Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06694/13
Secção:CT -2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
I.R.C. NOÇÃO DE CUSTOS.
FACTURAS FALSAS. ÓNUS DA PROVA.
PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO RENDIMENTO REAL (CFR.ARTº.104, Nº.2, DA C.R.P.).
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO. LIMITES.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
7. Independentemente da questão da adequada titulação do custo, a A. Fiscal pode desconsiderar custos reflectidos nos documentos porque lhe suscitam dúvidas quanto à sua existência ou quantificação, hipótese em que deverá concretizar a factualidade indiciária que conduziu a essa situação de dúvida (v.g.pagamento em numerário de quantias avultadas; falta de prova do levantamento da importância de depósito à ordem para o caixa a fim de satisfazer o pagamento, etc.). O contribuinte tem, então, o ónus de comprovar a efectividade do custo e a consequente determinação do seu concreto montante, recorrendo a qualquer meio de prova e, do êxito da prova, depende a medida do exercício do direito à dedução. Por outras palavras, a A. Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte (cfr.artº.75, da L.G.T.), só então passando a competir ao contribuinte o ónus da prova de que as operações se realizaram efectivamente, sob pena de os valores constantes dos documentos contabilísticos não poderem ser aceites como custos para efeitos de I.R.C. Mais, não é necessário que a A. Fiscal efectue prova dos pressupostos da simulação previstos no artº.240, do C.Civil, sendo bastante a prova de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas.
8. O princípio da tributação pelo lucro real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa. Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da sua norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso, antes tendo de ser concatenado com outros princípios e normas constantes em outros diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.), tal como os artºs.18 e 23, do C.I.R.C.
9. O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando, assim, as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário).
10. No entanto, o poder/dever de investigação do Tribunal está limitado aos factos alegados pelas partes ou que, oficiosamente, seja lícito ao juiz conhecer (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.T.). Por outras palavras, não podemos esquecer que a lide e o objecto do processo se individualizam não só pelo pedido, como pela causa de pedir, uma vez que no nosso direito processual se acolheu a chamada teoria da substanciação, segundo a qual, não basta que o autor formule uma pretensão, devendo, igualmente, delimitá-la por uma concreta “causa petendi” (cfr.artº.581, do C.P.Civil). Também no processo contencioso tributário o juiz está limitado a julgar “secundum allegata”, não podendo, por si, ampliar o objecto do processo, premissa que condiciona o examinado princípio da investigação.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“ ... - ... , L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.125 a 134 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pela recorrente intentada tendo por objecto liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 2006 e no montante de € 11.009,31.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.155 a 160 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Na audiência de inquirição de testemunhas ficou provado, salvo melhor opinião, de forma indubitável, que as obras consignadas nas várias facturas foram realmente efectuadas pela ora recorrente;
2-Aliás na douta sentença é reconhecida que a sociedade comercial denominada "Construções ... , Lda." cedeu mão de obra à ora recorrente para a realização de obras de construção civil nos locais indicados nas facturas identificadas no relatório de inspecção;
3-Isto é, é a própria sentença que reconhece que houve efectivamente serviços prestados, ou seja a existência de custos necessários para a realização dos proveitos;
4-O facto do conteúdo das facturas não obedecerem aos requisitos formais, de modo algum podem levar a que as despesas respectivas sejam desconsideradas para apuramento do verdadeiro rendimento real posteriormente tributável;
5-Foi assim violado o Princípio da Tributação de Rendimentos Reais consagrado não só na Constituição da República Portuguesa como, igualmente, no Direito Fiscal, a partir da reforma dos ano oitenta;
6-Também foi violado o Princípio da Investigação da Verdade Material na justa medida em que a Administração Fiscal não curou, como era/é seu dever, de proceder às diligências necessárias para apurar não só a verdade material, como a quantificação em termos de custos de tais obras;
7-De realçar também o facto, assaz importante, da Administração Fiscal não ter arrolado qualquer testemunha;
8-Deve pois a douta sentença proferida no Tribunal "a quo" ser declarada nula e ordenada a sua substituição por outra que aprecie o mérito da impugnação deduzida e declare a nulidade da correcção efectuada pela Administração Fiscal no rendimento tributável e respectiva liquidação adicional do IRC;
9-Nestes termos, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências deve o presente recurso proceder, por provado e, em consequência, ser declarada a nulidade da sentença recorrida e ordenada a sua substituição por outra que aprecie o mérito da impugnação, e declare a nulidade da correcção efectuada pela Administração Fiscal no rendimento tributável do ano de 2006 bem como a nulidade da correcção em sede de IRC, fazendo-se deste modo a costumada e desejada JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento do presente recurso (cfr.fls.172 a 175 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.179 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.126 a 132 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade " ... - ... L.da.", foi objecto de uma acção de inspecção de âmbito parcial (I.V.A. e I.R.C.) aos exercícios de 2006 e 2007 que "teve origem numa Informação/Remessa de documentação da Direcção de Finanças de Braga, na qual a empresa ... Soc. de Construção Civil Lda., está referenciada como utilizadora de facturas indiciadas como falsas, emitidas pela empresa Construções ... Lda, NIPC ... , com domicílio fiscal naquela área geográfica" (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.9 a 31 do processo administrativo apenso);
2-A sociedade ora impugnante tem como objecto a "Indústria da construção civil e obras públicas, urbanizações, projectos, ampliações, transformação, restauração e demolição de edifícios; comércio de materiais de construção e outros serviços na área da construção civil." (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.9 a 31 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.32 a 34 do processo administrativo apenso);
3-Os serviços de inspecção fizeram constar do relatório as diligências que realizaram no âmbito da acção de inspecção e que foram as seguintes:
"(...)
II.3.3. Diligências Efectuadas
II.3.3.1 Gabinete de Contabilidade
Deslocámo-nos ao gabinete de contabilidade " ... Lda", onde nos reunimos com o técnico oficial de contas, ... e o sócio gerente da empresa o Eng. ... , iniciando-se a acção inspectiva através da assinatura da ordem de serviço por parte do sócio gerente. Obtiveram-se os balancetes gerais, extractos de conta corrente e cópias dos mapas de reintegrações e amortizações do imobilizado.
II.3.3.2 Sede
Na sede da empresa procedeu-se ao exame da contabilidade, bem como da documentação de suporte e foi ouvido o sócio gerente (Eng. ... ) em auto de declarações (anexo 2 e 3).
II.3.3.3 Fornecedor
Deslocámo-nos à Av. ... , Lt 34 - 2 - Frente, ... , que é a morada constante nas facturas da empresa fornecedora "Construções ... " emitidas à empresa ... Lda. Na referida morada não foi possível contactar ninguém, não havendo nenhum indício que ali tenha funcionado qualquer empresa. Segundo diligências já efectuadas pela Direcção de Finanças de Braga o n.° de telemóvel indicado nas facturas pertence a uma pessoa particular aparentemente de nacionalidade brasileira.
II.3.4. Análise Contabilístico-Fiscal
Com base nas declarações de rendimentos Modelo 22 e declarações anuais de informação contabilística e fiscal, procedeu-se ao confronto dos valores mencionados nas mesmas com os registos contabilísticos, não se tendo verificado diferenças entre os valores declarados e a contabilidade, relativamente aos exercícios de 2006 e 2007.
(...)
II.3.4.1 Organização contabilística
A contabilidade da sociedade encontrava-se organizada de acordo com a normalização do Plano Oficial de Contabilidade (POC), no entanto existem deficiências, nomeadamente:
• Inexistência de contas bancárias em 2006 e 2007, sendo os pagamentos e recebimentos efectuados exclusivamente por caixa;
• Através da análise dos extractos de conta corrente da caixa, nos anos de 2006 e 2007, verifica-se que apresentam muitas vezes saldos credores ou seja são efectuados constantemente pagamentos por caixa sem existir saldo suficiente na mesma para suportar os pagamentos;
• O saldo credor da conta caixa é acertado periodicamente por contrapartida da conta de sócios (25.5.2), tendo como suporte contabilístico meramente um documento interno;
• A conta de sócios (25.5.2) por sua vez é acertada no final dos exercícios através da conta 53.1 Prestações Suplementares, tendo também como documento de suporte um documento interno.
(...)
(cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.9 a 31 do processo administrativo apenso);
4-Em relação ao fornecedor "Construções ... , Lda.", os serviços de inspecção mencionaram no relatório de inspecção o seguinte:
"(...)
III.1. Fornecedor "Construções ... , Lda - NIPC ... "
Na informação enviada pela Direcção de Finanças de Braga, a empresa Construções ... , Lda, NIPC ... , com sede na R Dr. ... N 51 2 Es Tr. Braga, está indiciada como emitente de facturas falsas, sendo a empresa ... Soc de Construção Civil Lda utilizadora das mesmas.
III.1.1 Movimento Contabilístico
No exercício de 2006, verificou-se que foram contabilizadas na sociedade ... Soc de Construção Civil Lda, como custos do exercício, as seguintes facturas emitidas em nome da empresa Construções ... , Lda, (anexo 4):

Factura
Descrição
Base Tributável
IVA
Total
Data
384 30-11-2006 Remodelação do escritório em Almada
11.372,70 €
2.388,27 €13.760,97 €
385 30-11-2006 Trabalhos de construção civil na vossa obra de Cascais
2.100,00 €
441,00 €2.541,00 €
386 30-11-2006 Trabalhos de construção civil e electricidade na vossa obra de Cascais
7.500,00 €
1.575,00 €9.075,00 €
387 30-11-2006 Apoio aos trabalhos de publicidade em várias obras
45.750,00 €
9.607,50 €55.357,50 €
Total
66.722,70 €
14.011,77 €80.734,47 €

Todas as facturas foram contabilizadas em Fornecimentos e Serviços Externos subcontratos, Conta 62.1.1 do POC.
Os recibos destas facturas têm a mesma data e o pagamento foi contabilizado por caixa (Conta 11).
III.1.2 Enquadramento Jurídico e Fiscal
A empresa Construções ... , Lda, com o NIPC ... iniciou a actividade de "Construção de Edifícios" (CAE 041200) a 01 de Julho de 1996, tendo estado enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável até 31/12/2006 e no regime simplificado de 01/01/2007 a 31/12/2007, data em que foi cessada oficiosamente para efeitos de IVA e IRC.
Em sede de IVA esteve sempre enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral.
A sede da empresa situava-se na R Dr. ... N 51 2 Es Tr, Braga.
De acordo com a informação enviada pela Direcção de Finanças de Braga, esta sociedade por quotas tinha um capital social de 5.000,00 €, dividido por duas quotas de igual valor nominal pertencentes a ... (NIF ... ) e ... (NIF ... ), cedidas por estes através de escritura pública realizada no 1.° Cartório de Barcelos em 05/07/2005 a ... (NIF ... ), que passou a ser o único sócio e gerente.

III.1.3 Cumprimento geral das obrigações fiscais
A sociedade não cumpriu nenhuma obrigação declarativa desde o ano de 2005.
III.1.4 Caracterização
De acordo com o relatório da acção inspectiva efectuada pela Direcção de Finanças de Braga a empresa Construções ... , Lda, está indiciada como emitente de facturação falsa relativamente ao período a seguir a Maio de 2005, não possuindo uma estrutura empresarial, não se conhecendo imobilizado, nomeadamente instalações ou viaturas.
A sociedade apresentou em Dezembro de 2004 a última declaração de remunerações à segurança social.
O seu único sócio gerente desde Julho de 2005, ... (NIF ... ), esteve detido no Estabelecimento Prisional do Montijo desde 23/02/2007.
As facturas emitidas e detectadas em nome desta empresa, somam no ano de 2006 o montante de € 532.418,7, e no ano de 2007 o montante de € 124.085,50 e foram impressas nas seguintes tipografias:

NIF
Nome
Elementos Requisitados
... ... de ... - 5 livros de facturas do n° 301 a 550
- 5 livros de recibos do n° 301 a 550
... ... - 2 livros de recibos do n° 250 a 350

Nenhuma das tipografias identificadas possui requisição escrita da empresa, de acordo com as informações escritas enviadas à Direcção de Finanças de Braga, verificando-se ainda que existem facturas com numeração duplicada, além de constarem nas mesmas três moradas distintas.
III.1.5 Facturas emitidas à ... Soc de Construção Civil Lda.
Conforme ponto III.1.1 deste relatório foram emitidas em 2006 várias facturas em nome da empresa Construções ... , Lda (anexo 4) para a empresa ... Soc de Construção Civil Lda.
As facturas foram processadas por meios tipográficos, nas quais consta a identificação da tipografia " ... De ... ".
A morada impressa nestas facturas é Av. ... , Lt 34 - 2 Frente - ... , 2975 Sesimbra.
Nas facturas podemos constatar uma variedade de prestações de serviços que supostamente a empresa Construções ... , Lda forneceu, desde remodelação do escritório, trabalhos de construção civil e electricidade, apoio aos trabalhos de publicidade.
Algumas facturas têm um descritivo vago e genérico, nomeadamente quanto ao local das obras. Não fazem referência a folhas de obra ou autos de medição, que permitam aquilatar dos valores facturados.
Verifica-se a falta de observância do estipulado no actual art. 36.° do CIVA (anterior 35°) relativamente aos elementos constantes nas facturas, nomeadamente quanto à quantidade e preço unitário dos serviços, que permitiria verificar se o valor está ou não correcto e controlar os custos imputados a cada uma das obras.
Estas facturas apresentam aparentemente uma ordem sequencial, mas conforme foi apurado pelos serviços de inspecção da Direcção de Finanças de Braga se atendermos à facturação emitida para cada um dos clientes/utilizadores isoladamente existe uma ordem, mas se analisarmos numa perspectiva global as facturas da empresa Construções ... , Lda não existe ordem cronológica na emissão das facturas. Este modo de actuação é usual nos sujeitos passivos, cuja actividade consiste na "venda ou emissão de facturas", sendo as facturas emitidas em branco e posteriormente preenchidas de acordo com as necessidades do sujeito passivo utilizador.
Verifica-se ainda que todas as facturas têm a mesma data.
Ouvido o sócio gerente da empresa ... Soc de Construção Civil Lda, Eng ... acerca das facturas (anexo 2), este afirmou que correspondem a serviços prestados e que recorreu aos serviços da empresa Construções ... , Lda, (através do Sr. ... , pessoa que conhece desde 2001) porque necessitava de mais pessoal para as empreitadas que tinha a cargo.
III.1.6 Pagamentos/Comprovativos
De acordo com o auto de declarações efectuado ao sócio gerente da sociedade ... Lda, Eng. ... (anexo 2), o pagamento das facturas era efectuado semanalmente em dinheiro a ... , sendo as facturas e os recibos emitidos no final de cada obra. Nesta fase, e face a estas declarações será de constatar que pelas datas das facturas, então todas as obras tiveram o seu término na mesma data (30/11/2006), o que não nos parece uma situação normal.
Já anteriormente em declarações prestadas por escrito à Direcção de Finanças de Braga, o responsável da sociedade ... Lda tinha referido que o pagamento tinha sido efectuado em numerário. Na contabilidade da sociedade ... Lda os pagamentos das facturas só foram contabilizados no ano de 2007 através da conta caixa (anexo 5), tendo meramente como documentos de suporte os recibos. Através da análise dos extractos de conta corrente da caixa, verificaram-se as irregularidades já anteriormente descritas no ponto II.3.4.1, nomeadamente o facto de constantemente serem feitos pagamentos por caixa sem existir saldo suficiente na mesma para suportar os mesmos (anexo 5).
À Direcção de Finanças de Braga a empresa ... Lda apresentou vários avisos de pagamento que não se encontram assinados (anexo 6), com datas posteriores às datas das facturas e recibos, a maior parte até com datas posteriores à data de detenção do sócio gerente ... (23/02/2007) e que não se encontram na contabilidade da ... Lda.
Questionado acerca dos mesmos em auto de declarações (anexo 2), o sócio gerente (Eng ... ), referiu que foram emitidos para dar "baixa" dos pagamentos no seu sistema de controlo interno.
Confrontado ainda com o facto de muitos terem sido emitidos de uma forma faseada, e não logo de uma só vez como seria lógico (visto que já tinham sido emitidos os recibos e supostamente as facturas pagas), inclusivamente depois da data de detenção do sócio gerente ... , referiu não se lembrar da razão deste procedimento.
Relativamente ao que é afirmado na resposta enviada pela ... Lda à Direcção de Finanças de Braga (anexo 7), onde é referido que tinham quatro estabelecimentos de comércio em que facturavam cerca de € 5000/€ 6000 dia, justificando assim o pagamento em numerário, o sócio gerente da ... Lda, referiu em auto de declarações (anexo 2) tratar-se de um lapso, uma vez que pensava tratar-se de facturas de anos anteriores a 2006, quando detinha quatro papelarias através da empresa Tabaqueando Lda.
O sócio gerente da ... Lda afirmou ainda em auto declarações (anexo 2) que não foram celebrados quaisquer contratos com a empresa Construções ... , Lda, nem existem autos de medição.
Em 07/04/2010 o sócio gerente da ... Lda foi novamente ouvido em auto de declarações (anexo 3), e além de ter reafirmado que as facturas da empresa Construções ... , Lda emitidas para a sua empresa corresponderem a verdadeiros serviços prestados e pelos montantes facturados, reafirmou também que os documentos que serviram para determinar os valores a pagar à empresa Construções ... , Lda foram umas folhas de obra, mas que depois de conferidas e pagas foram destruídas.
Afirmou ainda não ter mais documentos dos serviços adquiridos, a não ser as propostas que estes apresentaram (anexo 8).
As propostas, não passam disso mesmo, não provando que os serviços foram efectuados e muito menos pelos montantes facturados. De realçar ainda quanto à morada indicada nas mesmas, esta está incompleta em comparação com a indicada nas facturas, sendo omissa na indicação de "2 - Frente".
Em deslocação ao local verifica-se que se trata de um apartamento, não sendo possível contactar qualquer pessoa, nem existindo qualquer indício que ali tenha funcionado uma empresa e quanto ao n.° de telemóvel indicado pertence a uma pessoa particular aparentemente de nacionalidade brasileira.
III.1.7 ...
No âmbito da inspecção efectuada pela Direcção de Finanças de Braga à empresa Construções ... , Lda, o sócio gerente desta, ... prestou declarações por escrito (anexo 9) em que afirmou de uma forma sucinta que adquiriu as quotas a Francisco Teixeira, à data gerente da empresa, e o negócio incluía diversa maquinaria que nunca lhe foi entregue, tendo constatado posteriormente que o alvará não estava actualizado. Referiu que tem conhecimento que foram emitidas facturas após o registo em seu nome e movimentadas contas posteriormente.
Afirmou ainda que na sua gerência nunca teve clientes, nem trabalhadores, concluindo por fim que desde que assumiu a gerência (05/07/2005) a empresa nunca prestou qualquer serviço.
(...)"
(cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.9 a 31 do processo administrativo apenso);
5-E perante tais factos os serviços de inspecção concluíram:
"(...)
pela existência conjunta de vários e fortes indícios, designadamente:
i. O facto da empresa emitente (Construções ... , Lda) ter um comportamento incumpridor, não entregando declarações fiscais, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, estando indiciada como emitente de facturação falsa relativamente ao período a seguir a Maio de 2005, não possuindo qualquer estrutura empresarial, não se conhecendo imobilizado, nomeadamente instalações ou viaturas;
ii. O facto da empresa Construções ... , Lda não apresentar desde Dezembro de 2004 declarações de remunerações à segurança social, indiciando que não teve trabalhadores;
iii. Existirem facturas com numeração duplicada, onde constam três moradas distintas e identificadas tipografias onde não existem requisições escritas da empresa, conforme apurado pela Direcção de Finanças de Braga;
iv. Analisadas numa perspectiva global as facturas da empresa Construções ... , Lda não possuírem uma ordem cronológica na sua emissão, mas atendendo a cada um dos clientes/utilizadores isoladamente ter sido respeitada essa ordem, situação típica nos sujeitos passivos cuja actividade consiste na "venda ou emissão de facturas", sendo as facturas emitidas em branco e posteriormente preenchidas de acordo com as necessidades do sujeito passivo utilizador;
v. Nas facturas emitidas para a ... Lda, constar uma variedade de serviços, o que implicava uma estrutura adequada, bem como trabalhadores que a empresa não dispunha;
vi. Algumas facturas terem um descritivo vago e genérico, nomeadamente quanto ao local das obras;
vii. Não existe referência nas facturas a folhas de obra ou autos de medição, que permitam aquilatar dos valores facturados, bem como falta de observância do estipulado no actual art. 36° do CIVA (anterior 35°) nomeadamente quanto à quantidade e preço unitário dos serviços, que permitiria verificar se o valor está ou não correcto;
viii. Todas as facturas terem a mesma data, com pagamentos em numerário;
ix. A factura de maior valor (€ 55.357,50), apenas indica "Apoio aos trabalhos de publicidade em várias obras ", o que manifestamente é vago e nada esclarecedor;
x. Inexistência de contratos, folhas de obra ou autos de medição, que permitam confirmar e credibilizar os serviços facturados;
xi. Inexistência de centros de custos por obras que permita aferir dos custos/resultados por obra;
xii. Ausência de provas de pagamento dos serviços facturados;
xiii. Analisados os extractos de Conta corrente da caixa, verificaram-se várias irregularidades, nomeadamente o facto de constantemente serem feitos pagamentos por caixa sem existir saldo suficiente na mesma para suportar os mesmos;
xiv. Incongruências entre o que foi afirmado na resposta enviada pela ... Lda à Direcção de Finanças de Braga, onde é referido que tinham quatro estabelecimentos de comércio em que facturavam cerca de € 5.000/€ 6.000 dia, justificando assim o pagamento em numerário, quando na realidade como foi reconhecido depois em auto de declarações pelo sócio gerente da ... Lda já não possuía no ano de 2006 os tais estabelecimentos comerciais;
xv. Existência também de várias incongruências relativamente aos avisos de pagamento apresentados pela empresa ... Lda à Direcção de Finanças de Braga, que têm datas posteriores às datas das facturas e recibos, a maior parte até com datas posteriores à data de detenção do sócio gerente ... (23/02/2007) e que não se encontram na contabilidade da ... Lda;
xvi. As declarações do sócio gerente da empresa Construções ... , Lda ( ... ), referindo que teve conhecimento que foram emitidas facturas após o registo em seu nome, movimentadas contas e desde que assumiu a gerência a empresa nunca teve clientes, nem trabalhadores, nem nunca prestou qualquer serviço.
Somos levados a concluir que as prestações de serviços mencionadas nas facturas em causa, não correspondem efectivamente a transacções reais, sendo relativas a operações que foram objecto de falsificação material e intelectual, um vez que existe uma divergência intencional entre a realidade e os elementos (valores) constantes nas facturas.
(...)"
(cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.9 a 31 do processo administrativo apenso);
6-E procederam à correcção em sede de I.R.C. nos seguintes termos:
"(...)
os valores contabilizados com base nas facturas emitidas em nome da sociedade Construções ... Lda. vão ser acrescidos ao resultado tributável do exercício de 2006, no montante de € 66.722,70, uma vez que as mesmas não titulam custos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos da empresa, infringindo desta forma o disposto no art. 23° do CIRC:

Nome
Exercício
Valor s/ IVA
IVA
Total
Construções ... , Lda
2006
66.722,70 €
14.011,77 €
80.734,47 €

Donde resulta o seguinte lucro tributável corrigido:

2006
Lucro Tributável Declarado
6.810,14 €
Correcções - art. 23° do CIRC
66.722,70 €
Lucro Tributável Corrigido
73.532,84 €
(...)"
(cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.9 a 31 do processo administrativo apenso);
7-Foi efectuada a liquidação de I.R.C. do exercício de 2006 de que resultou o valor de € 11.009,31 cuja data limite de pagamento ocorreu em 26/07/2010 (cfr.documento junto a fls.136 do processo administrativo apenso);
8-Em 25/10/2010 foi apresentada no 1º. Serviço de Finanças de Almada a petição que originou o presente processo (cfr.data de entrada aposta a fls.3 dos autos);
9-No ano de 2006 a sociedade "Construções ... , Lda." cedeu à impugnante mão-de-obra, maioritariamente trabalhadores estrangeiros, para executar as obras, dado que em picos de maior volume de trabalho tornava-se necessário (cfr. depoimento das 1a, 2° e 3° testemunhas);
10-Os serviços prestados pela sociedade "Construções ... , Lda.", em relação às facturas em causa, foram exclusivamente respeitantes ao fornecimento de pessoal sendo os trabalhadores orientados pelo encarregado da impugnante (cfr. depoimento da 1a testemunha);
11-Nas facturas nºs.384, 385, 386 e 387 emitidas pela "Construções ... , Lda.", não consta qualquer menção a cedência de pessoal, nem se indicam o número de trabalhadores em causa, nem o número de dias/horas de trabalho realizados em cada uma das obras indicadas (cfr.teor dos documentos juntos a fls.42 a 45 do processo administrativo apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se mostra provada a realização dos trabalhos enunciados nas facturas n°s. 384, 385, 386 e 387 pela sociedade Construções ... , Lda., ficando apenas provado que esta sociedade cedeu mão-de-obra à ora impugnante para a realização das obras nos locais mencionados nas facturas…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como do depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de inquirição (melhor identificadas na acta de inquirição de fls.86/89) e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório...”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
12-No ano de 2006, a empresa impugnante, " ... - ... L.da.", com o n.i.p.c. 502 810 327, era sujeito passivo de I.R.C. no regime geral de tributação, sendo colectada pelo 1º. Serviço de Finanças de Almada (cfr.cópia de relatório de inspecção tributária junta a fls.9 a 31 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.146 a 155 do processo administrativo apenso).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, devido ao decaimento de todos os seus fundamentos.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se menciona, que na audiência de inquirição de testemunhas ficou provado, salvo melhor opinião, de forma indubitável, que as obras consignadas nas várias facturas foram realmente efectuadas pela ora recorrente (cfr.conclusão 1 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar o alegado erro de julgamento da matéria de facto cometido pelo Tribunal “a quo”.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Alega o recorrente, igualmente, que é a própria sentença que reconhece que houve efectivamente serviços prestados, ou seja, a existência de custos necessários para a realização dos proveitos. Que o facto do conteúdo das facturas não obedecerem aos requisitos formais, de modo algum podem levar a que as despesas respectivas sejam desconsideradas para apuramento do verdadeiro rendimento real posteriormente tributável (cfr.conclusões 3 e 4 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Independentemente da questão da adequada titulação do custo, a A. Fiscal pode desconsiderar custos reflectidos nos documentos porque lhe suscitam dúvidas quanto à sua existência ou quantificação, hipótese em que deverá concretizar a factualidade indiciária que conduziu a essa situação de dúvida (v.g.pagamento em numerário de quantias avultadas; falta de prova do levantamento da importância de depósito à ordem para o caixa a fim de satisfazer o pagamento, etc.). O contribuinte tem, então, o ónus de comprovar a efectividade do custo e a consequente determinação do seu concreto montante, recorrendo a qualquer meio de prova e, do êxito da prova, depende a medida do exercício do direito à dedução.
Por outras palavras, a A. Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte (cfr.artº.75, da L.G.T.), só então passando a competir ao contribuinte o ónus da prova de que as operações se realizaram efectivamente, sob pena de os valores constantes dos documentos contabilísticos não poderem ser aceites como custos para efeitos de I.R.C. Mais, não é necessário que a A. Fiscal efectue prova dos pressupostos da simulação previstos no artº.240, do C.Civil, sendo bastante a prova de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/4/2003, rec.241/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/10/2007, rec.479/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2004, proc.275/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/4/2005, proc.3045/99; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/11/2012, proc.5244/11).
Revertendo ao caso dos autos, como resulta do exame do probatório (cfr.nºs.3, 4 e 5 da factualidade provada) no âmbito da acção de inspecção a A. Fiscal não aceitou como custos do exercício de 2006 da sociedade impugnante/recorrente o montante de € 66.722,70 face aos elementos recolhidos que permitiram concluir que os serviços nelas mencionados não foram realizados. Na verdade a Fazenda Pública recolheu indícios suficientes para desconsiderar tais facturas, os quais estão devidamente enunciados no nº.5 do probatório.
Mais se dirá que da prova produzida nos autos, os alegados serviços prestados pela empresa "Construções ... , Lda." à sociedade recorrente consistiram na cedência de pessoal para obras de construção a decorrer nos locais indicados, sendo os trabalhadores orientados pelo encarregado da recorrente. Assim, as facturas em questão deveriam mencionar não só que se tratava de cedência de pessoal mas também indicar o número de trabalhadores envolvidos e o número de dias/horas de trabalho realizados, pois só desta maneira é possível aferir da correspondência à realidade dos valores cobrados. Pelo contrário, do probatório resulta que os serviços prestados não se enquadram na realização de subempreitada, mas sim na angariação e fornecimento de mão-de-obra e nessa medida as facturas não reflectem nem correspondem à realidade, visto não identificarem correctamente os serviços prestados.
Desta forma, conclui-se que as correcções ao I.R.C. do exercício de 2006 e que deram origem à liquidação objecto do presente processo são legais, não padecendo de qualquer erro, contrariamente ao defendido pelo recorrente e, nesta medida, se confirmando a decisão recorrida quanto a este segmento.
Por último, aduz o recorrente que foi violado o princípio da tributação de rendimentos reais consagrado não só na Constituição da República Portuguesa como, igualmente, no Direito Fiscal, a partir da reforma dos ano oitenta. Que também foi violado o princípio da investigação ou da verdade material, na justa medida em que a A. Fiscal não curou, como era seu dever, de proceder às diligências necessárias para apurar não só a verdade material, como a quantificação em termos de custos de tais obras (cfr.conclusões 5 e 6 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
No exame destas conclusões recursivas se dirá que o princípio da tributação pelo lucro real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa.
Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da sua norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso, antes tendo de ser concatenado com outros princípios constitucionais e normas constantes em outros diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artº.103, nº.1, da C.R.P.), tal como os artºs.18 e 23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1100).
No caso "sub judice", não lobrigando o Tribunal no que possa ter violado o mesmo princípio constitucional a correcção ao lucro tributável e consequente liquidação de I.R.C. objecto do presente processo (o recorrente também nada concretiza neste domínio), julga-se improcedente o presente fundamento do recurso.
Passemos ao exame da alegada violação do princípio da investigação ou da verdade material.
Deve, antes de mais, relembrar-se que o princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6918/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5689/12; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.103 e seg.).
No entanto, o poder/dever de investigação do Tribunal está limitado aos factos alegados pelas partes ou que, oficiosamente, seja lícito ao juiz conhecer (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.T.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.105; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.860). Por outras palavras, não podemos esquecer que a lide e o objecto do processo se individualizam não só pelo pedido, como pela causa de pedir, uma vez que no nosso direito processual se acolheu a chamada teoria da substanciação, segundo a qual, não basta que o autor formule uma pretensão, devendo, igualmente, delimitá-la por uma concreta “causa petendi” (cfr.artº.581, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. edição, Coimbra Editora, 1985, pág.710 e seg.). Também no processo contencioso tributário o juiz está limitado a julgar “secundum allegata”, não podendo, por si, ampliar o objecto do processo, premissa que condiciona o examinado princípio da investigação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/1/2014, proc.7128/13).
Revertendo ao caso dos autos, concluiu o Tribunal “a quo”, não haver qualquer diligência probatória a ordenar, após a realização da diligência de inquirição de testemunhas (cfr.acta junta a fls.86 a 89 dos presentes autos).
Este Tribunal, examinada a factualidade provada (incluindo a aditada ao probatório), conclui no mesmo sentido, em virtude do que se julga improcedente este esteio da apelação.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
Ofício junto a fls.181 dos autos: após trânsito, satisfaça remetendo certidão do presente acórdão.
X
Lisboa, 15 de Maio de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)