Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 43/21.0BEFUN |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 06/17/2021 |
| Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
| Descritores: | PERDA DE MANDATO; FILIAÇÃO EM PARTIDO POLÍTICO DIFERENTE DAQUELE A QUE SE SUBMETEU A SUFRÁGIO; CULPA; PROPORCIONALIDADE. |
| Sumário: | I. Nos termos do artigo 242.º, n.º 1, da Constituição, a tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei.
II. Releva ainda o disposto no n.º 3, do artigo 242.º da Constituição, que prevê que “A dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa ações ou omissões ilegais graves”. III. Em concretização do parâmetro constitucional, a Lei n.º 27/96, de 01/08 aprova a Lei da Tutela Administrativa, que estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como o respetivo regime sancionatório (artigo 1º, n.º 1). IV. Os artigos 8.º e 9.º da respetiva Lei, especificam quais as circunstâncias que podem determinar essa perda de mandato, relevando o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa, segundo o qual “1 – Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que: (…) c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral;”. V. No que respeita aos pressupostos da perda de mandato, importa considerar os seguintes: em primeiro lugar, tem de verificar-se a filiação do candidato num certo partido político e a sua apresentação a sufrágio integrando as listas desse partido político; em segundo lugar é necessário que o candidato ao sufrágio tenha sido eleito e exerça funções num órgão de uma autarquia local; em terceiro lugar o eleito local terá de se ter filiado num partido político diferente daquele pelo qual se apresentou a sufrágio eleitoral; em quarto lugar, essa nova filiação tem de ser imputada a título de culpa; em quinto lugar, importa que não se verifique a existência de alguma causa de exclusão da culpa. VI. Tendo a Demandada concorrido a sufrágio eleitoral como filiada num certo partido político, no seu decurso não pode filiar-se noutro partido, ainda que ambos os partidos tenham concorrido ao ato eleitoral sob a forma de coligação, como no presente caso. VII. Recai sobre as pessoas que exercem estavelmente uma determinada atividade, função ou profissão, um dever reforçado de conhecer as regras jurídicas que a regulam. VIII. Trata-se do exercício de funções públicas, submetidas a um quadro normativo preciso e vinculado, a que a Demandada deveria estar ciente e agido em conformidade. IX. Mediante a verificação de todos os pressupostos que determinam a aplicação da perda de mandato e na ausência da alegação e prova de quaisquer circunstâncias que abalassem os requisitos da ilicitude ou da culpa, não é possível formular um qualquer juízo de desproporcionalidade ou desadequação da respetiva sanção aplicada, por a mesma ser legalmente cominada como efeito jurídico da conduta praticada pela Demandada. X. Além de que, para poder ser afastada a aplicação da sanção de perda de mandato, enquanto consequência legal prevista para o comportamento adotado pela Demandada, teria de ser possível formular um juízo de manifesta ou evidente falta de proporcionalidade, o que além de não ser alegado, não obtém concretização na factualidade julgada provada. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO
C..........., com a demais identificação nos autos de ação administrativa urgente instaurada pelo Ministério Público, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 07/05/2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou a ação procedente e declarou a perda de mandato da Demandada, C............ * Formula a Demandada, ora Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. O tribunal a quo, após concluir pela violação do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa, referiu que a Recorrente não é uma cidadã comum, mas uma deputada municipal, sobre a qual impende o ónus legal de se informar acerca da legislação que regula, limita e baliza a atividade autárquica. 2. Referiu que age com culpa grave quem, devendo saber estar impedido de praticar determinado ato, o pratica. 3. Concluiu, desde modo, que a “Demandada atuou voluntariamente e não podendo ignorar que tal conduta lhe era proibida, não se descortinando do alegado qualquer causa que justifique o facto ou exclua a culpa da mesma”, por fim, declarando a perda de mandato da Recorrente. 4. O tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação do conceito de culpa grave, tendo por referência o disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea c), e 10.º, n.º 1, da Lei de Tutela Administrativa. 5. Concluiu, indevidamente, que a Recorrente agiu com culpa grave, dado que, além de não ter sido alegados ou dados como provados factos que permitissem essa conclusão, subsumiu, de forma errada os factos no direito. 6. Não estando previsto o seu cometimento com negligência (artigo 13.º do Código Penal), os factos previstos pelo artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa apenas são puníveis quando praticados com dolo. 7. Na narração dos factos da petição inicial não foi mencionado qualquer elemento em que se decompõe o dolo, nas várias modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, no que respeita à conduta da Recorrente, mormente no que respeita ao dolo volitivo. 8. Foram violados os artigos 13.º e 14.º do Código Penal. 9. Não se encontravam reunidos os pressupostos de que depende a declaração de perda de mandato. 10. Ocorreu a violação do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), mas essa violação não implica de forma automática a perda de mandato, necessário é, como entendido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de maio de 2020, proferido no processo n.º 069/19.4 BEMDL (disponível em www.dgsi.pt), citado pelo tribunal a quo, que atuação da Recorrente mereça um forte juízo de censura em termos de culpa grave ou negligência grosseira. 11. Não existe nos autos, qualquer elemento que permita realizar, tendo por referência a concreta situação dos autos, um forte juízo de censura à conduta da Recorrente em termos de culpa grave ou negligência grosseira. 12. A Recorrente foi apresentada como candidata à Assembleia Municipal do Funchal para as eleições autárquicas do ano de 2017 como integrando a lista da coligação dos partidos Bloco de Esquerda, Partido Socialista, Partido Democrático Republicano, Nós Cidadãos e Juntos pelo Povo 13. A Recorrente estava convicta que a sua inscrição no Partido Socialista não colocava nem coloca em causa os pressupostos da Coligação nem violava o voto em si depositado através da mesma. 14. A Recorrente não se inscreveu num partido diverso daqueles que integravam e integram a Coligação, inscreveu-se, outrossim, no Partido Socialista que, além de integrar a Coligação, encabeçava e encabeça essa Coligação. 15. Conforme constou dos boletins de voto e, bem assim, foi largamente difundido na comunicação social à data, os eleitores votaram numa Coligação (PS-BE-JPP- PDR-NC). 16. Nada permite concluir que a Recorrente não observou todos os cuidados a que estava obrigada e era capaz ou que a inscrição no Partido Socialista se apresente como altamente reprovável, indesculpável, injustificada, à luz do mais elementar senso comum. 17. Desde logo, porque a falta grave e indesculpável deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria Recorrente – segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais – e não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta. 18. A Recorrente é deputada municipal, mas não se deflui da factualidade adquirida informação que permita concluir que, só porque foi especialmente descuidada e incauta, violou o disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Tutela Administrativa. 19. Inexiste uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção. 20. Foi violado o Princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restringem direitos políticos, bem como o disposto nos artigos 18.º, n.º 2 e 3, 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.”. Pede que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida. * O Autor, ora Recorrido, notificado, contra-alegou o recurso, tendo formulado as seguintes contra alegações: “– A presente acção é uma acção administrativa não sendo aqui lícita a aplicação subsidiária de conceitos de direito penal; – Não tendo, assim, o MºPº de alegar e provar a culpa da R; – Alegação esta que lhe incumbiria, segundo as regras legais sobre ónus da prova; – A douta sentença não merece igualmente censura, ao sancionar a R com a perda de mandado.”.
Pede que a sentença objecto de recurso seja mantida na íntegra. * O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
As questões suscitadas no presente recurso resumem-se, em suma, em determinar se procedem os seguintes fundamentos: 1. Erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do conceito de culpa grave e violação dos artigos 13.º e 14.º do Código Penal; 2. Violação do princípio da proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção, em violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 e 266.º, n.º 2 da CRP.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “1) A Demandada foi apresentada como candidata à Assembleia Municipal do Funchal para as eleições autárquicas do ano de 2017 como integrando a lista da coligação dos partidos Bloco de Esquerda, Partido Socialista, Partido Democrático Republicano, Nós Cidadãos e Juntos pelo Povo, designada de confiança, na qualidade de militante do partido político Juntos pelo Povo (facto não controvertido e documento n.º 1 junto com a petição inicial constante a fls. 7 a fls. 15 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido). 2) Tendo sido convocada e estado presente, em regime de substituição, nas seguintes sessões da Assembleia Municipal do Funchal: a. Sessão Ordinária de 29.12.2017; b. Sessão Ordinária de 28.06.2019; c. Sessão Ordinária de 28.02.2020; d. Sessão Extraordinária de 30.12.2020 (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial constante a fls. 16 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido). 3) Em 22 de novembro de 2019, a Demandada filiou-se no Partido Socialista (facto não controvertido). * Factos Não Provados Inexistem factos não provados com relevância para a decisão do mérito da presente ação. * Motivação O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos juntos pelo Ministério Público com a petição inicial, conforme especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova. Os factos vertidos nos pontos 1) e 3) do probatório foram expressamente reconhecidos na contestação (cfr. artigos 2.º, 3.º e 7.º da contestação). A demais matéria alegada não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito ou não relevar para a decisão da causa.”. DIREITO Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.
1. Erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do conceito de culpa grave e violação dos artigos 13.º e 14.º do Código Penal Nos termos alegados pela Recorrente, vem imputado à sentença recorrida o erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do conceito de culpa grave. Alega que do teor da petição inicial nada consta sobre a imputação subjetiva dos factos descritos, se a título de dolo ou a título de negligência e os factos que consubstanciam uma e outra imputações subjetivas. Por isso, entende que por falta do elemento volitivo não pode reconduzir-se a atuação ao ilícito imputado, faltando um elemento necessário ao preenchimento do tipo legal imputado, por os factos previstos pelo artigo 8.º, n.º 1, c), da Lei de Tutela Administrativa, apenas serem puníveis quando praticados com dolo, não estando previsto o seu cometimento com negligência. Além de alegar inserindo-se a perda de mandato no domínio sancionatório, a aplicação da pena pressupõe a culpa concreta do autor do facto, apenas podendo ser culpabilizado se a conduta praticada lhe puder ser imputada a título de dolo ou culpa grave, nos termos do artigo 13.º do Código Penal. Defende que, não estando previsto o seu cometimento com negligência (artigo 13.º do Código Penal), os factos previstos pelo artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa apenas são puníveis quando praticados com dolo. Vejamos. A questão que vem colocada como fundamento do recurso prende-se em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, apreciando erradamente a matéria de facto provada e a sua respetiva subsunção dos factos ao direito, por não ser possível extrair do comportamento da ora Recorrente uma atuação dolosa, não permitindo a lei a sua imputação a título de negligência. O que exige apreciar que concreta atuação da ora Recorrente está em causa, ou seja, aferir do concreto fundamento da perda de mandato. Nos termos da matéria de facto provada, em relação à qual não se coloca qualquer dissenso da ora Recorrente, a mesma foi apresentada como candidata à Assembleia Municipal do Funchal para as eleições autárquicas do ano de 2017 como integrando a lista da coligação dos partidos Bloco de Esquerda, Partido Socialista, Partido Democrático Republicano, Nós Cidadãos e Juntos pelo Povo, designada de confiança, na qualidade de militante do partido político Juntos pelo Povo, tendo sido convocada e estado presente, em regime de substituição, em várias sessões da Assembleia Municipal do Funchal, tendo em 22/11/2019, se filiado no Partido Socialista. O que traduz que a Demandada se apresentou a sufrágio como inscrita como militante de um certo partido e durante o seu respetivo exercício veio a filiar-se noutro partido diferente, daquele pelo qual foi eleita. Apreciados os factos, foi a seguinte a fundamentação da sentença recorrida: “De acordo com os preceitos legais transcritos, a perda de mandato ocorre quando, após a eleição, um membro de um órgão autárquico ou de uma entidade equiparada se inscreve em partido diverso daquele pelo qual se apresentou a sufrágio, sem que se verifiquem causas que justifiquem o facto ou excluam a culpa dos agentes. Volvendo ao caso em apreço, a Demandada apresentou-se a sufrágio eleitoral para a Assembleia Municipal do Funchal nas eleições autárquicas de 2017, como integrando a coligação confiança, na qualidade de militante do partido político Juntos pelo Povo (conforme ponto 1) do probatório). Enquanto deputada municipal, a mesma foi convocada e esteve presente, em regime de substituição (nos termos do artigo 79.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro), nas sessões da Assembleia Municipal do Funchal de 29.12.2017, de 28.06.2019 e de 28.02.2020 (ordinárias) e de 30.12.2020 (extraordinárias) - conforme ponto 2) do probatório. Em 22 de novembro de 2019, no decurso do exercício das referidas funções, a Demandada filiou-se no Partido Socialista (conforme ponto 3) do probatório). Ora, é precisamente esta inscrição em partido diverso daquele pelo qual se apresentou a sufrágio universal que é proibida pelo artigo 8.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto. A este propósito, aduz a Demandada que o partido Juntos pelo Povo abandonou o grupo municipal e a coligação confiança, em outubro de 2018, tendo permitido aos seus eleitos continuarem a ocupar os seus lugares na Assembleia Municipal. Mais afirma que adquiriu o direito ao exercício do respetivo mandato por via da coligação confiança e não por estar inscrita no partido político Juntos pelo Povo. Assim não se entende. Apesar da Demandada integrar a lista da coligação confiança, foi eleita para a Assembleia Municipal do Funchal enquanto membro do partido político Juntos pelo Povo, tendo sido nesta qualidade que se apresentou a sufrágio eleitoral. É certo que a sua conduta não seria censurável se, após o abandono por parte do partido em que se encontrava inscrita do grupo municipal e da coligação, a Demandada se tivesse desfiliado do mesmo e continuado com o estatuto de independente, contudo não foi o que sucedeu in casu. A Demandada filiou-se noutro partido violando o disposto no artigo 8.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto. Relativamente ao pressuposto da culpa, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de maio de 2020, proferido no processo n.º 069/19.4 BEMDL (disponível em www.dgsi.pt) esclareceu-se que “(…) exceptuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infração, a perda de mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. Tudo, porque, como já se referiu, a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade (Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07). (…)”. In casu, importa considerar que a Demandada não é uma cidadã comum, mas uma deputada municipal sobre quem impende um ónus legal, atendendo às funções públicas que exerce, de se informar acerca da legislação que regula, limita e baliza a sua atividade autárquica, concretamente a proibição de filiação em partido diverso daquele em que se apresentou a sufrágio eleitoral. Efetivamente, quem assume um cargo de representação política deve inteirar-se sobre toda a legislação que regula essa atividade, sob pena de se sujeitar às consequências daí advenientes. Conclui-se, portanto, que age com culpa grave quem, devendo saber estar impedido de praticar determinado ato, o faz. A Demandada atuou voluntariamente e não podendo ignorar que tal conduta lhe era proibida, não se descortinando do alegado qualquer causa que justifique o facto ou exclua a culpa da mesma. Mesmo que a Demandada tivesse invocado o desconhecimento da norma, o que não ocorreu, o mesmo não relevaria como fator de desculpabilização, atendendo ao disposto no artigo 6.º do Código Civil, ou seja, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas. No que respeita à alegação relativa à integração (ou não) num grupo municipal (definido no artigo 46.º-B da Lei n.º 169/99, de 18 de dezembro), não se vislumbra em que medida tal facto é suscetível de justificar a filiação em partido diverso do que se apresentou a sufrágio eleitoral ou de excluir a culpa da mesma, motivo pelo qual o fundamento improcede.”. A antecedente fundamentação constante da sentença recorrida encontra-se correta, pelo que é de manter. Nos termos do artigo 242.º, n.º 1, da Constituição, “A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei”. Estabelece tal disposição constitucional que a tutela administrativa é uma tutela de legalidade, não visando controlar o mérito das decisões dos órgãos da administração local e, por isso, a sua oportunidade e a sua conveniência, ou sequer a sua conformidade com os interesses gerais tal como o Governo os concebe, sendo o seu escopo unicamente o de assegurar que as decisões tomadas cumpram a lei. Sendo a tutela administrativa uma tutela de legalidade, também ela está sujeita ao princípio da legalidade, por apenas poder ser exercida “nos casos e segundo as formas previstas na lei”. Tal implica que só podem ser adotadas as medidas tutelares constantes da lei, sendo a lei definir as diferentes formas de tutela – inspeções, inquéritos, sindicâncias, informações, dissolução de órgãos autárquicos –, segundo o princípio da tipicidade das medidas de tutela – neste sentido, vide o Acórdão deste TCAS, de 27/10/2011, Processo n.º 07928/11. Releva ainda o disposto no n.º 3, do artigo 242.º da Constituição, que prevê que “A dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa ações ou omissões ilegais graves”. Em concretização do parâmetro constitucional, a Lei n.º 27/96, de 01/08 aprova a Lei da Tutela Administrativa, que estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como o respetivo regime sancionatório (artigo 1º, n.º 1). No artigo 7.º da Lei da Tutela Administrativa prevê-se a medida tutelar de perda de mandato, de acordo com o qual “A prática, por acção ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais ou no da gestão de entidades equiparadas pode determinar, nos termos previstos na presente lei, a perda do respectivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos, ou a dissolução do órgão, se forem o resultado da acção ou omissão deste.”. Os artigos 8.º e 9.º especificam quais as circunstâncias que podem determinar essa perda de mandato, sendo esta especificação também uma decorrência do princípio da tipicidade das medidas tutelares, uma vez que, é a lei que “(…) tem de estabelecer de forma densa, objectiva ou determinada os termos de aplicação dessas medidas, evitando a discricionariedade (administrativa ou judicial) neste domínio (…)” – cf. Pedro Gonçalves, O Novo Regime Da Tutela Administrativa Sobre As Autarquias Locais, Centro de Estudos e Formação Autárquica, CEFA, setembro 1997, pp. 16. No que se refere ao fundamento da perda de mandato no presente caso, releva o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa, segundo o qual “1 – Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que: (…) c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral;”. No n.º 1, do artigo 10.º da Lei da Tutela Administrativa dispõe-se que: “Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.”. As citadas normas da Lei da Tutela Administrativa devem ser interpretadas à luz do disposto no citado n.º 3, do artigo 242º da Constituição ou, como se diz no Acórdão do STA, de 22/04/2004, proferido no Processo n.º 0248/04, “a perda de mandato tem carácter sancionatório o que implica a necessidade de ter em conta os princípios do direito disciplinar e Penal”. No mesmo sentido, “Tratando-se de direito sancionatório despiciendo se torna referir que valerão aqui também os princípios gerais do direito sancionatório, nomeadamente o princípio da culpa”, Ernesto Vaz Pereira, Da Perda de Mandato Autárquico Da Dissolução de Órgão Autárquico - legislação, notas práticas e jurisprudência, Almedina, 2009, pp 22. No presente caso está em causa a perda de mandato da Recorrente como eleita à Assembleia Municipal do Funchal, nas eleições autárquicas de 2017, pelo que, tem aplicação o antecedente quadro normativo. No que respeita aos pressupostos da perda de mandato, importa considerar os seguintes: em primeiro lugar, tem de verificar-se a filiação do candidato num certo partido político e a sua apresentação a sufrágio integrando as listas desse partido político; em segundo lugar é necessário que o candidato ao sufrágio tenha sido eleito e exerça funções num órgão de uma autarquia local; em terceiro lugar o eleito local terá de se ter filiado num partido político diferente daquele pelo qual se apresentou a sufrágio eleitoral; em quarto lugar, essa nova filiação tem de ser imputada a título de culpa; em quinto lugar, importa que não se verifique a existência de alguma causa de exclusão da culpa.
Percorrendo cada um destes pressupostos e confrontando-os com a factualidade julgada provada na situação concreta dos autos, é de entender que todos eles se verificam, determinando a verificação dos pressupostos normativos da perda de mandato da Demandada, ora Recorrente, designadamente, aquele que no presente recurso é posto em causa, referente à demonstração do seu grau de culpa. Tendo a Demandada concorrido a sufrágio eleitoral como filiada num certo partido político, no seu decurso não pode filiar-se noutro partido, ainda que ambos os partidos tenham concorrido ao ato eleitoral sob a forma de coligação, como no presente caso. É precisamente a alteração de filiação partidária pela qual são apresentados a sufrágio eleitoral os candidatos eleitorais, no decorrer de um mandato autárquico, que é proibida pela alínea c), do n.º 1, do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa. Sobre o conceito de culpa, decidiu o STA, no Acórdão datado de 07/01/1997, Proc. n.º 41.478, que: “A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, por este, face às circunstâncias específicas do caso, dever e poder ter agido de outro modo, juízo assente no nexo de imputação psicológica existente entre o facto e a vontade do autor”. Neste caso, a culpa traduz-se num juízo de censura ao agente por não ter adotado um comportamento conforme a um dever que podia e devia ter tido. A Demandada devia saber que a sua conduta era proibida por lei e, por isso, podia e devia ter procedido de modo diferente, determinado a formulação do juízo de culpa face à conduta que lhe era exigível. Recai sobre as pessoas que exercem estavelmente uma determinada atividade, função ou profissão, um dever reforçado de conhecer as regras jurídicas que a regulam. Trata-se do exercício de funções públicas, submetidas a um quadro normativo preciso e vinculado, a que a Demandada deveria estar ciente e agido em conformidade. Deste modo, é possível formular um juízo de censurabilidade não apenas objetiva, mas subjetiva, da atuação da Demandada, por lhe ser exigível agir de outro modo, o que implica que tenha atuado em violação do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa. Além de que não poderá ser invocado qualquer desconhecimento da lei, atento o disposto no artigo 6.º do Código Civil, nos termos do qual, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”. Neste sentido, vide o Acórdão do TRG, de 21/03/2019, Processo n.º 3674/14.1T8VNF-A.G1 e o Acórdão do TCAS, de 02/06/2021, Processo n.º 78/21.3BEFUN. A norma vertida no citado preceito legal corresponde ao entendimento tradicional de que “a ignorância da lei não aproveita a ninguém”, equiparando a “má interpretação” da lei à sua “ignorância” pura e simples, e que se desdobra em duas regras fundamentais nela vertidas, “sem as quais o Direito não seria verdadeiro Direito, mas um simples conjunto de valores ético-sociais ou de códigos de boas práticas”, Diogo Freitas do Amaral, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Vol. I, Almedina, 2017, pp. 18. Como sustentado na doutrina e na jurisprudência, a perda de mandato constitui uma significativa diminuição do direito ao jus in officio e a inelegibilidade, mesmo que temporária, não deixa de ser uma significativa perturbação do direito fundamental de ser eleito para cargos públicos – J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, pp. 271 e ss. Além de a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa, “mais não é do que a lembrança de uma regra de ética e de honestidade política”, Ernesto Vaz Pereira, op. cit., pp. 32. Tem, pois, de concluir-se que se encontra verificada a culpa da Demandada por, no exercício das suas funções como Vogal da Assembleia Municipal do Funchal ter alterado a sua filiação político-partidária após o sufrágio eleitoral, sendo tal conduta proibida, sem que, no caso, se verifique qualquer causa de exclusão da culpa. Pelo exposto, com base nas razões antecedentes, será de concluir pela improcedência do fundamento do recurso, por não provado, não se mostrando violadas as normas legais invocadas pela Recorrente.
2. Violação do princípio da proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção, em violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 e 266.º, n.º 2 da CRP Por último, invoca a Recorrente a violação do princípio da proporcionalidade, com o fundamento de não existir proporcionalidade e adequação entre a falta cometida e a sanção, em violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 e 266.º, n.º 2 da CRP. Sustenta que a perda de mandato tem natureza sancionatória e é grave, tendo potencialidade destrutiva de uma carreira política, sendo certo que a conduta dos titulares de cargos políticos eletivos é periodicamente apreciada pelo universo dos respetivos eleitores. Alega que é verdade que a Recorrente integrou a lista de Coligação às eleições autárquicas de 2017 na qualidade de militante do partido político Juntos pelo Povo e que no seu exercício se veio a filiar no Partido Socialista, mas estava crente que tal facto não colocava em causa os pressupostos da Coligação, nem violava o voto em si depositado através da mesma. A Recorrente não se inscreveu num partido diverso daqueles que integravam e integram a Coligação, inscreveu-se no Partido Socialista que, além de integrar a Coligação, encabeçava e encabeça essa Coligação. Entende que ao ser declarada a perda de mandato da Recorrente, foi violado o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restringem direitos políticos. Vejamos. Considerando a matéria de facto provada, que permite subsumir a atuação da Demandada, ora Recorrente, à situação legalmente prevista de perda de mandato, importa apreciar se tal consequência jurídica no presente caso se afigura desproporcional, não sendo adequada a sancionar a conduta praticada. Nos termos do Acórdão do STA, de 21/05/2020, Processo n.º 69/19.4BEMDL: “E é tendo em conta a gravidade da sanção e das suas consequências que a jurisprudência tem afirmado que, exceptuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infracção, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. Tudo, porque, como já se referiu, a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade (Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07). Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também o é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a atuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira).”. A factualidade julgada provada não deixa margem para dúvidas sobre a respetiva subsunção na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa, pois durante o respetivo exercício do mandato de vogal da Assembleia Municipal do Funchal ocorreu a filiação da Demandada num partido diferente para o qual fora eleita em sufrágio universal, ou seja, a eleição por um partido e após a inscrição noutro partido, durante o mandato. Tratam-se de elementos objetivos, que preenchendo integralmente o âmbito da previsão da norma legal da alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa, exigiriam da parte da Demandada, nos termos do artigo 10.º da citada Lei, a alegação e prova das causas justificativas ou excludentes da culpa e, consequentemente, da aplicação da sanção, o que no caso manifestamente não se verifica, por nenhuma circunstância ser alegada pela Demandada. O que, como elemento impeditivo do direito invocado, incumbiria à Demandada provar, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil – vide, neste sentido, o Acórdão do STA, de 29/5/2003, Processo n.º 993/03. Tendo a Recorrente concorrido por um partido integrado numa Coligação e durante o exercício do mandato passado a estar filiada noutro partido, tal facto não é excludente da aplicação da sanção de perda de mandato, sendo irrelevantes o eventual desconhecimento da lei ou a falta de intenção. A Lei da Tutela Administrativa estabeleceu, à semelhança do previsto no artigo 160º, nº 1, alínea c) da CRP, que perdem o mandato os deputados que se inscreverem em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio. “Sendo os deputados eleitos necessariamente através da lista apresentada por um partido político, mas não tendo de estar nele inscritos (art. 151º), compreende-se que a Constituição não exija a existência ou persistência de uma vinculação formal entre o deputado e o partido que o apresentou como candidato. Com efeito, de acordo com o nº 1 c) o deputado que abandona ou é expulso do partido por que foi eleito não perde o mandato, se e enquanto não se inscrever noutro partido. A lógica constitucional é simples: o deputado pode desligar-se do partido por que foi eleito (ou manter-se independente, no caso de não estar inscrito nele), mas não pode transferir-se para outro, ou seja, não pode inscrever-se em partido diverso daquele pelo qual forem apresentados a sufrágio. (al. c). A Constituição, portanto, não exige fidelidade partidária, mas não consente que um deputado que entre em conflito ou em ruptura com o partido por que foi eleito vá reforçar qualquer outra formação partidária, tendo de permanecer como deputado independente. Por identidade de razão, também não poderá integrar-se em nenhum grupo parlamentar o deputado que, sem deixar o partido, abandonar o do partido por que foi eleito. Também não perdem o mandato os deputados em caso de dissolução do partido cujas listas se candidataram. Mas também nesse caso ficam necessariamente na situação de deputados independentes, não podendo igualmente inscrever-se em partido diferente (cfr. LO nº 2/2003, de 22-08, arts. 17º e 18º).”, JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, Vol. II, 2010, anotação ao artigo 160.º, pp 283-284. Raciocínio e entendimento também assumido por Jorge Miranda e Rui Medeiros, aludindo a situações de não “conflitualidade partidária”, de que diferente seria, “Em contrapartida, para garantia da liberdade dos Deputados e do próprio Parlamento como instituição frente aos partidos (e, sobretudo, frente aos directórios partidários a eles exteriores), não ocorre a perda de mandato se o Deputado que, voluntariamente ou por decisão do respectivo partido, deixa de pertencer a um partido não se integra em nenhum outro partido: nem simetricamente quando um Deputado não inscrito na altura da eleição, depois se inscreve no partido por que foi eleito. Tão pouco ocorre perda de mandato, quando é extinto, por qualquer causa (cfr. artigos 17º e 18º da Lei Orgânica nº 2/2003, de 22 de Agosto), o partido por que o Deputado tenha sido eleito: é ainda o respeito pela vontade eleitoral que o alicerça. O Deputado fica como independente.”, CRP anotada, Tomo II, 2006, pp. 489-490. Nenhuma destas circunstâncias, que poderiam afastar a previsão normativa constante do artigo 8.º, n.º 1, c) da Lei da Tutela Administrativa se verifica no presente caso, pois ainda que o Partido Juntos pelo Povo tenha abandonado a Coligação, foi dada a liberdade de os seus militantes ocuparem o lugar pelo qual foram eleitos, o que não significa mudarem de partido dentro da Coligação, tanto mais, tendo presente o disposto no artigo 79.º da Lei 169/99, quanto às regras de preenchimento de vagas. Assim, em face de todo o exposto, mediante a verificação de todos os pressupostos que determinam a aplicação da perda de mandato e na ausência da alegação e prova de quaisquer circunstâncias que abalassem os requisitos da ilicitude ou da culpa, não é possível formular um qualquer juízo de desproporcionalidade ou desadequação da respetiva sanção aplicada, por a mesma ser legalmente cominada como efeito jurídico da conduta praticada pela Demandada. Além de que, para poder ser afastada a aplicação da sanção de perda de mandato, enquanto consequência legal prevista para o comportamento adotado pela Demandada, teria de ser possível formular um juízo de manifesta ou evidente falta de proporcionalidade, o que além de não ser alegado, não obtém concretização na factualidade julgada provada. Assim, nenhuma razão assiste à ora Recorrente, devendo ser julgadas improcedentes todas as conclusões do recurso. * Termos em que será de negar provimento ao recurso interposto, por não provados os seus fundamentos. *** Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. Nos termos do artigo 242.º, n.º 1, da Constituição, a tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei. II. Releva ainda o disposto no n.º 3, do artigo 242.º da Constituição, que prevê que “A dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa ações ou omissões ilegais graves”. III. Em concretização do parâmetro constitucional, a Lei n.º 27/96, de 01/08 aprova a Lei da Tutela Administrativa, que estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como o respetivo regime sancionatório (artigo 1º, n.º 1). IV. Os artigos 8.º e 9.º da respetiva Lei, especificam quais as circunstâncias que podem determinar essa perda de mandato, relevando o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 8.º da Lei da Tutela Administrativa, segundo o qual “1 – Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que: (…) c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral;”. V. No que respeita aos pressupostos da perda de mandato, importa considerar os seguintes: em primeiro lugar, tem de verificar-se a filiação do candidato num certo partido político e a sua apresentação a sufrágio integrando as listas desse partido político; em segundo lugar é necessário que o candidato ao sufrágio tenha sido eleito e exerça funções num órgão de uma autarquia local; em terceiro lugar o eleito local terá de se ter filiado num partido político diferente daquele pelo qual se apresentou a sufrágio eleitoral; em quarto lugar, essa nova filiação tem de ser imputada a título de culpa; em quinto lugar, importa que não se verifique a existência de alguma causa de exclusão da culpa. VI. Tendo a Demandada concorrido a sufrágio eleitoral como filiada num certo partido político, no seu decurso não pode filiar-se noutro partido, ainda que ambos os partidos tenham concorrido ao ato eleitoral sob a forma de coligação, como no presente caso. VII. Recai sobre as pessoas que exercem estavelmente uma determinada atividade, função ou profissão, um dever reforçado de conhecer as regras jurídicas que a regulam. VIII. Trata-se do exercício de funções públicas, submetidas a um quadro normativo preciso e vinculado, a que a Demandada deveria estar ciente e agido em conformidade. IX. Mediante a verificação de todos os pressupostos que determinam a aplicação da perda de mandato e na ausência da alegação e prova de quaisquer circunstâncias que abalassem os requisitos da ilicitude ou da culpa, não é possível formular um qualquer juízo de desproporcionalidade ou desadequação da respetiva sanção aplicada, por a mesma ser legalmente cominada como efeito jurídico da conduta praticada pela Demandada. X. Além de que, para poder ser afastada a aplicação da sanção de perda de mandato, enquanto consequência legal prevista para o comportamento adotado pela Demandada, teria de ser possível formular um juízo de manifesta ou evidente falta de proporcionalidade, o que além de não ser alegado, não obtém concretização na factualidade julgada provada. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes.
(Ana Celeste Carvalho - Relatora) |