Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:538/09.4BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:CONVERSÃO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO EM CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS LEI N.º 12-A/2008, DE 27/12;
LEI.º 59/2008, DE 11/09;
INSTITUTO PÚBLICO;
INSTITUTO DE TURISMO DE PORTUGAL;
TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO;
DATA RELEVANTE APURAR A TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO.
Sumário:I – O art.º 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, entrou em vigor com a aprovação da Lei n.º 59/2008, de 11/09, passando a vigorar a partir de 01/01/2009;
II – Os art.ºs art.º 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12 e 17.º, n.º 2, da Lei.º 59/2008, de 11/09, determinaram que os trabalhadores que detivessem um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado manter-se-iam contratados por via de contrato, mas este passaria a ter o conteúdo decorrente da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, a saber, o conteúdo de um contrato de trabalho em funções públicas. Determinava-se, pois, uma conversão ope legis do anterior contrato individual de trabalho para um contrato de trabalho em funções públicas, a partir de 01/01/2009;
III – Conforme decorre dos art.ºs 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 308/99, de 10/08, 2.º, 3.º, 4.º do Decreto-Lei n.º 186/2003, de 20/08, 1.º, 3.º, do Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27/04, o Instituto de Turismo de Portugal (ITP) ficou abrangido pelo âmbito de incidência objectivo das Leis n.º 12-A/2008, de 27/12 e n.º 59/2008, de 11/09;
IV – A conversão do indicado contrato em contrato de trabalho em funções públicas impede a aplicação do regime estabelecido pelos art.ºs 318.º a 320.º do Contrato de Trabalho, 67.º do Decreto-Lei n.º 67/2008, de 10/04, e a possibilidade de transferência da titularidade do contrato de trabalho;
V- A data relevante para apurar a transferência da titularidade do contrato de trabalho é a data acordada para a cessionária adquirir a jurídica do empregador cedente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Turismo de Portugal, IP (TP) interpôs recurso do Acórdão do TAF de Sintra, na parte em julgou procedente o pedido de anulação do acto de 27/01/2009, do Presidente do Conselho Directivo (CD) do TP - que determinou a transmissão do contrato de trabalho que havia celebrado com o A. para a Associação de Turismo de Lisboa (ATL) - e dos pedidos de condenação do TP a reintegrar o A. numa das suas unidades orgânicas, a pagar-lhe os vencimentos em dívida, referentes a Março e Abril de 2009, o respectivo aumento de 2,9% desde Fevereiro a Abril e a pagar-lhe as remunerações vincendas desde a data da transmissão do contrato de trabalho, ocorrida em 01/02/2009, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, a liquidar em execução de sentença.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1.- Em razão do estabelecido na lei quadro dos institutos públicos;
- da natureza do TP,IP enquanto instituto de regime especial;
- do previsto nos respectivos Estatutos e Regulamento de Pessoal, com aplicação subsidiária do regime jurídico do sector empresarial do Estado;
ao pessoal ao seu serviço é aplicável o regime do contrato individual de trabalho e não o do contrato de trabalho em funções públicas.
2. Por essa razão, não tendo ocorrido a conversão do contrato de trabalho do A. ao abrigo do disposto no n° 3 do artigo 88° da Lei n° 12-A/2008.
3. Pelo que a acção soçobra por esse motivo, devendo, nessa medida, ser a sentença recorrida revogada e, ainda, por essa razão, os Tribunais Administrativos são incompetentes para apreciar a questão aqui em juízo;
Ainda que assim se não entenda,
4. Só após a entrada em vigor da Lei n.° 58/2008, em 01 de Janeiro de 2009, é que os Tribunais Administrativos e Fiscais passaram a ter competência para apreciar as questões emergentes de contratos de trabalho em funções públicas, sendo certo que a transmissão da gestão e exploração do Posto de Turismo dos Restauradores para a ATL ocorreu por deliberação do Conselho Directivo do TP, IP de 18 de Dezembro de 2008, embora com efeitos diferidos a Janeiro de 2009, dado que a validade e eficácia de tal deliberação são plenas e independentes da homologação do Secretário de Estado e da efectiva transmissão dos estabelecimentos aqui em causa, ocorridas nesta data, atentas as normas aplicáveis ao caso;
5.Pelo que, também por aqui, soçobrará o petitório na acção, devendo, nessa medida, ser a sentença recorrida revogada e, também e ainda, por essa razão, os Tribunais Administrativos são incompetentes para apreciar a questão aqui em juízo.
E ainda que assim se não entenda e sem conceder,
6. O facto de, por força do estabelecido no n.° 3 do artigo 88° da Lei n° 12-A/20Q8, o contrato do A. se ter transformado em contrato por tempo indeterminado, em Janeiro de 2009, “com o conteúdo decorrente da presente lei \ não afasta a aplicação do regime estabelecido nos artigos 318.° a 320.° do Código do Trabalho;
7. A transferência da gestão e exploração do Posto de Turismo dos Restauradores, tal como dos demais, para a esfera jurídica da ATL e, com ela, a transferência da titularidade com contrato de trabalho do A., é perfeitamente legítima, ocorrendo no quadro do disposto no Decreto-Lei n° 67/2008, de 10 de Abril, que aprovou o regime jurídico das áreas regionais de turismo, depois de validação da Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, assumindo-se como condição necessária para a defesa do interesse público e até para salvaguarda dos postos de trabalho dos trabalhadores que ali laboravam;
8. A R. cumpriu escrupulosamente a tramitação estabelecida nos artigos 318. a 320.° do Código do Trabalho quando transferiu a gestão e exploração do Posto de Turismo dos Restauradores para a ATL;
9. A R. nunca teve conhecimento, porque nunca tal lhe foi comunicado, que o A. era filiado no STE;
10. O A. não é credor da R. por qualquer quantia.
11. Pelo que, também por aqui, soçobrará o petitório na acção, devendo, nessa medida, ser a sentença recorrida revogada e ser o R. absolvido daquele, com as devidas e legais consequências.
Normas violadas: as referidas nestas alegações, em especial, os artigos 318.° e 320.° do CT aprovado pela Lei n.° 99/2003 de 27 de Agosto, os artigos 23.246.° e 271.° do RCTFP, os artigos 3.° e 4.° dos Estatutos aprovados pelo D.L. n.° 186/2003 de 20-08, os artigos l.°, 3.° e 15.° do D.L. n.° 141/2007 de 27-04, os artigos 2.°, 4.°, 5.° e 35.° do Regulamento de Pessoal do TP, aprovado pelo Despacho Normativo n.° 64/2008 de 07-11, o artigo 2.°, n.° 1, 3.°, 8.°, n.° 1 e 10.° da Lei n.° 12-A/2008 de 27-02, os artigos 95.°, n.° 3 e 173.°, n.° 1 do CPTA“.

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “a) O A. e ora recorrido titulou com o TP um cit por tempo indeterminado a 1-03- 1996, regulado pelo ACTV do Sector Bancário, para exercer funções de Adjunto Técnico no Posto de Turismo dos Restauradores em Lisboa daquela entidade;
b) O A. exerceu ininterruptamente tais funções até 1 de Fevereiro de 2009 sob a direcção e dependência do TP;
c) A 27 de Janeiro de 2009, o TP e a ATL celebraram um Acordo Quadro de Contratualização no âmbito do qual e ao abrigo do art° 318° do CT, o A. foi cedido à ATL, sem perda de direitos e garantias, cedência que esta última aceitou naqueles termos;
d) O A. opôs-se à cedência ilegal, alegando que o cit se transformara em CTFP desde 1-1-2009, ex vi dos art°s 88° n° 3 e 109° da lei 12-A/2008, regime que inviabiliza a cedência nos termos do art° 318° do CT;
e) O A. foi excluído da lista de transição aprovada e publicitada em Julho de 2009 e com efeitos reportados a 1 de Janeiro daquele ano, na qual figuram 71 colegas do recorrido também titulares de cits que foram convertidos em CTFP;
f) Através de Circular de 20 de Janeiro de 2009, o TP reconheceu a conversão dos cits de todos os seus trabalhadores em CTFP desde 1-1-2009, mas não efectivou a conversão do cit do A ope legis do n° 3 do art° 88° da lei 12-A/2008;
g) A transmissão unilateral do A. para a ATL no âmbito do Acordo Quadro de Contratualização, é inválida por violação do art° 318° do CT e do n° 3 do art° 88° da lei 12-A/2008;
h) Nem o TP nem a ATL cumpriram o dever de informação e consulta prévia aos representantes do A, já que este era sócio do STE cujo delegado sindical no TP não foi consultado;
i) O TP não cumpriu a obrigação assumida na cláusula 5a do ACTV a que estava vinculado;
j) E responde solidariamente com a ATL pelo pagamento ao A. das remunerações em dívida por aquela Associação desde 1 de Março a 26 de Julho de 2009;
k) O TP não cumpriu a cláusula 43° do ACT do Sector bancário por que se rege o contrato do A, em virtude da qual o TP em caso de encerramento de estabelecimento deve integrar o trabalhador noutra estrutura ou serviço do recorrente, sem prejuízo de quaisquer direitos e garantias;
l) O recorrente cedeu ilicitamente o recorrido à ATL e não se opôs ao despedimento ilícito deste último por parte daquela Associação;
m) O acto impugnado é inválido por violar os art°s 86° n° 1, alíneas b) e c) do 87°, e nas alíneas a), b), f) e g) do 89°, 246° e 271° da lei n° 59/2008, e ainda os art°s 88° n° 3 e 109° da lei 12-A/2008;
n) O TP está obrigado e deve ser condenado a pagar solidariamente ao A. as remunerações não pagas pela ATL até ao despedimento daquele,
o) Bem como as que se venceram após o despedimento, e vincendas até à efectiva integração do recorrido;
p) O TP deve ser condenado a reintegrar o A. na situação anterior à sua transmissão para a ATL;.”
O DMMP não apresentou a pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório porque o TAF de Sintra era materialmente incompetente para conhecer desta acção, pois o A. tinha um contrato individual de trabalho que não se converteu em contrato de trabalho em funções públicas e só após a entrada em vigor da Lei n.º 58/2008, de 01/01, é que os tribunais administrativos passaram a ter competências para apreciar questões emergentes de contratos de trabalho em funções públicas;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 318.°, 320.° do Código do Trabalho (CP), 23.º, 246.°, 271.°, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), 3.°, 4.°, dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 186/2003, de 20/08, 1.°, 3.°, 15.°, do Decreto-Lei n.° 141/2007, de 27/04, 2.°, 4.°, 5.°, 35.° do Regulamento de Pessoal do TP, 4.º, 33.º, 35.º do Despacho Normativo n.° 64/2008 de 07/11, 2.°, n.° 1, 3.°, 8.°, n.° 1,10.° da Lei n.° 12-A/2008 de 27/02, 95.°, n.° 3 e 173.°, n.° 1 do CPTA, porque o contrato individual de trabalho celebrado com o A. não se converteu em contrato de trabalho em funções públicas por força do art.º 88.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, porque o TP é um instituto público que fica sujeito a um regime especial, que decorre dos respectivos Estatutos e do Regulamento de Pessoal, aprovados pelo Despacho Normativo n.º 64/2008, de 07/11, dos Ministros de Estado e das Finanças e da Economia e Inovação e dos art.ºs 1.º, n.º 1, 2, 3, 3.º, 5.º, do Decreto-Lei n.º 308/99, de 10/08, 1.º, 3.º, 15.º, 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27/04, 48.º, n.º 3 e 34.º, da Lei n.º 3/2004, de 15/01, que mantiveram aplicável ao pessoal que estava ao seu serviço o regime do contrato individual de trabalho e o ACTV do Sector Bancário, conforme o art.º 17.º da Lei n.º 17/2007, de 12/02, que apenas exigiam que o TP adaptasse o seu regulamento de pessoal até 31/12/2009, sob pena de caducidade;
- aferir do erro decisório, pelas mesmas razões de Direito, porque ainda que o contrato de trabalho celebrado com o A. se tenha convertido em contrato por tempo indeterminado em Janeiro de 2009, por força do art.º 88.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, tal não afasta a aplicação do regime estabelecido pelos art.ºs 318.º a 320.º do CT 67.º do Decreto-Lei n.º 67/2008, de 10/04, e a possibilidade de transferência da titularidade do contrato de trabalho do A.

Conforme decorre dos autos, em 16/12/2009 foi proferido um despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência material do TAF de Sintra para conhecer dos pedidos formulados nas alíneas a) a d) do petitório da PI.
Para o efeito, entendeu o TAF de Sintra que alegando o A. que era titular de um contrato individual de trabalho que se converteu em contrato de trabalho em funções públicas, regia o art.º 4.º, n.º 3, do ETAF, na versão dada pela Lei n.º 59/2008, de 11/09 e cabia à jurisdição administrativa conhecer do litígio relativo ao alegado contrato de trabalho em funções públicas.
Mais considerou o Tribunal ad quo que somente “caso venha a decidir-se que a tese do interessado não colhe vencimento, quanto à aplicabilidade do RCTFP, mantendo, por isso, o contrato individual de trabalho opor tempo indeterminado , não detém este Tribunal, competência, em razão da matéria, para avaliar a legalidade da aludida cessão de estabelecimento nos termos e condições estabelecidas no Código de trabalho que cabe aos tribunais judiciais, em especial os Tribunais de Trabalho, nem dos litígios que possam existir entre o ora Autor e as entidades demandadas (…) quanto a remunerações, regalias e cessão do contrato de trabalho”.
Por seu turno, na decisão final, ora recorrida, não é feita nenhuma pronúncia relativa à indicada excepção de incompetência. Nessa decisão considerou-se apenas que “mantém-se a validade e regularidade da instância, tal como apreciado e decidido no despacho saneador”.
Em suma, o julgamento da alegada improcedência da excepção de incompetência material foi feito pelo despacho saneador e não na sentença ora recorrida.
Tal despacho saneador não foi alvo de qualquer recurso. Por conseguinte, o mesmo transitou em julgado.
Logo, não há agora que conhecer do invocado erro na apreciação da excepção de incompetência material, pois tal decisão – que foi tomada no despacho saneador – já formou caso julgado. Ademais, porque na sentença recorrida também não se conheceu tal excepção, nesse mesmo segmento o presente recurso carece de objecto.
Mais se refira, que a remissão que é feita naquele despacho saneador para uma decisão ulterior é uma remissão meramente aparente e não real. Na verdade, o indicado despacho acabou por julgar de vez a questão, entendendo que a competência era aferida pelo pedido principal e este cabia no âmbito da jurisdição administrativa. Basicamente, ter-se-á entendido naquele despacho que o pedido principal era o relativo à alegada titularidade pelo A. do contrato de trabalho em funções públicas, por via da conversão do seu contrato individual de trabalho, que ocorreu ope legis, por decorrência do art.º 88.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12. Porque tal pedido principal era o que determinava a correspondente competência material, julgou-se competente para conhecer dos pedidos formulados de a) a d) do petitório, o TAF de Sintra. Nessa conformidade, decidiu-se, de vez, a questão.
Assim, não há agora que conhecer do alegado erro decisório por o TAF de Sintra ser materialmente incompetente para conhecer desta acção, pois esse julgamento não foi feito através da sentença recorrida, mas pelo despacho saneador que lhe foi prévio. Consequentemente, tal invocação só pode relevar para efeitos deste recurso enquanto se possa imputar um erro decisório à sentença, por ter entendido – erroneamente – que o contrato individual de trabalho do A. se converteu em contrato de trabalho em funções públicas.

Quanto ao invocado erro decisório por o contrato individual de trabalho celebrado com o A. não se ter convertido em contrato de trabalho em funções públicas, por força do art.º 88.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, claudica.
Após a Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (LVCR), a constituição de vínculos de trabalho subordinado na Administração Pública passou a ser feita por uma das três formas: (i) ou por nomeação; (ii) ou por contrato de trabalho em funções públicas; ((iii) ou por comissão de serviço – cf. art.º 9.º da citada Lei.
A referida Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, aplicou-se aos serviços de administração directa e indirecta do Estado e, ainda, com as necessárias adaptações, aos órgãos de governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas, aos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e aos respectivos órgãos de gestão e a outros órgãos independentes – cf. art.º 3.º.
Nem todas as normas daquela lei entraram em vigor na mesma data, sendo que o grosso do seu regime entrou em vigor com a aprovação da Lei n.º 59/2008, de 11/09, que aprovou o regime do RCTFP e passou a vigorar a partir de 01/01/2009. Tal foi o que ocorreu com o art.º 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, que passou a vigorar a partir da indicada data de 01/01/2009 (cf. art.º 118.º, n.º 7, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12).
No art.º 88.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, sob epígrafe “Transição de modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado”, estipulava-se o seguinte: “Os actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.° mantêm o contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei."
Por seu turno, por via do estipulado no art.º 17.º, n.º 2, da Lei.º 59/2008, de 11/09, sem prejuízo do disposto no art.º 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, os trabalhadores que até então detinham um vínculo nomeação ou de contrato individual de trabalho transitavam para um vínculo de contrato de trabalho em funções públicas, “sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato”.
Ou seja, os referidos artigos determinaram que os trabalhadores que detivessem um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado manter-se-iam contratados por via de contrato, mas este passaria a ter o conteúdo decorrente da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, a saber, o conteúdo de um contrato de trabalho em funções públicas. Determinava-se, pois, uma conversão ope legis do anterior contrato individual de trabalho para um contrato de trabalho em funções públicas, a partir de 01/01/2009.
Conforme decorre dos art.ºs 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 308/99, de 10/08, 2.º, 3.º, 4.º do Decreto-Lei n.º 186/2003, de 20/08, 1.º, 3.º, do Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27/04, o Instituto de Turismo de Portugal (ITP) ficou abrangido pelo âmbito de incidência objectivo das Leis n.º 12-A/2008, de 27/12 e n.º 59/2008, de 11/09, pois enquanto instituto público faz parte da administração indirecta do Estado.
Da factualidade apurada e da aplicação conjugada dos art.ºs 33.º do Decreto-Lei n.º 308/99, de 10/08, 28.º do Decreto-Lei n.º 264/2000, de 18/10, 15.º do Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27/04, 2.º, 4.º, 5.º, n.º 1, do Regulamento de Pessoal do ITP (RPITP), aprovado pelo Despacho Normativo n.º 64/2008, de 07/11, deriva que o A. em 31/12/2008 detinha um contrato individual de trabalho.
Logo, atendendo ao contrato que titulava a relação jus-laboral do A. e considerando o âmbito de incidência subjectivo da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, não há dúvida que a situação do A. também ficou abrangida por essa lei. Por conseguinte, a partir de 01/01/2009 o seu contrato individual de trabalho passou a considerar-se como sendo um contrato de trabalho em funções públicas, por força do art.º 88.º da n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, independentemente de mais formalidades – cf. também art.º 1.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02.
Quanto às normas do RPITP que apontavam para o regime do contrato individual de trabalho ficaram afastadas pelas regras decorrentes dos art.ºs 88.º da n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12 e art.º 17.º, n.º 2, da Lei.º 59/2008, de 11/09, que são normas de valor superior.
Mais se indique, que o próprio RPITP prevê no seu art.º 35.º a correspondente revisão até 31/12/2009, para adaptação ao regime da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02 e legislação complementar.
Também neste sentido vejam-se os Acs. do STJ n.º 636/12.7TTALM..S1, de 24/02/2015, n.º 255/14.3T8AGD.P1.S1, de 11/02/2016 e do TCAN no Ac. n.º 02618/11.7BEPRT, de 29/05/2020.
Cite-se, a este propósito, o indicado Ac. do TCAN n.º 02618/11.7BEPRT, de 29/05/2020, que trata de uma situação em todo semelhante, ai se decidindo o seguinte: “Na verdade, sem prejuízo das exceções enunciadas no n.º 2 do art. 118º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, em 01/03/2008, entrou em vigor essa Lei, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.
O regime previsto neste diploma é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e da constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções (art. 2º, n.º 1), incluindo aos serviços da administração indireta do Estado (art. 3º, n.º 1), onde se insere o aqui apelado.
O mencionado diploma veio introduzir alterações profundas no regime jurídico que até aí vigorava em sede de funcionalismo público, dando passos decisivos no sentido de aproximar o regime da função pública ao regime do contrato de trabalho privado, ressalvadas naturalmente as especificidades resultantes quer da função e da natureza pública do empregador, quer do estatuto constitucional da função púbica, designadamente do disposto no at. 269ºda CPR Isabel Maria Fernandes Monteiro, artigo intitulado “Aproximação Entre o Regime do Emprego Público e o de Emprego Privado – Articulação entre a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e o Código do Trabalho”, in caderno do CEJ, junho de 2018, intitulado “Direito das Relações Laborais na Administração Pública”. De acordo com o regime jurídico previsto na mencionada Lei n.º 12-A/2008, a relação jurídica de emprego público passou a constituir-se exclusivamente por três modos, a saber: por nomeação, comissão ou por contrato de trabalho em funções públicas (art. 9º, n.º s 1 e 4).
A comissão de serviço encontra-se prevista para os casos enunciados no n.º 4 do art. 9º, de cuja análise decorre tratar-se de situações que reclamam uma relação de especial confiança na relação estabelecida entre o agente contratado e o seu superior hierárquico, assim se compreendendo a possibilidade de cessação unilateral da relação administrativa de comissão, por qualquer das partes, sem justa causa e, por conseguinte, ao arrepio do regime regra.
Por sua vez, o contrato administrativo de nomeação que antes da Lei n.º 12-A/2008, de 27/12, constituía o regime regra de constituição do vínculo público de trabalho, passou a ser aplicável apenas aos casos de contratação de trabalhadores relativos ao exercício de funções previstas no art. 10º, passando, assim, a ser de aplicação restrita a trabalhadores inseridos nas carreiras especiais previstas nesse preceito.
Todos os restantes funcionários que não devessem ser contratados por contrato administrativo de nomeação ou de comissão terão de ser contratados através de contrato de trabalho em funções públicas (art. 20º).
Já em relação aos trabalhadores que à data da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, desempenhavam funções públicas ao abrigo do regime da função pública ou, como acontece com o apelante, ao abrigo do regime jurídico do contrato individual de trabalho, e que não tivessem imperativamente, nos termos do art. 10º e 9º, n.º 4, de exercer as suas funções por contrato administrativo de nomeação ou de comissão, passaram a ver essa sua relação jurídica, por imposição legal (ope legis), automaticamente submetida ao regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas.
Neste sentido dispõe o nº 3 do art. 88º da Lei n.º 12-A/2008 que os atuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exerçam funções em condições diferentes das referidas no art. 10º mantém o contrato indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei, isto é, contrato de trabalho em funções públicas.
Deste modo, exercendo o apelante, à data da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, funções públicas para a Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, esta na dependência do apelado, ao abrigo do regime individual do contrato de trabalho, por prazo indeterminado, e não se inserindo as funções por ele desempenhadas na previsão legal do art. 10º da mencionada Lei n.º 12-A/2008, é indiscutível que essas funções passaram a ser por ele desempenhadas ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas, regulado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, com a entrada em vigor deste diploma e, bem assim, pela Lei n.º 59/2008, de 11/09, entrada em vigor em 01/01/2009, que aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas e o respetivo regulamento.
(…) Já com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, o apelante viu automaticamente, por mera decorrência da lei, o seu contrato de trabalho convertido em contrato de trabalho em funções públicas, regulado pela mencionada Lei n.º 12-A/2008 e pela Lei n.º 59/2008, de 11/09.”
Em suma, a decisão recorrida é para manter quando entendeu que o contrato individual de trabalho do A. se converteu ope legis, em 01/01/2009, num contrato de trabalho em funções públicas.

Vem também o Recorrente arguir um erro decisório aduzindo que ainda que o contrato de trabalho celebrado com o A. se tenha convertido em contrato por tempo indeterminado em Janeiro de 2009, tal não afasta a aplicação do regime estabelecido pelos art.ºs 318.º a 320.º do CT, 67.º do Decreto-Lei n.º 67/2008, de 10/04, e a possibilidade de transferência da titularidade do contrato de trabalho do A.
Como decorre da factualidade apurada o A. detinha desde 01/03/1996 um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado. Tal contrato havia sido celebrado com o TPl, para o desempenho do cargo de Adjunto Técnico no Posto de Turismo dos Restauradores de Lisboa.
Em 18/12/2018, o CA do ITP deliberou sobre a transmissão do estabelecimento dos Postos de Turismo de Lisboa para a ATL.
Em 12/01/2009, foi comunicada ao A. a intenção de transmissão do Posto de Turismo dos Restauradores, através de instrumento contratual, a partir de 01/02/2009, para a ATL, ao abrigo dos art°s. 318º n° 1 e 320° do CT.
Com data de 13/01/2009, foi dirigido um ofício à Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Turismo (SET). relativo à homologação da proposta de transferência dos Postos de Turismo de Lisboa para a ATL, nos termos da minuta do Acordo Quadro de Contratualização. Em 16/01/2009 tal proposta foi homologada pelo SET.
Em 26/01/2009, o A. opôs-se à transmissão do seu contrato de trabalho para o âmbito da ATL e propôs ao TP a sua transferência para um dos Serviços/ Departamentos/ Projectos do TP, que indicou.
No dia seguinte, em 27/01/2009, o TP e a ATL, celebraram o “Acordo Quadro de Contratualização” tendo por objecto “regular os termos e condições da transmissão para a ATL, de dois Postos de Turismo situados em Lisboa, localizando-se um na Praça dos Restauradores, no Palácio Foz e o outro no Aeroporto de Lisboa” e cujo âmbito da transmissão “abrange todo o estabelecimento, incluindo os trabalhadores que nele prestam serviço á data da assinatura do presente Acordo”, os quais “constam da lista nominativa que integra o Anexo / ao presente Acordo”, operando a transmissão “a cessão da posição contratual dos trabalhadores constantes do Anexo I, os quais passarão a ser trabalhadores” da ATL, nos termos dos art°s 318.º e 321° do CT.
Em 27/01/2009, foi comunicada ao A. a indicada transmissão de contrato de trabalho por força da transmissão do estabelecimento a partir de 01/02/2009 – comunicação e respectivo teor conforme os factos K) e L).
Em 29/01/1009, o A. respondeu que não concordava com a transmissão do seu contrato.
Neste contexto factual, diz o Recorrente que a data relevante para se considerarem os efeitos da transmissão do estabelecimento é a da aprovação pelo CD do TP do indicado Acordo de Contratualização, a saber, a data de 18/12/2018, que é uma data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 59/2008, de 11/09. Mais aduz o Recorrente, que o acto de homologação pelo SET não é necessário para a validação do negócio da transmissão, porque o CD do ITL tinha competências próprias para o efeito.
Estas invocações não valem. Face à matéria factual coligida, o Acordo para a transmissão do estabelecimento foi celebrado em 27/01/2009 e a transmissão do contrato de trabalho do A. só ocorreu a partir de 01/02/2009. Isso mesmo foi comunicado ao A. pelo ITP.
Logo, tal como decorre do acordado entre o ITP e a ATL, esta, enquanto cessionária, só adquiriria a posição de entidade patronal do A., em substituição do ITP, o cedente, a partir de 01/02/2009. Ou seja, a data que releva para o caso é a de 01/02/2009, pois só a partir de tal data é que estava acordado que o cessionário adquiria a posição jurídica do empregador cedente.
Acontece, como acima indicamos, que a partir de 01/01/2009, o contrato individual de trabalho do A. converteu-se num contrato de trabalho em funções públicas.
Por conseguinte, a partir de 01/01/2009 já não eram aplicáveis à situação jus-laboral do A. as regras do CT relativas à transferência da titularidade do seu contrato de trabalho, mas aplicavam-se-lhe as regras da LVCR e do RCTFP.
Assim, a indicada transferência não poderia ocorrer sem o seu prévio consentimento, ficando enquadrada nas figuras da mobilidade ou da cedência dos trabalhadores.
Falece, por isso, também este invocado erro decisório.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 10 de Dezembro de 2020.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.