Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:27/17.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IABA
VAREJO
FRANQUIA
RELATÓRIO PERICIAL
ÓNUS PROBATÓRIO
DÚVIDA FUNDADA
Sumário:
I- Inexiste nulidade da decisão por falta de fundamentação, se se verifica a enumeração dos factos provados, concreta motivação da decisão da matéria de facto, e se foram analisadas, criticamente, as provas e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado.

II- Só existe nulidade da decisão, em caso de ausência absoluta de fundamentação jurídica, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada.

III- O relatório pericial não pode ser entendido senão como um meio de prova que deve ser aquilatado e aferido à luz do princípio da livre apreciação da prova.

IV- Resultando do teor do Relatório Pericial do Perito da Fazenda Pública, a existência, manifesta e inequívoca, de imprecisões e deficiências por parte da Inspeção Tributária, mormente, em sede de resultado do varejo e do método de apuramento da franquia, tal determina, per se, a existência de um vício de violação de lei que inquina o procedimento inspetivo e o apuramento da dívida realizado pela entidade inspetiva, e não o acatamento, tout court, dos valores avançados pelo perito da Fazenda Pública,

V- Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado (atual artigo 100.º do CPPT, anterior 121.º do CPT).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A….., sa, na qual peticionava a anulação da liquidação de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), no montante de € 777.417,81, acrescido de juros compensatórios, no montante de € 52.293,90, no montante global de € 829.711.1 1, emitida na sequência do Relatório de Inspeção elaborado pela Direção de Serviços Antifraude, Divisão Operacional do Sul (DSA - DOS).

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I. O objeto do presente recurso é a douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (1.ª Unidade Orgânica), de 27/ 10/2016, proferida nos autos em epígrafe, ao julgar parcialmente procedente a impugnação e, consequentemente, ao mandar anular parte da liquidação impugnada;

II. Da PROBATÓRIO da douta sentença recorrida constam FACTOS dados como PROVADOS sem que os mesmos estejam alicerçados em prova bastante, documental ou outra, constante dos mesmos autos ou, pelo menos, sem que na douta decisão recorrida seja feita referência expressa a essa prova; Assim,

III. A douta sentença recorrida desconsiderou a peritagem feita pelo Perito da Fazenda Pública, sem fundamentar as razões porque não aceita os valores apurados por este;

IV. Tão pouco na sentença recorrida são especificados os factos, constantes do Relatório de Peritagem, em que douta sentença recorrida diga discordar e qual o fundamento de facto para tal discordância;

V. Não é verdade a afirmação feita na douta sentença recorrida de que há uma considerável diferença entre a dívida apurada pela Inspeção e a dívida apurada pelo perito da alfândega ;

VI. O RFP concordou junto do tribunal «a quo» com os valores a que chegou o Senhor Perito da Fazenda Pública bem como dos critérios utilizados para apurar os valores em falta ou das divergências verificadas pelo que os aceita como base para a apreciação e decisão dos presentes autos;

VII. As divergências entre a liquidação feita inicialmente e a liquidação resultante da peritagem foram oportunamente explicadas com a regularização feita pela impugnante junto da alfândega;

VIII. o que está verdadeiramente em causa nos presentes autos é saber se a constatação de perdas tributáveis e as vendas indocumentadas deverão ou ser objeto de liquidação;

IX. Ficou demonstrado nos autos que as autoridades aduaneiras, no varejo, constataram perdas que não poderão ser legalmente relevadas;

X. Ficou ainda documentado nos autos que houve vendas indocumentadas e, consequentemente, sujeitas a imposto;

XI. O tribunal «a quo» não coloca em dúvida a ocorrência destes factos mas desconsidera os valores a que chegou o Perito da fazenda Pública sem especificar os valores de que não concorda e sem fundamentar a sua discordância;

XII. Pela que e nesta medida é nula a douta sentença recorrida por falta especificada de fundamentação;

XIII. A liquidação é o corolário lógico e consequente (impõe-se neste caso por imperativos legais) da constatação de perdas tributáveis (de álcool e de bebidas alcoólicas sujeitas a imposto - IEC), de acordo com as normas legais aplicáveis;

XIV. Bem como no caso de vendas indocumentadas de álcool e de bebidas alcoólicas, sujeitas a imposto (IEC), isto é, sem suporte bastante na contabilidade da impugnante;

XV. Ao desconsiderar os valores a que chegou o Perito da Fazenda Pública a douta sentença recorrida fez errada aplicação da lei, nomeadamente do disposto nos art.ºs art.ºs 5.º e 6 ° do DL n.º 117/92 e do art.º 3.º, 7.º e 30.º do CIEC, à data aplicáveis;

XVI. Normas violadas: art.º 653° e 668° alínea b) do CPC e art.ºs art.ºs 5.º e 6.º do DL n ° 117/92 e art ºs 3.º, 7.º e 30.º do CIEC do CIEC.

 NESTES TERMOS, a douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação apresentada pelo ora recorrido.

Assim, se procederá de acordo com a LEI e se fará JUSTIÇA.”


***

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“A.         A A. é detentora do estatuto de depositário autorizado n.º ….. e titular do entreposto fiscal de armazenagem n.º ….. (cf. fl. 9 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B.           Por ofício n.º 00520 de 1 de Fevereiro de 2002, foi a Impugnante notificada do despacho de 1 de Fevereiro de 2002 da Directora Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa e para proceder ao pagamento do montante global de € 829.711.11, com 0 seguinte teor essencial (cf. fl. s. n. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

                C.            À impugnante fora efectuada, pela Direcção de Serviços Antifraude, Divisão Operacional do Sul, a inspecção n º ….., que decorreu de 1 de Janeiro de 1999 a 4 de Abril de 2001, constando o seguinte das conclusões finais do respectivo relatório (cf. fl. s.n. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):







D. Em 29 de Janeiro de 2002, fora prestada pela Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais Sobre o Consumo, Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro, Divisão de Controlo Aduaneiro e de Venda das Mercadorias, informação com o seguinte teor essencial (cf. fls. 95 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

E.           Em 31 de Janeiro de 200 1, fora emitido parecer concordante com a informação referida na letra anterior (cf. fl. 98 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F.            Em 1 de Fevereiro de 2002, fora proferido despacho da Directora Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa concordante com a informação e parecer referidos acima (cf. fl. 99 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G.           Em 21 de Fevereiro de 2002, a Impugnante prestou bancária garantia, no montante de € 829.711,71 (cf. fl. s. n. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H.           Em 6 de Maio de 2002, a Impugnante apresentou reclamação graciosa (cf. fls. s.n. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I.             Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação prestada em 6 de Junho de 2002 pela técnica interveniente na inspecção à Impugnante, a fl. s. n. do PAT apenso;

J.            Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação prestada em 25 de Junho de 2002 pela Directora Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa, a fls. s. n. do PAT apenso;

K.           Em 7 de Maio de 2002, deu entrada na Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa a p. i. presente impugnação judicial (cf. carimbo aposto na p. i., a fl.2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L.            Dá-se por integralmente reproduzido o teor do relatório do perito indicado pela Fazenda Pública, junto a fls. 304 e segs., no qual se pode ler, entre o mais, no Mapa Resumo das Diferenças apuradas entre o Mapa IV da inspecção, da empresa e da peritagem - ano de 1999, em sede de observações, relativamente aos itens "4.000.02.02.00, Setembro, Álcool Etílico Fermentado 96% Emb. Lt"e "4.003.02.02.00, Junho, Álcool Etílico Fermentado 70% Emb. Litro" que "Não foi encontrada justificação para a diferença na inspecção" e, bem assim, as seguintes conclusões:



M.          Dá-se por integralmente reproduzido o teor do relatório do perito indicado pela Impugnante, junto a fls. 332 e segs.;

N.           Por despacho de 25 de Maio de 2005, foi declarada a caducidade da garantia bancária prestada pela Impugnante e referida na letra G supra (cf. fls. 505 e 506, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

O.          Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação n.º …..de 17 de Junho de 2008 da Direcção de Serviços Antifraude, Divisão Operacional do Sul, em complemento da informação n.º …..de 10 de Abril de 2008, junta s a fls. 510 e segs. com o requerimento da Fazenda Pública de 9 de Outubro de 2008, constando desta informação n.º ….., entre o mais, que "da leitura do relatório da inspecção, não são claros os cálculos e fundamentos do apuramento da dívida relacionada com as saídas não acompanhadas por DIC" e, bem assim, as seguintes conclusões:



”***

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou.

Não se provou, designadamente, que os resultados obtidos são fiáveis, correctos, uma vez que, produzida a prova pericial, são consideráveis as diferenças detectadas entre a dívida da inspecção e a dívida da peritagem, ficando demonstradas as imprecisões e deficiências do varejo (cf. letras B, L e O do probatório).

Não se provou, também, a efectiva diferença que esteve na base do apuramento da dívida de € 156.814,90, uma vez que se acentuam as diferenças face à dívida da inspecção, não bastando, para demonstrar que das imprecisões e deficiências do varejo evidenciadas não resultou prejuízo para os resultados obtidos, invocar que "a dívida apurada pelos signatários não apresenta grandes divergências relativamente à do Relatório de Peritagem, sendo seguidos os mesmos pressupostos, existindo apenas diferenças decorrentes de possíveis erros de cálculo ou  de  documentos a que a peritagem não teve acesso"(cf. letra O do probatório), desde logo, porque aí também  se diz que "os resultados obtidos tiveram por base a análise dos relatórios das duas acções (inspecção e peritagem) e da documentação que os responsáveis dessas acções juntaram ao processo, não tendo sido efectuada qualquer diligência suplementar" [Sublinhado nosso]. E porque não se conseguiu apurar, da prova pericial realizada - relativamente à qual vale, por inteiro, o princípio da livre apreciação da prova (cf. artigo 389.º do CC) -, o que sucedeu em concreto para ocasionar as diferenças da dívida da peritagem e do relatório face à dívida da inspecção (cf. letras L e O do probatório ).”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A….., S. A, na qual peticionava a anulação da liquidação de Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), no montante de € 777.417,81, acrescido de juros compensatórios, no montante de € 52.293,90, no montante global de € 829.711.1 1, emitida na sequência do relatório de inspeção elaborado pela Direção de Serviços Antifraude, Divisão Operacional do Sul (DSA - DOS).

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:
Ø A decisão recorrida padece de nulidade por falta especificada de fundamentação;
Ø Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, particularmente:
o por ter descurado que as diferenças entre a dívida apurada pela Inspeção Tributária e a determinada pelo perito da Fazenda Pública resultam de regularizações feitas pela Impugnante, ora Recorrida, após a conclusão da ação inspetiva;
o por ter ficado demonstrado que as autoridades aduaneiras, no varejo, constataram perdas que não poderão ser legalmente relevadas e vendas indocumentadas, logo o sentido da decisão recorrida determinou errada aplicação da lei, nomeadamente do disposto nos artigos 5.º e 6.º do DL nº 117/92 e do artigo 3.º, 7.º, 30.º do CIEC.

Vejamos, então.

A Recorrente alega que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, visto que, por um lado, constam factos dados como provados sem que os mesmos estejam alicerçados em prova bastante, ou pelo menos sem que na douta decisão seja feita referência expressa a essa prova e por outro lado, porque desconsiderou a peritagem feita pelo Perito da Fazenda Pública, sem fundamentar as razões porque não aceita os valores apurados por este e sem especificar os factos constantes do Relatório de Peritagem que implicam essa divergência.

Apreciando.

Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação, a Doutrina[1]  tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário [2]”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item III denominado de “fundamentação” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade.

No concernente à factualidade não provada encontram-se elencadas as realidades fáticas que no entendimento do julgador resultam como não provadas, sendo especificadas as razões atinentes a esse juízo de valoração.

Com efeito, atentando na aludida factualidade não provada consta a seguinte menção:

“Não se provou, designadamente, que os resultados obtidos são fiáveis, correctos, uma vez que, produzida a prova pericial, são consideráveis as diferenças detectadas entre a dívida da inspecção e a dívida da peritagem, ficando demonstradas as imprecisões e deficiências do varejo (cf. letras B, L e O do probatório).

Não se provou, também, a efectiva diferença que esteve na base do apuramento da dívida de € 156.814,90, uma vez que se acentuam as diferenças face à dívida da inspecção, não bastando, para demonstrar que das imprecisões e deficiências do varejo evidenciadas não resultou prejuízo para os resultados obtidos, invocar que "a dívida apurada pelos signatários não apresenta grandes divergências relativamente à do Relatório de Peritagem, sendo seguidos os mesmos pressupostos, existindo apenas diferenças decorrentes de possíveis erros de cálculo ou  de  documentos a que a peritagem não teve acesso"(cf. letra O do probatório), desde logo, porque aí também  se diz que "os resultados obtidos tiveram por base a análise dos relatórios das duas acções (inspecção e peritagem) e da documentação que os responsáveis dessas acções juntaram ao processo, não tendo sido efectuada qualquer diligência suplementar" [Sublinhado nosso]. E porque não se conseguiu apurar, da prova pericial realizada - relativamente à qual vale, por inteiro, o princípio da livre apreciação da prova (cf. artigo 389.º do CC) -, o que sucedeu em concreto para ocasionar as diferenças da dívida da peritagem e do relatório face à dívida da inspecção (cf. letras L e O do probatório ).”

Ora, em face do supra aludido entende-se que quanto à enumeração dos factos provados, e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, foram analisadas, criticamente as provas e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado, permitindo a mesma dar a conhecer quais os suportes probatórios que justificam a prova dos factos considerados provados, o mesmo sucedendo quanto à factualidade não provada.

Com efeito, entende-se, in casu, e contrariamente ao propugnado pela Recorrente que não assiste razão à Recorrente visto que os factos elencados no probatório fazem alusão expressa e específica ao meio probatório que a suportam, estando, outrossim, e como resulta das transcrições supra, abordada a questão inerente ao Relatório do Perito da Fazenda Pública, cujo conteúdo é dado por integralmente reproduzido no probatório, e as razões atinentes à sua desconsideração.

Ademais, como já evidenciado só existe nulidade, em caso de ausência absoluta de fundamentação jurídica, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada.

É certo que a Recorrente nas suas conclusões V), a XI) conclui no sentido da nulidade da decisão por, alegadamente, terem sido desconsiderados e, erroneamente, interpretados pressupostos de facto com relevo para a lide, mormente, as causas das divergências e bem assim a existência de perdas e vendas indocumentadas, porém, como é bom de ver, tais considerações em nada traduzem ou importam nulidade da decisão por “falta especificada de fundamentação”, quando muito e no limite, podem consubstanciar erro de julgamento, mas nunca nulidade da sentença porquanto a mesma se encontra fundamentada de facto e de direito.

Face a o exposto, conclui-se que a sentença não padece da arguida nulidade por falta de fundamentação.

Aqui chegados, vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente começa por evidenciar que não corresponde à verdade a afirmação feita na sentença recorrida de que há uma considerável diferença entre a dívida apurada pela Inspeção e a dívida apurada pelo perito da Fazenda Pública, visto que as divergências entre a liquidação feita inicialmente e a liquidação resultante da peritagem resultam, tão-só, da regularização feita pela Recorrida junto da Alfândega.

Mais aduz que estando verdadeiramente em causa a constatação de perdas tributáveis e vendas indocumentadas e tendo estas sido demonstradas, não poderia o Tribunal a quo ter decidido no sentido propugnado, desconsiderando os valores a que chegou o Perito da Fazenda Pública a douta sentença recorrida fez errada aplicação da lei, nomeadamente do disposto nos artigos 5.º e 6 ° do DL n.º 117/92 e do artigo 3.º, 7.º e 30.º do CIEC, à data aplicáveis.

Porém, conforme veremos, não logra provimento a esteira de razão da Recorrente.

Senão vejamos.

Fazendo o competente confronto entre a dívida apurada pela Inspeção Tributária e a discernida pelo Perito da Fazenda Pública no seu relatório, constata-se, contrariamente ao defendido pela Recorrente- e pese embora a mesma não tenha feito uma concreta dilucidação espácio-temporal como legalmente se exigia- que a divergência não se coaduna, tão-só, com as regularizações efetuadas pela Recorrida após a conclusão da ação inspetiva.

Com efeito, se atentarmos na leitura atenta do Relatório Pericial do Perito da Fazenda Pública, evidenciado no ponto L) da factualidade provada, verifica-se que muitas das divergências apuradas em nada se coadunam com ulteriores regularizações.

Neste particular, atente-se, designadamente, no ponto 4.1.2.1, relativamente ao mês de setembro no qual é feita expressa alusão que “embora a inspecção tenha calculado uma dívida correspondente a 345,60 litros (100%) no valor de 2.813,32 € a peritagem não detectou quaisquer divergências entre as vendas e os valores declarados à Alfandêga”, não sendo, por conseguinte, liquidada qualquer dívida de imposto.

O mesmo sucede, designadamente, com o evidenciado no ponto 4.1.2.2 concernente ao mês de junho, e com o contemplado no item 4.1.2.3 referente aos meses de junho, outubro e novembro.

É certo que no ponto 4.1.2.4 é feita expressa alusão à entrega da DIC Casuística nº ….., com data posterior à entrega do Relatório Inspetivo, plausível, portanto, para a existência de um diferencial no cálculo da dívida, mas a verdade é que não se pode generalizar e dizer, sem concretizar adequadamente, que as divergências se pautam e justificam pela entrega a posterior das DIC. Ademais, para a mesma realidade fática (Álcool Absoluto Fermentação 99,9% , mas respeitante a novembro do ano de 2000, consta a expressa menção de que “a inspecção apurou uma diferença de 863,14 litros (100%) a que corresponde uma dívida de 7.026,30 para as quais a peritagem não encontrou justificação”.

Aliás, atentando no “mapa resumo das diferenças apuradas entre o Mapa IV da inspecção, da empresa e da peritagem-Ano de 2000” apenas é referenciada a título de observação “diferença apurada pela inspecção foi colmatada pela emissão de DIC casuística aceite pela Alfândega” a já mencionada circunscrita ao mês de agosto de 2000.

O mesmo sucede no âmbito das franquias, em que é, desde logo, evidenciado que foi utilizado um método de apuramento da franquia diferente do utilizado pela Inspeção Tributária, apurando-se, nessa medida, quebras e franquias com quantidades divergentes. Neste particular, atente-se, designadamente, no ponto 4.2.2 referente ao Álcool Etílico Fermentado Marcado 96% onde é referenciado que “uma vez que, para a peritagem, as quebras verificadas se encontram dentro dos limites legais previstos para a franquia, não foi calculada qualquer dívida. Pelo critério da inspecção foi apurada uma dívida de 51.507,13 (10.326.251$52).”

Pelo que, face ao supra exposto e não carecendo de outras considerações improcede o aludido erro de julgamento.

Vejamos, ora, se assiste razão à Recorrente quando propugna que existe uma errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito por desconsideração dos elementos constantes no Relatório Pericial do Perito da Fazenda Pública, porquanto estava o Tribunal a quo vinculado a aceitar os valores arbitrados nesse relatório pericial.

Refira-se, desde já, que também nesta sede não assiste razão à Recorrente, a qual desvirtua, desde logo, o ónus probatório que impende sobre a Administração Tributária.

Mas, para se aferir do acerto da decisão recorrida, convoquemos, neste âmbito, a fundamentação jurídica, na parte que para os autos releva e na qual a mesma se ancorou:

“Dispõe o artigo 21.º, n.º 3, do CIEC: "Os entrepostos fiscais ficam sujeitos às medidas de controlo que forem consideradas necessárias, designadamente ao acesso à contabilidade e sistemas informáticos, bem como ao controle físico das operações".

Vejamos os demais normativos legais aplicáveis.

Dispõe o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 117/92, de 22 de Junho:

"1. O imposto é exigível:
a) No momento da introdução em consumo;

b) No momento em que se verifiquem perdas ocorridas em fábrica ou depósito fiscal, por derrame, incêndio ou qualquer outro facto.

2. Na situação prevista na alínea b) do número anterior, a base tributável será determinada pela diferença entre as existências apuradas e as reais, descontadas as faltas ou perdas admissíveis".

Dispõe, por sua vez, o artigo 7.º, n.º 1, do CIEC: "O imposto é exigível em território nacional no momento da introdução em consumo ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o presente Código".

Dispõe, por seu turno, o artigo 8.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIEC:

 "1 - A introdução no consumo deve ser feita com base em formulário de declaração de introdução no consumo (DIC), sendo uma cópia da mesma apresentada à estância aduaneira competente, por qualquer via, até às 17 horas do dia útil seguinte.

2 - A declaração de introdução no consumo pode ser substituída por factura, desde que esta contenha o cálculo do imposto devido.

3 - A declaração de introdução no consumo de produtos isentos deve mencionar a norma que concede a isenção".

 Dispõe, ainda, o artigo 37.º, n.ºs 1 e 2, do CIEC:

 "1. Beneficiam de franquia de imposto as perdas ocorridas em regime de suspensão, durante a produção, armazenagem e circulação, bem como por caso fortuito ou de força maior.

2. As perdas que ultrapassem as franquias concedidas estão sujeitas a imposto, a cobrar à taxa em vigor no território nacional no momento em que ocorreram, devidamente determinado pela autoridade aduaneira ou, eventualmente, no momento em que sejam constatadas".

Dispõe, por último, o artigo 39.º do CIEC:

"1. Os entrepostos fiscais de armazenagem beneficiam de franquia de imposto correspondente às diferenças, para menos, entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto, calculadas sobre a soma das quantidades de produto existentes em entreposto com as quantidades nele entradas, com os seguintes limites:
a) Até 1,5% no caso de álcool e bebidas alcoólicas não engarrafados;
b) Até 0,4% no caso dos óleos minerais.

2. As estâncias aduaneiras competentes procederão à realização regular de varejos aos entrepostos fiscais de armazenagem, devendo adoptar os seguintes procedimentos no tocante às perdas apuradas:

a) Se as franquias não forem ultrapassadas, relevarão esse facto e procederão à rectificação correspondente na ficha de conta corrente do entreposto fiscal;

b) Se as franquias forem ultrapassadas, promoverão a liquidação oficiosa do imposto, as necessárias averiguações e a eventual instauração de processo por infracção fiscal aduaneira;

c) Se forem constatados excedentes, proceder-se-á à rectificação da contabilidade do entreposto fiscal.

3. A diferença entre o saldo contabilístico e as existências poderá ainda, em casos específicos, designadamente na destilação de vinhos e no envelhecimento de bebidas alcoólicas em vasilhame de madeira, ser ajustada de acordo com a respectiva taxa de rendimento".

Nos presentes autos, as diferenças e perdas questionadas e objecto de tributação derivam do varejo efectuado em 4 de Abril de 2001 (cf. letra B do probatório).

A Impugnante requereu a realização de prova pericial "em ordem a apurar as diferenças entre as quantidades de álcool saídas do entreposto fiscal para introdução no consumo e vendidas em suspensão com as declaradas às autoridades aduaneiras e as vendas registadas na contabilidade e ainda para apurar a quantificação das quebras nos produtos embalados (1/4 litro)".

Produzida a prova pericial, como se disse na motivação de matéria de facto supra, são consideráveis as diferenças detectadas entre a dívida da  inspecção e a dívida da peritagem (cf. letras B e L do probatório).

A Administração, reanalisando a questão, concluiu que as premissas seguidas na análise efectuada pelo perito indicado pela Fazenda Pública são as correctas, considerando existir uma dívida, em sede de IASA (ISA), por parte da Impugnante, no montante de € 156.814,90, salientando, recorde- se, as seguintes situações (cf. letra O do probatório): (…)
c) A inspecção ao não considerar as transferências entre depósitos e tipos de álcool que receberam transferências dos primeiros. Consequentemente ao aplicar as franquias às diferenças apuradas no varejo de 04/04/2001 e às quebras registadas na contabilidade a inspecção apurou uma dívida superior à constatada pela peritagem.
A Inspecção considerou todo o álcool de armazém 80 como embalado, enquanto que a peritagem fez distinção entre álcool embalado a granel, dando franquia às quebras registadas no álcool a granel.”

Ora, ficam, aqui, demonstradas as invocadas imprecisões e deficiências do varejo.

Sendo a Administração quem invoca o resultado do varejo para legitimar a liquidação impugnada, é ela que tem de demonstrar que, não obstante as demonstradas imprecisões e deficiências, o resultado obtido é fiável, correcto. E, se os factos dados como provados o não permitirem, é contra ela que deve ser valorada processualmente a questão, de acordo com o artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que dispõe: "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque". O que bem se justifica, de acordo com a ponderação de interesses, baseada em regras de normalidade, que deve presidir e justifica a repartição do ónus da prova. É quem efectua o varejo que deve responder pela fiabilidade do resultado obtido.

Nos presentes autos, como também se disse na motivação de matéria de facto supra, não se provou que os resultados obtidos são fiáveis, correctos, nem a efectiva diferença que esteve na base do apuramento da dívida de € 156.814,90.

Não tendo a Fazenda Pública produzido tais diligências demonstrativas de que das imprecisões e deficiências do varejo evidenciadas não resultou prejuízo para os resultados obtidos, subsistem dúvidas probatórias que devem ser valoradas a favor da Impugnante.

Aliás, não se vislumbra nos autos qualquer inércia probatória por parte da Impugnante, que faz notar, no relatório do perito por si indicado, os pontos do relatório do perito indicado pela Fazenda Pública que considera carecerem de fundamento (cf. letra M do probatório).

Pelo que, procede o invocado vício/erro sobre os pressupostos fáctico-jurídicos de que padece a liquidação impugnada, o que determina que fique prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Impugnante (cf. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).”

E, de facto, nenhuma censura merece a posição sufragada pelo Tribunal a quo, visto que interpretou, adequada e acertadamente o regime jurídico vigente com a devida transposição para a realidade fática dos autos.

Com efeito, da fundamentação jurídica supra transcrita resulta que a Recorrente, convocando o Relatório Pericial do Perito da Fazenda Pública, demonstra que ficou patenteada a existência de imprecisões e deficiências por parte da Inspeção Tributária, o que determina, per se, a existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito traduzida na ilegalidade do ato tributário. Mais demonstrando que tal posição é a única que se compadece com o ónus probatório que impende sobre as partes, não podendo a dúvida ser valorada contra a Recorrida, ademais, in casu, inexiste qualquer inércia probatória.

Aduza-se, em abono da verdade, que fazendo uma leitura atenta do Relatório do Perito da Fazenda Pública se aquiesce, com clareza, que existem deficiências, erros e imprecisões no âmbito do Relatório de Inspeção Tributária. Aliás, basta para o efeito ter presente que a dívida inicialmente liquidada de €829.711,11 sendo de IABA €744.417,81 e €52.293,90 ficou reduzida a uma dívida de €158.272,10.

Sublinhe-se e reitere-se, neste âmbito, que o Perito da Fazenda Pública entende, desde logo, adotar um método de apuramento da franquia diferente do utilizado pela peritagem, relevando, designadamente, que “[a]o contrário da inspecção, a peritagem não incluiu o Depósito 7 para o apuramento das quebras/sobras neste tipo de álcool, uma vez que o mesmo já tinha sido considerado no Alcóol Totalmente Desnaturado 90,1%”.

Note-se, ademais, que conforme doutrina Sérgio Vasques a franquia “[o]pera aí onde não se chega a produzir o facto gerador do imposto, pois que se os produtos se perdem na pendência do regime suspensivo não se chega a produzir a introdução no consumo. A franquia não é mais do que o reconhecimento de um espaço de liberdade conforme aos princípios estruturantes dos IEC, não constitui contra-norma de qualquer espécie[3].”

De relevar, neste âmbito, que a constatação expressa e explícita desses erros, imprecisões e deficiências determina, conforme propugnado pelo Tribunal a quo, a existência de um vício de violação de lei que inquina o procedimento inspetivo e o apuramento da dívida realizado pela entidade inspetiva, e não o acatamento, tout court, dos valores avançados pelo perito da Fazenda Pública.

Note-se que, o relatório pericial do Perito da Fazenda Pública não pode ser entendido senão como um meio de prova que deve ser aquilatado e aferido à luz do princípio da livre apreciação da prova, não podendo, naturalmente, ser descurado o Relatório da Recorrida.

Ademais, in casu, o Perito da Recorrida refutou diversas realidades fáticas constantes no Relatório Pericial da Fazenda Pública, mormente, por se coadunarem com aspetos formais, designadamente, a diferença assinalada na linha da cópia do mapa da pág 11 do “Relatório” que integra o Anexo XIX, porquanto “ o signatário tem como certo que não é devido qualquer imposto, devendo assinalar-se que a necessidade de autorização expressa da Alfândega (…) apenas passou a ser exigida em 2002, em conformidade com a Circular nº 45/2002”.

E bem assim no âmbito das quebras, no sentido de que terá havido “[a]quando do varejo, um erro na medição do depósito 6. Na verdade, a medida que foi exarada cifrou-se em 444 milímetros, correspondendo a diferença substancialmente apurada a 1000 milímetros, o que sugere, claramente, a hipótese de erro de leitura da fita de medição”.

Sublinhando, outrossim, que “[o] varejo foi realizado no início do mês de Abril-exactamente no dia 4 sendo certo que no termo do mês anterior se efectuou, como no fim de todos os meses, a medição de todos os depósitos, não tendo sido encontrada qualquer diferença (…) o mesmo aconteceu no termo do mês de Abril, com os mesmos resultados”.

Relevando, igualmente, que “[e]m face dos registos contabilísticos da empresa e do modo como estes são elaborados e do controlo interno que está instalado, incluindo a segregação de funções das pessoas que executam as medições, de que a existência do referido erro de medição é plausível, sendo, de resto, a única explicação para uma quebra de tal forma elevada”.

Para além, de todas as enumerações de divergências quantitativas pautadas e expressas, inequivocamente, nesse mesmo Relatório Pericial, para as quais remetemos, e não refutadas, com precisão, casuística e adequadamente, pela entidade que estava imbuída do ónus probatório.

Note-se que, não se pode perder de vista que o ónus probatório impende em primeira linha à Administração Tributária, logo os factos índice donde emana a liquidação têm de ser inequívocos e isentos de qualquer dúvida, o que, como visto, não sucede no caso vertente, não correspondendo, outrossim, à realidade o vertido em IX a XI das conclusões.

Com efeito a obrigação tributária carateriza-se por ser uma obrigação ex lege, que tem por origem a lei e se constitui pela conjugação dos pressupostos nela fixados, donde, facto gerador da obrigação tributária é o facto que concretiza as normas de incidência subjetiva e objetiva, determinando com isso o seu nascimento[4].

Acresce que o próprio Relatório Pericial do perito da Fazenda Pública reconhece expressamente que “a empresa registou, justificou e documentou todas as operações e movimentos”, e que pautou toda a sua atuação por uma postura colaborante.

A final, sempre importa relevar que no limite sempre o Tribunal teria de fazer valer-se da fundada dúvida contemplada no artigo 100.º do CPPT (anterior 121.º do CPT), e isto porque a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a Administração Tributária, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles. O aludido normativo constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal, determinando que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado[5].

E por assim ser, a decisão recorrida que assim o decidiu deve ser mantida na ordem jurídica, inexistindo qualquer violação dos preceitos legais invocados pela Recorrente.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Segunda Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em Negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Vencida a DRFP seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

Registe e notifique.


Lisboa, 17 de setembro de 2020


                                          (Patrícia Manuel Pires)                 


(Susana Barreto)


(Vital Lopes)

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[1]Neste sentido Alberto dos Reis-Código de Processo Civil Anotado: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[2] Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.
[3] Sérgio Vasques, Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, p326.
[4] José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Coimbra, 2000, pp.205-207
[5] Vide, designadamente, o Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 0097/03, de 27 de maio de 2010.