Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:35/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
PEDIDO VS CAUSA DE PEDIR
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - A verificação do erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado e não pela causa de pedir, podendo acontecer que o meio seja adequado mas não a causa de pedir e, nesse caso, a pretensão do Autor estará votada ao insucesso por falta de fundamento legal.
II - No caso concreto, o pedido formulado na p.i de impugnação judicial é de anulação do acto de liquidação do IRS, acto este que constituía o objecto imediato da reclamação graciosa que foi indeferida e na sequência da qual foi deduzida a impugnação judicial.
III - O meio processual adequado para satisfazer tal pedido é a impugnação judicial, pelo que não há erro na forma de processo.
IV - A ilegalidade da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade pode configurar fundamento de oposição e de impugnação judicial.
V - Decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido, tal acto, ainda que praticado dentro do prazo, não deixa, por força do artigo 45º da LGT, de estar ferido de ilegalidade.
VI - No caso, face aos elementos juntos, não é possível extrair a conclusão de uma notificação válida e, consequentemente, de notificação que obste à caducidade do direito à liquidação do IRS de 2003, cujo prazo é de 4 anos, com o seu termo em 31/12/07.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


N..., m.i nos autos, deduziu impugnação judicial contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS nº 2007 5004..., de 2003.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra considerou existir erro na forma de processo e, consequentemente, com expressa convocação dos artigos 98º, nº4 do CPPT, 88º, nº3 do CPTA e 193º, nº2 e 196º do CPC, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Inconformado, N..., interpôs recurso jurisdicional da sentença, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões:



«Imagem no origunal»

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Não foram apresentadas contra-alegações.

*

Neste TCA, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“A) No exercício de 2003, o Impugnante e mulher auferiram rendimentos das categorias A e E de IRS (cf. fls. 30 a 31 do PA);

B) O Impugnante não entregou a declaração relativa aos rendimentos obtidos no ano de 2003 (cf. fls. 32 do PA);

C) Em 2007.11.28, foi emitida a liquidação de IRS nº 20075004..., do exercício de 2003, com valor a pagar de € 47 584,25 e data limite de pagamento de 2008.01.07 (cf. fls. 38 a 42 do PA);

D) Em 2007.12.03, sob o nº ry453…11pt, foi enviado ao Impugnante carta registada recebida 2007.12.18 (cf. fls. 6 e 7 do PA-RG);

E) Em 2008.03.01, via internet, deu entrada reclamação do Impugnante contra a liquidação de IRS nº 20075004... (cf. fls. 2 do PA-RG);

F) Em 2008.11.07, na Informação RC 654/08 da Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, pelo Diretor de Finanças Adjunto foi proferido projeto de despacho de indeferimento da reclamação, constante de fls. 16 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e ordenada a notificação do Impugnante para exercício do direito de audição prévia;

G) O projeto de decisão identificado na alínea anterior foi comunicado ao Impugnante por carta registada em 2008.11.13 (cf. fls. 19 e 20 do PA-RG);

H) Por despacho de 2008.12.12, do Chefe de Finanças Adjunto, exarado na Informação nº REC 654/08, de 2008.12.10, constante de fls. 21 do PA-RG, e que aqui se dá como integralmente reproduzido, a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante contra a liquidação de IRS de 2003, foi indeferida; deste transcreve-se:

a. Concordo com os fundamentos constantes da presente informação e respetivo parecer, indefiro o pedido do reclamante nos termos em que vem proposto;

b. (…);

I) O despacho de indeferimento da reclamação identificado na alínea anterior foi comunicado ao Impugnante por carta registada com aviso de receção assinado em 2008.12.29 (cf. fls. 24 e 25 do PA-RG);

J) Entretanto, em 2008.01.29, no Serviço de Finanças de Cascais-1, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) nº 15032008..., contra N..., para cobrança coerciva de € 47 584,25 (cf. fls. 44 do PA);

K) Por carta registada em 2008.02.14, foi enviado ao Impugnante ofício Citação Pessoal, constante de fls. 7 do processo em papel e qua aqui se dá como integralmente reproduzido e do qual se transcreve:

a. (…)

b. Fica por este meio citado, nos termos dos artigos 189º e 190º CPPT, de que foi instaurado neste Serviço de Finanças do processo de execução fiscal [15032008...], para cobrança coerciva da dívida abaixo identificada;

c. No prazo de 30 dias após a presente citação deverá proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido;

d. No mesmo prazo poderá requerer o pagamento em prestações nos termos do artigo 196º do CPPT, a dação em pagamento nos termos do artigo 201º CPPT, ou ainda deduzir oposição com os fundamentos do artigo 204º do CPPT;

e. (…);

f. Identificação da Dívida em Cobrança Coerciva:

g. Nº Certidão: 2008/0075095;

h. Data de Emissão: 2008.01.28;

i. (…);

j. (…) Nº Liquidação: 0710210004670...;

k. Imposto: (…) IRS;

l. Período do Imposto: 2003;

m. Quantia Exequenda: € 47 584,25;

n. (…);

L) Em 2009.01.13, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu entrada a presente impugnação (cf. carimbo aposto a fls. 3 do processo em papel).

b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo”.


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De direito

Como dissemos, o TAF de Sintra considerou existir erro na forma de processo e, consequentemente, com expressa convocação dos artigos 98º, nº4 do CPPT, 88º, nº3 do CPTA e 193º, nº2 e 196º do CPC, absolveu a Fazenda Pública da instância, após concluir pela inviabilidade da convolação do processo de impugnação judicial na espécie que considerou adequada, a oposição à execução fiscal.

Sinteticamente, temos que o Recorrente considera que a impugnação judicial é o meio adequado a apreciar a caducidade do direito à liquidação, insistindo que quando tomou conhecimento da liquidação de IRS de 2003 já havia passado o prazo para liquidar o tributo. Mais considera que, a haver erro na forma processual, nada impedia a convolação para a oposição.

Vejamos, então.

Para mais facilmente apreciarmos e decidirmos o que nos vem pedido, comecemos por deixar devida nota do discurso argumentativo alinhado pelo TAF de Sintra. Escreveu-se na decisão recorrida, naquilo que para aqui importa, o seguinte:

“(…)

1. Da propriedade do meio processual

(…)

O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à ação.

Entretanto, o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar: artigo 581/3 do nCPC.

Em regra, a falta de notificação do tributo ao Contribuinte no prazo da caducidade da respetiva liquidação, constitui sim fundamento válido de oposição.

Anote-se que o Impugnante não alega que a liquidação foi efetuada após o termo do prazo legal aplicável, ou que a liquidação foi feita em violação da lei.

Na verdade, a inexigibilidade, por falta de notificação da liquidação, constitui, em regra, um vício posterior ao ato dessa mesma liquidação, que não contende com a sua validade, mas tão só com a sua eficácia perante o contribuinte: constitui um válido fundamento de oposição subsumível à sua alínea i) do n.º1 do artigo 204.º, especificado contudo, na sua alínea e), que se tal falta de notificação se reportar ao período da respetiva caducidade da liquidação, desta se conhecerá, sim, nesta sede processual. Clarifica em alínea própria que a falta de notificação afeta a eficácia do ato de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que, em princípio, deve essa invocada e conhecida a falta de notificação.

Ora, e como vimos, o Contribuinte não impugna a legalidade da liquidação da dívida exequenda.

Incorreu, pois, o Impugnante no invocado erro na forma de processo, uma vez que, efetivamente, só a oposição é o meio processual próprio.

Quais as consequências a extrair de tal facto?

Nos termos do artigo 193º do nCPC, aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT, as consequências daí resultantes poderão divergir consoante se possam ou não aproveitar os atos já praticados, tendo em vista as garantias do réu: se da errada forma processual resultar diminuição das garantias do réu, deverão anular-se todos os atos posteriores; caso contrário, anular-se-ão apenas os que não possam ser aproveitados, praticando-se os necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida na lei.

Será possível convolar os autos, i. é, considerar tempestiva a petição?

2. Da tempestividade

O CPPT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, que entrou em vigor em 2000.01.01, dispõe no artigo 203/1.a) que a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal [já o artigo 285/1.a) do CPT nos dizia que a oposição deveria ter sido deduzida no prazo de 20 dias contados da citação pessoal].

Este prazo, é um prazo judicial, já que o processo de execução tem natureza judicial (artigo 103/1 LGT).

Ora, os prazos para a prática de atos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil (artigo 20/2 CPPT): o prazo processual é contínuo suspendendo-se durante as férias judiciais (artigo 138/1 nCPC).

O Contribuinte foi chamado para os termos da execução por carta registada em 2008.02.14. É esta a data relevante para aferir da tempestividade da oposição.

A impugnação deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 2009.01.13: logo, para além do prazo de 30 dias [artigo 203/1.a) CPPT] que terminou em 2008.03.19, ficou, por isso, precludido o direito de se opor à execução.

Por conseguinte, a ser convolada esta impugnação em oposição: mostra-se excedido o prazo de 30 dias. Logo, não há lugar à recuperação do esforço processual desenvolvido até aqui”.

Vejamos, então, lembrando que o Recorrente deduziu impugnação judicial da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS de 2003 e, bem assim, que, como consta da p.i, aí formulou um pedido correspondente à anulação da liquidação – “Requer-se: que o acto de liquidação do IRS e juros compensatórios no montante de 48.709,43 seja anulado com todas as consequências legais”.

Importa, ainda, dizer que a impugnação foi deduzida na sequência de citação para a execução fiscal, defendendo o impugnante que jamais lhe tinha sido notificada a liquidação de IRS e, nessa medida, que esse conhecimento, ultrapassado o prazo de 4 anos, resultava na “caducidade do direito à liquidação”“Assim sendo há que se concluir pela caducidade do direito à liquidação efectuada, devendo esta ser considerada nula e de nenhum efeito por extemporaneidade”, lê-se no articulado inicial.

Sem hesitar diremos que a sentença não se pode manter, pois inexiste erro na forma do processo.

Como se sabe, a verificação do erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado. Assim sendo, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.

No caso concreto, como dissemos, o pedido formulado na p.i de impugnação judicial é de anulação do acto de liquidação do IRS, acto este que constituía o objecto imediato da reclamação graciosa que foi indeferida e na sequência da qual foi deduzida a impugnação judicial.

Ora, o meio processual adequado para satisfazer o apontado pedido é, sem hesitar, a impugnação judicial, tal como utilizado pelo Recorrente. Com efeito, a impugnação judicial é o meio processual próprio a atacar os actos tributários praticados pela Administração Tributária, designadamente actos de liquidação, com vista a obter a declaração da sua inexistência, nulidade ou anulação, bem como apreciar o acto administrativo que comporta a apreciação de um acto desse tipo, como é o caso de actos de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas de actos tributários [artigo 97º, n.º 1, alínea c), do CPPT e 95º, n.º 1, alínea d), da LGT].

Portanto, sem vacilar e atenta a evidência do circunstancialismo subjacente ao caso sub judice, e lembrando que a cada direito corresponde um meio processual de o fazer valer em juízo, dúvidas não subsistem de que o meio processual escolhido – impugnação judicial – é o adequado a obter a pretensão visada pelo Recorrente relativamente à liquidação de IRS de 2003.

É evidente que este Tribunal não desconsidera que a Mma. Juíza teceu diversas considerações sobre a causa de pedir formulada nos autos, discutindo se a mesma corresponde à caducidade do direito à liquidação ou à inexigibilidade da dívida, para daí concluir sobre o meio adequado, isto é, se a impugnação ou a oposição. Contudo – repete-se – o meio processual afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, podendo acontecer que o meio seja adequado mas não a causa de pedir e, nesse caso, a pretensão do Autor estará votada ao insucesso por falta de fundamento legal. São, porém, situações distintas e que, na sentença, salvo o devido respeito, foram confundidas.

Com isto dito, e sem necessidade de mais amplas explicações, reconhece-se razão ao recorrente, no que respeita ao desacerto da sentença relativamente ao erro na forma do processo.

Há, pois, que revogar a sentença que, pelas razões expostas, não se pode manter.


*

Já antevendo este desfecho, este Tribunal notificou as partes para efeitos do disposto no artigo 665, nºs 2 e 3 do CPC. Nenhuma se pronunciou.

Estamos, pois, em condições de avançar para o conhecimento da impugnação judicial, deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS de 2003.

Vejamos, então, não perdendo de vista o articulado inicial.

Ora, lido o mesmo atentamente, temos que o Recorrente, Impugnante, funda a sua pretensão anulatória naquilo que designa por “caducidade do direito à liquidação”.

Para sustentar tal fundamento defende que a liquidação de IRS do ano de 2003 apenas lhe foi notificada em Fevereiro de 2008, ou seja, ultrapassado o prazo legal de 4 anos, previsto no artigo 45º da LGT, que a AT dispunha para liquidar o imposto. Nesta linha de entendimento, “o prazo para efeitos de exercício do direito à liquidação completa-se ao fim de quatro anos contados a partir de 31 de Dezembro de 2003, terminando, pois, em 31 de Dezembro de 2007”; ora, prossegue, “a liquidação impugnada não foi notificada ao impugnante dentro do prazo de caducidade de quatro anos, porquanto tal notificação foi efectivada em 14 de Fevereiro de 2008…”.

A primeira coisa que importa deixar absolutamente esclarecida prende-se com o fundamento invocado, ou seja, de modo a que não restem dúvidas que a jurisprudência, actual e reiteradamente, entende que a ilegalidade da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade pode configurar fundamento de oposição e de impugnação – como se lê no sumário do acórdão do STA, de 28/10/20, proferido no processo nº 07/09.2BELRS“II – Por força da redacção da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT a ilegalidade da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade (4 anos contados nos termos do nº 4 do artigo 45 da LGT) constitui ilegalidade não só invalidante do acto de liquidação mas também fundamento de oposição determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto”.

Aprofundemos esta questão, recuperando jurisprudência do STA que detalhadamente apreciou o alcance de tal invocação. Assim:

“A única questão a decidir é se pelo facto de no CPPT a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade constituir fundamento de oposição à execução fiscal por tal falta determinar a inexigibilidade da dívida, o facto de a liquidação ter sido efectuada dentro do período de 4 anos nos termos do artigo 45 da LGT, mas tendo a sua notificação sido efectuada para além desse prazo, esta preterição contende ou não com a validade do acto tributário da liquidação ou o torna apenas ineficaz dado a notificação ser um acto externo a este.

Sob a epígrafe caducidade do direito à liquidação preceitua o artigo 45 da LGT:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

E o nº 4:

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. (Redação dada pela Lei 55-B/2004,de 30 de dezembro)

A doutrina e a jurisprudência não questionando o facto de serem distintos o acto tributário da liquidação e o acto da notificação, já antes da vigência do CPT e do artigo 45 da LGT divergiam na consideração da notificação configurar requisito de perfeição desse acto tributário.

Alberto Xavier defendia que a notificação constituía requisito da validade do acto da liquidação in Conceito e Natureza do Acto Tributário a pag 240 na consideração de o acto tributário ser um acto receptício.

Já para o STA designadamente no acórdão do Pleno de 13 04 1983 in AD 262 p1205 a notificação era acto externo não sendo por isso requisito de validade do acto notificando.

Com a vigência do CPT e mais concreta do artigo 45 da LGT a notificação do acto da liquidação foi considerada como requisito da perfeição do acto já que só ele torna dívida decorrente da liquidação certa e exigível.

Como se sabe o termo liquidação na LGT é empregue com um duplo sentido: o de procedimento e o de acto administrativo que culmina o procedimento e quer num sentido quer noutro a sua função consiste em fixar o “an e o quantum” da obrigação tributária e exigi-la ao obrigado tributário

A liquidação contém, assim, uma manifestação unilateral, da Administração Tributária sobre o montante da prestação que fixa de modo exacto indicando para tanto ao obrigado tributário o prazo e o órgão onde efectuar o pagamento bem como os meios de defesa quer administrativos quer contenciosos que pode utilizar.

E só com a notificação válida do acto da liquidação é que se pode considerar totalmente encerrado o procedimento de liquidação.

Neste sentido entre outros autores Juan Marin Queralt Carmelo lozano Serrano, Gabriel Casado Ollero e José m. Tejerizo López in Curso De Derecho Financiero y Tributário tecnos p377.

Neste entendimento há que convir que embora quer conceptualmente quer materialmente distintos o acto administrativo da liquidação e o acto que o notifica, a notificação não deixa de integrar o procedimento de liquidação e embora não seja pressuposto da legalidade do acto da liquidação na medida em que a notificação é sempre um acto posterior é contudo pressuposto da sua eficácia donde o prazo de caducidade continuar a correr enquanto não ocorrer a notificação válida do acto que o interrompa.

E dado que neste caso e em todo o direito público a notificação adquire a relevância de principio essencial no procedimento administrativo, como direito e garantia dos administrados ex vi do disposto no artigo 268 do CRP, o artigo 45 da LGT explicitando essa relevância e exigência constitucional, integrando a exigência de notificação da liquidação no prazo de caducidade do direito à liquidação faz decorrer a interrupção do prazo da caducidade do direito de liquidar pela AT não do momento em que pratica o acto de liquidação mas do momento da sua notificação ao sujeito passivo desse acto.

E decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido tal acto ainda que praticado dentro do prazo não deixa por força do artigo 45 da LGT de estar ferido de ilegalidade.

E não é pelo facto de o legislador no CPPT, no artigo 204 do CPPT ter consagrado a falta de notificação do tributo no prazo da caducidade como fundamento de oposição à execução fiscal que, como refere o Mº juiz “a quo” se pode considerar que com tal facto a notificação deixa de ser requisito de validade do acto tributário e que por tal razão se manteria na ordem jurídica.

Acompanhando o Mº P, escudado na doutrina de Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado vol III 6ª edição pp488 e segs consideramos também que preceituando o artigo 1º do CPPT que as normas do CPPT se aplicam “sem prejuízo do disposto no direito comunitário, noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna, na lei tributária ou legislação especial incluindo as normas que regulam a liquidação e cobrança dos tributos parafiscais podemos concluir que a LGT limitando o alcance de todas as disposições do CPPT não consente que o intérprete possa concluir que a alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT revogou o nº 1 do artigo 45 da LGT na parte em que atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante.

O que sucede é que com a redacção da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT a ilegalidade da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade (4 anos contados nos termos do nº 4 do artigo 45 da LGT) constitui ilegalidade não só invalidante do acto de liquidação mas também fundamento de oposição determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto.

Como se refere no acórdão deste STA de 28 09 2011 in processo 0473/11 onde expressamente se assume ser o acto de notificação distinto do acto de liquidação e ser por tal razão requisito da sua eficácia o certo é que esta ilegalidade pode também ser apreciada no processo de execução fiscal, como sucede com outros caso de ilegalidade de que padeça a dívida exequenda desde que enquadrado nas alíneas a) g) e h) do nº 1 do artigo 204 do CPPT.

Mas o facto da intempestividade da notificação da liquidação em qualquer caso, incluindo a falta da sua notificação ao contribuinte no prazo da caducidade poder ser fundamento de oposição não significa nem implica que por tal razão que quando essa falta for determinante da caducidade do direito de liquidação não possa ex. vi do preceituado no artigo 45/1 da LGT ser ilegalidade invalidante desse acto e como tal fundamento de impugnação judicial.” - acórdão de 4/10/17, proferido no processo n.º 660/15.

Ora, é esta precisamente a questão dos autos, porquanto jamais o Impugnante refere que a liquidação foi emitida fora do prazo de 4 anos, ou seja, emitida fora do prazo de caducidade previsto no artigo 45º, nº1 da LGT. O que o Impugnante defende, isso sim, é que a mesma lhe foi notificada já fora desse prazo, concretamente em Fevereiro de 2008, e que tal acarreta um efeito invalidade da liquidação (e não apenas a inexigibilidade da dívida).

Com efeito, e sem que tal venha posto em causa, resulta da alínea C) da matéria de facto que “Em 2007.11.28, foi emitida a liquidação de IRS nº 20075004..., do exercício de 2003, com valor a pagar de € 47 584,25 e data limite de pagamento de 2008.01.07 (cf. fls. 38 a 42 do PA)”.

A questão prende-se então com a notificação dessa liquidação que – repete-se – o Impugnante insiste não ter ocorrido até 31/12/07, como se impunha.

A AT, ao longo do processo de impugnação judicial e da reclamação graciosa que a antecedeu, contraria esta posição, defendendo que a liquidação em causa foi efectuada através do registo postal RY 453…1PT, datado de 03/12/07.

Da matéria de facto consta que em “2007.12.03, sob o nº ry453…11pt, foi enviado ao Impugnante carta registada recebida 2007.12.18”.

Contudo, tal asserção de facto não chega para concluir como pretende a AT.

Vejamos a razão para assim entendermos, deixando claro que, como não oferece dúvidas, é à AT que cabe a prova da efectiva notificação da liquidação ao sujeito passivo.

Ora, se atentarmos nos elementos de prova juntos aos autos, jamais podemos concluir que a AT juntou prova concludente, como lhe competia, de que a liquidação nº 20075004... foi remetida através do registo nº RY 453…1PT para o domicilio fiscal do N... e que foi recebida em 18 de Dezembro de 2007, isto apesar de todos os elementos que foram sendo solicitados para instruir os autos [veja-se fls. 15 a) do PAT].

Apesar de tal prova lhe competir e de terem sido instruídos os autos com elementos atinentes à notificação da liquidação, tal demonstração, em concreto a expedição para o domicílio fiscal, não se mostra feita e era essencial que tivesse sido, ante a alegação do sujeito passivo de que não foi notificado da liquidação de IRS até 31 de Dezembro de 2007 (e que apenas dela teve conhecimento em Fevereiro de 2008, através da citação para os termos da execução fiscal).

Nesta linha de entendimento, salienta a EMMP que “sendo necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar, cabendo à FP demonstrar a efetivação da notificação.

Todavia, dos documentos fornecidos pel AT e juntos ao processo apenso – cfr. fls. 6 e 7 – não resulta comprovado que a carta sob registo RY 453…1PT tenha sido enviada para o domicílio fiscal do impugnante”.

Face ao exposto, entendemos que não é possível dos elementos juntos extrair-se a conclusão de uma notificação válida e, consequentemente, de notificação que obste à caducidade do direito de liquidação, cujo prazo é de 4 anos (com o seu termo em 31/12/07).

Procede, pois, este fundamento de impugnação judicial, com óbvios efeitos invalidantes da liquidação impugnada, o que aqui se determina.

Não se mostrando pago o imposto, evidenciando-se que está pendente processo de execução fiscal, não há que ordenar a restituição do valor impugnado.


*

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:

- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença;

- em substituição, julgar procedente a impugnação judicial e, consequentemente, anular a liquidação de IRS de 2003 impugnada.

Registe e notifique.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 29/04/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]

(Catarina Almeida e Sousa)