Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1420/07.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IVA – NULIDADE DAS LIQUIDAÇÕES
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 133º, nº 2, al. j), do CPA, são nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados, o que é o caso, pois as liquidações em causa, são actos consequentes do acto procedimental anulado.
II – É pacífica a impossibilidade de aproveitamento de actos nulos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.          RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio, em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida por ´C….., Lda., com os sinais nos autos, das liquidações de IVA n.ºs ….., ….., ….. e de juros compensatórios n.ºs ….., ….., ….., ….. e ….., no montante global de € 147.920,03, as quais anulou. Mais, aquela sentença, condenou a Fazenda Pública em custas e fixou à causa o valor de € 147.920,03 (cf. artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT).

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

I – O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da impugnação deduzida contra o(s) acto(s) de liquidação adicional de IVA e Juros Compensatórios relativa(s) ao exercício de 2003, no montante total de € 147 920,03, relativamente aos meses de 8,9,10,11 e 12, imposto apurado com recurso a métodos indirectos.

II - Por sentença datada de 2017/07/17, foi julgada procedente a impugnação judicial relativamente ao acto de liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado referente ao ano de 2003, decidindo o tribunal ad quo que, em matéria de direito prevalecia o vício de forma, com natureza invalidante do consequente acto tributário de liquidação ora impugnado, nos termos artigo 133.º, n.º 2 alínea d) do CPA, ex vi do art.º 2.º da LGT, como pormenorizadamente se pode colher na leitura da referida decisão que, dá como reproduzido o teor da sentença proferida no processo de contencioso administrativo n.º 1430/07.2BELSB que, correu termos na 2.ª U.O. do TT:

“Da consulta àqueles autos de acção administrativa especial, através do SITAF, verifica-se que é pedida a prática de acto que se considera devido e em consequência a anulação do despacho de 31/1/2007, que homologou o parecer do Director de Finanças Adjunto, que considerou que a não justificação da falta do perito do Contribuinte à primeira reunião configurava uma desistência do pedido de revisão referente à liquidação de IVA respeitante aos exercícios de 2002 e 2003, nos termos do art.º 91.º da LGT.”

III – De salientar que a AT foi condenada a repetir o procedimento de revisão a partir da segunda reunião nos termos explicitados na referida sentença proferida no processo n.º 605/07.9BELS, facto não constante do probatório da decisão recorrida mas que reveste importância fundamental.

IV – Ora, as correcções em causa resultam do cumprimento das ordens de serviço n.ºs ….. e ….., emitidas por despacho de 20/06/2006, ao abrigo das quais a impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção externa de âmbito parcial, relativa ao exercício de 2002 a 2003, incidente sobre os elementos contabilísticos, com a finalidade de controlar as obrigações fiscais da impugnante em sede de IVA.

V - Evidencia-se nessa senda que a AT conferiu ao S.P. a possibilidade de exercer, o direito de audição prévia sobre o projecto de Relatório, isto é, assegurou a participação da contribuinte, ora Impugnante, na decisão a proferir, não preterindo quaisquer formalidades, tendo o S.P. sido notificado duplamente sobre os factos e elementos em análise, nos termos do art. 60.º da LGT – análise essa que foi duplamente ponderada e até alterada pela AT antes da tomada de decisão definitiva. Ou seja, a impugnante exerceu efectivamente o direito em causa, expressando a sua vontade, participando e influenciando a formação da decisão.

VI – Certo é que a participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito é um direito que assiste ao contribuinte, consagrado até por via Constitucional, mas que fica na sua discricionariedade o respectivo exercício, não tendo, como é óbvio, o exercício dessa faculdade quaisquer reflexos numa posterior análise, administrativa ou judicial, da decisão, ou efeitos probatórios; ou, concretizando, o não exercício desse direito não significa, por exemplo, a admissão da verdade dos factos imputados ao S.P. pela AT – vidé neste sentido António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, pág. 276 e 277, nota 3.

VII – Como se constata, notificada da decisão final constante do RIT, a impugnante reclamou para a Comissão de Revisão, apresentando, nessa sequência, um pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do art.º 91.º da LGT.

VIII – Contudo, na data marcada para a 1.ª reunião constatou-se desde logo a falta do Perito indicado pelo sujeito passivo.

IX - E, na segunda data marcada e notificada esteve presente na reunião o Perito do Contribuinte que alegou ter como ―objectivo prestar todos os esclarecimentos com vista à descoberta da verdade material, não o tendo podido fazer em resultado da interpretação que a Fazenda Pública deu ao art.º 91.º n.º 6 da LGT, segundo a qual a justificação da falta à primeira reunião, deve ser feita até ao início da segunda reunião” Fls. 8 do PAT.

Este facto não provado pela decisão recorrida, salvo melhor entendimento, viola o dever de fundamentação das decisões proferidas pelos tribunais porque, não o discriminando entre outros factos probatórios também não levados aos autos, implicitamente os dá como não provados o que, influencia a falta de apreciação crítica da prova e faz padecer a decisão de nulidade nos termos legais dos artigos 158.º e 659.º do CPC, aplicáveis subsidiariamente por via do artigo 2.º do CPPT.

X – Como se verifica ademais, na sequência da decisão de conclusão do procedimento de revisão, o sujeito passivo apresentou uma acção administrativa especial que correu termos no Tribunal de Lisboa sob o n.º 605/07.9BELSB, tendo aí, a AT sido condenada a repetir o procedimento de revisão a partir da segunda reunião, nos termos explicitados na sentença proferida no processo n.º 605/07.9BELSB, conforme certidão junto aos autos.

XI - Posteriormente, por sentença datada de 2017/05/17, foi julgada procedente a impugnação judicial relativamente ao acto de liquidação adicional de IVA referente ao ano de 2003 nos termos do disposto no art.º 133.º n.º 2, alínea i) do CPA [aplicável ex-vi do art.º 2.º, alínea d) do CPPT].

XII - Nestes termos, decidiu o tribunal ad quo declarar ope legis nulas as liquidações de IVA e juros compensatórios referidas no ponto F do probatório, decisão com a qual não nos podemos conformar, porquanto nesse sentido, em matéria de direito sobre o apontado vício de forma com natureza invalidante do consequente acto tributário de liquidação, ora impugnado, deve aplicar-se antes o previsto no artigo 135.º do CPA.

XIII – Na verdade, decorre dos autos que o Perito do Contribuinte alegou que esteve presente na reunião da Comissão de Revisão, com o objectivo de prestar esclarecimentos com vista à descoberta da verdade material, não o tendo feito por via da Fazenda ter entendido que a justificação da falta à primeira reunião deve ser feita até ao início da 2.ª reunião, nos termos do art.º 91.º n.º 6 da LGT – o que não ocorreu.

XIV – Neste âmbito, já foi expressamente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão datado de 07-10-2009, proferido no proc. n.º 0655/09 onde se disse: «Estabelecendo-se no art. 91.º, n.º 2, da LGT que o pedido de revisão da matéria colectável tem efeito suspensivo da liquidação do tributo, tem de se concluir que, até estar esgotado o prazo para o contribuinte efectuar tal pedido ou até ser proferida decisão sobre ele, não pode ser praticado o acto de liquidação que tenha por suporte a matéria colectável fixada, pois, se assim, não fosse, contrariar-se-ia a intenção legislativa subjacente àquela regra de atribuição de efeito suspensivo ao pedido de revisão, que é, manifestamente, a de que não se faça a liquidação sem estar esgotada a possibilidade de alteração da matéria colectável por meios administrativos.”

XV - Trâmites em que, salvo melhor entendimento, a decisão proferida na acção administrativa especial que fez recuar o procedimento de revisão a um momento que antecede a sua decisão final.

Tal decisão tem a consequência de dar oportunidade aos recorrentes de exercerem o seu direito de audição no procedimento de revisão, o que aliás não foi preterido pela AT mas, derivou de uma falta imputável ao Perito do Contribuinte.

XVI - Constando do relatório da fiscalização factos concretos e suficientemente seguros e adequados a objectivar a existência de sérios indícios de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, demonstrativos da impossibilidade de aceder aos valores exactos da matéria colectável, há que dar por concretizados os pressupostos legitimadores do apuramento do rendimento tributável pelos métodos indirectos, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

Ora os autos patenteiam que, depois de dar cumprimento ao art.º 60.º, n.º4 da LGT que convidava o impugnante a pronunciar-se sobre o projecto de conclusões do relatório de acção de fiscalização onde, essa participação foi concretizada, foi posteriormente em sede de Comissão de Revisão, cumprida a notificação para através da designação do perito que o representasse no procedimento (art.º 91.º, n.º1 da LGT), interviesse no debate contraditório que aí teria lugar (art.º 92.º, n.º1 da LGT), apesar de tal intervenção não ter sido concretizada pelas razões já expostas.

XVII - A questão que se coloca é saber se existem razões para rebater os argumentos usados pelo perito da Fazenda Pública, que foram aliás sufragados pelo Director de Finanças competente – art.º 92º da LGT. Se essas razões poderiam ser abaladas pelo perito do contribuinte e se se pode concluir desde já que se devem pôr em causa os valores de correcção propostos pelos Serviços de Inspecção Tributária.

XVIII - Ou seja, é necessário entender que apenas por via do princípio do aproveitamento do acto e, somente apenas depois de tal repetição, se poderá concluir pela manutenção do acto de liquidação ou não que, para todos os efeitos se encontra suspensa.

XIX – E apurar que tal liquidação, levada a cabo no exercício de poderes vinculados, a padecer do vício de forma, tornar-se-á por esse motivo num acto anulável, nos termos do art.º 135.º do CPA.

Como refere a jurisprudência ―O princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria na nossa ordem jurídica, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia processual, assim consubstanciando uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público. Trata-se, pois, de reconhecer ao Tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe ―alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação.”

XX – Nestes termos, não nos podemos conformar com a decisão em causa porquanto, salvo melhor entendimento, os factos elencados supra em sede de alegações que não constam do probatório que faz parte da decisão proferida pelo Tribunal ad quo fazem-na pecar por deficite instrutório, pois que os mesmos devem ser ponderados como portadores dos elementos essenciais exigíveis ope legis.

Estamos perante um acto administrativo ao qual, assim sendo, pese embora haja uma decisão transitada em julgado, não lhe pode ser aplicado o regime da nulidade, sendo-lhe aplicável o regime da anulabilidade, constante do art.º 135.º do CPA.

E mesmo que se considere a omissão de contraditório, face aos elementos e argumentos apresentados pela impugnante, não poderá essa omissão constituir vício a priori invalidante do consequente acto tributário, suspenso, como já exposto.

XXI – Deste modo, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto na lei.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão em crise ser revogada, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


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A Impugnante, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.


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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.  


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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento quando declarou nulas as liquidações de IVA e juros compensatórios em causa nos autos, quando poderia ter observado o princípio do aproveitamento do acto.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

A. A Impugnante exerce a actividade de investigação e segurança com o CAE 074600, estando enquadrada, em sede de IVA, no regime normal mensal e em sede de IRC, no regime geral (cf. fls. 100 e 101 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Na sequência das ordens de serviço n.ºs …..e ….., por despacho de 20 de Junho de 2006, foi a Impugnante alvo de uma acção de inspecção externa, de âmbito parcial, relativa aos exercícios de 2002 e 2003, tendo como finalidade apurar e controlar as obrigações fiscais inerentes ao IVA (cf. fl. 100 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Em 20 de Dezembro de 2006, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável (cf. fls. 158 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Em 31 de Janeiro de 2007, foi exarado despacho pelo Director de Finanças que homologou o parecer do Director de Finanças Adjunto, com a mesma data, que considerou que a não justificação da falta do perito à 1.ª reunião se devia considerar como uma desistência da reclamação nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 91.º da LGT (cf. fls. 254 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 6 de Março de 2007, a Impugnante intentou acção administrativa especial com vista à anulação do despacho referido em D supra, a qual correu termos na 2.ª Unidade Orgânica deste Tribunal sob o n.º 605/07.9BELSB, tendo sido junta aos autos, a fls. 282 e segs., certidão judicial com menção do trânsito em julgado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da sentença proferida no mesmo processo em 9 de Dezembro de 2009, nos termos de cujo segmento decisório foi a acção julgada procedente e consequentemente anulado o acto impugnado e a Fazenda Pública condenada a repetir o procedimento de revisão a partir da segunda reunião de peritos (cf. ainda consulta no SITAF do processo n.º 1430/07.2BELSB que correu termos na 2.ª Unidade Orgânica deste Tribunal);

F. Em 10 de Março de 2007, foram emitidas as liquidações de IVA n.ºs ….., ….., ….. e de juros compensatórios n.ºs ….., ….., ….., ….. e ….., no montante global de € 147.920,03 (cf. docs. juntos a fls. 260 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e prints informáticos a fls. 145 e segs. do processo administrativo tributário (PAT) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. A p. i. da presente impugnação judicial deu entrada em juízo em 21 de Maio de 2007 (cf. carimbo aposto na p. i. a fl. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da sentença proferida no processo n.º 1430/07.2BELSB que correu termos na 2.ª Unidade Orgânica deste Tribunal e se encontra disponível para consulta no SITAF.”


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Nada mais resultou provado com interesse para a decisão a proferir.”


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente impugnação judicial procedente e, em consequência, declararam-se ope legis nulas as liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas, com as legais consequências.

Para tal foi apresentada a seguinte fundamentação:

«(…) resultando provado nos autos que foi considerado ilegal e em consequência judicialmente anulado através de sentença transitada em julgado um acto do procedimento que esteve na origem das liquidações impugnadas, a saber, o despacho de 31 de Janeiro de 2007 que homologou o parecer do Director de Finanças Adjunto, com a mesma data, que considerou que a não justificação da falta do perito à 1.ª reunião se devia considerar como uma desistência da reclamação nos termos do disposto no n.º 6 do art. 91.º da LGT, não resta senão julgar procedente a presente impugnação”. “De facto, e nos termos do disposto no art. 133.º, n.º 2, alínea i) do CPA [aplicável ex vi do art. 2.º, alínea d) do CPPT], são nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados, sendo certo que no caso em apreço não restam dúvidas de que os actos de liquidação em causa são actos consequentes do acto procedimental anulado, motivo pelo qual, aliás, a Administração Tributária foi condenada a repetir o procedimento de liquidação (se a isso não obstar outro motivo)”.

Tanto basta para que se conclua pela procedência da presente impugnação judicial.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando [conclusões de recurso VII a IX] que Como se constata, notificada da decisão final constante do RIT, a impugnante reclamou para a Comissão de Revisão, apresentando, nessa sequência, um pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do art.º 91.º da LGT. Contudo, na data marcada para a 1.ª reunião constatou-se desde logo a falta do Perito indicado pelo sujeito passivo. E, na segunda data marcada e notificada esteve presente na reunião o Perito do Contribuinte que alegou ter como ―objectivo prestar todos os esclarecimentos com vista à descoberta da verdade material, não o tendo podido fazer em resultado da interpretação que a Fazenda Pública deu ao art.º 91.º n.º 6 da LGT, segundo a qual a justificação da falta à primeira reunião, deve ser feita até ao início da segunda reunião” Fls. 8 do PAT. Este facto não provado pela decisão recorrida, salvo melhor entendimento, viola o dever de fundamentação das decisões proferidas pelos tribunais porque, não o discriminando entre outros factos probatórios também não levados aos autos, implicitamente os dá como não provados o que, influencia a falta de apreciação crítica da prova e faz padecer a decisão de nulidade nos termos legais dos artigos 158.º e 659.º do CPC, aplicáveis subsidiariamente por via do artigo 2.º do CPPT.

Vejamos.

Invoca a recorrente a nulidade da decisão, por não ter sido levado ao probatório determinado(s) facto(s), indicando normas (art. 158º e 659º do CPC, na sua anterior redacção) que se prendem com a fundamentação da sentença.

Ora, apenas a total ausência ou absoluta falta de fundamentação de facto e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação, afecta o valor legal da sentença, provocando a respectiva nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto.

Por outro lado, parece a recorrente querer vir, de novo, discutir a questão da falta do perito à comissão de revisão.

Ora, com o devido respeito, tal questão encontra-se decidida e transitada em julgado, conforme alínea E. do probatório, onde se pode ler:

«Em 6 de Março de 2007, a Impugnante intentou acção administrativa especial com vista à anulação do despacho referido em D supra, a qual correu termos na 2.ª Unidade Orgânica deste Tribunal sob o n.º 605/07.9BELSB, tendo sido junta aos autos, a fls. 282 e segs., certidão judicial com menção do trânsito em julgado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da sentença proferida no mesmo processo em 9 de Dezembro de 2009, nos termos de cujo segmento decisório foi a acção julgada procedente e consequentemente anulado o acto impugnado e a Fazenda Pública condenada a repetir o procedimento de revisão a partir da segunda reunião de peritos (cf. ainda consulta no SITAF do processo n.º 1430/07.2BELSB que correu termos na 2.ª Unidade Orgânica deste Tribunal);»

Ora, em face da referida decisão transitada em julgado, em que foi anulado o acto impugnado e a Fazenda Pública condenada a repetir o procedimento de revisão a partir da segunda reunião de peritos, qualquer outra discussão ou apreciação desta questão é estéril e inútil.

Por último, invoca a recorrente [conclusões de recurso XVII a XX]  que A questão que se coloca é saber se existem razões para rebater os argumentos usados pelo perito da Fazenda Pública, que foram aliás sufragados pelo Director de Finanças competente – art.º 92º da LGT. Se essas razões poderiam ser abaladas pelo perito do contribuinte e se se pode concluir desde já que se devem pôr em causa os valores de correcção propostos pelos Serviços de Inspecção Tributária.

Ou seja, é necessário entender que apenas por via do princípio do aproveitamento do acto e, somente apenas depois de tal repetição, se poderá concluir pela manutenção do acto de liquidação ou não que, para todos os efeitos se encontra suspensa. E apurar que tal liquidação, levada a cabo no exercício de poderes vinculados, a padecer do vício de forma, tornar-se-á por esse motivo num acto anulável, nos termos do art.º 135.º do CPA. Como refere a jurisprudência ―O princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria na nossa ordem jurídica, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia processual, assim consubstanciando uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público. Trata-se, pois, de reconhecer ao Tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe ―alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação.” Nestes termos, não nos podemos conformar com a decisão em causa porquanto, salvo melhor entendimento, os factos elencados supra em sede de alegações que não constam do probatório que faz parte da decisão proferida pelo Tribunal ad quo fazem-na pecar por deficite instrutório, pois que os mesmos devem ser ponderados como portadores dos elementos essenciais exigíveis ope legis. Estamos perante um acto administrativo ao qual, assim sendo, pese embora haja uma decisão transitada em julgado, não lhe pode ser aplicado o regime da nulidade, sendo-lhe aplicável o regime da anulabilidade, constante do art.º 135.º do CPA.

E mesmo que se considere a omissão de contraditório, face aos elementos e argumentos apresentados pela impugnante, não poderá essa omissão constituir vício a priori invalidante do consequente acto tributário, suspenso, como já exposto.

Vejamos.

Segundo julgamos perceber, vem a recorrente invocar a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo.

«O princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria no nosso Direito, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia jurídica, «uma das dimensões da eficiência indispensável à realização do interesse público» (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit. e João Loureiro, O Procedimento administrativo entre a eficiência e a garantia dos particulares, Coimbra Editora, pág. 137 e 219 e ss e, entre muitos, Acórdãos do STA, de 27/9/00, rec. nº 41.191, de 7/11/01, rec. nº 38983, de 2/5/02, rec. n.º 48.403, de 12/3/03, rec. nº 349/03, de 2/02/2005, rec. nº 784/04, de 15/2/2007, rec nº 01071/06, de 13/1/2011, rec. nº 01121/09, de 30/3/2011, rec. nº 0877/09).

Trata-se, pois, de reconhecer ao tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação.» [1]

Feito este breve enquadramento, vejamos o caso concreto, onde a recorrente parece a recorrente olvidar que foi anulado o acto de procedimento que esteve na origem das liquidações impugnadas, a saber, o despacho de 31 de Janeiro de 2007 que homologou o parecer do Director de Finanças de Adjunto, com a mesma data, pelo que, como bem decidiu a sentença recorrida, nos termos do disposto no art. 133º, nº 2, al.j), do CPA, são nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados, o que é o caso, pois as liquidações em causa, são actos consequentes do acto procedimental anulado.

«Parece-nos pacífica a impossibilidade de aproveitamento de actos nulos. Com efeito, tal infere-se da norma prevista no artigo 137.º do CPA, que determina o seguinte: “Não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão os actos nulos e inexistentes.”. Sendo estes mecanismos jurídicos, típicos exemplos de aproveitamento de actos inválidos ao dispor da Administração Pública, e apenas aplicáveis em sede de actos anuláveis, logicamente não nos parece possível que o Tribunal aplique o Princípio do Aproveitamento a actos nulos. A explicação é devida à natureza específica da nulidade: esta sanção, que traduz a forma mais grave de invalidade de um acto, não se compadece com o decurso do tempo, podendo ser pedida e declarada a todo tempo, e determina a respectiva ausência de efeitos (salvo os efeitos putativos do acto nulo, 134/2 CPA: no entanto tal não se traduz, nem de forma indirecta, de um aproveitamento do acto mas sim um aproveitamento de efeito).»[2]

Na esteira da doutrina supra citada, é pacífica a impossibilidade de aproveitamento de actos nulos, pelo que nada mais há para apreciar.

Termos em que improcede o presente recurso.

Face ao agora decidido, consideram-se prejudicadas quaisquer outras questões.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

                                                             Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]


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                    [Lurdes Toscano]

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                 [Maria Cardoso]

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               [Catarina Almeida e Sousa]


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[1] Acórdão do STA de 12/04/2012, Proc. 0896/11, disponível em www.dgsi.pt
[2] O Princípio do Aproveitamento do Acto Administrativo, pág.20, Tese de Mestrado de Inês Ramalho, discutida na Faculdade de Direito de Lisboa a 16/02/2011, disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1004-2427.pdf