Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10/17.9BCPRT
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO
Sumário:I - Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
II - Como é jurisprudência assente, a oposição entre os fundamentos e a decisão é um vício que radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso.
III - A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento (error in judicando), a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.
IV - Se o que resulta da alegação do impugnante é que discorda da valoração que o Tribunal Arbitral deu a certos factos em detrimento de outros também constantes do probatório, não se verifica a referida nulidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

B…., S.A., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L.n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida em 24 de Outubro de 2017 no processo n.º 334/2017–T, pelo Tribunal Arbitral Singular constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD), alegando para tanto, o seguinte:
«

1.°
O Requerente, ora Impugnante foi notificado da decisão arbitral proferida no âmbito do processo supra identificado no dia 25 de outubro de 2017 (cfr. Documento n.° 2).

2.°

De acordo com o disposto no número 1, do artigo 27. ° do RJAT, “A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respectivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral (...)” (Sublinhado e destacado do Impugnante).

3.°

Assim, terminando o referido prazo no dia 9 de novembro de 2017, deverá a presente impugnação considerar-se tempestiva.

II. Da Impugnação

4.°

A presente impugnação tem por objeto a decisão arbitral proferida em 24 de outubro de 2017, e notificada ao ora Impugnante no dia 25 de outubro de 2017, no âmbito do Processo Arbitral n.° 334/2017-T do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo Requerente, ora Impugnante, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa número 3182201504003098, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2, datado de 17 de fevereiro de 2017 e notificado à Requerente no dia 21 de fevereiro de 2017, através do Ofício n.° 20175000049476, o qual pugnou pela legalidade da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) à taxa fixa de 6,5% a que se refere a alínea d), do número 1, do artigo 17.°, no montante de € 9.149,40 (nove mil, cento e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos), no montante que ultrapassa o intervalo de taxas para as aquisições de imóveis destinados a habitação (previsto na alínea b), do número 1, do artigo 17.° do Código do IMT, mediante a aplicação da taxa progressiva entre 1% e 6%), que se cifra em € 6.828,46 (seis mil, oitocentos e vinte e oito euros e quarenta e seis cêntimos).

5.°

No processo arbitral supra referido discute-se a questão de saber se a desconformidade entre a descrição de um prédio urbano constante da caderneta predial urbana (“CPU”) e a realidade fática releva para efeitos da liquidação de IMT, sobretudo quando o sujeito passivo (adquirente do prédio urbano) havia requerido a alteração da CPU em conformidade com a mesma.


6.°

No caso dos autos constitui fundamento de impugnação o que se mostra estatuído na alínea b), do número 1 do artigo 28.° do RJAT, ou seja, entende o Impugnante que a identificada decisão arbitral padece do vício de oposição dos fundamentos - em concreto, dos fundamentos de facto - com a decisão.

Senão, vejamos:

7.°

O ora Impugnante, no pedido de pronúncia arbitral, juntou, como Documento n.° 9, uma certidão emitida pelo Senhor Diretor do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Coimbra (“CMC”), a qual certifica que “relativamente ao prédio assinalado pelo requerente no extrato do ortofotomapa/ planta de localização, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 5.../19..... e inscrito na matriz urbana da união das freguesias de A.... e A.... sob o n.° 1..., o mesmo não se encontra em ruína (Sublinhado e destacado do Impugnante).

8.o

Esta certidão foi solicitada pelo ora Impugnante na sequência do pedido de alteração da descrição do imóvel na CPU, que teve início após ter sido notificado da nova avaliação do mencionado prédio urbano, datada de 30 de setembro de 2013.

9.°

De facto, estranhando a demora na retificação da CPU, o ora Impugnante entrou em contacto com o Serviço de Finanças de Coimbra 2 e, assim que informado de que a regularização da CPU carecia da prévia emissão de certidão de não ruína emitida pelo Município de Coimbra, o ora Impugnante requereu, no dia 6 de dezembro de 2016, a aludida certidão.


10.°
A qual, reitere-se, certidão de não ruína, foi emitida dois meses depois, no dia 6 de fevereiro de 2017.

11.°

Na sua resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) não contesta a prova documental apresentada pelo Requerente, ora Impugnante - entendendo, especificamente, que a certidão emitida pelo Município de Coimbra atesta que o prédio não se encontra em ruínas (cfr. Artigo 14.° da resposta).

12.°

Ora, atento o ponto 1.8., da parte II da decisão arbitral, o tribunal arbitral considerou provado que “[n]o dia 2 de setembro de 2016 o Requerente efetuou um requerimento junto da Divisão de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Coimbra, pedindo que a mesma tomasse as diligências necessárias à correta identificação do imóvel na matriz, através da emissão de uma certidão de não ruína. ” (cfr. decisão arbitral) (Sublinhado e destacado do Impugnante).

13.°

Apesar da factualidade supra elencada, toda a fundamentação de direito da decisão arbitral tem como pressuposto o estado de ruína do imóvel - havendo uma patente contrariedade entre os fundamentos de facto e os fundamentos de direito em que o tribunal baseia a decisão.

14°

A propósito do fundamento de impugnação da decisão arbitral para o Tribunal Central Administrativo a que se refere a alínea b), do número 1, do artigo 28.° do RJAT, de oposição dos fundamentos com a decisão, a jurisprudência tem justificado a sua existência com base nas regras do silogismo.

15.°
Menciona, a esse respeito, o Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do Processo 07647/14, de 18 de setembro de 2014, ora junto como Documento n.° 3, que “[c]onstituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico. de tal forma que a decisão seja a lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica guando das premissas de facto e direito de extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído ".

16.°

Ora, a decisão arbitral ora em análise contraria a fundamentação de direito com a fundamentação de facto, ao desconsiderar a certidão emitida pelo Município de Coimbra que atesta que o prédio urbano não está em ruína, passando a mencionar, ao longo do Capítulo III, que o prédio urbano se encontra em ruínas.

17.°

Assim, na verdade, o tribunal arbitral entende, na sua exposição dos factos provados. que o prédio não está em ruínas.

18.°

No entanto, justifica toda a sua decisão partindo do pressuposto de aue o prédio está em ruínas.

19.°

Esta oposição entre os fundamentos de facto e os fundamentos de direito, que culminou com a oposição entre os fundamentos e a decisão, transparece em diversas passagens da decisão arbitral, que aqui se reproduzem:

“O facto de o prédio se encontrar em ruínas, independentemente da respectiva potencial afectação, prevista na inscrição matricial, é determinante para a classificação na categoria residual de “Outros” e para aplicação da taxa na liquidação de IMT.
A (potencial) afectação a habitação, comercio, indústria ou serviços, será irrelevante para um prédio aue se encontre em ruínas.

Na verdade é um dado objectivo que um prédio em ruínas não tem capacidade para ser afecto, de imediato, a habitação. Não tem, naturalmente, capacidade para ser destinada, de imediato, a habitação própria e permanente (cfr. artigo 17°, n.° 1, alínea
a) do Cl MT) ou sequer a habitação não-permanente (à luz das situações enquadráveis no artigo 17°, n.° 1, alínea b) do ClMT).

Não pode, por isso, um prédio urbano classificado como “outros”, por estar em ruínas. ser tido como equivalente a um prédio para habitação ou para habitação própria permanente, para efeitos do artigo 17°, n.° 1, alíneas a) e b) do ClMT.

(...) O Requerente assinala aliás, na petição inicial, que a CPU mantém, ainda actualmente, a desconformidade entre a descrição do prédio e a suposta realidade fática. ” (cfr. página 10 e seguintes da decisão arbitral) (Sublinhado e destacado do Impugnante).

20.º

Adicionalmente, o Tribunal Arbitral, na sua decisão, ignora os esforços encetados pelo ora Impugnante para a correta identificação do prédio urbano na CPU, contrariando a factualidade apresentada no ponto 1.8. do Capítulo II da decisão arbitral.

21.°

Veja-se, nesse sentido, a seguinte passagem: “Acresce que o Requerente não reclamou ou promoveu qualquer actualizacão da matriz, como se prevê nos artigos 13° e 130° do CIMI, até ao momento da liquidação." (cfr. página 11 da decisão arbitral) (Sublinhado e destacado do Impugnante).
22.°

Ora, conjugando a referida passagem com o ponto 1.8. do Capítulo II da decisão arbitral torna-se patente a incongruência lógica, materializada na evidente e notória oposição dos fundamentos com a decisão.

23.°

Em suma, a decisão arbitral alicerçou a sua fundamentação de direito, que conduziu à decisão de improcedência do pedido de pronúncia arbitral, essencialmente nos seguintes factos:
(i) No estado de ruína do prédio, contrariando os fundamentos de facto provados no capítulo II. ponto 1.8. acima mencionado, nomeadamente desconsiderando a certidão de não ruína emitida pela CMC:

(ii) Na inércia da ora Impugnante na retificação da CPU, contrariando os fundamentos de facto provados no capítulo II. ponto 1.8. acima mencionado, desvalorizando todos os contactos, formais e informais, com o Serviço de Finanças de Coimbra 2, assim como o pedido de certidão de não ruína dirigido à CMC.

24.°

Ora, na fundamentação de direito da decisão, o tribunal arbitral parte do pressuposto que o prédio estaria efetivamente em ruínas, contrariando a fundamentação de facto - em concreto, aquilo que a própria certidão de não ruína atesta.

25°

Face ao exposto, é por demais evidente que a decisão arbitral se encontra em oposição com os fundamentos de facto, devendo, por conseguinte, a referida decisão ser anulada.






».

A entidade impugnada apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes conclusões:

«












».


A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal foi notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não tendo emitido pronúncia sobre o mérito da impugnação.

Com dispensa dos vistos legais por simplicidade das questões a resolver e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A decisão arbitral deixou consignado em sede factual:
«



».

De direito
Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.

O vício apontado à decisão arbitral reconduz-se à oposição dos fundamentos – em concreto, dos fundamentos de facto – com a decisão (vd. art.º 6.º das alegações).


Dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC que “[é] nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

Como se vê, o fundamento de nulidade previsto na norma é a contradição entre os fundamentos (de facto ou de direito) e a decisão. Explica José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil, anotado”, Volume V, Coimbra Editora, 1984, p. 141, que se trata de um vício lógico que ocorre quando a decisão colide com os fundamentos, i.e., a justificação em que se apoia. Parafraseando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2016 tirado no proc.º781/11.6TBMTJ.L1.S1 (disponível em http:// www.dgsi.pt), trata-se de um vício que “radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso”.

A contradição entre os fundamentos de facto da decisão não integra nulidade da decisão, podendo eventualmente constituir erro de julgamento, não sindicável em sede de impugnação da decisão arbitral.

No caso da decisão cuja nulidade vem suscitada, pese embora o esforço argumentativo do impugnante, não o alcançamos.

Se bem vemos, a decisão mostra-se logicamente coerente com a fundamentação de facto e de direito aduzida. Dizemos porquê.

Pretende o Impugnante que a contradição radica no facto de se ter feito constar do ponto 1.8 da matéria assente o pedido de emissão camarária de certidão de não ruína e toda a fundamentação de direito aduzida tem como pressuposto o estado de ruína do imóvel cuja aquisição deu origem à liquidação de IMT em causa no PPA.

Deixou-se consignado na decisão arbitral, é certo, no ponto 1.8 da matéria de facto assente, que “no dia 2 de Setembro de 2016 o Requerente efectuou um requerimento junto da Divisão de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Coimbra, pedindo que a mesma tomasse as diligências necessárias à correcta identificação do imóvel na matriz, através da emissão de uma certidão de não ruína”.

Porém, menos certo não é que no antecedente ponto 1.7 se deixou consignado o seguinte (na parte que agora interessa): “O prédio urbano adquirido pelo Requerente (artigo n.º 132 da União das Freguesias de A.... e A...) está considerado, na matriz predial, como “Outros”. Assim, na Caderneta Predial Urbana do artigo … da União das Freguesias de A…. constam, com relevo para os presentes autos, os seguintes dados:
(…)
“Descrição do prédio
Tipo de prédio: outros
Descrição: Aval. Art.º 46.º, n.º 4 – Ruínas
Afectação: Habitação n.º de pisos: 1 Tipologia/ Divisões: 1
(…)”

E na fundamentação de direito, deixou-se consignado na decisão arbitral sob escrutínio:
«

(…)
(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)


».

Como se extrai acessivelmente da leitura da decisão arbitral, o percurso decisório seguido foi o de valorar o facto levado ao probatório em 1.7 em detrimento do facto vertido no ponto 1.8 por explicadas razões de direito, destacadamente: “Sublinhe-se que no caso sub judice os pressupostos factuais da liquidação de IMT impugnada estão em conformidade com o Tipo e Descrição do prédio inscrito na Matriz Predial e a Ficha de Avaliação n.º 2321278, realizada em 10.07.2008, dada como provada.
Acresce que o Requerente não reclamou ou promoveu qualquer actualização da matriz, como se prevê nos artigos 13.º e 130.º do CIMI, até ao momento da liquidação. O Requerente assinala, aliás, na petição inicial que a CPU mantém, ainda actualmente, a desconformidade entre a descrição do prédio e a suposta realidade fáctica”.

Se o julgamento de facto, que viria a ser determinante no desfecho do processo, assentou numa errónea ou deficiente análise e valoração da prova, tal reconduz-se a erro de julgamento, “error in judicando” e não “error in procedendo”, como tal, não sindicável nesta impugnação.

Improcede a arguida nulidade da decisão por oposição dos fundamentos com a decisão, porque a fundamentação de facto e de direito se mostra coerente, isto é, numa relação lógica e não contraditória, com a decisão.

Atento o que se vem de referir, tem, portanto, a impugnação da decisão arbitral ora sindicada que improceder.

5 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

Condena-se o Impugnante em custas.
Registe e Notifique.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023



_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Luísa Soares




________________________________
Patrícia Manuel Pires