Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:48/23.7 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/11/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL,
RETOMA A CARGO,
ITÁLIA;
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I. Para além das questões de conhecimento oficioso, só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem as que tenham sido alegadas nos articulados, incluídas nas questões a resolver e apreciadas e decididas [desfavoravelmente ao recorrente] pelo tribunal a quo na decisão recorrida;

II. Por serem uma súmula das alegações de recurso está vedado o alargamento nas conclusões do âmbito das alegações, ou seja, as conclusões de recurso que versem sobre matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes;

III. Nos termos do disposto no artigo 635º do CPC, a delimitação do objecto do recurso é efectuada pelas conclusões, significando que se estas não sumariarem todas as questões vertidas nas alegações de recurso, só as constantes das conclusões e nos termos em que o forem, serão apreciadas pelo tribunal de recurso;

IV. Sobre o SEF não impende o dever de averiguar sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento dos requerentes de protecção internacional quando, no caso concreto, delimitado pelas declarações prestadas no procedimento especial de determinação do Estado-membro responsável pela sua análise, não existam indícios de que o requerente tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas, nomeadamente com a gravidade que é pressuposto da aplicação do disposto no nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

M. K., devidamente identificado nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, que instaurou contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 6.2.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade demandada dos pedidos [a) de revogação da decisão assumida pelo SEF, na parte em que decidiu que deverá ser transferido para Itália por o considerar o Estado Membro responsável pela apreciação do pedido de protecção internacional; e, conhecendo em substituição: a) Julgar procedente por provado o vício de violação de lei imputado ao acto impugnado por referência ao art. 26.º do Regulamento de Dublin; b) Julgar verificado o vício de violação de lei, por deficit instrutório – cfr. art. 58.º do CPA, numa leitura conjugada com o art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin -, condenando o Réu a praticar novo acto, devidamente instruído com elementos actualizados sobre as condições no procedimento de asilo e no acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália].

Nas respectivas alegações o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o qual julgou a ação, intentada por M. K., ora recorrente, improcedente, absolvendo assim o Ministério da Administração Interna, Entidade Requerida, dos pedidos por si formulados.
B) Perante os motivos que constam do pedido de asilo formulado pelo Recorrente, estamos perante uma situação que na nossa perspectiva reúne condições para fundamentar o pedido.
C) Os motivos invocados pelo Autor são suficientes para enquadrar o seu pedido de proteção às Autoridades Portuguesas, devendo ser considerado procedente por provado o pedido de asilo formulado pelo mesmo no posto de fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa.
D) No que tange ao sistema de asilo italiano, deve ter-se em consideração que a saturação completa do sistema de asilo de um Estado-Membro pode, em determinadas circunstâncias, levar a que os direitos do requerente de asilo reconhecidos no artigo 18. ° da Carta dos Direitos Fundamentais já não sejam garantidos nesse Estado-Membro.
E) Viola, assim, a Sentença em crise, entre outros, os Artigos N.ºs 7º e 19º, todos da Lei N.º 27/08 de 20 de Agosto.
F) Existe, pois, um déficit de instrução procedimental gerador da ilegalidade do ato final do procedimento, e violação do Artigo N.º 18º, N.ºs 1 e 4, da Lei N.º 27/2008, e do Art.º 87º, N.º 1, do Código de Procedimento Administrativo.».

Notificado para o efeito, o Recorrido não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, em suma, em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar a acção improcedente, por o acto impugnado padecer de défice instrutório procedimental gerador da ilegalidade.

A título prévio importa explicitar o seguinte quanto ao ónus de alegar e formular conclusões e à finalidade do recurso jurisdicional.
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 144º do CPTA o requerimento de recurso inclui ou junta a respectiva alegação, enunciando os vícios imputados à decisão recorrida.
A alínea b) do nº 2 do artigo 145º do mesmo Código, prevê o indeferimento do requerimento de recurso quando o mesmo não contenha ou junte alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 146º, idem.
Por sua vez, o artigo 639º do CPC com a epígrafeÓnus de alegar e formular conclusões, aplicável supletivamente por força do nº 3 do artigo 140º do CPTA, dispõe no nº 1: O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”
Em face do que nas alegações de recurso, quer em direito processual administrativo quer em direito processual civil, deve o recorrente indicar as razões de facto e de direito pelas quais discorda da decisão recorrida, considera que não observou as formalidades legais na sua elaboração ou incorreu em erros de julgamento, que constituam os fundamentos para a sua anulação, revogação ou modificação, terminando com as conclusões, em que resume, sintetiza os fundamentos da discordância alegada.
Significando que o objecto do recurso é a sentença recorrida e não a pretensão formulada na acção em que a mesma foi proferida.
Do exposto resulta que,
- para além das questões de conhecimento oficioso, só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem as que tenham sido alegadas nos articulados, incluídas nas questões a resolver e apreciadas e decididas [desfavoravelmente ao recorrente] pelo tribunal a quo na decisão recorrida;
- nas conclusões, por serem uma súmula das alegações de recurso, está vedado o alargamento do âmbito das alegações, ou seja, as conclusões de recurso que versem sobre matéria não tratada nas alegações são totalmente irrelevantes (no mesmo sentido v. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8.6.2018, no proc. nº 1840/16.4T8FIG-A.C1, in www.dgsi.pt);
- a delimitação do objecto do recurso ou o que cumpre ao tribunal superior conhecer, cfr. artigo 635º do CPC, é efectuada pelas conclusões, significando que se estas não sumariarem todas as questões vertidas nas alegações de recurso, só as constantes das conclusões e nos termos em que o forem, serão apreciadas pelo tribunal de recurso [para além das que forem de conhecimento oficioso].
Ora, as alegações do recurso agora em apreciação não se encontram todas sumariadas das conclusões e algumas destas inovam relativamente ao alegado e conhecido na acção.
Concretizando, nas alegações IV, a) a c) consta que às distintas decisões de análise do pedido e de transferência para outro Estado-Membro devem corresponder dois actos jurídicos distintos, praticados pela autoridade competente e ambas devem ser notificadas ao requerente de asilo e conferido prazo para se pronunciar - sem especificar se assim aconteceu ou não no caso do Recorrente e sequer as nomas jurídicas violadas e as consequências invalidantes ou de ineficácia resultantes da sua inobservância, mormente no acto impugnado –, o que não se encontra vertido nas conclusões.
Das alegações [V, ii. e VI e VII] e conclusões [B) e C)] de recurso consta que os motivos invocados pelo Autor são suficientes para enquadrar o seu pedido de protecção às Autoridades portuguesas, devendo ser considerado procedente por provado o pedido de asilo formulado pelo mesmo no posto de fronteira do Aeroporto internacional de Lisboa, em violação dos artigos 7º e 19º da Lei nº 27/2008 de 20 de Agosto, questão que não foi suscitada perante o tribunal recorrido, dado que o alegado na petição inicial se restringiu á falta de fundamentação/défice instrutório do acto impugnado, proferido no procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção formulado, que culminou com a decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional apresentado pelo Recorrente por a responsabilidade pela sua apreciação competir a Itália - significando que o Recorrido não entrou na análise do mérito do pedido de protecção que o Recorrente lhe dirigiu.
Donde, por não consubstanciarem questões de conhecimento oficioso, não vertida nas conclusões e nova, delas não cumpre a este Tribunal conhecer.

A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA.

Da sentença recorrida extrai-se a seguinte fundamentação:
«O requerente alega que o SEF não realizou as diligências tendentes a apurar do preenchimento do artigo 3.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento (EU) 604/2013 [cláusula de salvaguarda] e que estava obrigado a fazê-lo.
A cláusula de salvaguarda resulta da codificação da jurisprudência do Tribunal de Justiça de que é exemplo o acórdão de 21/12/2011 (C-411/10 e C-493/10).
No referido acórdão o Tribunal de Justiça entendeu que a CDFUE é parâmetro interpretativo das disposições do direito derivado da UE e que, por seu turno, em face do disposto no artigo 52.º, n.º 3, da CDFUE, as disposições da CDFUE, designadamente, o seu artigo 4.º [Proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes] devem ser interpretadas à luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Efetivamente no acórdão de 21/12/2011 (C-411/10 e C-493/10) o Tribunal de Justiça escreveu o seguinte:
(…)
Na sequência desta jurisprudência no Regulamento (UE) 604/2013, além da introdução da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2, nos considerandos 32 e 39, o legislador europeu deixou consignado que «No que se refere ao tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente regulamento, os Estados-Membros encontram-se vinculados pelas obrigações que lhes incumbem por força de instrumentos de direito internacional, nomeadamente pela jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem» e que «O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Em particular, o presente regulamento visa assegurar o pleno respeito do direito de asilo garantido pelo artigo 18.º da Carta, bem como dos direitos nela reconhecidos nos artigos 1.º, 4.º, 7.º, 24.º e 47.º Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser aplicado em conformidade.» (sublinhados nossos).
A jurisprudência do Tribunal de Justiça tirada no acórdão de 21/12/2011 (C-411/10 e C-493/10) foi reiterada por este tribunal no acórdão de 16/02/2016 (C-578/16 PPU, ECLI:EU:C:2017:127), no qual se escreveu o seguinte:
(…)
Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no acórdão tirado no processo Trakhel v. Suiça, «(…) para serem abrangidos pelo artigo 3.º, os maus tratos devem atingir um nível mínimo de gravidade. A avaliação desse mínimo é relativa; depende de todas as circunstâncias do caso, como a duração do tratamento e os seus efeitos físicos ou mentais e, em alguns casos, o sexo, a idade e o estado de saúde da vítima (ver parágrafo 94 acima). Além disso, reitera que, como um grupo populacional "particularmente desprivilegiado e vulnerável", os requerentes de asilo requerem "protecção especial" ao abrigo dessa disposição (ver M. S. S., já referido, § 251).» [https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22fulltext%22:[%22tarakhel%22],%22documentcollectionid2%22: [%22GRANDCHAMBER%22,%22CHAMBER%22],%22itemid%22:[%22001-148070%22]} versão em inglês; parágrafo 108; tradução da signatária].
Nas conclusões do advogado-geral no processo C-578/16 PPU, sobre o modo de aferir da existência de falhas sistémicas, consta o seguinte: «Tais falhas devem ser demonstradas através de elementos de prova sérios e concordantes, designadamente relatórios regulares e concordantes de organizações não governamentais internacionais, do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e das instituições da União» [http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=187694&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=34879].
O sistema de asilo comum assenta no princípio da confiança mútua, pelo que deve presumir-se que o tratamento dado aos requerentes de asilo em cada estado membro está em conformidade com as exigências da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem [cf. neste sentido acórdão do TJUE de 05/04/2016, processos n.ºs C-404/15 e C-659/15; de 16/02/2017, processo n.º C-578/ 6; de 19/03/2019, processos n.ºs C-163/17].
Porém, a transferência de um requerente de proteção internacional para um estado-membro determinado como o responsável nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 não deve ocorrer quando, de acordo com elementos objetivos apresentados pelos requerente e/ou recolhidos pelas autoridades nacionais junto de fontes credíveis, seja possível concluir que: (i) existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante ou (ii) dadas as particulares condições do requerente (designadamente quanto ao seu estado geral de saúde) a transferência implica o risco de vir a sofrer tratamento desumano ou degradante.
Assim, no procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional o SEF deve presumir que o sistema de proteção internacional do estado membro para onde entende que o requerente deve ser transferido respeita os direitos dos requerentes. Em consequência, inexistindo quaisquer elementos que abalem esta presunção não está obrigado a formular um juízo sobre o preenchimento da cláusula de salvaguarda.
Feito este enquadramento, regressemos ao caso dos autos.
Não abala a presunção a alegação genérica de que a Itália se encontra sob forte pressão migratória que coloca em causa o normal funcionamento do sistema de proteção internacional.
Sobre este argumento adere-se à fundamentação do acórdão do STA, de 16/01/2020, processo n.º 02240/18.7BELSB, que se refere a situação idêntica, pelo que é inteiramente transponível para os presentes autos e da qual se extrai o seguinte: «(…) ocorrências relativas a uma situação inusitada: a do fluxo anormal de imigração ilegal de cidadãos de países africanos para a Europa, via Itália. (…) Foi esta avalancha de imigração ilegal, constituída por um universo de imigrantes onde se integrarão potenciais refugiados mas não só, que provocou um deficit nas condições do seu acolhimento por parte de Itália, e terá provocado uma reacção política hostil na mira de suscitar a participação solidária dos demais Estadosmembros na resolução do problema. (…) Assim (…) reflectem toda essa inusitada situação vivida, nomeadamente, em Itália, mas não são apt[a]s a implicar o risco de tratamento desumano ou degradante, mormente tortura, dos requerentes de protecção internacional por parte do Estado Italiano. Temos, por conseguinte, que as notícias (…) não deixando de traduzir uma «situação anómala», não são, por si só, e atentos os contornos da situação, susceptíveis de configurar motivos válidos para crer que se preenche - no caso concreto - a hipótese legal prevista no 2º parágrafo do nº2 do artigo 3º do Regulamento [EU] 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013. Isto é, elas não constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corra o risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, mormente tortura, por parte das autoridades italianas. (…)» [extrato da fundamentação do acórdão do STA, de 16/01/2020, processo n.º 02240/18.7BELSB, que se refere a situação idêntica, pelo que a sua argumentação é inteiramente transponível para os presentes autos].
Resta verificar se atentas as declarações do requerente no procedimento – e com base nas quais o SEF decidiu – o seu caso concreto permite reconhecer que a transferência para Itália representa um risco sério de poder vir a sofrer um tratamento desumano ou degradante.
Dito de outro modo, há que verificar se as declarações do requerente permitem abalar a presunção de que em Itália o sistema de proteção internacional respeitou os direitos do requerente.
O requerente nas declarações que prestou perante o SEF e na pronúncia que apresentou alegou o seguinte [cf. pontos 4 e 5, da matéria de facto]: que em Itália beneficiou de alojamento, alimentação, cuidados médicos e que chegou a trabalhar e que o único motivo pelo qual saiu de Itália foi porque o seu pedido não foi aceite e, como tal, logrou regularizar a sua permanência em território italiano.
Perante estas declarações a entidade requerida não encetou quaisquer diligências adicionais e não errou ao fazê-lo, não se verificando os vícios que o requerente imputa ao ato, o que conduz à absolvição da entidade demandada do pedido.».

E o assim decidido é para manter.

Com efeito, limita-se o Recorrente a manifestar a sua discordância da decisão de improcedência do tribunal recorrido, reiterando que existe um déficit instrutório procedimental gerador da ilegalidade do acto impugnado e violação do artigo 18º nºs 1 e 4 da Lei nº 27/2008 e do artigo 87º, nº 1 do CPA, dado que a saturação completa do sistema de asilo italiano pode, em determinadas circunstâncias, levar a que os direitos dos requerentes de asilo reconhecidos no artigo 18º da Carta dos Direitos Fundamentais não sejam garantidos nesse Estado-membro, pelo que a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 7º e 19º da referida Lei [conclusões D) a F)], sem densificar ou procurar demonstrar que assim acontece ou aconteceu no seu caso concreto.
O mesmo é dizer, sem atacar a análise à factualidade considerada assente efectuada [reproduzida supra] pelo juiz a quo, mormente ao que concretamente declarou no procedimento administrativo, sobre as condições de que beneficiou no período em que esteve ao cuidado das autoridades italianas como requerente de protecção internacional. E sem reagir, de forma sustentada, contra a interpretação e aplicação do direito vigente na matéria, ou a jurisprudência, comunitária e nacional, indicada, que temos por adequadas e pertinentes.
Assim, no que concerne ao alegado défice de instrução do acto impugnado, nos termos e para os efeitos do previsto no nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, nada do que vem alegado no recurso permite infirmar o decidido, de forma clara e coerente, pelo tribunal a quo.
Nem nas declarações que prestou ao SEF nem na petição inicial ou mesmo no recurso o A./Recorrente relatou quaisquer factos ou situações vivenciadas por si em Itália que pudessem indiciar de forma séria e concreta vir a sofrer tratamento desumano ou degradante, a efectivar-se a sua transferência para esse país, quanto mais com a gravidade exigida do artigo 4º da CDFUE.
Nem sequer os genericamente declarados problemas de saúde – dores num joelho - assumem gravidade que implique mais instrução prévia do seu pedido ou evite a sua transferência para Itália, o Estado-Membro considerado responsável e que aceitou a responsabilidade de apreciar o pedido formulado junto ao SEF.
Face ao que é de concluir, como o tribunal a quo, que a decisão de transferência do Recorrente para o Estado-membro responsável pela apreciação do seu pedido de protecção internacional não tem como pressuposto legal a análise prévia, oficiosa e injuntiva, de que nesse Estado existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção.
No mesmo sentido, v., para além do referido acórdão de 16.1.2020, proc. 2240/18.7BELSB, os acórdãos do STA de 4.6.2020, no proc. 01322/19.2BELSB e de 2.7.2020, no proc. 1786/19.4BELSB, e designadamente, os acórdãos deste TCA de 30.1.2020, proc. nº 1662/19.0BELSB, de 13.2.2020, proc. nº 1708/19.2BELSB, de 9.9.2021, proc. 611/21.0BELSB, de 3.2.2022, proc. nº 545/21.9BELSB [confirmado pelo acórdão do STA, de 21.4.2022, que negou o recurso de revista], de 26.1.2023, proc. nº 1133/22.8BELSB e de 23.3.2023, proc. 378/21.2BELSB, consultáveis todos em www.dgsi.pt
Razões pelas quais o presente recurso não pode proceder.

Nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 20 de Junho, o presente processo é gratuito, não havendo lugar a custas.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 11 de Maio de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)