir e assegurar o controlo das operações ligadas à intervenção pública por que é responsável, detendo a responsabilidade global nesse domínio.

Razões pelas quais, uma vez que falece o pressuposto do fumus boni iuris, tem que ser negado provimento ao recurso e, com a presente fundamentação, manter a sentença recorrida que indeferiu a providência cautelar requerida.



III. Conclusões

Sumariando (adoptando o sumário do citado ac. deste TCAS de 23.11.2017, proc. nº 317/16.2BECTB):

i) A decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma (art. 120.º, n.º 1, in fine, do CPTA).

ii) É legítimo o IFAP considerar como não elegíveis, para efeito de financiamento pelo FEADER, despesas apresentadas pelo promotor, em pedido de pagamento, consubstanciadas em facturas emitidas por fornecedor subcontratado, naquilo em que tais despesas, sem correspondência real, ultrapassam o chamado preço de entrada, ou 1º preço.

iii) Na falta de demonstração da ilegalidade do acto suspendendo, a pretensão de que se suspenda a eficácia desse acto soçobra, por falta do indispensável fumus boni juris.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, com a presente fundamentação, indeferir o pedido cautelar.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 23 de Maio de 2019



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Pedro Marchão Marques


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Alda Nunes


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José Gomes Correia