Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08706/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/26/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA DE FORMAÇÃO DE CONTRATOS, CONTRAINTERESSADOS, LEGITIMIDADE PASSIVA, INSTRUMENTALIDADE, DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO.
Sumário:I. É em função da concreta relação material controvertida configurada na instância cautelar, assente no pedido e da causa de pedir, que se aferirá a qualidade de contrainteressado e da preterição de listisconsórcio necessário passivo.

II. No âmbito da lide cautelar é pedido ao juiz que aprecie o pedido à luz dos requisitos de decretamento das providências cautelares previstos no artº 132º do CPTA, de entre os quais, o previsto na alínea a) do nº 1 do artº 120º, por remissão da 1ª parte do nº 6 do artº 132º do CPTA, ou seja, se é evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente, por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal.

III. Em face do requisito do fumus bonis iuris na sua máxima intensidade, previsto na alínea a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, é exigível ao juiz a quo que faça uma indagação, ainda que sumária e perfunctória, da legalidade do ato suspendendo com base nas concretas causas de pedir invocadas.

IV. A concorrente que apresentou proposta ao concurso e foi graduada em segundo lugar tem legitimidade passiva, não só na lide principal, como na lide cautelar, pois que, também nesta tem interesse direto em contradizer o juízo de (i)legalidade a que o juiz é chamado a formular.

V. É incontestada a sua qualidade de contrainteressada na ação principal, onde se decidirá, a título definitivo, o que, provisoriamente, já se conheceu na instância cautelar, pelo que a tal concorrente interessa todo o desfecho do procedimento concursal em que participou, seja a título provisório, seja a título definitivo.

VI. Embora seja mais restrito o conceito de contrainteressado no âmbito da lide cautelar, nos termos do disposto na alínea d) do nº 3 do artº 114º do CPTA, por referência unicamente ao prejuízo direto que a adoção da providência possa causar, quando comparado com a noção de contrainteressado prevista no artº 57º do CPTA, no âmbito da ação administrativa especial, que abrange, além de quem possa ser diretamente prejudicado com o provimento do processo, também, quem tenha legítimo interesse na manutenção do ato impugnado, é de associar ao concorrente graduado em segundo lugar em concurso, em que se discute a admissão de proposta excluída (e a sua consequente avaliação e graduação final) e a exclusão da proposta adjudicada, a titularidade de um interesse direto e pessoal em contradizer os fundamentos do pedido cautelar, com isso, reconhecendo a sua legitimidade passiva, na qualidade de contrainteressado.

VII. Por apelo à alínea d), do nº 3 do artº 114º do CPTA, aplicável por força do nº 3 do artº 132º do mesmo Código, deveria a requerente, no requerimento inicial, tê-lo indicado como contrainteressado.

VIII. Estando em causa uma providência que tem por objeto um ato de adjudicação, praticado sob a disciplina do Código dos Contratos Públicos, existe forte influência do direito europeu e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

IX. Embora o Tribunal de Justiça, em respeito do princípio da autonomia processual dos Estados membros, não tenha estabelecido critérios com base nos quais se deve proceder à delimitação dos sujeitos dotados de legitimidade ativa/passiva, da jurisprudência desse órgão é possível descortinar uma tendência para o reconhecimento de um conceito aberto e amplo de legitimidade, o que tem na base o entendimento de que, quanto maior for o número de pessoas habilitadas a agir judicialmente, assim será maior o controlo da aplicação e da efetividade do direito europeu.

X. Tendo sido proferido despacho liminar de admissão do requerimento inicial e juntas as oposições, não era admissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento para suprir as irregularidades ou deficiências do requerimento inicial que não haviam sido detetadas, de entre as quais, a preterição da indicação de todos os contrainteressados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Optimus ……………….., SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, datada de 16/01/2012 que, no âmbito da providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, nos termos do disposto no artº 132º do CPTA, movido contra a E…….. - Empresa Pública ………… EEM e a Contrainteressada, PT …………… – Soluções Empresariais de Telecomunicações e Sistemas, SA, julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva, por preterição de listisconsórcio necessário passivo, decorrente da falta de indicação de todos os contrainteressados, absolvendo as entidades requeridas da instância cautelar.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 435 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“a) A sentença do Tribunal a quo absolveu da instância cautelar as requeridas E…………e PT……….., por preterição, no requerimento inicial apresentado pela Autora, de litisconsórcio necessário passivo.

b) Pelo presente recurso, pretende a recorrente a revogação da douta sentença na medida em que a mesma (i) padece de vício de erro quanto aos pressupostos de facto por considerar a V…………… como contrainteressada no presente processo e (ii) incorre em vício de violação de lei por não ter cumprido o disposto no art. 114º, nº 4 do CPTA.

c) Em face dos vícios ocorridos a douta sentença recorrida não se pronunciou sobre o decretamento das providências cautelares requeridas, pelo que, encontrando-se provados os requisitos necessários ao seu decretamento, pelo que se requer que o Tribunal ad quem decida pela procedência das mesmas.

d) Pelo exposto, verificam-se os requisitos necessários para a revogação da douta sentença recorrida, melhor se decidindo conforme peticionado.”.


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A recorrida, E……….. apresentou contra-alegações (cfr. fls. 453 e segs.), assim tendo concluído:

A) Esta providência cautelar respeita a um procedimento de formação pré contratual em que apresentaram proposta três concorrentes, no decurso do qual o Júri do Concurso decidiu excluir a proposta da Recorrente e procedeu à avaliação das propostas da PT Prime e da V................, tendo decidido adjudicar o contrato à PT …………..

B) Tal providência cautelar é necessariamente dependência da ação principal, na qual a Recorrente pede que seja anulada a deliberação da Recorrida que excluiu a sua proposta do referido concurso público e adjudicou a proposta da PT …………(cfr. artigo 113°, n° 1, do CPTA).

C) Na ação principal a ……………também é parte legitima, por força do disposto no artigo 57° do CPTA, visto que, se a deliberação da Recorrida for anulada, a proposta da Recorrente será readmitida a concurso, podendo mesmo ser classificada à frente da proposta da V................,

D) Devendo equacionar-se que a ………….. terá interesse em pugnar pela anulação da deliberação de adjudicação da proposta da PT Prime e contradizer o pedido da Recorrente em ver a sua proposta readmitida a concurso, por via da anulação da deliberação da Recorrida que a excluiu.

E) Se é assim na causa principal, o mesmo deve suceder na providência cautelar intentada pela Recorrente, dado que a legitimidade para a providência cautelar é aferida pela legitimidade para a ação principal (cfr. artigo 112° do CPTA), e pelo facto de elas se encontram numa relação de instrumentalidade, como decidiu, e bem, o Tribunal a quo.

F) Por outro lado, a adoção da providência cautelar pode prejudicar diretamente a V................, nos termos previstos e exigidos no artigo 114°, n.° 3, alínea d), do CPTA, visto que a Recorrente alega que a deliberação da Recorrida ora em crise, padece de uma invalidade ostensiva, constituindo fundamento suficiente para o deferimento das providências (cfr. alínea a), do n.° 1, do art. 120º do CPTA)

G) Se não for dada à V................ a oportunidade de contradizer os fundamentos e os pedidos da Recorrente, esta entidade será confrontada com a suspensão da eficácia do contrato celebrado entre a PT ………. e a Recorrida por razões que são contrárias aos seus interesses e a prejudicam diretamente, sem lhe ter sido reconhecido o direito de se opor a tal medida.

H) Além disso, a …………. pode ter interesse em que a providência cautelar não seja decretada, por afetar diretamente os seus interesses estratégicos e comerciais, caso em que a adoção da providência a prejudicará inegavelmente e de forma direta, como exige o artigo 114°, n.° 3, alínea d), do CPTA.

I) Se as providências cautelares forem decretadas e a decisão final da ação principal vier a anular a deliberação da Recorrida, forçando-a a admitir a proposta da Recorrente e a proceder a nova avaliação das propostas, a V................ pode ser classificada em primeiro lugar e ver-se obrigada a celebrar um contrato no qual já não tem interesse e que lhe pode mesmo causar sérios prejuízos (por exemplo, se o preço da proposta estiver abaixo de custo se e quando a anulação for decretada).

J) É, por isso, falso que a PT ……….. seja a única entidade que pode vir a ser diretamente prejudicada com a suspensão dos efeitos da deliberação da Recorrida, devendo, antes, decidir-se que a V................ também é uma das entidades a quem a adoção das providências cautelares pedidas pela Recorrente pode diretamente prejudicar, nos termos previstos no artigo 114°, n.° 3, alínea d) do CPTA.

K) A douta Sentença do Tribunal a quo não violou o disposto no artigo 114°, n.° 4, do CPTA.

L) Esta norma legal manda proceder ao suprimento das faltas detetadas no requerimento inicial, logo após a sua receção e antes da citação do requerido e contrainteressados.

M) Ora, no caso dos autos, foi a própria Recorrente que tornou impossível o proferimento deste despacho ou convite para suprir a falta, ao omitir do seu requerimento inicial, qualquer referência à V................ ou qualquer outro concorrente no concurso ora em crise.

N) Perante esta omissão da Recorrente, não cabia ao Tribunal a quo proceder nesta fase do processo a maiores indagações acerca da existência de outros contrainteressados, recaindo, sim, sobre a Recorrente, o ónus de fazer aquela indicação e identificação.

O) Estamos perante processos de natureza urgente, cuja tramitação tem subjacente um objetivo de celeridade processual, sendo esta fase, preliminar, destinada a uma intervenção mínima e liminar do Juiz, apenas atenta às situações em que é evidente ou manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida ou a existência de exceções dilatórias insupríveis e de conhecimento oficioso.

P) Nem faria sentido que, perante a posição expressa pela Recorrente no processo, segundo a qual a V................ não devia ser indicada como contrainteressada, o Tribunal a quo procedesse ao convite para indicar essa contrainteressada, o que só se traduziria na prática de atos inúteis.

Q) Na caso dos presentes autos, em que a Recorrida e a PT Prime foram absolvidas da instância por Sentença do Tribunal a quo que verificou a exceção de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, sem previamente se ter feito o convite à Recorrente para indicar contrainteressados, aplica-se o disposto no artigo 89°, n.° 2, do CPTA, e não o disposto no artigo 114°, n.° 4, do CPTA.

R) Não tendo a Recorrente dado entrada da segunda petição, perdeu o beneficio do prazo que lhe é concedido pela parte final do referido n.° 2 do artigo 89° do CPTA.

S) A Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto proferida na Sentença pelo Tribunal a quo, tendo aquela decisão transitado em julgado, tornando-se definitiva e coberta pelo efeito de caso julgado material (cfr. artigos 671°, 672° e 677°, todos do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 1° do CPTA).

T) Face à matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, é manifesta a improcedência das providências cautelares pedidas pela Recorrente, dela constando apenas, por transcrição do Relatório Final, que a Recorrente não respondeu ao pedido de esclarecimentos que lhe foi dirigido pela Recorrida.

U) Ainda assim, e caso se decida pela procedência do recurso, o que não se admite, deverão ser julgados improcedentes os pedidos de providência cautelar formulados pela Recorrente no requerimento inicial, pelas razões de facto e de direito alegadas na oposição deduzida pela ora Recorrida.”

Conclui, pedindo que o recurso seja julgado improcedente.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por não se ver que a adoção de qualquer das providências requeridas possa prejudicar diretamente a concorrente que foi classificada em segundo lugar no concurso.

Neste processo cautelar, ao contrário da ação administrativa especial onde se poderá colocar a questão de saber se a eventual anulação do ato de adjudicação, permitindo a reelaboração da ordem de classificação final, é suscetível de afetar aquela concorrente, podendo baixar na classificação final, não parece que se possa considerar a referida concorrente como contrainteressada direta do desfecho do caso.

Por outro lado, o Tribunal não podia decidir como decidiu sem que previamente tivesse cumprido o disposto no artº 114º, nº 4 do CPTA, que assegura ao requerente a possibilidade de suprir a falta.


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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas, ordenadas segundo a sua ordem lógica de conhecimento, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Erro de julgamento de Direito, quanto à caracterização como contrainteressado [conclusão b)];
2. Erro de julgamento de Direito, por violação do artº 114º, nº 4 do CPTA [conclusão b)].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) Por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República n.° 9, II Série, de 13 de janeiro de 2011, foi aberto pela E………. – Empresa Municipal …………………., EM, o concurso público internacional n.° 10/10 para a “Aquisição de Serviços de Comunicações de Voz e Transmissão de Dados.”

B) Àquele concurso apresentaram propostas as seguintes concorrentes: Sonaecom, PT Prime e V.................

C) Em 13 de julho de 2011 o júri do concurso notificou as concorrentes solicitando esclarecimentos às propostas.

D) Em 4 de agosto de 2011 o júri do concurso elaborou relatório preliminar com o seguinte teor:


RELATÓRIO PRELIMINAR DE ANÁLISE DAS PROPOSTAS

PARA FORNECIMENTO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES DE VOZ E TRANSMISSÃO DE DADOS


Aos doze dias do mês de abril do ano dois mil e onze, pelas dez horas e cinquenta minutos compareceram nas instalações da Empresa Pública …………..– EEM, sitas na Avenida de Berna n° 1, em Lisboa o Eng. Carlos ……….. como presidente do júri do procedimento acima identificado, a Sra. Dra. Esmeralda ……., o Sr. Eng° António ……, o Sr. Dr. José ……..e o Sr. Dr. António…………, como vogais efetivos, para proceder à abertura das propostas apresentadas no âmbito do procedimento acima identificado e à elaboração do presente relatório preliminar, nos termos do artigo 122° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n° 18/2008, de 29 de janeiro.

Iniciados os trabalhos, foi elaborada a seguinte lista de concorrentes, ordenados em função da data e hora de entrega das respetivas propostas:

Concorrente n° 1 — S………

Concorrente n°2 — Pt ………..

Concorrente n° 3 — V................

Procedeu-se à abertura dos documentos enviados que constituem as propostas.

De seguida, o júri do procedimento efetuou a análise das mesmas, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 70°, 122° e 146° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n° 18/2008, de 29 de janeiro.

O júri entendeu, por bem, de forma a dissipar dúvidas existentes, na apreciação das propostas, efetuar os seguintes pedidos de esclarecimentos, aos treze dias do mês de julho de dois mil e onze:

Concorrente n° 1 — S……………..

Questão 1

“Na página 94 da proposta da O……….. são apresentados valores para o serviço de dados no telemóvel e apresentado um valor para tráfego tendo como origem a rede móvel e destino acesso rede de dados das entidades adquirentes. O que significa «acesso rede de dados das entidades adquirentes.»”

Questão 2

“Na página 94 da proposta da O………… são apresentados valores para o serviço de dados no telemóvel. Qual a unidade de taxação?”

“As respostas devem ser enviadas até às 23.59 h do dia 15 de julho.”

O concorrente n° 1 — S………… não prestou quaisquer esclarecimentos às questões colocadas pelo Júri.

Concorrente n°2 — Pt …………

Questão 1

“No ponto 4, das especificações técnicas do caderno de encargos (Parte 2), é referida a obrigatoriedade de divisão do valor total dos equipamentos em 35 partes iguais, com opção de aquisição no 36° mês. Embora o concorrente se vincule em caso de omissão, solicitamos que o concorrente explique qual a sua proposta neste aspeto.”

Questão 2

“O concorrente assume todos os passivos necessários à instalação da sua solução de acordo com esclarecimentos já prestados anteriormente? (ponto 5, das especificações técnicas do caderno de encargos)”

Questão 3

“O concorrente assume a formação necessária sobre a totalidade de soluções que a EMEL venha a gerir?”

“As respostas devem ser enviadas até as 23.59 h do dia 15 de julho.”

O Concorrente n° 2 — PT ………. prestou, dentro do prazo, os seguintes esclarecimentos:

Questão 1

“Os valores mensais apresentados têm em conta o referido no ponto 4 das Especificações técnicas do Caderno de Encargos. A componente fixa, relativa aos equipamentos a fornecer, prevê a divisão em partes iguais por 35 meses com opção de aquisição ao 36° mês, sendo que esta última mensalidade terá o mesmo valor que as 35 anteriores”

Questão 2

• “Sim”

Questão 3

• “Sim”

Nesta conformidade, o júri propõe a exclusão do Concorrente n° 1 — S…………., conforme estabelece a alínea c) do n° 2 do artigo 70 do CCP, por considerar não estar em condições de efetuar a avaliação da sua proposta pela forma de apresentação de alguns dos seus atributos e em virtude de não ter sido apresentada resposta, por parte do concorrente, ao pedido de esclarecimentos efetuado, de modo a dotar o júri de informação completa para o fazer.

Feita a avaliação de acordo com os critérios de avaliação definidos, resulta que a proposta economicamente mais vantajosa foi a apresentada pelo Concorrente n° 2 — PT ………….., com uma pontuação de 82,37 conforme grelha de avaliação em anexo.

Por fim, o júri deliberou remeter aos concorrentes o presente relatório preliminar, em conformidade com o disposto no artigo 123° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n° 18/2008, de 29 de janeiro, para que estes, querendo, se pronunciem por escrito, no prazo máximo de cinco dias, ao abrigo do direito de audiência prévia que lhes assiste, sendo que as propostas e restante documentação relacionada com este procedimento estão disponíveis para consulta no site www.compraspublicas.com

E) Em 2 de setembro de 2011 o júri do procedimento elaborou “Relatório Final de Análise das propostas relativas ao concurso público para fornecimento de serviços de comunicações de voz e transmissão de dados” em anexo ao qual foi elaborada grelha/tabela de avaliação das propostas, com o seguinte teor: (…)

F) Concluía-se naquele Relatório final o seguinte: “Nestes termos, e em conformidade com o disposto no artigo 148.° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de janeiro, o Júri deliberou por unanimidade manter as conclusões do relatório preliminar, do qual resultou a classificação, em primeiro lugar, de acordo com o critério de adjudicação adotado, da proposta apresentada pelo Concorrente n.° 2 – PT Prime, com uma pontuação de 82,37 conforme grelha de avaliação em anexo.” Cfr. documento de folhas 23 a 29 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.

G) Em 16 de setembro de 2011 a ………. – C…………. S.A. foi notificada do ato de adjudicação à proposta da PT ……… – Soluções ……………… S.A.”.


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Nos termos do disposto no artº 712º, nº 1, a), do CPC, por resultar dos autos e se mostrarem relevantes para a apreciação das questões suscitadas, aditam-se os seguintes factos à seleção dos Factos Assentes:

H) Pode ler-se no Relatório Final, a que se alude em E), o seguinte, mediante transcrição, em súmula:

(…) relativamente ao exposto pelo Concorrente nº 1 – S………………, o júri do procedimento mantém a sua posição dado que, mesmo tendo sido prestados os esclarecimentos prestados pelo júri, os mesmos não foram colocados como resposta ao pedido de esclarecimento colocado pelo Júri, ou seja, foram prestados em local errado. Por esse facto, o júri não detetou o esclarecimento prestado e considerou-o como não respondido (…).

O júri considera assim o esclarecimento como enviado e não respondido. (…)”. – cfr. doc. de fls. 24 dos autos;

I) A presente providência cautelar foi instaurada contra a E……. – Empresa Pública …………………… EEM e a contrainteressada, PT ………. – Soluções …………………………, SA – cfr. reqº inicial;

J) O requerimento inicial foi liminarmente admitido e ordenada a citação da entidade requerida e da contrainteressada, PT …………, para deduzir oposição – cfr. fls. 127 dos autos;

K) Suscitada a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário passivo, decorrente da falta de indicação da V................ como contrainteressada e notificada a requerente para querendo, pronunciar-se, a mesma nada disse em juízo – cfr. fls. 392 e segs. dos autos.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pela recorrente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.


1. Erro de julgamento de Direito, quanto à caracterização como contrainteressado [conclusão b)]

Alega a recorrente que tendo a requerida, EMEL, proferido ato de adjudicação cuja suspensão de eficácia é pretendida em juízo, sendo adjudicatária a concorrente PT – Prime, é esta concorrente a única contrainteressada no presente processo, nos termos da alínea d), do nº 3 do artº 114º do CPTA.

Considerando a decisão de adjudicação proferida, a única entidade que pode vir a ser diretamente prejudicada com a suspensão dos efeitos dessa decisão é a PT Prime e ainda que procedam os pedidos no sentido da abstenção da entidade requerida a proceder à celebração do contrato com a PT Prime e da suspensão dos efeitos do contrato no caso de este já ter sido celebrado, ainda assim a concorrente V................ não será afetada, nem tão pouco prejudicada.

Analisando.

A recorrente veio interpor recurso da sentença que decidiu absolver da instância a entidade requerida, E………..e a contrainteressada, PT ………., com fundamento em erro de julgamento de direito quanto à preterição de listisconsórcio necessário passivo, decorrente da falta de indicação da V................ como contrainteressada no âmbito da presente lide cautelar de procedimento de formação de contratos.

Para tanto, impõe-se analisar as concretas pretensões requeridas pela ora recorrente, assim como a(s) respetiva(s) causa(s) de pedir invocada(s), pois será em função do pedido e da causa de pedir, isto é, perante a concreta relação material controvertida configurada na instância cautelar, que se aferirá da qualidade de contrainteressada da V................ e com isso, do erro de julgamento, quanto à preterição de listisconsórcio necessário passivo.

Remetendo para o requerimento inicial, a requerente pediu que fossem decretadas as seguintes providências cautelares:
a) suspensão de eficácia do ato de adjudicação da proposta da PT Prime;
b) abstenção da recorrida de proceder à celebração do contrato com a PT Prime;
c) no caso de o contrato já ter sido assinado, a suspensão dos efeitos do contrato celebrado com a PT Prime, até à decisão transitada em julgado sobre a (i)legalidade da adjudicação.

Por sua vez, é dupla a causa de pedir alegada no requerimento inicial como fundamento do pedido, a qual respeita:

i) à não admissão ilegal da proposta da Optimus, por embora se ter admitido no relatório final – ao contrário do relatório preliminar, em que se afirmou que não tinham sido prestados quaisquer esclarecimentos – que foram prestados os esclarecimentos, enviados tempestivamente e submetidos na plataforma eletrónica utilizada no procedimento em apreço, os mesmos por terem sido prestados em local errado na plataforma, foram considerados enviados, mas não respondidos;

ii) à admissão e adjudicação da proposta da PT Prime, que tem necessariamente de ser excluída, por não respeitar o caderno de encargos, em aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência.

Significa isto que a requerente veio a juízo pedir o decretamento das providências cautelares requeridas, designadamente, de suspensão de eficácia do ato de adjudicação, por duplo fundamento quanto à sua ilegalidade, isto é, quer porque foi ilegalmente não admitida a proposta da S……………., quer porque a proposta adjudicada não respeita o caderno de encargos.

No âmbito da presente lide cautelar, é pedido ao juiz que aprecie do pedido à luz dos requisitos de decretamento das providências cautelares, previstos no artº 132º do CPTA.

De entre esses requisitos ou pressupostos de decretamento, encontra-se o previsto na alínea a) do nº 1 do artº 120º, por remissão expressa da 1ª parte do nº 6 do artº 132º do CPTA, ou seja, analisar e decidir se é evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente, por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal.

Ora, em face do requisito de decretamento das providências cautelares do fumus bonis iuris na sua máxima intensidade, previsto na alínea a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, é exigível ao juiz a quo que faça uma indagação, ainda que sumária e perfunctória, acerca da legalidade do ato suspendendo – o ato de adjudicação, com base nas concretas causas de pedir invocadas, de entre as quais, a sua ilegalidade por não admissão ilegal da proposta da requerente, com o consequente juízo da sua admissão ao procedimento, avaliação e graduação final.

Nos termos dos factos assentes resulta que a V................ apresentou proposta ao concurso em questão, tendo sido graduada em segundo lugar, pelo que, forçoso se tem de entender que a mesma tem legitimidade passiva, não só na lide principal, como na presente lide cautelar, pois que também nesta, ainda que a título perfunctório, tem interesse direto em contradizer o juízo de (i)legalidade a que o juiz é chamado a formular.

Por outras palavras, sendo formulado, na presente providência cautelar, um juízo acerca da legalidade da decisão do júri, relativo à não admissão da proposta da Sonaecom ao procedimento, com tudo o que isso implica, quanto o de tal proposta poder vir a ser admitida ao procedimento e a respetiva proposta ser avaliada, tal colide com a posição jurídica subjetiva da concorrente, graduada em segundo lugar.

Isto é, a partir do momento em que na lide cautelar se exige, nos exatos termos que decorrem do pedido e da causa de pedir, livremente estruturados pela requerente, uma tomada de posição, ainda que provisória, como é próprio da instância cautelar, sobre a admissão da proposta da S……………, tal acarreta a caracterização da V................ como contrainteressada, pois terá em interesse em discutir tal questão, sendo titular de um interesse próprio e direto, contrário a essa pretensão.

Consequentemente, apreciando-se a legalidade do ato de não admissão da proposta da S…………….., em relação à qual a V................, graduada em segundo lugar no concurso, é titular de um interesse direto contrário, é de lhe reconhecer legitimidade passiva para vir e estar em juízo e desse modo, ter sido ilegalmente omitida a sua indicação como contrainteressada na presente instância.

Doutro modo seria de entender caso na presente providência a causa de pedir dissesse unicamente respeito à ilegalidade da adjudicação, fundada no facto de a proposta adjudicada violar o caderno de encargos, situação em que o conhecimento do pedido e da causa de pedir não poderia, por nenhum modo, afetar a posição jurídica da concorrente graduada em segundo lugar.

Contudo, não foi dessa maneira que a instância foi constituída, antes tendo vindo a requerente a juízo, invocar como causa de pedir do pedido formulado, questão que afeta diretamente a posição jurídica da V................, por a esta concorrente não interessar que a S…………..seja admitida e venha a discutir a respetiva graduação final.

Além disso, é incontestada a qualidade de contrainteressada da V................ na ação principal, onde se decidirá, a título definitivo, o que provisoriamente, já se conheceu na instância cautelar.

Naturalmente que à V................, enquanto concorrente graduada em segundo lugar no concurso, interessa todo o desfecho do procedimento concursal em que participou, seja a título provisório, seja a título definitivo, o que a requerente não deveria olvidar ao omitir a sua indicação como contrainteressada no requerimento inicial.

Assim, por apelo ao disposto na alínea d), do nº 3 do artº 114º do CPTA, aplicável por força do nº 3 do artº 132º do mesmo Código, deveria a requerente, no requerimento inicial, ter identificado “os contrainteressados a quem a adoção da providência cautelar possa diretamente prejudicar”, de entre os quais, não só a concorrente a quem a proposta foi adjudicada, mas também a concorrente graduada em segundo lugar.

Não é de conceder, em face do atual ordenamento jurídico, que em face da relação material configurada, traduzida no pedido e na causa de pedir, alegada na presente instância cautelar e mantida na ação principal, onde está em causa, inter alia, decidir se a proposta da S………….. deve ser admitida ao concurso, se recuse a titularidade de um interesse direto em contradizer por parte da concorrente graduada em segundo lugar, seja em relação aos fundamentos da providência cautelar, seja quanto aos fundamentos da ação principal.

As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente à sua dedução em juízo, nos termos do nº 1 do artº 114º do CPTA, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente, a decisão a proferir no processo principal (cfr. Alberto dos Reis, in BMJ, nº 3, pág. 45 e Castro Mendes, in Direito Processual Civil”, ed. 1973, vol. I, pág. 198), isto é, visam assegurar a utilidade da sentença do processo principal, em relação à qual são instrumentais.

Mesmo para aqueles que consideram os procedimentos cautelares uma categoria diferenciada, um tertium genus, entre o processo declarativo e o processo executivo, vendo neles um instrumento jurídico cujo objeto é distinto do objeto principal, não deixam de apontar como uma das características ou traços distintivos fundamentais a instrumentalidade (cfr. Sílvia Barona Vilar, inLas Medidas Cautelares”, ed. do Consejo General del Poder Judicial, pág. 15, apud António Abrantes Geraldes, inReforma do Código de Processo Civil”, Procedimentos Cautelares, 1997, Centro de Estudos Judiciários, pág. 27 e Ana Gouveia Martins, “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo – Em especial, nos procedimentos de formação dos contratos”, Coimbra Editora, 2005, pág. 45).

Por isso, é a tutela cautelar designada “como um instrumento ao serviço da tutela garantida no processo principal, como pré-ordenada à tutela conferida pela sentença final que incida sobre o mérito da causa” e que “a finalidade da tutela cautelar não é a garantia abstrata do processo principal, mas antes a preservação de um determinado e concreto bem da via ameaçado pelo periculum in mora”.

Atendendo a que a tutela cautelar “está estruturalmente construída em termos de acessoriedade de um processo principal, ao qual visa garantir utilidade prática”, a “função instrumental das providências cautelares postula uma certa homogeneidade do objeto da providência e do objeto principal”, implicando “que o facto que serve de fundamento ao requerimento da adoção de uma providência cautelar integre a causa de pedir da ação principal” (cf. Ana Gouveia Martins, obra cit., págs. 45-47).

Por isso, o objeto da providência há-se ser conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade, nos termos do qual não tem de existir uma perfeita coincidência entre os pedidos formulados no procedimento cautelar e na ação principal, mas deve existir coincidência de partes e de causa de pedir (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 19/12/1992, in BMJ, 414º-646).

Assim, muito embora seja mais restrito o conceito de contrainteressado no âmbito da lide cautelar, nos termos do disposto na alínea d) do nº 3 do artº 114º do CPTA, por referência unicamente ao prejuízo direto que a adoção da providência possa causar, quando comparado com a noção de contrainteressado prevista no artº 57º do CPTA, no âmbito da ação administrativa especial, que abrange, além de quem possa ser diretamente prejudicado com o provimento do processo, também, quem tenha legítimo interesse na manutenção do ato impugnado, é de associar ao concorrente graduado em segundo lugar em concurso, em que se discute a admissão de proposta excluída e a sua avaliação e graduação final e a exclusão da proposta adjudicada, a titularidade de um interesse direto e pessoal em contradizer os fundamentos do pedido cautelar, com isso, reconhecendo a sua legitimidade passiva, na qualidade de contrainteressado.

No caso, mostra-se igualmente relevante o facto de a providência cautelar ter por objeto um ato de adjudicação, praticado sob a disciplina do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo D.L. nº 18/2008, de 29/01, por isso, sob forte influência do direito europeu e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Neste domínio, embora o Tribunal de Justiça, em respeito do princípio da autonomia processual dos Estados membros, não tenha estabelecido critérios com base nos quais se deve proceder à delimitação dos sujeitos dotados de legitimidade ativa/passiva a invocar os seus direitos perante as autoridades judiciárias nacionais, da jurisprudência desse órgão, é possível descortinar uma tendência para o reconhecimento de um conceito aberto e amplo de legitimidade.

Importa realçar que aquele Tribunal “considera suficiente, para fundar o direito de acesso dos particulares aos tribunais, a constatação de uma simples situação de vantagem de facto adveniente do Direito comunitário, independentemente da sua diferenciação face a outras situações”, o que tem na base o entendimento de que, quanto maior for o número de pessoas habilitadas a agir judicialmente, assim será maior o controlo da aplicação e da efetividade do direito europeu (cfr. Ana Gouveia Martins, obra cit., pág. 366).

As normas que impõem a exclusão ou não admissão de propostas são imperativas, vinculando a Administração a não admitir as propostas relativamente às quais se verifique alguma causa de exclusão, pelo que, tais causas de exclusão, além de se justificarem pela prossecução do interesse público, também têm por escopo a tutela dos interesses dos particulares envolvidos no procedimento pré-contratual, em respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade e da concorrência.

Neste particular vigora o entendimento unânime de que o particular é titular de uma posição substantiva na sua relação com a Administração Pública, a que é de associar não o direito à adjudicação, mas o direito ao respeito das disposições legais aplicáveis.

Por outro lado, pela amplitude conferida ao princípio da efetividade é possível compreender a finalidade em conferir a um maior número de interessados a possibilidade de discutir e ver asseguradas judicialmente as suas pretensões, fundadas em normas originárias ou derivadas do direito europeu, seja pelo lado ativo, seja pelo lado passivo.

A isso igualmente subjaz a importância conferida ao princípio da concorrência, transversal às liberdades da União Europeia.

No que se refere à atualidade do interesse direto, está em causa não só a relação de causalidade entre o ato lesivo e o prejuízo, mas também a atualidade do interesse, em termos de o mesmo se repercutir imediatamente na esfera jurídica do interessado e não apenas de forma eventual.

Porém, também aqui é de considerar reunir a concorrente graduada em segundo lugar no concurso tal pressuposto, pois não se exigindo que o prejuízo já se tenha produzido, é previsível que possa vir a sê-lo, o que decorre quando na presente lide cautelar o juiz apreciar o critério do fumus bonis iuris em relação ao ato de não admissão da proposta da Sonaecom e em relação à admissão ilegal da proposta adjudicada, existindo a possibilidade real e efetiva de ser formulado um juízo favorável à pretensão da requerente, ainda que a título provisório.

Outra interpretação, como defende a ora recorrente, seria admitir uma conceção demasiado redutora do conceito de contrainteressado em processos cautelares, que reputamos discordante com o direito nacional e europeu sobre legitimidade.

Pelo que, não tem a recorrente razão quanto à censura dirigida à sentença recorrida.


2. Erro de julgamento de Direito, por violação do artº 114º, nº 4 do CPTA [conclusão b)]

Sustenta a recorrente que incorre ainda a sentença recorrida em erro de julgamento, por violação do disposto no nº 4 do artº 114º do CPTA, ao julgar procedente a exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário passivo, decorrente da falta de indicação da V................ como contrainteressada no âmbito da presente lide cautelar, sem que antes tenha proferido despacho de aperfeiçoamento ou convite para suprir a falta de indicação da V................ como contrainteressada.

Vejamos.

Estabelece o nº 4 do artº 114º do CPTA que se o requerimento inicial não contiver as indicações enunciadas no número anterior – de entre as quais, na alínea c), a identificação dos contrainteressados a quem a adoção da providência cautelar possa diretamente prejudicar –, deve o juiz ordenar a notificação do requerente para suprir essa irregularidade.

Resulta do nº 1 do artº 115º do CPTA que a identificação dos contra- interessados deve ser feita através da indicação do respetivo nome e residência.

Se a irregularidade detetada não for suprida, origina a rejeição liminar do requerimento, nos termos da alínea a) do nº 2 do artº 116º do CPTA.

Mais se prevê no nº 3 do artº 116º do CPTA que a rejeição do requerimento com fundamento na alínea a) do número anterior, não obsta à possibilidade de apresentação de novo requerimento.

O regime legal delineado é compreensível, uma vez que os elementos enunciados no nº 3 do artº 114º do CPTA são necessários, quer para averiguar se no caso se verificam as características da dependência e instrumentalidade em relação à causa principal (cfr. artºs. 112º nº 1 e 113º nº 1, ambos do CPTA), quer para determinar se se encontram preenchidos os requisitos gerais da adoção da providência cautelar, da sua adequação e utilidade (cfr. artº 112º, nº 1, do CPTA), e ainda dos respetivos critérios de decisão (artº 120º nº 1 do CPTA).

O fundamento do recurso consiste em saber se não tendo sido detetada a aludida deficiência do requerimento inicial, não tendo, por isso, sido proferido despacho de aperfeiçoamento ou de convite ao aperfeiçoamento, e vindo a ser proferida sentença, ainda será admissível a prolação de um despacho de aperfeiçoamento desse requerimento ou, se incorre a sentença recorrida em erro de julgamento, em violação do nº 4 do artº 114º do CPTA, ao omitir tal despacho.

Pronunciando-se sobre esta concreta questão, vide o Acórdão deste TCAS, de 28/10/2004, proc. nº. 273/04, nos termos do qual se decidiu o seguinte:

(…) Resulta claramente das disposições legais que ficaram citadas que, nas providências cautelares, manteve-se a intervenção do juiz para proferir despacho liminar, de admissão ou de rejeição, que poderá ser precedido de despacho de aperfeiçoamento, nos termos do nº 4 do art. 114º.. O despacho de admissão implica a citação da entidade requerida e dos contrainteressados, a que se segue a produção de prova ou a prolação de decisão se aquela não tiver lugar.

Estabelecendo a lei o momento processual em que poderá ter lugar o despacho de aperfeiçoamento e fixando rigorosamente as consequências do despacho de admissão e a subsequente tramitação processual, afigura-se-nos que após ter sido proferido despacho de admissão e juntas as contestações já não se poderá convidar o requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial, por ter sido intenção do legislador concentrar num único momento processual o suprimento das irregularidades ou deficiências do requerimento inicial.

Aliás, se o CPTA tal como o C.P. Civil após a reforma de 1995/96 aboliu a necessidade de ser proferido despacho liminar, só o mantendo em sede de providências cautelares, parece-nos que a manutenção deste despacho só encontra justificação na celeridade deste meio processual, que deve ser encarado pelo juiz como um meio simples e rápido que permite acautelar, sem delongas, os prejuízos decorrentes da demora na obtenção de uma decisão definitiva favorável.”.

Em anotação concordante do aresto citado, no sentido de que o despacho de aperfeiçoamento se encontra concebido para os casos de inexistência de norma processual que habilite a intervenção liminar do juiz, cfr. Miguel Prata Roque, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 50, págs. 4954.

No mesmo sentido, ao defender que o disposto no nº 4 do artº 114º, ao prever um despacho de aperfeiçoamento em momento prévio à citação, afasta a aplicabilidade do nº 3 do artº 508º do CPC, que só seria, porventura, de admitir, por analogia, em caso de lacuna, Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, inComentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, pág. 768.

Além disso, tendo a requerente sido notificada das oposições e para se pronunciar sobre a matéria de exceção em causa, poderia, querendo, ter aproveitado esse momento para requerer o aperfeiçoamento do requerimento inicial, indicando a V................ como contrainteressada e requerendo a sua citação, o que não fez, tendo antes optado por não se pronunciar, nada dizendo ou requerendo em juízo, pelo que, não é despiciendo invocar a este propósito o princípio da autorresponsabilização das partes, relativo à prossecução processual (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, inA Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, 4ª ed., pág. 411).

Assim, no caso em apreço, tendo já sido proferido despacho liminar de admissão do requerimento inicial e juntas as oposições, não era admissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento para suprir as irregularidades ou deficiências do requerimento inicial que não haviam sido detetadas.

Neste termos, não incorre a sentença recorrida na censura dirigida, ao absolver da instância as requeridas, ao abrigo do artº 288º, nº 1, alínea e), do CPC, por procedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, decorrente da falta de indicação dos contrainteressados (cf. artºs. 493º, nº 2 e 494º, alínea e), do CPC).

Por último, não decorre desta solução qualquer afetação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, por não estar a requerente inibida de apresentar novo requerimento inicial em juízo, corrigido quanto ao pressuposto processual em falta, não só em face do disposto no nº 3 do artº 114º do CPTA, como da regra geral que não submete a qualquer prazo a instauração da lide cautelar, podendo a mesma ser instaurada, como preliminar ou como incidente da causa principal, nos termos do artº 113º do CPTA.

Pelo que, improcede o fundamento do recurso, em análise.


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Termos em que, improcede o presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. É em função da concreta relação material controvertida configurada na instância cautelar, assente no pedido e da causa de pedir, que se aferirá a qualidade de contrainteressado e da preterição de listisconsórcio necessário passivo.

II. No âmbito da lide cautelar é pedido ao juiz que aprecie o pedido à luz dos requisitos de decretamento das providências cautelares previstos no artº 132º do CPTA, de entre os quais, o previsto na alínea a) do nº 1 do artº 120º, por remissão da 1ª parte do nº 6 do artº 132º do CPTA, ou seja, se é evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente, por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal.

III. Em face do requisito do fumus bonis iuris na sua máxima intensidade, previsto na alínea a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, é exigível ao juiz a quo que faça uma indagação, ainda que sumária e perfunctória, da legalidade do ato suspendendo com base nas concretas causas de pedir invocadas.

IV. A concorrente que apresentou proposta ao concurso e foi graduada em segundo lugar tem legitimidade passiva, não só na lide principal, como na lide cautelar, pois que, também nesta tem interesse direto em contradizer o juízo de (i)legalidade a que o juiz é chamado a formular.

V. É incontestada a sua qualidade de contrainteressada na ação principal, onde se decidirá, a título definitivo, o que, provisoriamente, já se conheceu na instância cautelar, pelo que a tal concorrente interessa todo o desfecho do procedimento concursal em que participou, seja a título provisório, seja a título definitivo.

VI. Embora seja mais restrito o conceito de contrainteressado no âmbito da lide cautelar, nos termos do disposto na alínea d) do nº 3 do artº 114º do CPTA, por referência unicamente ao prejuízo direto que a adoção da providência possa causar, quando comparado com a noção de contrainteressado prevista no artº 57º do CPTA, no âmbito da ação administrativa especial, que abrange, além de quem possa ser diretamente prejudicado com o provimento do processo, também, quem tenha legítimo interesse na manutenção do ato impugnado, é de associar ao concorrente graduado em segundo lugar em concurso, em que se discute a admissão de proposta excluída (e a sua consequente avaliação e graduação final) e a exclusão da proposta adjudicada, a titularidade de um interesse direto e pessoal em contradizer os fundamentos do pedido cautelar, com isso, reconhecendo a sua legitimidade passiva, na qualidade de contrainteressado.

VII. Por apelo à alínea d), do nº 3 do artº 114º do CPTA, aplicável por força do nº 3 do artº 132º do mesmo Código, deveria a requerente, no requerimento inicial, tê-lo indicado como contrainteressado.

VIII. Estando em causa uma providência que tem por objeto um ato de adjudicação, praticado sob a disciplina do Código dos Contratos Públicos, existe forte influência do direito europeu e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

IX. Embora o Tribunal de Justiça, em respeito do princípio da autonomia processual dos Estados membros, não tenha estabelecido critérios com base nos quais se deve proceder à delimitação dos sujeitos dotados de legitimidade ativa/passiva, da jurisprudência desse órgão é possível descortinar uma tendência para o reconhecimento de um conceito aberto e amplo de legitimidade, o que tem na base o entendimento de que, quanto maior for o número de pessoas habilitadas a agir judicialmente, assim será maior o controlo da aplicação e da efetividade do direito europeu.

X. Tendo sido proferido despacho liminar de admissão do requerimento inicial e juntas as oposições, não era admissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento para suprir as irregularidades ou deficiências do requerimento inicial que não haviam sido detetadas, de entre as quais, a preterição da indicação de todos os contrainteressados.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)