Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1244/06.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/31/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS
Sumário:I. Sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real) o artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. Mas para que tal suceda é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
Pela sentença proferida em 21 de Novembro de 2017, o Tribunal Administrativo de Sintra (TAFSintra) julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que lhe foi dirigida pelo recorrente MANUEL ........................... e IRENE ..........................................., contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2001, no valor de € 270.000,00 e respectivos juros compensatórios.

As partes inconformadas, dela interpuseram recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul no segmento em que cada uma ficou vencida.

Os Recorrentes (Manuel ........................... e Outra), finalizam as suas alegações recursórias com as seguintes conclusões:
«A. Os ora recorrentes, inconformados com a sentença, aliás douta, da Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida nos presentes autos, a 21 de Novembro de 2017, que julgou parcialmente procedente a impugnação, por estes apresentada, interpuseram dela recurso para este Venerando Tribunal.
B. O presente recurso é interposto da douta sentença de fls. _ do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida no processo de impugnação judicial nº1244/06.7BESNT relativo ao acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao exercício de 2001, efectuada na sequência da alteração ao seu rendimento líquido para €1.207.016,85 (um milhão, duzentos e sete mil e dezasseis euros e oitenta e cinco cêntimos).
C. Com efeito a sentença de que ora se recorre, julgou bem e com fundamento, por um lado, parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pelos ora recorrentes, tendo, em consequência, anulado parcialmente a liquidação impugnada, «na parte correspondente à redução de €34.061,17 ao rendimento tributável, mantendo-se no valor remanescente.»
D. Por outro, decidiu no sentido da improcedência do vício da errada qualificação dos factos invocado pelos recorrentes, e com a qual não se conformam.
E. Especificou a Mma Juiz a quo, como provados, e com interesse para o presente recurso, os factos constantes das alínea H) a K).
F. Da matéria de facto dadas como provada deveria ter sido considerada adicionalmente o seguinte:
"BB. Não foram colocados à disposição do Recorrente quaisquer rendimentos que resultassem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais;
CC. Não foram colocados à disposição do Recorrente quaisquer rendimentos que resultassem de prestação de trabalho;
DD. Não foram colocados à disposição do Recorrente quaisquer rendimentos que resultassem do exercício de cargos sociais;
EE. Não houve lançamentos em quaisquer contas-correntes dos sócios;
FF. Não foram colocados à disposição do sócio quaisquer rendimentos escriturados na sociedade.»
G. ... pelo que, não é lícito presumir e concluir, como fez a douta sentença recorrida, que estamos perante rendimentos de capitais, a título de lucros ou de adiantamento de lucros.
H. Considerando a matéria de facto dada como provada, de acordo com a melhor interpretação da lei, entende o Recorrente que claudicou a sentença recorrida quando determinou a improcedência da impugnação judicial quanto ao vício da errada qualificação dos factos invocados, concluindo no sentido de que a liquidação impugnada provém de uma correcção dos rendimentos declarados pelos Impugnantes, pela qual a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que o Impugnante, aqui Recorrente, Manuel Simões, havia recebido, no ano de 2001, a quantia de €1.012.46546, a título de adiantamento por conta de lucros.
I. Ora, a motivação da sentença recorrida que justifica a improcedência da impugnação no que toca ao vício da errada qualificação dos factos, claudicou essencialmente quando considerou que «a Autoridade Tributária qualificou-as como adiantamento por conta de lucros e tributou-as como tal, sem recorrer a qualquer presunção.»
J. Concluindo, de seguida, a douta sentença recorrida no sentido de que: «E, assim sendo, tais quantias devem ser, como foram, tributadas como tal, ou seja, como rendimentos da categoria E. Pelo exposto, forçoso será concluir pela improcedência do vício de errónea qualificação dos factos.»
K. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, entendem os aqui Recorrentes que claudicou a sentença recorrida na aplicação do direito aos factos dado como provados, quando considerou que «(...)a Autoridade Tributária qualificou-as como adiantamento por conta de lucros e tributou-as como tal, sem recorrer a qualquer presunção, porquanto, e conforme se demonstrará infra, a qualificação dos factos como adiantamento por conta de lucros apenas seria possível - caso se verificasse - através de uma presunção, em conformidade com o disposto no nº4 do artigo 6º do CIRS, e não da constatação de um alegado facto - como acreditou a Mma Juiz a quo - de que os mesmos teriam tal qualificação.
Vejamos,
L. A matéria - presunção ou não de adiantamento por conta de lucros - que os Recorrentes pretendem levar à apreciação dos Senhores Juízes Desembargadores tem previsão legal nos artigos 5.º e seguintes do CIRS.
M. Ora, no caso em concreto, resulta dos factos dados como provados que não havia uma total distinção entre o património do Recorrente e da sociedade, pelo que, e nesta acepção não se poderia assumir que houvesse qualquer colocação de rendimentos à disposição do Recorrente. Pois, estamos perante apenas uma conta bancária, a qual, aliás era utilizada para fazer face às despesas da sociedade, conforme resulta da alínea H) e J) da matéria de facto dada como provada. Situação que, desde logo, obviaria a uma constatação e/ou presunção de que estamos perante um rendimento de capitais, a título de adiantamento de lucros ou adiantamento por conta de lucros.
N. Começando pela análise do disposto no artigo 5º do CIRS, temos forçosamente que concluir que, no contexto da tributação do rendimento, sempre foi aceite pelo legislador, confirmado pela melhor doutrina, e nunca tendo sido posta em causa pela nossa melhor jurisprudência, que se quis tributar o rendimento real, erigido igualmente a suporte constitucional do nosso sistema fiscal.
O. Passando, agora, à análise do disposto no artigo 6º do CIRS, assume especial relevância o seu nº4, que, como se referiu, consagra o seguinte: "4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. "
P. Ora, no caso em apreço, e tendo em consideração que os rendimentos em causa, depositados na conta do aqui Recorrente, não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, apenas, poderiam resultar de uma presunção de que consubstanciavam adiantamento por conta de lucros.
Q. Na verdade, o que a AT fez foi qualificar os rendimentos em causa nos presentes autos, como rendimentos de capitais, com base na presunção de que os mesmos eram adiantamentos por conta de lucros, face aos seus pressupostos, ao contrário do que considerou a sentença recorrida.
R. Mas, cuidemos de analisar um pouco melhor as condições impostas pelo legislador para que seja possível, naturalmente em violação do princípio da tributação do rendimento real, presumir rendimentos respeitantes a lucros ou adiantamentos por conta de lucros.
S. Poderemos, então, dizer que a presunção poderá, eventualmente, aplicar-se quando:
i) Haja lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios;
ii) Escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial;
iii) Quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
T. Começando pelo fim, podemos deste logo concluir que a sociedade em questão não celebrou com o respectivo sócio, qualquer contrato de mútuo, nem as verbas em causa dizem respeito ao pagamento de prestações de serviços ou tão pouco aos rendimentos resultantes do exercício de cargos sociais.
U. Mas a lei impõe também que os rendimentos relativamente aos quais se pretenda estabelecer a presunção:
i) Haja lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios -os quais não se encontram reflectidos na conta-corrente do aqui Recorrente, conforme resulta dos factos dados como provados na alínea I) e K);
ii) Escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial; - também, aqui não existem movimentos em qualquer Conta, conforme resulta dos factos dados como provados na alínea I) e K).
V. O que leva a que, no caso em concreto, analisando o probatório, seja censurável a douta sentença recorrida quando, quanto a esta matéria, não deu como não provado que os alegados rendimentos colocados à disposição do Recorrente não resultaram de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais; tal como não deu como provado que tenha havido lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, nem que as colocações à disposição do sócios gerente de rendimentos tivessem sido escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, não sendo, deste modo, lícito presumir e concluir, como fez a douta sentença recorrida, que estamos perante rendimentos de capitais, a título de lucros ou de adiantamento de lucros.
W. Assim sendo, e não se pode dar como verificadas as condições impostas pelo artigo 6º do CIRS para que se estabeleça qualquer presunção a título de adiantamento por conta de lucros da sociedade, atento que na realidade não existiram.
X. E não podem ter relevância fiscal, quer em termos reais, quer por suposta presunção, face ao princípio da tributação do rendimento real, previsto no artigo 104º da Constituição da República Portuguesa, e presumir rendimentos respeitantes a lucros ou adiantamentos por conta de lucros.
V. E a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul - Acórdão proferido no processo n.º00592/03, de 10.12.2003, vem em nosso auxílio, para o qual remetemos.
Z. E com referência expressa aos artº6º e 7º, ambos do CIRS consagra o citado Acórdão: "Com efeito, a partir da leitura dos transcritos preceitos parece ser incontroverso que o artº6º do CIRS define quais os rendimentos da categoria E e que, por seu turno, o artº7º do CIRS define as situações em que se pode presumir que houve rendimentos daquela categoria."
AA. E depois mais concretamente em relação aos adiantamentos por conta de lucros:"...deveriam por isso ser considerados "adiantamentos de lucros" aos administradores, não é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), mas uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tem por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal de acordo com o disposto no artº351º do C.C. Por isso, não vale a regra constante do nº2 do artº350º do C. C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário. No caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz - cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do TCA de 16.12.1997 e de 3.2.1998, recursos nºs 65 229 e 39/97, respectivamente.
BB. Para concluir em que circunstâncias poderia actuar a presunção de adiantamento de lucros. E fá-lo do seguinte modo:
"... A presunção de adiantamentos de lucros só poderia actuar se existisse lançamento em conta- corrente do impugnante e escriturada na sociedade. ... ... ...
Assim, só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prova que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no nº. 4 do artº. 7º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros."
CC. O teor deste Acórdão não deixa efectivamente margem para quaisquer dúvidas relativamente à ilegalidade do comportamento da administração fiscal também no caso dos presentes autos, e à constatação clara e evidente de que a sentença recorrida ao dar razão à AT, nesta matéria, ao reconhecer que estamos efectivamente perante um rendimento de capital - adiantamento por conta de lucros - sem que, contudo, tenha tido em conta a circunstância de não se encontrar registada qualquer movimentação, a seu título na conta corrente do Recorrente, é manifesto que claudicou na apreciação dos factos e da aplicação do Direito aos mesmos.
DD. Atente-se, que a norma de incidência prevista no art.5º, nº 2 alínea h) do CIRS pressupõe a verificação de um pressuposto de facto, que é o da transferência patrimonial da sociedade de que o contribuinte individual é sócio para a conta do sócio. - Ora, os valores em causa não foram depositados pela sociedade.
EE. Efectivamente, e sem prejuízo de outras considerações jurídicas que abaixo se referem, concluímos que não estão preenchidos os pressupostos de facto para a aplicação da presunção que se retira dos artigos 5º e 7º do CIRS.
FF. Em sentido convergente, foi o que já se escreveu em caso similar julgado pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo (Vd. Acórdão citado), para o qual remetemos. Quer dizer, portanto, só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prova que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
GG. Não é o caso dos autos, em que os elementos em causa não entraram na contabilidade da sociedade e dela saíram para conta-corrente do sócio.
HH. Assim, a norma do artº5.º nº2 alínea h), conjugada com o artº7º nº3 alínea a), ambos do CIRS, não autoriza a administração fiscal a presumir que os valores postos à disposição de um sócio de uma sociedade são adiantamentos por conta dos lucros dessa sociedade quando esses lançamentos não são feitos pela própria sociedade em conta-corrente do sócio.
II. Ora, no caso em concreto, analisando o probatório, não resultam provados, os lançamentos em contas correntes escrituradas na sociedade, nem que pelo que, não é lícito presumir e concluir, como fez a douta sentença recorrida, que estamos perante rendimentos de capitais, a título de lucros ou de adiantamento de lucros, pelo que claudicou, assim, a douta sentença recorrida, no erro de julgamento ao ter considerada legítima e legal a tributação de um rendimento presumido como adiantamento por conta de lucros sem que relativamente à mesma se encontrassem preenchidos os seus pressupostos legais.
JJ. Face ao exposto, tendo em consideração que não se encontram preenchidos os pressupostos da presunção de que os rendimentos em causa nos presentes autos, consubstanciavam adiantamentos por conta de lucros, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 6.º do CIRS, é manifesto que a liquidação relativamente aos mesmos é ilegal, pelo que deve a sentença recorrida, nesta parte ser revogada.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida no sentido da procedência da impugnação, face à verificação do vício da errada qualificação dos factos, a título de adiantamento por conta de lucros, e consequentemente, ser anulada a liquidação de IRS, referente ao exercício de 2001, efectuada na sequência da alteração ao seu rendimento líquido para € 1.207.016,85 (um milhão, duzentos e sete mil e dezasseis euros e oitenta e cinco cêntimos), mantendo-se naturalmente a correcção efectuada a favor do contribuinte no montante de € 34.061,17.

Assim se fazendo a verdadeira e costumada JUSTIÇA»

A Recorrente (Fazenda Pública) terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 21-11-2017, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por MANUEL ..........................., NIF ................. e IRENE .........................................., NIF ................. contra o acto tributário de liquidação de IRS relativo ao ano de 2001, já devidamente identificadas nos autos.
II- Na Sentença ora recorrida foi consignado que, pelo facto de se conseguir estabelecer uma relação directa e inequívoca entre 3 (três) cheques emitidos em nome do Impugnante Manuel ............. e as despesas da sociedade que os mesmos visavam pagar, tais valores (no montante de €34.061,17) deviam ter sido considerados como custos dedutíveis da sociedade e, por esse motivo, reduzidos ao rendimento imputado aos Impugnantes.
III- Através de procedimento inspectivo identificado em N) dos factos dados como provados, foi constatado que o Impugnante Manuel ........................... depositava directamente nas suas contas pessoais as somas pecuniárias arrecadadas com a prossecução do objecto comercial da sociedade da qual era sócio, não sendo tais recebimentos reflectidos na contabilidade de tal sociedade.
IV- Portanto, não nos encontramos perante uma situação de aplicação da presunção prevista no nº4 do artigo 6º do Código do IRS, como aliás, muito bem ressalta da Sentença recorrida, designadamente do segmento “DA ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO DOS FACTOS”, o qual damos aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pois não persistem quaisquer dúvidas de que o Impugnante Manuel ........................... recebeu, efectivamente, as quantias provenientes da actividade da sociedade da qual era sócio.
V- No entanto, se é certo que o Impugnante Manuel ........................... arrecadou quantias provenientes da actividade comercial da sociedade da qual era sócio, verificou-se também que o mesmo efectuava pagamentos de contas e despesas dessa sociedade, com dinheiro e através de cheques das suas contas pessoais.
VI- Tendo a inspecção tributária constatado que os mesmos não possuíam qualquer relação ou conexão com a actividade comercial prosseguida pela sociedade, pelo incumprimento das respectivas obrigações de carácter contabilístico, tendo explanado, devida e casuisticamente, as razões a recusa da respectiva dedutibilidade no relatório final de inspecção, a fls. 652 e 653 do PAT apenso.
VII- A fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais funda-se na chamada escrituração comercial, constituída por livros e registos obrigatórios, submetidos a formalidades legais, e pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. as folhas de caixa, art°s. 31° a 37° C.Comercial) e demais documentos justificativos, não sendo de esquecer que, nos termos da lei, a escrituração comercial é, simultaneamente, o meio descritivo dos factos patrimoniais e o modo formal da respectiva comprovação.
VIII- A adequada conformação contabilística prende-se, naturalmente, com a possibilidade de serem registadas todas as operações praticadas pela sociedade com implicação no cálculo do imposto, no respectivo controlo e no preenchimento da competente declaração periódica de rendimentos, sendo que no caso sub judice, constatamos que tal conformação contabilística não sucedeu.
IX- O que também não deixou de ser reconhecido através da decisão judicial que recaiu sobre o processo de impugnação judicial nº1204/06.8BESNT, já devidamente constante dos autos, com decisão totalmente favorável à administração tributária e confirmada por acórdão proferido pelo TCA Sul já transitado em julgado.
X- Os cheques nº.................., no valor de €14.963,94, nº.................., no valor de €11.615,26 e nº.................., no valor de €7.481,97, não se encontram reflectidos na contabilidade da sociedade, como deveria ter sucedido por força das obrigações contabilísticas acima assinaladas, nem sequer foram inscritos na contabilidade da sociedade, inexistindo, nesta, qualquer movimento financeiro documentado na conta do sócio.
XI- Por consulta aos extractos bancários do Impugnante Manuel ..........................., que tais cheques não foram descontados, pelo que não é possível relacionar os mesmos com a efectivação de qualquer pagamento, seja o mesmo relativo à actividade comercial da sociedade ou à esfera pessoal do sócio.
XII- No fundo, resulta provado que tais cheques não deram origem a qualquer pagamento, o que consubstancia, por si só, motivo pelo qual os mesmos não podem ser deduzidos do rendimento tributável dos Impugnantes.
XIII- Até porque, nos presentes autos resultou provada a existência de vários fluxos financeiros, decorrentes de pagamentos e de recebimentos não reflectidos na contabilidade, bem como a inexistência de controlo interno sobre tais fluxos, bem como grande promiscuidade entre as contas da sociedade e as contas do sócio, cfr. relatório final de inspecção e depoimento da testemunha Manuel ...............
XIV- Tão pouco tais documentos contabilísticos se encontram em posição de ser afectos à exploração comercial da sociedade, pela completa ausência dos documentos comprovativos das operações que visavam pagar; e isto, independentemente dos respectivos beneficiários serem constantes dos extractos de fornecedores da sociedade.
XV- Não se vislumbra, nem os Impugnantes vieram demonstrar (como lhe competia por força do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT e no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil) qual o tipo de transacção comercial que visavam pagar, nem a relação causal entre os respectivos custos e os proveitos da sociedade, atendendo às normais circunstâncias do mercado e ao risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção de resultados económicos.
XVI- Note-se, neste ponto, que o património da sociedade e o património do sócio, na prática, era o mesmo, inexistindo qualquer conta corrente em nome do sócio, sendo que os fluxos financeiros passavam à margem da sociedade, cfr. relatório de inspecção e depoimento da testemunha Rui ............; tudo em clara violação das obrigações contabilísticas aplicáveis à sociedade da qual o Impugnante Manuel ........................... é sócio
XVII- Contrariamente ao que foi postulado na Sentença recorrida, os cheques n.ºs .................., .................. e .................., não podem ser deduzidos ao rendimento tributável dos Impugnantes, por manifesta desconformidade contabilística e legal.
XVIII- Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE JULGUE OS PRESENTES AUTOS TOTALMENTE IMPROCEDENTES, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


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Foram admitidos ambos os recursos, mas não há registo de contra-alegações.
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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento a ambos os recursos.

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação de recurso que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes:
- errada qualificação dos factos, a título de adiantamento por conta de lucros (recurso dos Impugnantes);
- errada valoração da matéria de facto e de direito - cheques n.ºs .................., .................. e .................. - ( recurso da Fazenda Pública).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
A Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«A) No exercício de 2001, a capital social da sociedade F............................................., LDA., era composto por três quotas, duas no valor de € 171.375, pertencentes a cada um dos Impugnantes, e a terceira no valor de €32.250, pertencente a António ............................ – cf. Doc. 9, 14 e 15 juntos pelos Impugnantes – Acta n.º 16, de 31 de Março de 2012, a fls. 246 e 247, Balancete Geral (Analítico) de Dezembro de 2001 – inscrições na conta 51, de fls. 264 a 269, e certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Cascais – cota06 – Ap. 81/............ – Alteração parcial do contrato com reforço de capital, da matrícula nº......................, referente à sociedade F......................................, Lda., de fls. 271 a 276
B) A gestão da sociedade F............................................., LDA. era assegurada pelo sócio Manuel ..........................., que tomava as decisões referentes à actividade da sociedade, incluindo as questões de pagamentos e recebimento. – cf. depoimento do Técnico Oficial de Contas da sociedade, Manuel .............
C) Entre 11 de Janeiro e 26 de Dezembro de 2001, o Impugnante, Manuel ..........................., emitiu, entre outros, os seguintes cheques, sacados sobre as suas contas domiciliadas na C.................................., no C.................................. e no B............................:

"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"


Com as seguintes rectificações:
i. Os cheques n.os .................... e ...................., ambos de 2 de Maio de 2001, foram sacados sobre conta da C.................................. e não do C.................................., conforme costa do quadro supra (2º painel) – cf. fls. 279, 292 e 293;
ii. O cheque nº...................., de 30 de Novembro de 2001, sacado sobre conta da C.................................. foi emitido pelo valor de 5.000.000$, e não 500.000$, conforme costa do quadro supra (3º painel) – cf. fls. 280, 308 dos autos e 535 do PAT apenso;
iii. O cheque nº...................., de 8 de Setembro de 2001, sacado sobre conta do B............................ foi emitido pelo valor de 276.300$, e não 286.300$, conforme costa do quadro supra (5º painel) – cf. fls. 282 e 336. - tudo cf. Doc. 16 junto pelos Impugnantes – listagem e cópias de cheques emitidos pelo Impugnante, de fls. 278 a 348 e ainda fls. 698 do PAT, para o cheque nº...................., de 14 de Setembro de 2001, sacado sobre o C..................................
D) Todos os cheques sacados sobre conta da C.................................., que integram a listagem constante da alínea C) supra, com excepção dos cheques n.os .................... (1º painel) e .................... (2º painel), cujo destino se desconhece, foram descontados no ano de 2001, na respectiva conta bancária, de que é titular o Impugnante, Manuel ............................ – cf. Doc. 16 junto pelos Impugnantes – listagem e cópias de cheques emitidos pelo Impugnante, de fls. 278 a 348 e extractos bancários obtidos pela Autoridade Tributária, a fls. 531, 534, 535 e 536 do PAT
E) Todos os cheques sacados sobre conta do C.................................., que integram a listagem constante da alínea C) supra, com excepção dos cheques nºs ...................., ...................., .................... (do 1º painel), ...................., .................... e .................... (do 2º painel), cujo destino se desconhece, foram descontados no ano de 2001, na respectiva conta bancária, de que é titular o Impugnante, Manuel ............................ – cf. Doc.16 junto pelos Impugnantes – listagem e cópias de cheques emitidos pelo Impugnante, de fls. 278 a 348 e extractos bancários obtidos pela Autoridade Tributária, a fls. 532, 533, 540, 541, 542, 543, 545, 552, 553, 555, 556, 557 do PAT
F) Dos cheques que integram a listagem descrita na alínea C) supra, foram afectos ao pagamento de despesas da sociedade F............................................., LDA., os seguintes:
a) O cheque nº.................... (1º painel), no valor de 3.000.000$ (€ 14.963,94), descontado em 30 de Abril de 2001, no C.................................., para pagamento realizado à S............................................................, Lda.; - cf. extracto de conta de fornecedor 22.1.1 Entidade: 002211 – lançamento a débito, em 30 de Abril de 2001 e recibo nº...., a fls. 583 e 584
b) O cheque nº.................... (3º painel), do B............................, no valor de 2.328.650$ (€ 11.615,26), com data de 25 de Maio de 2001, sem comprovativo de desconto bancário, a N..............., Lda.; - cf. extracto de conta de fornecedor 22.1.1 Entidade 02062 – lançamentos a débito e a crédito a 31 de Maio de 2001, referentes à Fact …, no valor de €3.328.650, com menção a adiantamento no valor de € 1.000.000, e respectivo recibo, a fls. 587, 590 e 591
c) O cheque nº.................... (4º painel), do B............................, no valor de 1.500.000$ (€ 7.481,97), com data de 22 de Maio de 2001, sem comprovativo de desconto bancário, a M................................., Lda.; - cf. extracto de conta de fornecedor 22.1.1 Entidade 002001 – lançamento a débito a 31 de Maio de 2001 – ….. PGT.P/CONTA, e recibo n.º ….., de 23 de Maio de 2001, a fls. 598 e 600.

G) Dos valores que integram a listagem descrita na alínea C) supra, a Autoridade Tributária aceitou como despesas dedutíveis da sociedade F............................................., LDA., os seguintes:
a) 2.000.000$ (€ 9.975,96), pagos pelo cheque da C.................................., n.º ...................., de 28 de Junho de 2001 (3º painel), à A...............; - cf. anexo 7 do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 701 do PAT apenso
b) 3.000.000$ (€ 14.963,94), pagos pelo cheque da C.................................., nº...................., de 14 de Agosto de 2001 (3º painel), à M.............................................., LDA.; - cf. anexo 3 do Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 526 a 528 do PAT apenso
c) 4.421.057$ (€ 22.052,14), pagos pelo cheque do B............................, nº...................., de 19 de Junho de 2001 (4º painel), à F.........................., LDA.; - cf. anexo 3 do Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 526 a 528 do PAT apenso
d) 431.237$ (€ 2.151), pagos pelo cheque do B............................, nº...................., de 11 de Setembro 2001 (5º painel), à L....................................., LDA.; - cf. anexo 3 do Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 526 a 528 do PAT apenso
e) 2.500.000$ (€ 12.469,95), pagos pelo cheque do B............................, nº...................., de 24 de Outubro de 2001 (5º painel), à M.............................................., LDA.; - cf. anexo 3 do Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 526 a 528 do PAT apenso
H) Em 2001, o sócio Manuel ........................... depositava dinheiro proveniente das escrituras de venda dos imóveis da sociedade F............................................., LDA. nas suas contas pessoais. – facto não controvertido, que resulta dos autos e do procedimento de inspecção, que foi consubstanciado pelo Técnico oficial de Contas da sociedade, Manuel ............. e confirmado por Rui ............, nos seus depoimentos
I) Os recebimentos referidos na alínea anterior não eram reflectidos na contabilidade da sociedade F............................................., LDA., em concreto, na conta-corrente, ou em qualquer outra, do sócio Manuel ............................ – cf. depoimento do Técnico Oficial de Contas da sociedade, Manuel .............
J) Em 2001, o sócio Manuel ........................... fazia pagamentos de contas e despesas da sociedade F............................................., LDA., com dinheiro e cheques das suas contas pessoais. – facto não controvertido, que resulta dos autos e do procedimento de inspecção, que foi consubstanciado pelo Técnico oficial de Contas da sociedade, Manuel ............. e confirmado por Rui ............, nos seus depoimentos.
K) Os pagamentos referidos na alínea anterior eram contabilizados, na contabilidade da sociedade F............................................., LDA., por débito da conta "C…." e não eram reflectidos na conta-corrente, ou em qualquer outra, do sócio Manuel ............................ – cf. depoimento do Técnico Oficial de Contas da sociedade, Manuel ..............
L) No exercício de 2001, a sociedade F............................................, LDA. declarou um resultado líquido do exercício de € 312.913,94 e um lucro tributável de €337.463,68. - cf. Doc. 8 junto pelos Impugnantes – Declaração Modelo 22, referente a 2001, de fls. 238 a 243.
M) Em 31 de Março de 2002, a Assembleia-Geral da sociedade F............................................., LDA., com o NIF ...................., aprovou o balanço e deliberou que o lucro apurado pela sociedade, no valor de € 312.913,94, transitasse para a conta de resultados transitados depois de deduzidas as reservas legais. – cf. Doc. 9 junto pelos Impugnantes – Acta n.º 16, a fls. 246 e 247.
N) Em 16 de Dezembro de 2005, foi entregue ao Técnico Oficial de Contas da sociedade F............................................, LDA., Manuel ............., uma carta- aviso de início de procedimento de inspecção tributária ao IRS de 2001, ao abrigo da OI...................., destinada a informar os Impugnantes, MANUEL ........................... e IRENE ..........................................., que "a muito curto prazo, se" deslocariam à sua morada "técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária", cuja visita teria "como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias" referentes ao IRS de 2001, e este declarou dela dar conhecimento ao Impugnante Manuel ............................ – cf. Doc. 3 junto pelos Impugnantes – Carta Aviso Ofício n.º 0….., de 14 de Dezembro de 2005, e menção manuscrita do referido TOC, Manuel ............. (ouvido em diligência de inquirição de testemunhas), a fls. 60.
O) Em 19 de Maio de 2006, o Impugnante, Manuel ..........................., com o NIF ..................., recebeu o Projecto de Relatório da Acção inspectiva externa ao exercício de 2001, referente a Ordem de Serviço OI ...................., de 30 de Agosto de 2005. – cf. Doc. 1 junto pelos Impugnantes – Certidão de Notificação, a fls. 56.
P) Em 29 de Maio de 2006, o Impugnante Manuel ..............., apresentou na Direcção de Finanças de Lisboa, um requerimento em exercício do direito de audição, referente ao projecto de relatório descrito na alínea anterior. - cf. Doc. 2 junto pelos Impugnantes – Folha de Rosto de Requerimento, a fls. 58 e requerimento em versão integral de fls. 657 a 699
Q) Em 16 de Junho de 2006, os Impugnantes, Manuel ..........................., com o NIF ..................., e Irene ................................, com o NIF ..................., receberam a "notificação do Rendimento Líquido Alterado de IRS apurado nos termos previsto no n.º4 do artigo 65º do CIRS, sem recurso a métodos indirectos ao ano de 2001" e o Relatório Final de Inspecção, referente à OI ...................., de 30 de Agosto de 2005, de cujo teor se extrai:
"(…) Confirmo as correcções propostas, de natureza meramente aritmética, dado que foi detectado que os sujeitos passivos, abaixo identificados, não entregaram o Anexo E da Mod. 3 da Declaração de IRS, como deveriam, por terem auferido no exercício de 2001, rendimentos de capitais (Categoria E) - adiantamentos por conta de lucros, no seguinte montante:
IRS
2001 - 1 202 526,51 €
(…) II – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO (…)
2.2.1 – Motivo
A presente acção resultou de uma campanha às empresas de construção civil denominada "Mútuos Duvidosos", nomeadamente da inspecção à sociedade F............................................. Lda, com o NIPC ..................., da qual os sujeitos passivos supra referidos são sócios, em virtude de ter sido detectado pela Equipa de Projectos II desta Direcção de Finanças, que o valor da venda da fracção B referente ao r/c Frente do prédio sito na Rua ...................... Lote 1 em .............., ................................., foi de pelo menos de 172.085,28€, superior ao valor da escritura efectuada (99.759,58€), tendo o sócio sr. Manuel ........................... recebido aquele excedente em dois cheques emitidos em seu nome, no valor de 4.987,98€ e 67.337,72, e depositados numa conta bancária por si titulada. Face a esta situação detectada, foi nos termos do artº 63-B,nº 2 alínea c) da Lei Geral Tributária solicitada a derrogação do sigilo bancário ao referido sócio, que mereceu o deferimento do Exmo Director Geral dos Impostos.
Em sequência, foi solicitada em 13/12/05, à Delegação de Faro do Banco de Portugal, para que procedesse em conformidade com o nosso pedido, ou seja, informação sobre todas as contas bancárias em nome de Manuel ..........................., em Portugal.
As contas bancárias referenciadas são as seguintes:


"texto integral no original; imagem"

(…) III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Aritméticas
3.1 – Introdução
Em resultado da acção inspectiva à sociedade F............................................. Lda, com o NIPC ..................., através da ....................., ao exercício de 2001, no âmbito da acção "Mútuos Duvidosos", com a finalidade de controlar a veracidade dos valores declarados nas transacções de fracções de imóveis, detectou-se que foram emitidos cheques/transferências bancárias em nome do sócio gerente da referida sociedade, sr Manuel ............................
Os cheques/transferências bancárias a que nos vamos referir são respeitantes à actividade da sociedade F...........................................................................Lda, - (Venda de fracções dos imóveis sitos em ..............-................................. e .............-.............) e foram depositados nas contas bancárias do referido sócio, de que é titular.
3.2- Cheques/Transferências bancárias emitidos em nome do Sócio e depositados nas suas contas bancárias.
3.2.1- Pelos adquirentes do Prédio sito na Rua ...................... Lote 1, Artigo Matricial ............., sito em ............., Freguesia de ............................., Concelho de Cascais
(…) TOTAL 1 244 553,00
3.2.2- Pelos adquirentes do Prédio sito na Rua ............................. Lote 2, Artigo Matricial ..........., Freguesia de ............................., Concelho de Cascais
(…) TOTAL 327.872,34
3.2.3- Pelos adquirentes do Prédio sito na Rua ........................., 7 Freguesia de .............-............. - Artigo Matricial ..........
(…) TOTAL 121 058,25 (…)
3.3- Cheques emitidos a fornecedores da sociedade, através de contas bancárias de Manuel ............................
Face à consulta dos extractos de c/c dos fornecedores (M........................... Lda, NIPC ................, C............ SA, NIPC ................, L............................. Lda NIPC .................., P............................... Lda, NIPC .................., L........................... Lda, NIPC .................., C........................... Lda, NIPC .................., F.........................., NIPC .................., S..........................., NIPC .................., C..................., NIPC .................., A..............., NIPC .................. e
J...................... NIF ..................) da empresa F.................................... Lda, que constam do mapa Anexo P da Declaração Anual da referida empresa, foi possível, através dos extractos de c/c de fornecedores e talões de depósito de cheques, que foram solicitados por estes Serviços de Inspecção Tributária junto dos mesmos fornecedores, efectuar a reconciliação dos valores dos cheques constantes das c/c bancárias do sócio Manuel ............................ Assim detectou-se cheques por si emitidos no total de € 230.225,68. Os cheques a que nos referimos estão devidamente assinalados com (X) no mapa em anexo. (anexo 3).
Estes cheques que foram emitidos pelo s.p. em análise, sobre contas bancárias em que o mesmo senhor é o titular, vão ser deduzidos ao valor total dos adiantamentos por conta de lucros por se ter detectado que os mesmos são referentes a pagamentos a fornecedores da sociedade F.................................... Lda e consequentemente são respeitantes à actividade da sociedade. Caso se verifiquem mais pagamentos, nas mesmas condições, efectuados pelo s.p. em análise, a qualquer fornecedor da sociedade, deverá no período de audição prévia, proceder à apresentação de forma inequívoca, dos respectivos documentos.
3.4- Rendimentos da Categoria "E" de IRS - Ano 2001 - Adiantamentos por conta de Lucros.
O s.p. não procedeu à entrega do Anexo E a que se encontrava obrigado, por ter auferido em 2001 rendimentos de capitais categoria "E" - adiantamentos por conta de lucros, dado que foi provado que foram depositados cheques em contas bancárias de que é titular e respeitantes à actividade da sociedade F............................................. Lda.
Por outro lado verificou-se no decurso da acção de inspecção da sociedade F.................................... Lda, que o sócio M...................... fez por sua conta, aplicações financeiras que não foram tributadas, sendo que do valor do capital investido advém da actividade da sociedade e de valores omitidos na contabilidade e não declarados/tributados. Nestes termos, e da análise das contas correntes referentes às contas bancárias que identificam Manuel ........................... e remetidas pela C............................., detectou-se o montante de 6.710.444$ (33.471.55€), respeitantes a juros de depósitos a prazo de que o s.p. foi beneficiário. (anexo 4)
Assim verificou-se que foram omitidos rendimentos no montante de € 1.463.257,91, infringindo deste modo o nº 2 alínea h) do art° 5° conjugado com o nº 2 da alínea a) do n° 3 do art° 7° ambos do CIRS.
Tal como descrevemos nos pontos 3.2 e 3.3 deste relatório, elaboramos mapa resumo a seguir indicado:
Resumo de Cheques/transf. Bancárias do sócio (recebidos/emitidos)
"texto integral no original; imagem"

(…) VIII – Direito de audição – Fundamentação (…)
B – Direito de Audição (…)
<=> Resposta aos pontos 9, 10, 11, 12 e 13
Conforme Anexo recebido pelos requerentes no Direito de Audição, composto por listagem de cheques e respectivas fotocópias dos mesmos, referentes a pagamentos a fornecedores da sociedade F............................................. Lda, de que é sócio gerente, anexamos mapa (Anexo 7), em que se registam os cheques por nós aceites, no total de 260.731,40€, em que, como é óbvio, não constam os cheques por nós já considerados no Anexo 3 do Projecto de Relatório, que totalizaram 230.225,68€.
Assim, o valor a abater aos rendimentos omitidos da categoria "E" - Adiantamento por conta de Lucros, são de:
Conforme nosso Anexo 3 - 230.225,68e

Anexo 7, deste relatório - 260.731,40€

Total - 490.957,08€

Os restantes cheques, não foram aceites pelos seguintes motivos:
•Não se encontram registados no balancete de fornecedores da sociedade (Anexo 8).
•Outros, para além de não constarem no balancete de fornecedores da contabilidade da referida sociedade, nem sequer, a requerente, indica o respectivo número de identificação fiscal.
•Outros, não evidenciam no balancete valores a débito, ou seja pagamentos.
•Alguns não estão descontados (lançados) no extracto de c/c bancário (CPP) de Manuel ............................
• Existem cheques não lançados como pagamento (a débito) nos respectivos fornecedores registados no balancete de fornecedores.
• Os seguintes cheques não foram lançados (descontados) no extracto bancário de M...................... (B..................) embora os fornecedores assinalados com (*) estejam mencionados no balancete de fornecedores da empresa, não tendo sido aceites pelo motivo aqui referido.
    N° Cheque
Data
      Fornecedor
    ....................
      30/07/01
      F....................Lda
    ....................
      25/04/01
      F.................... (*)
    ....................
      29/10/01
      L........
    ....................
      20/03/01
      M.................... (*)
    ....................
      29/10/01
      N............... (*)
    ....................
      29/10/01
      S....................Lda (*)
    ....................
      01/10/01
      T........
    ....................
      28/04/01
      T........ Lda

•Também não foram aceites os cheques, abaixo indicados, que já tinham sido registados no nosso mapa anexo 3 do Projecto de Relatório.
Verificamos assim estarem duplamente registados os seguintes valores:
    Valor €
      Fornecedor
    24.939,89
      A...............
    24.939,89
      M................ Lda
    14.963,94
      M................ Lda
    10.418,52
      L...........................
    14.963,94
      M..................................
    14.963,94
      M..................................
    13.772,81
      S................ S.A.

(…) Em conclusão apresenta-se no seguinte quadro a proposta de correcções meramente aritméticas, em sede de IRS e referentes à categoria "E" – Capitais.

"texto integral no original; imagem"

(…)". – cf. Doc. 3 junto pelos Impugnantes – Certidão de Notificação e Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 62 a 66 e Relatório em versão integral, de fls. 639 a 656, do PAT apenso.
R) No dia 27 de Junho de 2006, o Director de Finanças Adjunto emitiu um Mandado de notificação dos ora Impugnantes, MANUEL ........................... e IRENE ..........................................., "com domicílio fiscal na Rua .................... nº 5 r/c ..................", das liquidações de IRS de 2001 e juros compensatórios, respectivamente no valor de € 268.120,97 e € 52.470,88, no total de € 320.591,85. – cf. Mandado, a fls. 716 do PAT apenso
S) No dia 28 de Junho de 2006, pelas 10 horas e 30 minutos, os funcionários dos Serviços de Inspecção Tributária, Vladimiro .........................., José ............. e Leonel ............., deslocaram-se à Rua .................. nº5 r/c, em .................., para, em cumprimento do mandato a que se refere a alínea anterior, notificar os Impugnantes e não encontraram ninguém no local. - cf. Certidão de Notificação com Hora Certa, a fls. 709 do PAT apenso
T) Na data e hora, indicada na alínea anterior, os funcionários dos Serviços de Inspecção Tributária, Vladimiro .........................., José ............. e Leonel ............., afixaram na porta do imóvel sito na Rua .................. nº5 r/c, em .................., um aviso de notificação para o dia 30 de Junho de 2006, pelas 11 horas. - cf. Certidão de Notificação com Hora Certa, a fls. 709 do PAT apenso.
U) No dia 30 de Junho de 2006, pelas 11 horas, os funcionários dos Serviços de Inspecção Tributária, Vladimiro .........................., José ............. e Leonel ............., regressaram deslocaram-se à Rua .................. nº 5 r/c, em .................., para cumprir o mandado de notificação a que se referem as alíneas precedentes e não encontraram ninguém no local. - cf. Certidão de Notificação, a fls. 710 do PAT apenso.
V) No dia 30 de Junho de 2006, pelas 11 horas, os funcionários dos Serviços de Inspecção Tributária, Vladimiro .........................., José ............. e Leonel ............., afixaram na porta do imóvel sito na Rua .................. nº 5 r/c, em .................., uma notificação "da liquidação de IRS nº 2006-.................., juros compensatórios nº 2006-.............. e nota de cobrança nº 2006-..............", informando que tais documentos estavam "à sua disposição nos Serviços de Finanças de Oeiras-…", que se consideravam notificados e que o pagamento devia ser efectuado no prazo de 30 dias. - cf. Certidão de Notificação, a fls. 710 do PAT apenso
W) Os Impugnantes receberam uma carta registada, expedida pelos Serviços de Inspecção Tributária, com data de 30 de Junho de 2006 e tendo como assunto "Comunicação nos termos do art.º241 do C.P.C.", de cujo teor se extrai o seguinte:
"Comunica-se a V. Exa. que se procedeu à notificação nos termos do nº 3 do art.º240° do Código do Processo Civil, no dia 30 de Junho de 2006, da liquidação de IRS n°2006-.................., juros compensatórios n°2006-.............. e aviso/notificação de cobrança n°2006-............ resultante da acção de inspecção externa, efectuada ao exercício de 2001, em cumprimento da Ordem de Serviço n°01...................., estando estes documentos à sua disposição nos Serviços de Finanças de Oeiras - …". - cf. Doc. 6 junto pelos Impugnantes – Ofício n.º 50258, de 30 de Junho de 2006, a fls. 71
X) Em Outubro de 2006, a sociedade F............................................., LDA., com o NIF ...................., impugnou judicialmente a liquidação de IRC de 2001 e juros compensatórios, no valor de €1.012.465,46, decorrente do procedimento de inspecção tributária, realizado ao abrigo da OI nº................, que corrigiu a matéria colectável da sociedade de € 337.463,68 para €2.452.803,18. - cf. Doc. 7 junto pelos Impugnantes – petição inicial, de fls. 73 a 111, com documentos de fls. 114 a 236.
Y) Em 12 de Julho de 2010, a Impugnação a que se refere a alínea anterior foi julgada totalmente improcedente. – cf. sentença proferida no processo nº1204/06.8BESNT, deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de fls. 689 a 709.
Z) Em 18 de Outubro de 2011, a sentença a que se refere a alínea anterior foi confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS). cf. acórdão do TCAS, proferido no recurso n.º 04335/10, referente ao processo de impugnação nº1204/06.8BESNT, de fls. 523 a 725.
AA) Em 17 de Outubro de 2012, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), julgou findo o recurso por oposição de acórdãos, interposto do acórdão descrito na alínea anterior, pela ali Impugnante, sociedade F............................................., LDA. – cf. acórdão do STA, proferido no recurso n.º151/12, referente ao processo de impugnação n.º 1204/06.8BESNT, de fls. 448 a 469.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficou provado que o Impugnante se tenha deslocado ao Serviço de Finanças e que lhe tenham sido negada a entrega das notificações de liquidação ou o comprovativo de que as notificações não se encontravam naquele Serviço de Finanças, conforme alegado no artigo 28º da petição inicial.
Nada se provou quanto ao teor da conta-corrente do sócio Manuel ..........................., como alegado, no artigo 130º da petição inicial, designadamente, a inexistência de valores que ali devessem ser contabilizados.
Quanto aos cheques descritos na alínea C), além dos indicados nas alíneas D) e E), não se provou o desconto dos cheques sacados sobre o B….
E, salvo os pagamentos descritos nas alíneas F) a G), não ficou igualmente provado que os pagamentos constantes da listagem enunciada na alínea C) tenham tido como destino o pagamento de despesas da sociedade F............................................., LDA.
Inexistem outros factos alegados e não provados com relevância para a decisão da causa outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa, ou integram conclusões de facto e/ou direito.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, conforme indicado junto a cada alínea, e bem assim no depoimento das testemunhas inquiridas.
O Tribunal ouviu Manuel ............., técnico oficial de contas da sociedade F............................................., LDA., que demonstrou um conhecimento profundo do funcionamento da sociedade e da respectiva movimentação financeira, reconhecendo a existência de "outros fluxos" financeiros, decorrentes de pagamentos e recebimentos "por fora", bem como a inexistência de controlo interno dessas verbas.
Assumiu que os valores pagos pelo sócio Manuel ..........................., eram contabilizados por débito da conta "C….", que por sua vez era provisionada pela conta "B…..", não sendo efectuados quaisquer movimentos em qualquer conta do sócio, o que justificou com a existência de "alguma promiscuidade entre as contas da sociedade e as contas do sócio".
Esclareceu também a forma como a sociedade era gerida, atribuindo todas as decisões ao sócio Manuel ..........................., incluindo a falta de controlo interno, entre os pagamentos/recebimentos efectuados de e para as suas contas pessoais, porquanto "era ele que fazia isso sozinho".
O seu depoimento foi relevante para a fixação dos factos assentes nas alíneas B) e H) a K) da factualidade assente, bem como para "descredibilizar" a ausência de conta corrente, convencendo o Tribunal que a inexistência da mesma não se devia à inexistência de movimentos que aí devessem ser relevados contabilisticamente, mas sim a um procedimento contabilístico incorrecto.
Foi ainda inquirido Rui ............, economista que colaborou no pedido de revisão que foi feito pela sociedade F............................................., LDA., na sequência da fixação da matéria colectável por métodos indirectos, nos termos do artigo 91º da LGT, referente ao exercício de 2001.
Salientou o facto de se tratar de uma sociedade familiar, e, referindo-se ao Impugnante Manuel ..........................., o facto de a distinção entre o "património dele e da sociedade não [ser] muito clara".
No que respeita às correcções efectuadas pela Autoridade Tributária, referiu que o trabalho subsequentemente efectuado foi de "recolha de cheques", ou seja, "andar à procura dos cheques em nome do socio gerente, relacionar esses cheques com as empresas que estes estavam a pagar", "ver as contas correntes" e apurar os pagamentos que o sócio fez da sua conta pessoal.
Constatou que o património do sócio Manuel Simões e da sociedade "na prática" era o mesmo e afirmou nunca ter visto contas correntes em nome do sócio, acrescentando que tais "movimentos passavam à margem da sociedade".
O seu depoimento foi relevante para a fixação da alínea H) e J) da factualidade assente e, tal como se referiu em relação ao técnico oficial de contas, para "descredibilizar" a ausência de conta corrente.
Foram ainda ouvidos José ............, engenheiro civil, cujo conhecimento se restringia aos procedimentos em obra, e José ............, desenhador, que fez trabalhos para a sociedade.
Porém, nenhum dos dois tinha conhecimento dos factos controvertidos, limitando-se a descrever os procedimentos em que intervieram no exercício das suas funções.
Quanto à "ausência" de valores na conta-corrente do sócio Manuel ..........................., designadamente, como alegado, no artigo 130º da petição inicial, cumpre referir, adicionalmente, que o documento 11 junto pelos Impugnantes (a fls. 252), não foi valorado positivamente pelo Tribunal, porquanto, pretendendo fazer prova da inexistência de valores na conta corrente do sócio no exercício de 2001, se encontra datado de 31 de Dezembro de 2000, o que retira qualquer credibilidade ao seu conteúdo.
Acresce que a cópia junta aos autos se encontra truncada, o que dificulta a sua associação à sociedade F............................................., LDA., cujo nome parece constar em cabeçalho.
Quanto aos cheques descritos na alínea C), consigna-se que o Tribunal confrontou cada linha do quadro C), com as fotocópias juntas aos autos e, subsequentemente, procedeu à análise dos extractos bancários disponíveis para identificar o seu desconto bancário. Assim, a "não" prova do desconto destes cheques resulta da sua omissão nos extractos bancários juntos aos autos.
De igual modo, e quanto à não consideração como facto provado do destino dos pagamentos constantes da listagem enunciada na alínea C), consigna-se que o Tribunal confrontou ainda, cada linha do referido quadro, com os documentos contabilísticos juntos aos autos, considerando como afecto ao pagamento de despesa, apenas os cheques cujo valor se encontrava evidenciado na contabilidade da empresa e constava de documentos de suporte adequados, como facturas ou recibos.»

**
B.DE DIREITO
MANUEL ..........................., IRENE ........................................... impugnaram judicialmente a liquidação de IRS n.º 2006-.................. e respectivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 2001, que teve origem nas correcções técnicas efectuadas ao rendimento global dos impugnantes, em consonância com os resultados da acção de inspecção tributária levada a efeito, donde decorreu uma correcção à matéria colectável no montante de €1.693.283,59.
Vejamos, de perto cada uma das correcções sindicadas.
Como resultado Relatório da Inspecção [cfr. ponto Q. do probatório], os Serviços de Inspecção Tributária, concluíram que foram objecto de depósito (cheques/transferências bancárias), na conta do Impugnante, quantias provenientes da actividade da sociedade (Venda de fracções dos imóveis sitos em ..............-................................. e .............-.............) F............................................., LDA de que ambos os Impugnantes são sócios.
Tomando em conta, o apurado considerou a Administração Tributária que tais verbas constituem rendimentos de capitais, conforme previsto no artigo 5º n.º 2 alínea h), sujeitos a tributação desde o momento da sua colocação à disposição, por força do disposto no artigo 7.º n.º 3 alínea a) subalínea 2) do Código do IRS.
A sentença recorrida considerou, que as ditas verbas constituem rendimento de capitais do Impugnante, que, comprovadamente, as recebeu, e como tal as deveria ter declarado na sua declaração Modelo 3, como rendimento de capitais. E, na qual, além do mais, se escreve o seguinte: «De igual modo, tais verbas deveriam ter sido relevadas na contabilidade da sociedade e, bem assim, aí deveria ter sido evidenciada a sua transmissão para o sócio.
Não o tendo sido, invocar a ausência de registos contabilísticos das operações identificadas no âmbito da inspecção tributária, para afastar a sujeição a tributação, é atentar contra o principio da substância sobre a forma, consagrado no artigo 11º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT).
E, no caso dos autos, não persistem quaisquer dúvidas quanto à substância: o Impugnante arrecadou quantias provenientes da actividade societária.».
DO RECURSO DOS IMPUGNANTES
Como se evidencia das alegações recursivas, os Impugnantes (doravante recorrentes) sustentam, em síntese, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito quando considerou que «(...)a Autoridade Tributária qualificou-as como adiantamento por conta de lucros e tributou-as como tal, sem recorrer a qualquer presunção, na medida em que « (…) a qualificação dos factos como adiantamento por conta de lucros apenas seria possível - caso se verificasse - através de uma presunção, em conformidade com o disposto no nº4 do artigo 6º do CIRS, e não da constatação de um alegado facto - como acreditou a Mma Juiz a quo - de que os mesmos teriam tal qualificação».[Conclusão K]
Posto isto, vejamos a sorte do recurso em apreciação, não perdendo de vista que a questionada foi efectuada ao abrigo da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS.
A Lei Geral Tributária (LGT) no seu artigo 4.º, n.º 1, esclareceu o sentido da CRP ao estabelecer que «Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.».
O Tribunal Constitucional nas diversas vezes que tem sido convocado a pronunciar-se sobre o princípio da capacidade contributiva, tem entendido (por todos, o Acórdão n.º 602/12 de 9.4.2013): « [o] princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay).» (disponível em texto integral em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur=crp&ficha=287&pagina=10&exacta=&nid=11103).
Mostrando-se, ainda pertinente para o caso, ter presente que cabe à Administração Tributária o dever de demonstração da ocorrência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, ao invés sobre o contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos (cfr.artigo 74,º, nº.1, da LGT).
Sob a epígrafe «Rendimentos da Categoria E» consagra o artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS (na redacção aplicável):
«1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 – Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente: (...)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;».
O preceito transcrito, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. Mas para que tal suceda é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.
Por sua vez, o artigo 6.º, n.º 4, do mesmo Código, sob a epígrafe «Presunções relativas a rendimentos da categoria E» estatui: «Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».
Como dissemos, em Acórdão de 26 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 04217/10, dos normativos transcritos decorre que se presume: «(…) que as quantias escrituradas em quaisquer contas correntes dos sócios de sociedades comerciais, que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, correspondem a lucros ou adiantamento por conta de lucros. Com esta presunção, procede-se a uma qualificação supletiva de quantias cuja origem não esteja expressa nas contas correntes em causa.
A lei não se refere expressamente às quantias escrituradas nas contas de sócios a título de suprimentos. O que a lei, com a presunção em análise, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja "causa" jurídica não foi expressamente declarada (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, in Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, 2007, págs.221 e seg.).
Como ficou dito no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 11.01.2011, proferido no processo n.º 04357/10, trata-se de uma presunção legal: «(…) (estabelecida expressa e directamente na lei), e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal de acordo com o disposto no art. 351.º do C. C.
Por isso, vale a regra constante do n.º2 do art.º 350.º do C.C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.
No caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz - cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do TCA de 16.12.1997 e de 3.2.1998, recursos n.ºs 65 229 e 39/97, respectivamente.» ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Como já supra referimos, resulta da fundamentação externada [cfr. ponto Q.) do probatório], enquanto suporte da correcção que originou o segmento do acto de liquidação sindicado, que a Administração Tributária não fez qualquer presunção de rendimentos, tendo subsumido os valores que « (…) foram depositados cheques em contas bancárias de que é titular e respeitante à actividade da sociedade F............................................. Lda.» no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
Ora, como muito bem sustenta a sentença recorrida, a correcção controvertida não assenta num rendimento presumido ao abrigo do nº 4 do artigo 6.º do CIRS, mas num rendimento real apurado pela Autoridade Tributária e qualificado como adiantamento por conta de lucros.
Ou dito de outro modo, na óptica da Administração Tributária existiam indícios concretos e suficientes para considerar a retirada daquelas quantia como adiantamento por conta de lucros e, consequentemente, como rendimentos de capitais, da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º1, alínea h) do CIRS, sujeitos a tributação.
Desde modo, como se afirma no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.07.2016, proferido no processo n.º 00446/11BEBRG « (…) a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque “deixar ao critério do sujeito passivo a “classificação” como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.
É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afectado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou "adiantamentos por conta dos lucros". Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respectivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efectuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respectiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Coloca-se, então a questão de saber se a Administração Tributária cumpriu o ónus de alegar e provou factos índices donde se pudesse extrair conclusão que extraiu (cfr. artigo 74º da LGT), no sentido de que foram postos à disposição do recorrente proveitos auferidos pela sociedade, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, devem ser qualificados como rendimento de capitais nos termos do artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS.
Neste particular, entendemos que pertencendo os mencionados montantes à sociedade (proveitos), e deles se tendo apropriado o Recorrente (que aliás não vem questionado) [cfr. alínea N) do probatório] e perante a ausência de prova que o tenha devolvido à mesma sociedade, onde não consta escriturado nas respectivas contas sociais - em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe ser imputado como um seu rendimento, obtido naquele exercício, subsumível na alínea h) do artigo 5.º do CIRS, como rendimento da categoria.
Consequentemente, tendo a Administração Tributária demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia ao Recorrente o ónus de demonstrar que os montantes em causa, indiscutivelmente depositados na sua conta e por si recebidos, o foram a qualquer outro título, ou por outrem, ou que os mesmos foram transferidos para a sociedade ónus que não cumpriu, de todo em todo.
Nenhuma censura merecendo, pois, a sentença recorrida quanto ao segmento aqui sindicado.
Improcede, assim, o recurso.
DO RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA
Em sede de inspecção tributária foi ainda verificado que os Impugnantes efectuaram pagamentos de despesas da sociedade, com dinheiro e através de cheques das suas contas pessoais. Os quais eram contabilizados na contabilidade da sociedade por débito na conta “C….”, não sendo reflectidos na respectiva conta-corrente, ou em qualquer outra, do Impugnante Manuel ............................
De entre tais fluxos financeiros encontram-se os cheques n.ºs ...................., .................... e ...................., respectivamente nos valores de € 14.963,94, € 11.615,26 e € 7.481,97, que segundo a sentença recorrida, «(…) deveriam ter sido igualmente considerados pela Autoridade Tributária como custos dedutíveis na sociedade e, consequentemente, reduzidos ao rendimento imputado aos Impugnantes.» uma vez que foi possível estabelecer a relação directa estes cheques e os custos da sociedade que os mesmos liquidaram.
A Recorrente não se conforma com o assim decidido, alegando em síntese, que os cheques em causa, não foram inscritos na contabilidade da sociedade, como deveria ter sucedido por força das obrigações contabilísticas e não sendo descontados, não é possível relacionar os mesmos com a efectivação de qualquer pagamento, seja o mesmo relativo à actividade comercial da sociedade ou à esfera pessoal do sócio.
Concorda-se com a Recorrente pois que e desde logo, no que concerne à organização da contabilidade e à sua relevância, «...a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais fundamenta-se na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. folhas de caixa, artºs. 31º a 37º do C. Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que, de acordo com a lei, a escrituração comercial é , não só , o meio descritivo dos factos patrimoniais como , também , o modo formal da respectiva comprovação.». (Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 29.06.2010, proferido no processo n.º 4047/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Assim, por força das obrigações contabilísticas acima assinaladas, os cheques em causa deveriam apresentar-se inscritos na contabilidade da sociedade, designadamente no balancete de fornecedores, e isto, independentemente dos respectivos beneficiários serem os constantes dos extractos de fornecedores da sociedade.
Por outro lado, se os cheques nºs.................... e .................... não foram descontados, não é possível relacionar os mesmos com a efectivação de qualquer pagamento, seja o mesmo relativo à actividade comercial da sociedade ou à esfera pessoal do sócio. O que só por si determina, como defende a Recorrente que os mesmos não possam ser deduzidos no rendimento tributável dos Recorridos, contrariamente ao entendimento pugnado em 1ª Instância.
De tudo o exposto, procede o recurso.
IV. CONCLUSÕES
I.Sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real) o artigo 5.º, n.º2, alínea h) do CIRS Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. Mas para que tal suceda é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.
V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar:
a) negar provimento ao recurso interposto pelos Impugnantes, manter a sentença na parte recorrida;
b) conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença na parte recorrida, julgando-se improcedente no respectivo segmento.

Custas a cargo dos recorrentes.

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Após trânsito em julgado, remeta-se certidão do presente acórdão com nota de trânsito ao DIAP - Inquérito n.º 382/14.7T90ER, satisfazendo-se o solicitado a fls. 861.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2019.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Benjamim Barbosa]