Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03141/07
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:12/13/2007
Relator:Magda Geraldes
Descritores:NACIONALIDADE
COMPETÊNCIA TCAS
Sumário:I – De acordo com o disposto no artº 37º, d) do ETAF e artº 32º da Lei nº 37/81, de 03.10, o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) só tem competência em 1ª instância para apreciar questões de nacionalidade quando seja sindicada judicialmente decisão sobre a perda ou a manutenção da nacionalidade portuguesa nos casos de naturalização directa ou indirectamente imposta por Estado estrangeiro a residentes no seu território.
II - A norma contida no artº 26º da nº 37/81, de 03.10, na sua 4ª alteração dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17.04, por si só, não atribui qualquer competência à jurisdição administrativa para conhecer de pedidos relacionados com a nacionalidade, sendo apenas uma norma definidora da legislação aplicável ao contencioso da nacionalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam no TCAS, Secção Contencioso Administrativo, 2º Juízo

CRISTINO ..., identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo 10º Juízo Cível da Comarca de Lisboa e que julgou o tribunal absolutamente incompetente para conhecer e decidir da decisão proferida no recurso contencioso por si interposto, e proferida pelo Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, na acção de justificação judicial administrativa com vista à declaração de nulidade por falsidade e ao cancelamento do averbamento n.° l lavrado na sequência do registo do seu nascimento, arquivado na referida conservatória sob o n.° 65-D de 2002, proc.° n.° 38466/2000.

Para tanto, apresentou as seguintes conclusões nas suas alegações de recurso:

“1) O Tribunal A Quo, com todo o respeito, não se deveria ter declarado incompetente, porque a questão que lhe foi posta não estava sujeita às regras do regime de Contencioso de Nacionalidade;
2) Estava-se perante a impugnação de uma decisão do Senhor Conservador Dos Registo Centrais, sindicávcl, em primeira instância, pelo Tribunal A Quo, conforme os termos do Art.° 286º, n.° 5, do Código do Registo Civil.
3) O que estava e está cm causa no caso concreto, são os efeitos de uma eventual declaração de nulidade do registo de avoenga paterna, que terão de ser paralisados quanto ao Recorrente:
4) Ou seja, era a partir do caso concreto sub júdice, que o Tribunal A Quo ao decidir o que quer que fosse, ponderasse na materialidade constitucional impregnada nos normativos que tivesse de apreciar para decidir e sustasse os efeitos perniciosos para o ora Recorrente, só isto ...
5) O DIREITO NATURAL DE POVOS QUE TODA A VIDA FORAM PORUGUESES - consignado no Art.° 8º. n.° 1. da actual Constituição da República Portuguesa (versão de 1976 inclusive) e no Preâmbulo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Art 16°, n.° 2 da C.R.P.), em vigor desde 3 de Setembro de 1953, não pode ser postergado;
6) O consequente Direito Natural à nacionalidade portuguesa do Recorrente que nasceu em território português, não pode ser afectado por um qualquer acto registral, ainda que aparentemente conforme à lei formal e processual;
7) Qualquer outro entendimento que passe pela não paralisação dos efeitos da declaração de nulidade do referido registo com a derivada perda da nacionalidade portuguesa originária portuguesa do ora Recorrente, salvo melhor opinião, só pode ser inconstitucional, porque viola, entre outros, os artigos 1° "Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana. . ", 7°, n,° l "Portugal rege-se nas relações internacionais pelos ... direitos dos povos... ", 4°, 8°,9° b) e d), nº1, 13º, 16°,18°, 26°, nsº l e 4 e 33°, ns.° l e 3, da Constituição da República Portuguesa;
8) Seja como for, estamos agora perante esse Venerando Tribunal, pelo que, salvo melhor opinião, todas as questões suscitadas pelo ora Recorrente no Recurso interposto, poderão ser aqui apreciadas, e não só a questão da incompetência absoluta do Tribunal A Quo.
9) Finalmente, dá-se aqui por reproduzido, para todos os efeitos legais, tudo quanto foi alegado nos articulados do Recorrente juntos aos autos.”

Em contra-alegações, a Magistrada do MºPº junto do tribunal a quo, concluiu:

“1. O cerne da questão alvo da decisão do Sr. Conservador prende-se com actos relativos à atribuição, aquisição (ou à sua negação) ou à perda de nacionalidade portuguesa, uma vez que a Conservatória dos Registos Centrais apreciou de facto dos requisitos da atribuição de nacionalidade (vide fls. 158/159).
2. Tais actos estão sujeitos às regras do regime do Contencioso da Nacionalidade e o recurso interposto desses actos (decisões) do Sr. Director da Conservatória dos Registos Centrais compete, no caso, não ao Tribunal de 1a Instância, por não ter aplicação o disposto no art. 286° do Código de Registo Civil, mas sim ao Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art. 26° da Lei n° 37/81.
3. A decisão do Sr. Conservador da Conservatória dos Registos Centrais que declarou a nulidade por falsidade e determinou o cancelamento do averbamento n° l, da naturalidade do bisavô paterno, lavrado na sequência do assento de nascimento n° 65-D de 2002, do Recorrente Cristina ..., deve ser mantida.
4. Com efeito, em relação ao pai do Recorrente, José Joaquim Soares, foi declarado nulo e cancelado o averbamento da avoenga paterna por se ter concluído que era falsa a certidão de nascimento do avô daquele, Joaquim Soares Livramento, por serem falsos a assinatura, o carimbo e o número do diário, correspondendo as referências registrais a assentos de outras pessoas. Logo, aquela nulidade tem efectiva e necessariamente que se reflectir na invalidade do averbamento lavrado no assento de nascimento do Recorrente, Cristina ....
5. Nos termos do art. 372°, n°s l e 2 do Código Civil, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser elidida com base na sua falsidade. O documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objecto de percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que não se verificou.
6. Assim, o registo no caso em apreço é nulo por resultar de transcrição de título falso, falsidade que consiste em induzir em erro quanto à naturalidade/nacionalidade do bisavô do Recorrente.
7. Detectada a nulidade do averbamento do assento de nascimento do Recorrente, o Sr. Conservador estava legalmente obrigado a declará-la e a cancelar o registo, aliás como fez.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve negar-se provimento ao presente agravo e manter-se a douta decisão recorrida, fazendo dessa forma V. Exas. JUSTIÇA”.

Por despacho lavrado a fls. 266/269, o Tribunal da Relação de Lisboa, tribunal para o qual o recurso jurisdicional foi interposto, confirmado a decisão de incompetência da 1ª instância, ordenou a remessa dos autos a este Tribunal Central Administrativo Sul, por entender ser este tribunal o competente para o recurso contencioso interposto e declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer do mesmo.

Vejamos.
Nos termos do disposto no artº 13º do CPTA, “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.”
A atribuição de prioridade absoluta ao conhecimento da questão da competência justifica-se pela consideração de que a única questão para que um tribunal incompetente é competente é para apreciar a sua incompetência. Verificada essa incompetência, ele fica naturalmente impedido de entrar na apreciação quer dos restantes pressupostos processuais, quer, obviamente, do mérito da causa.” (– cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª Ed., 2007, pag 117.)

Assim, importa apreciar e decidir a competência deste TCAS para conhecer do recurso contencioso, interposto pelo recorrente, da decisão proferida pelo Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, na acção de justificação judicial administrativa com vista à declaração de nulidade por falsidade e ao cancelamento do averbamento n.° l lavrado na sequência do registo do seu nascimento, arquivado na referida conservatória sob o n.° 65-D de 2002, proc.° n.° 38466/2000.

Nos termos do disposto no artº 32º da Lei nº 37/81, de 03.10, na sua 4ª alteração dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17.04, “É da competência do Tribunal Central Administrativo Sul a decisão sobre a perda ou a manutenção da nacionalidade portuguesa nos casos de naturalização directa ou indirectamente imposta por Estado estrangeiro a residentes no seu território.”
Fora desta estatuição legal, inserida no Título IV, das “Disposições transitórias e finais”, da Lei nº 37/81, de 03.10, na sua 4ª alteração dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17.04, não contem a Lei da Nacionalidade qualquer norma atributiva de competência ao TCAS para em 1ª instância conhecer de matérias relativas à nacionalidade.
Por outro lado, aferindo-se a competência material do tribunal em função da pretensão deduzida em juízo, se atentarmos no pedido formulado pelo ora recorrente na sua petição de recurso contencioso, em síntese a anulação da decisão proferida pelo Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, na acção de justificação judicial administrativa com vista à declaração de nulidade por falsidade e ao cancelamento do averbamento n.° l lavrado na sequência do registo do seu nascimento, arquivado na referida conservatória sob o n.° 65-D de 2002, proc.° n.° 38466/2000, vemos que, face ao estatuído no artº 37º, alíneas a) a d) do ETAF, norma que fixa a competência da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, em nenhuma das suas alíneas se contempla o conhecimento dos recursos das decisões proferidas pelo Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, designadamente em matérias como as dos autos.
Ora, não se estando, no caso dos autos, perante uma decisão sobre a perda ou a manutenção da nacionalidade portuguesa nos casos de naturalização directa ou indirectamente imposta por Estado estrangeiro a residentes no seu território, (cfr. artº 32º da Lei nº 37/81, de 03.10, supra referido), situação em que, de acordo com o disposto no artº 37º, d) do ETAF, este TCAS terá competência em 1ª instância para apreciar questões de nacionalidade, (“Compete à secção de contencioso administrativo de cada tribunal central administrativo conhecer: (…) d) Dos demais processos que por lei sejam submetidos ao seu julgamento.”), é manifesto que este TCAS é materialmente incompetente para apreciar o recurso contencioso que o recorrente nos autos pretende ver apreciado e decidido, sendo certo que a norma contida no artº 26º da nº 37/81, de 03.10, na sua 4ª alteração dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17.04, por si só, não atribui qualquer competência à jurisdição administrativa para conhecer de pedidos relacionados com a nacionalidade, sendo apenas uma norma definidora da legislação aplicável ao contencioso da nacionalidade.

Pelo exposto, atentos os fundamentos invocados, acordam os juízes do TCAS, Secção Contencioso Administrativo, 2º Juízo, em:
a) - declarar TCAS incompetente em razão da matéria;
b) – sem custas.



LISBOA, 13.12.07



(Magda Geraldes)

(Mário Gonçalves Pereira)

(Rogério Martins)