Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12675/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/28/2016
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – PENA DISCIPLINAR EXPULSIVA - GNR
Sumário:I – Nos termos do disposto no artigo 33º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), aprovado pela Lei nº 145/99, de 1 de Setembro (com as alterações introduzidas pela Lei nº 66/2014, de 28 de Agosto) a pena de separação de serviço consiste “no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vínculo funcional à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma.”. Deste modo a execução da pena disciplinar de separação de serviço aplicada, implicando a extinção do vínculo funcional, tem como consequência necessária a perda do rendimento correspondente à remuneração e demais abonos que o requerente auferia.

II - Apesar de o requerente ter idade inferior a 60 anos (tem 49 anos de idade) poderá ser aposentado nos termos do disposto no artigo 37º nº 2 alínea c) do Estatuto da Aposentação, de acordo com o qual haverá lugar a aposentação “quando o subscritor, tendo, pelo menos, cinco anos de serviço (…) seja punido com pena expulsiva de natureza disciplinar ou, por condenação penal definitiva, demitido ou colocado em situação equivalente (…)”, mas por força do disposto no artigo 40º 3 do Estatuto da Aposentação (“Aposentação de antigo subscritor”) “…quando a eliminação da qualidade de subscritor tiver resultado de demissão, mesmo com expresso fundamento em infração penal ou disciplinar, a aposentação só poderá ser concedida, a requerimento do interessado, dois anos após a aplicação da pena (…)”.

III - Em face do assim disposto o requerente não poderá auferir desde já de pensão de aposentação, só podendo a ela aceder passados que sejam dois anos sobre a aplicação da pena disciplinar expulsiva, o que o coloca sem qualquer rendimento no período em causa.

IV – A circunstância daquela impossibilidade de aposentação ser limitada no tempo, não afasta a verificação atual do periculum, o que poderá motivar, decorrido que seja tal período, em face da alteração das circunstâncias, é a alteração ou revogação da providência cautelar (cfr. artigo 124º do CPTA).

V - Quando os danos para os interesses em jogo não são quantificáveis a ponderação a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA haverá de ser feita com base na relação de grandeza, extensão e dimensão comparativa, num juízo avaliativo não meramente quantitativo, havendo que atender-se às circunstâncias do caso.

VI – Sendo a Guarda Nacional Republicana (GNR) uma força de segurança de cariz militar, que tem por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e proteção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da Lei, sendo suas atribuições, entre o demais, garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a proteção das pessoas e dos bens; prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança; desenvolver as ações de investigação criminal e contra-ordenacional que lhe sejam atribuídas por lei, delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas autoridades administrativas (cfr. artigos 1º e 3º nº 1 alíneas b), c) e e) da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana – Lei nº 73/2007, de 6 de Novembro), a manutenção em funções de um militar da GNR por efeito de decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia da pena disciplinar de separação de serviço (que se traduz numa pena disciplinar de natureza expulsiva) que lhe foi aplicada na sequência da condenação em processo crime, com trânsito em julgado, pela prática de crime de corrupção passiva para ato ilícito, tem efeitos nefastos, quer do ponto de vista interno, pondo em risco a coesão e disciplina interna do corpo de militares da GNR, quer do ponto de vista externo, pondo em causa, perante a população em geral, a imagem e prestígio que devem ser inerentes a uma força de segurança com atribuições na área da prevenção e investigação criminal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Ministério da Administração Interna (devidamente identificado nos autos), entidade requerida no Processo Cautelar instaurado contra si por António ……………………….., cabo da GNR, (igualmente devidamente identificado nos autos), no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (Procº nº 1667/15.0BEALM) – no qual este requereu a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que identificou ser o despacho de 10/04/2015 da Senhora Ministra da Administração Interna, notificado em 15/05/2015 e publicado no DR, 2ª Série, nº 95, de 18/05/2015 (Declaração 109/2015), que lhe aplicou, no âmbito do Processo Disciplinar nº 425/11 CTSTB, a pena de separação de serviço prevista nos artigos 27º nº 2 alínea e) e 33º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), aprovado pela Lei nº 145/99, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 66/2014, de 28 de Agosto – inconformado com a sentença de 09/09/2015 daquele Tribunal, pela qual foi decretada a providência cautelar de suspensão de eficácia do identificado ato, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue improcedente a providência cautelar requerida.

Nas suas alegações o Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:
« Texto no original»



Notificado o recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificado(a) nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o(a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de merecer provimento o presente recurso.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Assim sendo, importa aferir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito), com erro na interpretação e aplicação do direito no que tange aos critérios de concessão da providência cautelar previstos no artigo 120º do CPTA.
Sendo certo que muito embora o recorrente invoque que a sentença recorrida enferma de erro de facto e de direito na verdade não assaca em concreto qualquer erro ao julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, não observando concomitantemente os respetivos requisitos formais atualmente previstos no artigo 640º do CPC novo (correspondente ao artigo 685º-A do CPC antigo), não indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados ou a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida nem ainda os meios probatórios produzidos que impunham decisão diversa quanto à factualidade.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
a) Por despacho do Comandante, em substituição, do Comando Territorial de Setúbal da GNR, de 29/07/2011, foi instaurado processo disciplinar contra o requerente, Cabo da GNR, tendo em consideração a factualidade descrita no despacho de acusação proferido no âmbito do processo-crime n.º……./09.3GEALM, que correu termos no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada [documento de fls. 2 do processo administrativo apenso].

b) No dia 28/09/2011, o requerente foi notificado da instauração do processo disciplinar e prestou declarações [documentos de fls. 20 e 22 do processo administrativo apenso].

c) Por despacho do Comandante do Comando Territorial de Setúbal da GNR, de 13/10/2011, tendo em consideração a proposta apresentada pelo instrutor, foi determinada a suspensão do processo disciplinar, nos termos do artigo 96.º do RDGNR, até ulteriores decisões no âmbito do processo criminal pendente [documento de fls. 24 do processo administrativo apenso].

d) Por Acórdão proferido, em 17/01/2014, no Processo n.º……../09.3GEALM, que correu termos no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, o requerente foi condenado “pela prática, em co-autoria material, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito (p. e p. pelo art. 372.º e 386 do Código Penal), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão”, suspensa, por igual período, mediante a condição de, no prazo de 12 meses, proceder ao pagamento à instituição “Casa D……………….” da quantia de €1000.00 [documento de fls. 69 a 85 do processo administrativo apenso].

e) No Acórdão referido em d) foram considerados provados, entre outros, os seguintes factos:

«(Texto no original)»

[documento de fls. 69 a 85 do processo administrativo apenso].

f) O requerente interpôs recurso do Acórdão referido em e), que foi julgado improcedente por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/05/2014, que transitou em julgado em 25/06/2014 [documentos de fls. 106 a 146 do processo administrativo apenso].

g) Em 18/09/2014, o instrutor do processo disciplinar deduziu nota de culpa/acusação contra o requerente [documento de fls. 160 a 163 do processo administrativo apenso].

h) Em 16/10/2014, o requerente apresentou defesa escrita [documento de fls. 165 a 174 do processo administrativo apenso].

i) Em 14/11/2014, o instrutor elaborou o relatório final, onde propôs a aplicação ao requerente da pena disciplinar de separação de serviço [documento de fls. 187 a 192 do processo administrativo apenso].

j) No relatório final do instrutor, consta, designadamente, o seguinte:

“(…) «(Texto no original)»

(…).”

[documento de fls. 187 a 192 do processo administrativo apenso].

k) Por despacho do Comandante-Geral da GNR, de 16/01/2015, exarado na Informação n.º3161/14, foi determinado o envio do processo disciplinar ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina para emissão de parecer sobre a aplicação ao requerente da pena disciplinar de separação de serviço [documento de fls. 198 a 202 do processo administrativo apenso].

l) Na Informação referida em k), consta, designadamente, o seguinte:

“(…) «(Texto no original)»

[documento de fls. 198 a 202 do processo administrativo apenso].

m) Em 02/03/2015, o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina deliberou no sentido da continuação do processo disciplinar relativo ao requerente para aplicação da pena disciplinar de separação de serviço [documento de fls. 204 a 210 do processo administrativo apenso].

n) Em 24/03/2015, o Comandante-Geral da GNR proferiu o despacho n.º077/DJD/15, no qual manteve a proposta de aplicação da pena disciplinar de separação de serviço ao requerente e determinou que a mesma fosse submetida à apreciação da Ministra da Administração Interna [documento de fls. 214 do processo administrativo apenso].

o) Por despacho da Ministra da Administração Interna, de 10/04/2015, foi aplicada ao requerente a pena disciplinar de separação de serviço [documento de fls. 219 a 223 do processo administrativo apenso].

p) No despacho referido em o), consta, designadamente, o seguinte:

“(…) «(Texto no original)»

(…).” [documento de fls. 219 a 223 do processo administrativo apenso].

q) Durante o decurso do processo-crime e do processo disciplinar e até 18/05/2015, o requerente manteve-se a exercer funções, nunca tendo sido suspenso [acordo].

r) Nos depoimentos prestados no âmbito do processo disciplinar, os superiores hierárquicos do requerente afirmaram, entre outras coisas, que o requerente tem uma boa conduta profissional [documento de fls. 183 a 185 do processo administrativo apenso].

s) O autor tem 49 anos e é militar da GNR há 26 anos [acordo e documento de fls. 147 dos autos].

t) O autor tem uma filha com 19 anos e um filho com 27 anos [documentos de fls. 141 e 143 dos autos].

u) Até lhe ser aplicada a pena de separação de serviço, o autor auferia o vencimento base de €1.252.97, a que acrescia o suplemento de forças de segurança no valor de €275.25 e o complemento de fardamento no valor de €30.00 [documento de fls. 13 dos autos].

v) A esposa do autor encontra-se desempregada [documento de fls. 14 e 15 dos autos].

w) O vencimento do requerente é o único rendimento do seu agregado familiar [documentos de fls. 144 e 145 dos autos].

x) O requerente paga anualmente um prémio de seguro no valor de €142.81 [documento de fls. 17 dos autos].

y) O requerente paga mensalmente a quantia de €20.00, relativa ao condomínio [documento de fls. 20 dos autos].

z) Em data não concretamente apurada, foi emitida pela EDP uma factura, em nome do requerente, no valor de €55.64, relativa ao período de facturação compreendido entre 11/12/2014 e 10/02/2015 [documento de fls. 19 dos autos].

aa) Em 30/04/2015, foi emitida pelos SMAS de Almada um factura, em nome do requerente, no valor de €22.61, relativa ao período de facturação compreendido entre 28/03/2015 a 29/04/2015 [documento de fls. 18 dos autos].


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B – De direito

1. Pela sentença recorrida, de 09/09/2015, o Tribunal a quo julgando procedente o pedido formulado pelo requerente no Processo Cautelar decretou a requerida providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de 10/04/2015 da Senhora Ministra da Administração Interna, que no âmbito do Processo Disciplinar nº ………/11 CTSTB, aplicou ao requerente, aqui recorrido, a pena de separação de serviço prevista nos artigos 27º nº 2 alínea e) e 33º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR).
O julgamento de procedência da pretensão cautelar teve por base a matéria de facto que nela foi dada como provada e assentou na verificação dos pressupostos de decretação de providência cautelar de natureza conservatória previstos na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 120º do CPTA.
2. Muito embora o recorrente invoque que a sentença recorrida enferma de erro de facto e de direito na verdade não assaca em concreto qualquer erro ao julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, não observando concomitantemente os respetivos requisitos formais atualmente previstos no artigo 640º do CPC novo (correspondente ao artigo 685º-A do CPC antigo), não indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados ou a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida nem ainda os meios probatórios produzidos que impunham decisão diversa quanto à factualidade.
Pelo que o que importa aferir no presente recurso é se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito), com erro na interpretação e aplicação do direito no que tange aos critérios de concessão da providência cautelar previstos no artigo 120º do CPTA, em concreto, em face dos termos em que se encontra delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), quanto aos requisitos do fumus boni iuris na sua formulação negativa (fumus non malus iuris) previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, do periculum in mora previsto na mesma alínea b) do nº 1 daquele artigo 120º e quanto à ponderação dos interesses a que alude o nº 2 do mesmo artigo 120º do CPTA.
Tudo tendo por base a matéria de facto que foi dada como provada pelo Tribunal a quo que não vem impugnada no presente recurso.
3. A razão de ser do processo cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal.
A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus bonnus iuris).
Assim, nos termos das disposições conjugadas das alíneas a), b) e c) do nº 1 e do nº 2 do artigo 120º do CPTA as providências cautelares são adotadas quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal” (alínea a)) ou quando estando em causa a adoção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” (alínea b)), ou “quando, estando em causa a adoção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (alínea c)) e desde que, nestes dois últimos casos, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (nº 2).
4. A providência cautelar concretamente requerida, de suspensão de eficácia do identificado ato administrativo, que no âmbito do Processo Disciplinar nº 425/11 CTSTB, aplicou ao requerente a pena de separação de serviço prevista nos artigos 27º nº 2 alínea e) e 33º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), aprovado pela Lei nº 145/99, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 66/2014, de 28 de Agosto, constitui uma providência de natureza conservatória, como corretamente foi enquadrada pelo Tribunal a quo.
E porque considerou que à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA não é manifesta a improcedência da ação principal ocorrendo concomitantemente periculum in mora, e que na ponderação dos interesses a que alude o nº 2 do mesmo artigo 120º do CPTA não eram superiores os danos, para os interesse público em presença, decorrentes da decretação da providência face aos que decorreriam para o requerente com a sua recusa, o Tribunal a quo decretou a providência cautelar de suspensão de eficácia (providência que, atenha-se, havia já sido decretada provisoriamente, ao abrigo do disposto no artigo 131º do CPTA pelo Tribunal a quo, através do despacho de 27/05/2015, decisão que foi posteriormente mantida, após audição da entidade requerida, por despacho de 22/06/2015).
5. Assentou a sentença recorrida no seguinte discurso fundamentador, que se passa transcrever:
«Da factualidade provada resulta que, por despacho do Comandante, em substituição, do Comando Territorial de Setúbal da GNR, de 29/07/2011, foi instaurado processo disciplinar contra o requerente, Cabo da GNR, tendo em consideração a factualidade descrita no despacho de acusação proferido no âmbito do processo-crime n.º………/09.3GEALM, que correu termos no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada [alínea a) dos factos provados].
Resultou, ainda, provado nos autos que o requerente, por Acórdão proferido, em 17/01/2014, no Processo n.º………/09.3GEALM, que correu termos no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, foi condenado “pela prática, em co- autoria material, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito (p. e p. pelo art. 372.º e 386 do Código Penal), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão”, suspensa, por igual período, mediante a condição de, no prazo de 12 meses, proceder ao pagamento à instituição “Casa D. Ruy de Salema” da quantia de €1000.00 [alínea d) dos factos provados].
Analisado o relatório final do instrutor, conclui-se que, na fixação da matéria de facto, se remete para a factualidade considerada provada no âmbito do processo- crime [cfr. alíneas e) e j) dos factos provados], pelo que se conclui que a decisão disciplinar, no que respeita à matéria de facto, encontrou o seu fundamento na decisão proferida no processo-crime.
Ora, a questão de saber se a aplicação de uma pena disciplinar pode encontrar o seu fundamento na factualidade considerada provada no processo-crime é uma questão complexa, sendo que, até muito recentemente, a jurisprudência, que cremos dominante, ia no sentido de que a decisão disciplinar não podia deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada tinha julgado provados que fossem objecto de apreciação no processo disciplinar [neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/06/2007, proferido no Processo n.º01058/06].
Quanto ao invocado erro sobre os pressupostos de facto, afigura-se, da análise da informação n.º3161/14, de 23 de Dezembro, que se encontra parcialmente transcrita na alínea l) dos factos provados, que a afirmação de que os “factos remontam a 2011” consubstancia um lapso, sendo certo que no relatório final do instrutor, para que também remete o despacho suspendendo, os factos imputados ao requerente se encontram localizados temporalmente no ano de 2009.
O erro sobre os pressupostos de facto ocorre quando se verifica uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto da prática do acto. Analisado o relatório final do instrutor, bem como a informação n.º3161/14, de 23 de Dezembro, para que remete o despacho do Comandante-Geral da GNR, de 16/01/2015, não surge como manifesto, evidente, que ocorreu um tal erro, ou seja, que o autor foi punido como se os factos tivessem ocorrido em 2011, quando, na realidade, ocorreram no ano de 2009.
Pelo exposto, concluímos que não é evidente que o despacho suspendendo padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto.
Alega, ainda, o requerente que o processo disciplinar se encontra prescrito, nos termos do artigo 46.º, n.º3 do Regulamento de Disciplina da GNR, uma vez que o mesmo teve início em 2011, ou seja, 2 anos após a alegada ocorrência dos factos.
Nos termos do artigo 46.º do Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado pela Lei n.º145/99, de 1 de Setembro, “1. O procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infracção tiver sido cometida. 2. Exceptuam-se as infracções disciplinares que constituam ilícito criminal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos. 3. O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve também se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, aquele não for instaurado no prazo de três meses. 4. A prescrição interrompe-se: a) Com a prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo; b) Com a notificação da acusação ao arguido. 5. Suspende o decurso do prazo prescricional: a) A instauração de processo de sindicância, de averiguações, de inquérito ou disciplinar, ainda que não dirigidos contra o militar visado, nos quais venham a apurar-se as infracções por que seja responsável; b) A instauração de processo por crime estritamente militar, em que se decida que os factos imputados ao arguido não integram ilícito com aquela natureza.”.
Ora, a factualidade provada nos autos não nos permite concluir que o procedimento disciplinar foi instaurado após ter decorrido o prazo de 3 meses, previsto no artigo 46.º, n.º3 do Regulamento de Disciplina da GNR, contado da data em que a falta foi conhecida pela entidade com competência disciplinar.
Com efeito, o requerente não alega em que data a entidade com competência disciplinar teve conhecimento das infracções que lhe foram imputadas no processo disciplinar, sendo certo que o facto de terem decorrido 2 anos entre a data dos factos e a data em que foi instaurado o processo disciplinar não se subsume à previsão da norma do artigo 46.º, n.º3 do Regulamento de Disciplina da GNR.
Acresce, e o que é determinante, que as infracções disciplinares imputadas ao requerente no processo disciplinar constituem ilícito criminal – crime de corrupção passiva –, pelo que, atento o disposto no artigo 46.º, n.º2 do Regulamento de Disciplina da GNR, apenas prescreviam nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, ou seja, no prazo de 10 anos, nos termos do artigo 118.º, n.º1, alínea b) do Código Penal, na redacção em vigor à data da prática da infracção.
Assim sendo, considerando que desde a data da prática dos factos imputados ao requerente até à decisão final do processo disciplinar não decorreram 10 anos, concluímos que o processo disciplinar não prescreveu.
Alega, também, o requerente que esteve sempre ao serviço entre 2009 e 2015, continuando a desempenhar as funções que sempre havia desempenhado, e que foi acolhida, na proposta de aplicação da pena de separação de serviço, a teoria da prevenção negativa do fim da pena, quando o nosso ordenamento jurídico acolheu a teoria da prevenção positiva.
O assim alegado prende-se com a determinação da medida da pena disciplinar aplicada ao requerente, sendo que a Administração goza de alguma margem de discricionariedade em tal determinação [neste sentido, o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/03/2007, proferido no Processo n.º0412/05].
Tendo presente o disposto nos artigos 27.º, n.º2. alínea e), e 41.º do Regulamento de Disciplina da GNR, bem como a fundamentação constante do relatório final relativa à determinação da medida da pena, e tendo, ainda, em consideração que o requerente foi condenado, no âmbito do processo-crime, pela prática de um crime de corrupção passiva, não podemos concluir, num juízo perfunctório, que a aplicação da pena de separação de serviço ao requerente padece de erro grosseiro.
O facto de o requerente ter permanecido ao serviço entre 2009 e 2015 é insuficiente para concluirmos que a aplicação da pena de separação de serviço viola as normas, que o requerente, aliás, não invoca, sobre a determinação da medida da pena.
Acresce, por outro lado, que da fundamentação constante da informação n.º n.º3161/14, de 23 de Dezembro, resulta que não foram apenas exigências de prevenção especial negativa, mas também de prevenção geral e especial positiva, que determinaram a aplicação ao requerente da pena de separação de serviço.
Por fim, alega o requerente que “perante a aplicação de uma pena expulsiva, não se alcança porque é que foi (…) mantido em exercício de funções de 2009 até à presente data”, pelo que o acto suspendendo padece do vício de falta de fundamentação, por ser manifestamente incoerente, consubstanciando vício de forma, nos termos dos artigos 151.º e 152.º do CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º4/2015, de 7 de Janeiro.
O dever de fundamentação dos actos administrativos encontra-se, actualmente, consagrado no artigo 152.º do CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º4/2015, de 7 de Janeiro.
Nos termos do artigo 152.º, n.º1, alínea a), do CPA, aprovado pelo Decreto-lei n.º4/2015, de 7 de Janeiro, “1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeição ou sanções”.
Ora, o despacho suspendendo remete expressamente para o relatório final do instrutor, bem como para a proposta do Comandante-Geral da GNR [alínea p) dos factos provados], sendo que analisados o referido relatório, bem como a informação em que foi exarada a mencionada proposta, conclui-se que, em ambos, são indicadas as razões pelas quais deveria ser, como foi, aplicada ao requerente a pena de separação de serviço.
Com efeito, no relatório final do instrutor, consta, designadamente, o seguinte: “(…) Assim, o arguido ao ter solicitado e/ou aceitado para si bens, concretamente a quantia no valor de 300,00 Euros e, em contrapartida, como agente da Guarda Nacional Republicana, se comprometer não submeter ao teste de álcool Nuno Atouguia, desviou-se dos requisitos morais, éticos e técnico - profissionais que lhe eram exigidos pela sua qualidade e função, deixou de ter, tal como estatui o n.º2 do art.º 2º do Estatuto dos Militares da Guarda (EMGNR), aprovado pelo Decreto -lei n.º297/2009 de 14 de Outubro, as condições exigidas a um “Soldado da Lei”, para continuar nas fileiras, inviabilizando-se, dessa forma, a manutenção da relação funcional, dado que maculou gravemente a dignidade e o prestígio da função pública que desempenhava, descredibilizando a GNR perante a comunidade, que vê no Militar da Guarda e na Instituição que aquele serve, o “elo” da sua segurança pessoal e dos seus bens.
(…)
Atendendo à natureza do serviço, à categoria e posto do arguido, ao grau de ilicitude dos factos praticados, à intensidade do dolo, bem como atento aos resultados perturbadores da disciplina e a todas as circunstâncias atenuantes, os deveres violados constituem infracção disciplinar nos termos do n.º1 do Artº 4º, e tal como decorre da al. c) do n.º2 do art.º 41.º do RDGNR, entende -se, salvo melhor opinião, que o arguido pode ser punido de acordo com o n.º1 e n.º3 do art.º 42º com a pena de Separação de Serviço, prevista na al. e) do n.º2 do art.º 27º, conforme o art.º 33.º do mesmo regulamento . (…)”.
Assim, atenta a fundamentação constante, designadamente, do relatório final do instrutor não surge como manifesta a falta de fundamentação do acto suspendendo, sendo certo que se afigura que a entidade requerida não tinha, por tal não caber no âmbito da fundamentação legalmente exigida, que indicar a razão pela qual o requerente foi mantido em exercício de funções de 2009 até 2015.
Pelo exposto, concluímos que não é evidente a procedência da acção principal, uma vez que o acto suspendendo não é manifestamente ilegal, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto de que depende o decretamento da providência ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º1, alínea a) do CPTA, cumprindo verificar se se encontram preenchidos os pressupostos constantes da alínea b) da mesma norma legal.
Como referimos, as providências cautelares são adoptadas quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” [artigo 120.º, n.º1, alínea b) do CPTA].
Cumpre referir que “o julgador cautelar na formulação dos juízos relativos ao “fumus boni juris” insertos na al. b) do nº1 do art. 120 do CPTA (sobre a existência ou não de circunstâncias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa e sobre a possibilidade de êxito que o requerente poderá ter no processo principal) terá de fazer uma apreciação perfunctória, que é própria da tutela cautelar, porquanto se tratam de juízos efectuados sob reserva de, no processo principal, se poder chegar a uma conclusão diversa” [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23/09/2010, Processo nº60/10.6BEVIS].
Ora, tendo concluído que não é manifesta a procedência da acção principal, não podemos igualmente concluir pela sua manifesta improcedência, uma vez que a questão a decidir naquela acção surge como complexa, cumprindo decidir, designadamente, se o facto de o processo disciplinar ter tido por base os factos constantes do processo-crime viola as normas aplicáveis ao processo disciplinar, contendendo com a validade do acto suspendendo.
Com efeito, se é certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido, como já referimos, no sentido de que a Administração está vinculada à factualidade provada no processo-crime, não é menos certo que no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25/03/2015, proferido no Processo n.º01402/13, foi adoptado o entendimento segundo o qual “o processo crime e o processo disciplinar, constituem dois tipos de processo em que a salvaguarda do bem jurídico é distinta, os interesses e fins que salvaguardam são diferentes e, assumem, por isso, prevenções gerais e especiais diferentes, pelo que a prova feita no processo crime não releva para o processo disciplinar”-
Atenta a actual divergência jurisprudencial quanto à relevância da prova produzida no processo-crime no âmbito do processo disciplinar, não podemos deixar de considerar que a questão de saber se o requerente podia ser punido disciplinarmente com base na factualidade provada no processo-crime é complexa, carecendo de profunda indagação que tem a sua sede própria na acção principal.
Por outro lado, a questão relativa à determinação da medida da pena é, também ela, complexa, não se podendo, num juízo perfunctório, concluir que a mesma não padece de qualquer erro.
Pelo exposto, considera-se preenchido o requisito do “fumus boni juris”, na formulação negativa do artigo 120.º, n.º1, alínea b), do CPTA, pelo que cabe aferir do preenchimento do requisito do “periculum in mora”, isto é, se se verifica o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
No que se refere ao requisito do “periculum in mora”, impende sobre o requerente da providência o ónus de especificar e concretizar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e/ou da produção de prejuízos de difícil reparação, alegando factos concretos que permitam concluir pela verificação da
referida situação e/ou prejuízos, sendo que este ónus da alegação não se mostra cumprido com a mera alegação vaga ou genérica de que a demora da acção principal lhe causa prejuízos ou com a alegação de factos que não se encontrem devidamente concretizados.
Refira-se, ainda, que, sem prejuízo da dificuldade de reparação dos danos dever ser avaliada segundo um juízo de probabilidade, e não de certeza, que pode assentar nas regras da experiência comum, tal não dispensa o requerente do ónus de invocação e de demonstração da dificuldade de reparação dos prejuízos, ou seja, da alegação de factos concretos tendentes a demonstrar aquela.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 3.ª Edição revista, páginas 805 a 807, "( .. ) Se não falharem os demais pressupostos de que, nos termos do artigo 120º, depende a concessão da providência, ela deve ser concedida desde que os factos concretamente alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão "facto consumado". (…) Do ponto de vista do perículum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração no plano dos factos da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente . (…) ”.
No que se refere ao requisito em apreciação, o requerente alega, em suma, que, se tiver que cumprir imediatamente a pena, ficará sem conseguir fazer face às obrigações mensais assumidas, ficando em causa a sua subsistência e do seu agregado familiar.
Da factualidade provada nos autos resulta que o vencimento do requerente é o único rendimento do seu agregado familiar, sendo que a sua esposa se encontra desempregada [alíneas t) e v) dos factos provados].
Tendo presente o disposto no artigo 40.º, n.º2 do Estatuto da Aposentação e o facto de o requerente ter 49 anos de idade [alínea r) dos factos provados], conclui-se que o requerente não terá direito a auferir qualquer pensão de aposentação devido à
aplicação da pena de separação de serviço, pelo menos, até que tenham decorrido dois anos desde a data da aplicação da pena.
Assim, tendo resultado provado nos autos que o vencimento do requerente é o único rendimento do seu agregado familiar, não podemos deixar de concluir pela probabilidade séria de o requerente vir a sofrer, caso não seja decretada a providência cautelar requerida, prejuízos de difícil reparação, na medida em que a privação do vencimento que aufere, decorrente da aplicação da pena de separação de serviço, pode comprometer a possibilidade do mesmo prover à satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.
Nesta medida, concluindo que a perda do vencimento que o requerente aufere, até à decisão da acção principal, decorrente da aplicação da pena de separação de serviço, é susceptível de contender com o seu direito a uma sobrevivência condigna, impossibilitando ou dificultando a satisfação das suas necessidades básicas, concluímos que se encontra preenchido o requisito do periculum in mora.
Encontrando-se preenchidos os pressupostos de que depende o decretamento da providência constantes do artigo 120.º, n.º1, alínea b), do CPTA, cumpre verificar se se encontra preenchido o pressuposto negativo constante do n.º2 do mesmo artigo. Nos termos do artigo 120.º, n.º2, do CPTA, “Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela
adopção de outras providências”.
Alega a entidade requerida que a prática, por parte do requerente, do ilícito penal e, em consequência, do ilícito disciplinar quebrou, de forma irreversível, a confiança que deve existir entre a GNR e os seus militares
Acrescenta que o decretamento da providência cautelar redundaria em grave prejuízo para o interesse público, traduzido em nefastos efeitos ao nível da disciplina e do espírito de corpo, princípios nobres e basilares de uma força de segurança, militarmente organizada e caracterizada pela exigência e máximo rigor na conduta dos seus elementos, como é o caso da GNR, constituindo um prejuízo irreversível que, apesar do tempo decorrido, se manteria na memória de todos os militares da GNR e da sociedade em geral, contribuindo para uma imagem negativa da instituição, provocada pela prática pelo requerente do crime de corrupção.
Por sua vez, alega o requerente que a sua alegada conduta ocorreu no ano de 2009, ou seja, há 6 anos atrás, e que, não obstante, sempre se manteve ao serviço do requerido, exercendo a sua actividade profissional sem que tenha havido alarme social, danos visíveis na instituição ou sequer conhecimento dos factos pela população.
Vejamos.
Como já referimos, o requerente foi condenado, no âmbito do Processo n.º404/09.3GEALM, que correu termos no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, pela prática, em co-autoria, de um crime de corrupção passiva na pena de 2 anos e seis de prisão, suspensa na sua execução [alínea d) dos factos provados].
Ora, a manutenção ao serviço de um militar da GNR condenado, por decisão transitada em julgado, por um crime de corrupção passiva é susceptível de produzir efeitos negativos na imagem da instituição, sendo que existe um interesse público na manutenção da imagem de correcção e legalidade das actuações dos militares da GNR.
Neste sentido, pode ler-se no Sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24/07/2014, proferido no Processo n.º11062/14, em que estava em causa, tal como nos presentes autos, a suspensão de eficácia do acto de aplicação de uma pena expulsiva a um militar da GNR condenado por um crime de corrupção passiva, “VIII – A gravidade das infracções praticadas pelo requerente, reflectida em termos de disciplina, não deixará de produzir reflexos na vida interna da GNR e para a imagem que dela devem ter, não só os restantes profissionais, como a população em geral, que esperam e confiam que a GNR não possua no seu seio militares que adoptam condutas como as praticadas pelo requerente”.
Contudo, e não se desconhecendo a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul sobre situações idênticas à dos autos, entendemos que os danos que resultariam da recusa da providência cautelar requerida se mostram superiores

àqueles que podem resultar da sua concessão, na medida em que o agregado familiar do requerente não dispõe de qualquer outro rendimento além do seu vencimento, pelo que a privação deste não representará (apenas) uma diminuição drástica do seu nível de vida, antes sendo susceptível de comprometer, de forma irremediável, a satisfação das necessidades mais básicas do requerente e do seu agregado familiar.
Com efeito, como já referimos, o requerente não tem direito a auferir uma pensão de aposentação e a sua esposa encontra-se desempregada, o que significa que, caso o requerente deixe de auferir o seu vencimento, deixará de ter qualquer rendimento para fazer face à satisfação das necessidades básicas do seu agregado familiar.
Dada a idade do requerente, e atentas as regras da experiência, é de considerar que o mesmo terá algumas dificuldades em encontrar, em tempo razoável, um novo emprego.
Importa, ainda, ter presente que o requerente se manteve em funções até 18/05/2015 e que, de acordo com o depoimento dos seus superiores hierárquicos no âmbito do processo disciplinar, tem mantido uma boa conduta profissional [alínea r) dos factos provados].
Por outro lado, o decretamento da providência cautelar requerida apenas obstará à execução imediata da pena disciplinar de separação de serviço, não comprometendo, assim, de forma definitiva, o interesse público que demanda que um militar da GNR condenado por um crime grave, como é o crime de corrupção passiva, seja afastado do exercício das suas funções.
Assim, não sendo de menosprezar a gravidade da conduta do requerente e os reflexos que a mesma pode ter na vida interna da GNR, atendendo a que, por força da execução da pena de separação de serviço, o requerente ficará privado do seu vencimento, não tendo direito a pensão de aposentação, e que aquele é o único rendimento do seu agregado familiar, concluímos que os danos que resultariam da recusa da providência são superiores aos que podem resultar da sua concessão, pelo que, ponderados os interesses em presença, deve prevalecer o interesse do requerente.
Pelo exposto, concluímos que se encontram preenchidos os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida.»

6. Como sempre se tem entendido face à natureza instrumental das providências cautelares não se impõe, em sede de tutela cautelar, à luz dos critérios de decisão ínsitos no artigo 120º do CPTA, a apreciação do mérito da ação principal, essa sim destinada a apreciar e decidir da existência ou não de vícios do ato e/ou da pretensão material dos interessados. A apreciação da existência de vícios determinantes da invalidade do(s) ato(s), cuja suspensão de eficácia é pretendida, que possa ser feita em sede cautelar será sempre uma apreciação sumária, destinada tão só e apenas a determinar da viabilidade ou inviabilidade da ação principal cujo efeito útil se pretende acautelar através de providência cautelar.
Desde modo, não se impõe que o juiz cautelar tome expressa posição sobre todas e cada uma das causas de invalidade que sejam diretamente assacadas ao(s) ato(s) suspendendo(s), nem de outras que seja possível detetar, ex officio, em face dos elementos patenteados dos autos.
O que se exige ao juiz cautelar no âmbito do juízo sobre a verificação dos pressupostos para a concessão de providência cautelar conservatória, como é o caso, é que afira se resulta de forma evidente, explícita e inequívoca a procedência da ação principal, no que respeita especificamente à alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, ou se se verifica o fumus boni iuris na sua formulação negativa, a que alude a segunda parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, em termos que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (vide a este respeito, entre outros, o Acórdão deste TCA Sul de 14/05/2015, Proc. 12005/15, de que formos relatores. in, www.dgsi.pt/jtcas).
7. Propugna o recorrente que tendo o requerente sido condenado, com trânsito em julgado, pelas prática de crime de corrupção passiva para ato ilícito previsto e punido pelos artigos 372º e 386º do Código Penal, têm os mesmo factos, por cuja prática foi criminalmente condenado (na pena de 2 anos e 6 meses de prisão”, suspensa, por igual período, mediante a condição de, no prazo de 12 meses, proceder ao pagamento à instituição “………………………” da quantia de 1.000,00 €) ter-se por provados no processo disciplinar, com o que parece defender em sede do presente recurso, como o fez na oposição que deduziu ao pedido cautelar, que a ação principal, na qual é impugnado o ato que aplicou a pena disciplinar de separação de serviço, está votada ao fracasso.
Mas como bem se disse na sentença recorrida não se pode concluir pela manifesta improcedência da ação principal, já que, para além das demais causas de invalidade assacadas ao ato suspendendo, cumprirá naquela ação decidir “…se o facto de o processo disciplinar ter tido por base os factos constantes do processo-crime viola as normas aplicáveis ao processo disciplinar, contendendo com a validade do acto suspendendo» e, como ali se acrescenta, «…se é certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido, como já referimos, no sentido de que a Administração está vinculada à factualidade provada no processo-crime, não é menos certo que no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25/03/2015, proferido no Processo n.º01402/13, foi adoptado o entendimento segundo o qual “o processo crime e o processo disciplinar, constituem dois tipos de processo em que a salvaguarda do bem jurídico é distinta, os interesses e fins que salvaguardam são diferentes e, assumem, por isso, prevenções gerais e especiais diferentes, pelo que a prova feita no processo crime não releva para o processo disciplinar”.»
Decidiu pois bem o Tribunal a quo quando por considerar que a questão de saber se o requerente podia ser punido disciplinarmente com base na factualidade provada no processo-crime não é simples, carecendo de profunda indagação cuja sede própria cabe na ação principal, entendeu não ser manifesta a improcedência da ação principal, verificando-se assim o requisito do fumus boni iuris na sua formulação negativa (fumus non malus iuris) previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Improcede, pois, nesta parte o recurso, não merecendo acolhimento as conclusões II. a IX. das alegações de recurso.
8. E também foi correto o juízo feito na sentença recorrida no sentido da verificação do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, não merecendo acolhimento o propugnado pelo recorrente nas conclusões X. a XIII.. Vejamos porquê.
9. Nos termos do disposto no artigo 33º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), aprovado pela Lei nº 145/99, de 1 de Setembro (com as alterações introduzidas pela Lei nº 66/2014, de 28 de Agosto) a pena de separação de serviço consiste “no afastamento definitivo da Guarda, com extinção do vínculo funcional à mesma e a perda da qualidade de militar, ficando interdito o uso de uniforme, distintivos e insígnias militares, sem prejuízo do direito à pensão de reforma.”.
Deste modo a execução da pena disciplinar de separação de serviço aplicada ao requerente, implicando a extinção do vínculo funcional, tem como consequência necessária a perda do rendimento correspondente à remuneração e demais abonos que o requerente auferia.
Estando provado nos autos que o vencimento do requerente (de 1.252,97 €, acrescido do suplemento de forças de segurança no valor de 275,25 € e do complemento de fardamento no valor de 30,00 €) é o único rendimento do seu agregado familiar, estando a sua esposa desempregada (vide u), v) e w) do probatório) tem de concluir-se ser correto o entendimento, feito na sentença recorrida de que é séria a probabilidade «…de o requerente vir a sofrer, caso não seja decretada a providência cautelar requerida, prejuízos de difícil reparação, na medida em que a privação do vencimento que aufere, decorrente da aplicação da pena de separação de serviço, pode comprometer a possibilidade do mesmo prover à satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar» e que assim «…a perda do vencimento que o requerente aufere, até à decisão da ação principal, decorrente da aplicação da pena de separação de serviço, é suscetível de contender com o seu direito a uma sobrevivência condigna, impossibilitando ou dificultando a satisfação das suas necessidades básicas, concluímos que se encontra preenchido o requisito do periculum in mora».
10. Pugna ainda o recorrente que não se encontra verificado o requisito do periculum in mora por não resultar provado que a aplicação da pena disciplinar de separação de serviço determine a impossibilidade de este ter direito a uma pensão de aposentação, tendo em consideração que o requerente é militar da GNR há 26 anos.
11. É certo, por outro lado, que apesar de o requerente ter idade inferior a 60 anos (tem 49 anos de idade - vide s) do probatório) poderá ser aposentado nos termos do disposto no artigo 37º nº 2 alínea c) do Estatuto da Aposentação, de acordo com o qual haverá lugar a aposentação “quando o subscritor, tendo, pelo menos, cinco anos de serviço (…) seja punido com pena expulsiva de natureza disciplinar ou, por condenação penal definitiva, demitido ou colocado em situação equivalente (…)”. Com a sua aposentação deixaria assim o requerente de estar numa situação de total ausência de rendimento em que a pena disciplinar de separação do serviço o colocou. O que afastaria, na tese do recorrente, a verificação do periculum in mora.
12. Entendeu a sentença recorrida que «…tendo presente o disposto no artigo 40.º, n.º 2 do Estatuto da Aposentação e o facto de o requerente ter 49 anos de idade [alínea r) dos factos provados], conclui-se que o requerente não terá direito a auferir qualquer pensão de aposentação devido à aplicação da pena de separação de serviço, pelo menos, até que tenham decorrido dois anos desde a data da aplicação da pena.» e de seguida que «…Assim, tendo resultado provado nos autos que o vencimento do requerente é o único rendimento do seu agregado familiar, não podemos deixar de concluir pela probabilidade séria de o requerente vir a sofrer, caso não seja decretada a providência cautelar requerida, prejuízos de difícil reparação, na medida em que a privação do vencimento que aufere, decorrente da aplicação da pena de separação de serviço, pode comprometer a possibilidade do mesmo prover à satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar.», para concluir pela verificação do requisito do periculum in mora por «…a perda do vencimento que o requerente aufere, até à decisão da ação principal, decorrente da aplicação da pena de separação de serviço, é suscetível de contender com o seu direito a uma sobrevivência condigna, impossibilitando ou dificultando a satisfação das suas necessidades básicas».
13. O artigo 37º nº 2 alínea c) do Estatuto da Aposentação que admite a aposentação quando o subscritor, tendo, pelo menos, cinco anos de serviço seja punido com pena expulsiva de natureza disciplinar ou, por condenação penal definitiva, demitido ou colocado em situação equivalente, ressalva expressamente na sua parte final o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 40.º daquele Estatuto da Aposentação.
Ora o artigo 40º do Estatuto da Aposentação, sob a epígrafe “Aposentação de antigo subscritor”, dispõe que “quando a eliminação da qualidade de subscritor tiver resultado de demissão, mesmo com expresso fundamento em infração penal ou disciplinar, a aposentação só poderá ser concedida, a requerimento do interessado, dois anos após a aplicação da pena desde que ele conte, pelo menos, 5 anos de serviço e observada uma das seguintes condições: a) Seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz; b) Tenha atingido o limite de idade” (nº 2) e que se “a eliminação for consequência de infração penal pela qual o ex-subscritor seja condenado a pena superior a dois anos, a concessão da pensão de aposentação apenas poderá ter lugar findo o cumprimento da pena, se contar 5 anos de serviço e nos termos das alíneas a) ou b) do número anterior (nº 3).
14. Em face do assim disposto tem que reconhecer-se ter sido correto o entendimento feito na sentença recorrida de que o requerente não poderá auferir desde já de pensão de aposentação, só podendo a ela aceder passados que sejam dois anos sobre a aplicação da pena disciplinar expulsiva. O que o coloca sem qualquer rendimento no período em causa.
E se assim é, tem que ter-se por verificado o requisito do periculum in mora. Devendo acrescentar-se que a circunstância da impossibilidade de aposentação ser limitada no tempo, não afasta a verificação atual do periculum. O que poderá motivar, decorrido que seja tal período, em face da alteração das circunstâncias, é a alteração ou revogação da providência cautelar (cfr. artigo 124º do CPTA).
Improcede, pois, também nesta parte o recurso, não merecendo acolhimento as conclusões X. a XIII. das alegações de recurso.
15. Defende por último o recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito) no que tange à ponderação dos interesses a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA (vide conclusões XIV. a XXI. das alegações de recurso).
16. A este respeito a sentença recorrida muito embora reconhecendo que a «…manutenção ao serviço de um militar da GNR condenado, por decisão transitada em julgado, por um crime de corrupção passiva é suscetível de produzir efeitos negativos na imagem da instituição», e que «…existe um interesse público na manutenção da imagem de correção e legalidade das atuações dos militares da GNR» considerou também que «…os danos que resultariam da recusa da providência cautelar requerida se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua concessão, na medida em que o agregado familiar do requerente não dispõe de qualquer outro rendimento além do seu vencimento, pelo que a privação deste não representará (apenas) uma diminuição drástica do seu nível de vida, antes sendo suscetível de comprometer, de forma irremediável, a satisfação das necessidades mais básicas do requerente e do seu agregado familiar» atendendo ainda a que o requerente «…se manteve em funções até 18/05/2015» e que «…de acordo com o depoimento dos seus superiores hierárquicos no âmbito do processo disciplinar, tem mantido uma boa conduta profissional». E evidenciou ainda que «…o decretamento da providência cautelar requerida apenas obstará à execução imediata da pena disciplinar de separação de serviço, não comprometendo, assim, de forma definitiva, o interesse público que demanda que um militar da GNR condenado por um crime grave, como é o crime de corrupção passiva, seja afastado do exercício das suas funções». Tendo então ponderado que «…não sendo de menosprezar a gravidade da conduta do requerente e os reflexos que a mesma pode ter na vida interna da GNR, atendendo a que, por força da execução da pena de separação de serviço, o requerente ficará privado do seu vencimento, não tendo direito a pensão de aposentação, e que aquele é o único rendimento do seu agregado familiar, concluímos que os danos que resultariam da recusa da providência são superiores aos que podem resultar da sua concessão, pelo que, ponderados os interesses em presença, deve prevalecer o interesse do requerente.».
17. Nos termos do artigo 120º nº 2 do CPTA, deve o juiz recusar a providência cautelar requerida “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”.
Nesta sede o que importa é averiguar dos danos que possam resultam da concessão, por um lado, ou da recusa, por outro, da providência cautelar requerida. Como evidencia José Carlos Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, Coimbra, 5ª Edição, Fevereiro 2004, pp. 329 a 331 “Não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou da recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. Na realidade, o que está em causa não é ponderar os valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível da duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”
Como se sumariou no Acórdão do STA de 27/11/2014, Proc. n.º 0844/14:
“V - A imposição da «recusa» da adoção da providência requerida, tal como é consagrada pelo nº2 do artigo 120º do CPTA, emerge de três juízos que, apesar de interativos, são metodologicamente distintos: - o juízo de ponderação sobre os interesses públicos e privados, em presença; - o juízo sobre a superioridade dos danos que resultariam da concessão da providência, em face daqueles que podem resultar da sua recusa; - e o juízo sobre a possibilidade de evitar ou de atenuar aqueles primeiros danos, através da adoção de outras providências”.
Explicitando este aresto que “…para realizar esta «avaliação complexa» certo é que para além da alegação dos interesses presentes no caso, e a ponderar pelo julgador, deverão também ser alegados danos concretos que resultariam da concessão e da recusada providência, de modo a habilitar o julgador a concluir pela superioridade ou não dos primeiros. Os danos resultantes da recusa deverão ser alegados, por regra, pelo respetivo requerente cautelar, dado integrarem a respetiva causa de pedir, enquanto os danos que podem resultar da concessão deverão ser alegados, isto também por regra, pelo requerido cautelar”.
18. No caso essa alegação foi feita pelas partes, tendo a entidade requerida na sua oposição ao pedido cautelar invocado designadamente que a prática, por parte do requerente, do ilícito penal e, em consequência, do ilícito disciplinar quebrou de forma irreversível a confiança que deve existir entre a GNR e os seus militares, sendo que o decretamento da providência cautelar redundaria em grave prejuízo para o interesse público, traduzido em nefastos efeitos ao nível da disciplina e do espírito de corpo, princípios nobres e basilares de uma força de segurança, militarmente organizada e caracterizada pela exigência e máximo rigor na conduta dos seus elementos, como é o caso da GNR.
19. É inelutável reconhecer que é grave e concreto o prejuízo para o interesse público na manutenção ao serviço de militar da GNR a quem foi aplicada a pena disciplinar de separação do serviço com fundamento em factos pelos quais foi já condenado, com trânsito em julgado, em processo crime, pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito previsto e punido pelos artigos 372º e 386º do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa, por igual período, mediante a condição de, no prazo de 12 meses, proceder ao pagamento à instituição “Casa D. Ruy de Salema” da quantia de 1.000,00 €.
Com efeito, sendo a Guarda Nacional Republicana (GNR) uma força de segurança de cariz militar, que tem por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e proteção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da lei, sendo suas atribuições, entre o demais, garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a proteção das pessoas e dos bens; prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança; desenvolver as ações de investigação criminal e contra-ordenacional que lhe sejam atribuídas por lei, delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas autoridades administrativas (cfr. artigos 1º e 3º nº 1 alíneas b), c) e e) da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana – Lei nº 73/2007, de 6 de Novembro), a manutenção em funções de um militar da GNR por efeito de decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia da pena disciplinar de separação de serviço (que se traduz numa pena disciplinar de natureza expulsiva) que lhe foi aplicada na sequência da condenação em processo crime, com trânsito em julgado, pela prática de crime de corrupção passiva para ato ilícito, tem efeitos nefastos, quer do ponto de vista interno, pondo em risco a coesão e disciplina interna do corpo de militares da GNR, quer do ponto de vista externo, pondo em causa, perante a população em geral, a imagem e prestígio que devem ser inerentes a uma força de segurança com atribuições na área da prevenção e investigação criminal.
No mesmo sentido e em situações semelhantes entendeu já este Tribunal Central Administrativo. Assim se decidiu no Acórdão de 06/06/2013, Proc. 0996/13, entendendo-se que “É grave e concreto o prejuízo para o interesse público na manutenção ao serviço de um agente da PSP a quem foi aplicada a pena disciplinar de demissão, já que o mesmo foi condenado em processo crime, com sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de corrupção para acto ilícito, no exercício de funções de fiscalização rodoviária e ainda nesse âmbito, pela prática de dois crimes de peculato”, no Acórdão de 09/05/2013, Proc. 09749/13, entendendo-se que “quanto a um militar da GNR já condenado pelos tribunais criminais em pena de prisão pelos mesmos factos ilícitos (corrupção passiva), suspender depois a eficácia desta pena disciplinar de reforma compulsiva seria muito grave e danoso para os interesses públicos presentes (boa imagem de seriedade, honestidade e rigor de uma instituição militar/policial como a GNR, bem como a confiança dos cidadãos na GNR e na Justiça disciplinar e judicial) em moldes que notoriamente suplantam os prejuízos causados ao arguido pela pena disciplinar cit. até à sentença final do processo principal”; no Acórdão de 24/01/2013, Proc. 09563/12 onde se entendeu que “existe um interesse público especifico, qualificado e concreto, superior aos interesses do Recorrido, na manutenção da imagem de correção e legalidade das atuações dos militares da GNR, que não é compatível com a manutenção em funções de um agente que foi acusado e punido, criminal e disciplinarmente, pela prática de um crime de corrupção”; no Acórdão de 10/01/2013, Proc. 09438/12, entendendo que “o juízo de inviabilização da manutenção da função policial determina que após a condenação penal o requerente não se mantenha no exercício das suas funções, não mais podendo prosseguir a missão que está confiada à Guarda, por tal missão ser incompatível com a permanência de guardas condenados judicialmente por crime de corrupção”.
20. O nº 2 do artigo 120º do CPTA impõe que sejam “devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença”. Devendo a providência que seria decretada (por se encontrarem reunidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora) ser recusada se se concluir nessa ponderação que “os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa”.
No caso não são quantificáveis os danos para os interesses causa. Mesmo na perspetiva do requerente, ainda que esteja em causa a perda da remuneração decorrente da pena disciplinar expulsiva. Mas a ponderação não pode deixar de ser feita.
Quando os danos para os interesses em jogo não são quantificáveis a ponderação a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA haverá de ser feita com base na relação de grandeza, extensão e dimensão comparativa, num juízo avaliativo não meramente quantitativo, havendo que atender-se às circunstâncias do caso.
21. É certo que na situação presente durante o decurso do processo-crime e do processo disciplinar e até 18/05/2015 o requerente manteve-se a exercer funções, nunca tendo sido suspenso e que nos depoimentos prestados no âmbito do processo disciplinar, os superiores hierárquicos do requerente afirmaram, entre outras coisas, que o requerente tem uma boa conduta profissional (vide q) e r) do probatório), o que foi atendido na sentença recorrida.
Mas não pode esquecer-se, e deve atentar-se também nessa circunstância, que o processo disciplinar foi instaurado em Julho de 2011, tendo em consideração os factos contidos no despacho de acusação proferido no âmbito do processo-crime, processo disciplinar que veio a ser suspenso ao abrigo do artigo 96.º do Regulamento Disciplinar da GNR (Lei nº 145/99, de 1 de Setembro), dispositivo que permite que possa ser determinada a suspensão do processo disciplinar “até que se conclua processo criminal pendente pelos mesmos factos, sempre que exista manifesta dificuldade na recolha de prova ou se repute tal medida conveniente para a administração da justiça disciplinar” (vide a) e b) do probatório). E que só após a condenação com trânsito em julgado da sentença criminal é que foi deduzida (em 18/09/2014) a nota de culpa no processo disciplinar (vide d) a g) do probatório), e após audiência do requerente (arguido no processo disciplinar) foi elaborado o relatório final do instrutor (em 14/11/2014) propondo a aplicação da pena disciplinar de separação de serviço que lhe veio a ser aplicada pelo despacho de 10/04/2015 da Ministra da Administração Interna (vide i) a o) do probatório).
A realidade atual é que o requerente da providência foi condenado criminalmente, com trânsito em julgado, pela prática de crime de corrupção passiva para ato ilícito, tendo já após tal condenação e com base na prática dos mesmos factos, sido aplicada a pena disciplinar expulsiva.
Manter agora em exercício de funções, e até que seja decidida a ação principal na qual o requerente impugna a pena disciplinar expulsiva, causa os efeitos nefastos invocados pela entidade requerida, que subsistirão na pendência da ação principal enquanto se mantiver a dúvida quanto à legalidade decisória, que não podem ser desconsiderados, os quais devidamente sopesados com os efeitos negativos a suportar pelo requerente fazem pender o prato da balança em favor daqueles e desfavor deste.
22. Assiste, pois, neste aspeto, razão ao recorrente, merecendo acolhimento as conclusões XIV a XXI das alegações de recurso.
Deveria, por conseguinte, na ponderação a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA, ter sido recusada a decretação da providência cautelar. Não podendo assim manter-se a sentença recorrida, que deve ser revogada com tal fundamento.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida, pelos fundamentos expostos, recusando-se a decretação da providência cautelar de suspensão de eficácia da pena disciplinar de afastamento de serviço que lhe foi aplicada pelo identificado ato administrativo.
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Custas pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 28 de Janeiro de 2016

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)


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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela