Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2978/12.2 BELRS |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 02/16/2023 |
![]() | ![]() |
Relator: | ANA CRISTINA DE CARVALHO |
![]() | ![]() |
Descritores: | TRÂNSITO EM JULGADO INEFICÁCIA DO RECURSO |
![]() | ![]() |
Sumário: | O trânsito em julgado de questão que conduziu à procedência da oposição, obsta a que a sentença possa ser revogada se o recurso foi deduzido apenas quanto a um dos fundamentos que determinaram a procedência da acção. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as juízas que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO A Representante da Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o previsto no n.º 3, artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por J. S M. contra o processo de execução fiscal n.º …..454 e aps, originariamente instaurado contra a L., Lda., para cobrança coerciva de € 170.260,86, referente a IVA, IRC, IRS e IS dos anos de 2008 a 2010. A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui recorrida padece de erro de julgamento, pois face à prova produzida, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o oponente foi efectivamente gerente da devedora originária no período a que respeitam os impostos em dívida. B. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso sub judice, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte do ora recorrido. C. Das declarações de parte, o ora Oponente identifica-se prontamente como gerente da sociedade “L., LDA” desde 2006 até “acabar”, isto é, 2010 (conforme o declarado entre os minutos 01:01 a 01:16 do seu depoimento). D. Ao longo do depoimento de parte o Oponente afirmou o seguinte: · “…a nossa empresa…” (minutos 04:21, 06:02 e 13:52 do seu depoimento) · “…pedimos um apoio ao IAPMEI (minuto 06:01 do seu depoimento) · “Em 2008 investimos num programa de informática analítica…” (minuto 07:05 a 07:12 do seu depoimento) · “verificámos que havia ali falhas das declarações fiscais e decidimos depois repor essas declarações fiscais” (minuto 08:05 a 08:16 do seu depoimento) · “…contratámos essa empresa GEST 7…” (minuto 08:26 do seu depoimento) · “falámos em conjunto com o nosso contabilista que entrou, falámos com a Administração Fiscal, fizeram-se planos e acordou-se planos de pagamento…” (minuto 08:52 a 09:03 do seu depoimento) · “…abrimos uma linha com a Caixa… uma linha de factoring…” (minuto 10:18 a 10:27 do seu depoimento) · “tentámos reduzir todos os custos possíveis, mudámos de instalações… reduzimos os nossos salário…” (minuto 12:59 a 13:14 do seu depoimento) · “Nós fizemos vários negócios com eles… pensámos pôr um processo de cobrança em tribunal… prescindimos cerca de € 100.000,00 na nossa fatura para eles nos pagarem rapidamente” (minuto 15:24 a 16:20 do seu depoimento) · “Fizemos algumas injunções” (minuto 24:56 do seu depoimento) E. No depoimento de parte o próprio Oponente identifica-se como gerente, pelo que não há margem para dúvidas que o mesmo era gerente da sociedade “L., LDA”, pois é o próprio a assumir tal qualidade. F. Considerando os excertos supra citados do depoimento de parte, parece-nos claro que o oponente J. S. M. praticou actos de gerência, consubstanciados nas opções de gestão da sociedade “L., LDA” tomadas pelo próprio. G. Conforme o próprio Oponente afirma, decidiu pedir apoio ao IAPMEI, pedir apoio aos bancos, mudar o programa informático analítico, contratar uma empresa de contabilidade, apresentar declarações fiscais de substituição, abrir uma linha de factoring com a Caixa, vinculando, com tais actos, a sociedade perante terceiros. H. O ora Oponente realça que perante as dificuldades financeiras tomou medidas no sentido de tentar reduzir os custos dando como exemplo a mudança de instalações e redução dos salários. I. O Oponente chega a dar um exemplo de uma situação concreta com um cliente em que depois de reuniões de negociação, decidiram prescindir cerca de € 100.00,00 da fatura. J. O Oponente referiu, ainda, que abriram uma linha de factoring com a Caixa, cujo contrato de factoring foi assinado pelo Oponente. K. Decidiu-se na douta sentença ora recorrida que a prova da gerência de facto resume-se à existência do referido contrato de factoring, no entanto, salvo o devido respeito, cremos que do depoimento de parte resulta claro que o ora Oponente tinha uma participação ativa na gestão da sociedade, decidindo o rumo e a estratégia a seguir pela mesma e não se limitou a assinar o referido contrato de factoring. L. Ora, do depoimento de parte e conforme excertos supra evidenciados reflectem que o Oponente praticou típicos actos de gerência, essenciais ao exercício da actividade regular da sociedade originária devedora, pelo que comprova, sem margem para dúvidas, o exercício da gerência de facto por parte do Oponente que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fica juridicamente vinculada. M. Fica, assim, demonstrado que o Oponente para além de gerente de Direito era gerente de facto da L., LDA”. N. Destarte, sendo a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados exteriorizados pelo gerente, a Fazenda Pública fez a prova da prática de actos exteriorizadores dessa vontade que vincula a sociedade devedora originária perante terceiros. O. Perante o exposto, não resta senão concluir que o oponente exerceu de facto a gerência da sociedade, pelo que, a douta sentença ao decidir como decidiu não fez uma correcta apreciação da matéria de facto. P. Assim sendo, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que não ficou provada a gerência de facto da devedora originária por parte do Oponente, julgando-o parte ilegítima na execução, no entanto, como ficou demonstrado supra, o ora Oponente era gerente de direito e de facto da sociedade “L., LDA”, pelo que deveria ter sido considerado parte legítima na execução. Q. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a actuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT. R. Ora, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se conforma com a decisão proferida, e isto porque, atento aos elementos probatórios juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade do recorrido. S. Daqui decorrendo que a Fazenda Pública, carreou toda a prova necessária que permite, com elevado grau de certeza jurídica, confirmar a gerência de facto do Oponente. T. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.” * O Oponente, aqui Recorrido, apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição do recurso interposto pela Recorrente por incumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC, mais pugnando, subsidiariamente, pelo não provimento de recurso interposto, porquanto, alega, a sentença recorrida não padece de qualquer vício ou erro de julgamento.* Notificado, o Ministério Público através do Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da baixa dos autos ao Tribunal a quo para renovação da produção de prova testemunhal e fixação do quadro factual suficiente para o julgamento da causa, porquanto, refere, a sentença padece de défice instrutório.* II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (artigo 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal. Por outro lado, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida efectuou errado julgamento e apreciação da prova, por resultar das declarações de parte e da restante prova produzida, a prova de que o Oponente ora recorrido exerceu as funções de gerente de facto da sociedade executada. * III. FUNDAMENTAÇÃO III.1. De facto A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos: A) Do Registe de Constituição da Sociedade com a denominação social L., Lda, com objecto social a prestação de serviços de consultadoria e instalação de redes de telecomunicações, instalações eléctricas, informática e publicidade, comércio de equipamentos informáticos e telecomunicações, onde consta, designadamente: Ap/20061006 – Contrato de Sociedade e Designação de Membro(s) de Órgão(s) Social(ais) (…). Sócios e quotas: Quota: 2.550,00 Euros Titular: C. – C. I., Lda (…). Quota: 2.450,00 Euros Titular: N. R. C. M. R. (…). Forma de obrigar: pela assinatura de dois gerentes ou de um procurador com poderes para o acto. Órgão(s) designado(s) J. s. M. (…). N. R. C. M. Cargos: gerentes Data da deliberação: 20060925 (…). Ap 114/20101216 Cessação de Funções de Membro de Órgão(s) Social(ais) Gerência: Nome/Firma: J. S. M. (…). Nome/Firma: N. R. C. M. R. (…). (…). Ap 115/20101212 – Designação de Membro de Órgão(s) Social(ais) (…). Gerência: Nome/Firma: M. J. T. p. O. (…) Data da deliberação: 2010-12-12 (…). B) Contra a sociedade identificada em A) foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal:
C) Na declaração anual/Informação Empresarial Simplificada, relativa ao ano de 2007, é indicado como NIF do representante legal da sociedade identificada em A): 138… (fls 83 a 96, dos autos); D) No ano de 2007 o oponente apôs a sua assinatura num contrato de factoring que celebrou a C., conforme fls 235 a 243, dos autos; E) Na declaração anual/Informação Empresarial Simplificada do ano de 2009 é indicado como NIF do representante legal da sociedade identificada em A): 215… (fls 927a 109, dos autos); F) Na declaração anual /Informação Empresarial Simplificada, relativa ao ano de 2009, é indicado como NIF do representante legal da sociedade identificada em A): 215… (fls 57 a 66, dos autos); G) Em 26-11-2009 N. M. R. requereu junto da Administração Tributária o pagamento em prestações nas dívidas exequendas nos seguintes processos de execução fiscal (fls 137 a 151, dos autos):
I) No decurso do pagamento em prestações, cujos pedidos foram deferidos, a AT penhorou diversos créditos que a sociedade, identificada em A) detinha sobre clientes (inquirição das testemunhas); J) Com a penhora dos créditos por parte da AT, a sociedade deixou de poder cumprir o plano de prestações de pagamento das dívidas tributárias e de pagar os demais compromissos (inquirição das testemunhas); K) Para possibilitar a recuperação da sociedade esta mudou de instalações e foram reduzidos os salários, combustíveis, estadas (inquirição das testemunhas); L) Da comparação das IES’s dos exercícios de 2007, 2008 e 2009 é possível extrair a conclusão de que houve uma redução de fornecimento de prestações de serviços objecto da sociedade (documentos nºs 7, 8 e 4); M) A sociedade identificada em A) instaurou diversos processos para cobrança dos créditos de clientes que estavam em dívida (inquirição das testemunhas); N) Do exercício de 2011, de IRC, encontra-se identificado o NIF do representante legal como sendo: 242…. (fls 194 a 199, dos autos); O) Em 17-03-2011 foi proferido despacho para (reversão) contra J. S. M. (ou oponente) onde consta, nomeadamente (fls 53 do PEF): DESPACHO Face às diligência de fls __________, e estando concretizada a audição do(s)responsável(eis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra J. S. M., contribuinte … (…). FUNDAMENTOS DA REVERSÃO Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não lhe terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (artº 24º nº 1 al b) da LGT). P) Em 23-05-2011 o oponente foi citado (fls 57 e 61, do PEF); Q) Em 27-06-2011 deu entrada a petição de oposição.» * A convicção do Tribunal a quo assentou “nos documentos indicados relativamentea cada um dos factos os quais não foram impugnados, bem como, no depoimento das testemunhas inquiridas. Dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente não pode deixar de se salientar que inferiram o que consta dos documentos.”. No que se refere às declarações de parte e da inquirição das testemunhas, diz a sentença o seguinte: “J. S. M., referiu que, em 2008, foi contratada uma empresa de contabilidade externa e fizeram um levantamento da situação da empresa, tendo sido verificado falhas nas declarações fiscais tendo sido verificado a existência de dívidas fiscais. Fizeram plano de pagamentos. Disse que, no 2º semestre de 2008 alguns clientes colocaram em standby os seus projectos, outros cancelaram-nos e foram aguentando os encargos de estrutura em razão dos projectos em carteira, sendo que os clientes começaram a atrasar-se nos pagamentos. Mais disse que os clientes começaram a deixar de pagar, tiveram de contratar um advogado para a cobrança os clientes passaram a pagar com atraso e recorreram a contrato de factoring com o consequente pagamento de juros. Apesar do acordo de pagamento com a AT os fisco veio a penhorar as contas junto dos clientes bem como os bancos faziam-se pagar com o dinheiro existente nas contas. Foram reduzidos os custos, com mudança de instalações, redução de salários em 2009. No que respeita às retensões na fonte explicitou que o dinheiro ficava no banco e era consumido por estes. Tentaram recuperar os créditos de empresas como a V. Mais, que acabaram por prescindir de 100 mil euros e a F. terá acontecido uma coisa semelhante e da T. W. nada receberam. N. R. C. M. R., foi sócio gerente da sociedade devedora originária no mesmo período da oponente, disse que as dívidas em causa foram apuradas durante o ano de 2009, na sequência da entrega de novas declarações do ano de 2008. Referiu que a empresa começou a ter dificuldades em receber, houve empresas de que não conseguiram receber e outras tiveram que fazer acordo para receber algum. Em 2009 apareceram os processos tributários, onde foram cumpridos o 1º e 2º pagamentos, tendo sido dado como garantia o stock, que foi aceite. Mais tarde os clientes foram notificados da penhora dos créditos. Em final de 2010 a sociedade foi vendida pelo valor do capital social. Fizeram redução de salários. J. A. L. J., era gerente da sociedade de contabilidade, tendo começado a trabalhar com a sociedade no 2º trimestre de 2009 e verificaram a contabilidade de 2008 que veio a dar lugar à entrega de declarações de substituição de IVA, IRS e da SS que deu lugar a imposto a pagar. Foi no momento em que houve decréscimo de vendas com a perda de clientes.” * III.2. Da apreciação do recurso O recorrido deduziu oposição invocando como fundamentos (seguindo a ordem indicada na petição inicial): a falta de verificação de pressupostos para a reversão, concretizando com a ausência de prova do exercício da gerência e a existência de património da sociedade; a inconstitucionalidade do regime de reversão de dívidas tributárias; a inconstitucionalidade do regime de reversão de coimas; a falta de pressupostos para a reversão de coimas e a falta de culpa pelo não pagamento do tributo na origem da dívida exequenda. A sentença julgou procedente a acção no seguinte entendimento: «Não tendo sido feita qualquer prova de que o oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, também a exerceu de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, não pode ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas, sendo, por isso, parte ilegítima na execução fiscal. Não se tendo provado a gerência de facto da devedora originária por parte do oponente, não se torna necessário apurar da existência dos demais vícios imputados à reversão, mas, de todo o modo não podemos deixar de salientar que estando a ser pagos os montantes em dívida na decorrência dos planos de pagamento elaborados pela AT, como se verifica do ponto H) e na sequência dos pedidos de pagamentos em prestações apresentados (ponto G) dos factos assentes), que foram deferidos, a AT procedeu a penhoras de créditos da devedora originária que esta detinha sobre os seus clientes, inviabilizando assim, a possibilidade de cumprimento não só desse plano de pagamentos, como dos demais compromissos e obrigações, designadamente, os impostos que, entretanto se foram vencendo, como também o pagamento de salários e fornecedores, sem os quais a sociedade não consegue prosseguir com a actividade. Sendo parte ilegítima na execução e procedente a oposição com este fundamento, ficam por conhecer quaisquer outros fundamento da oposição.” (sublinhados e destacados nossos). A Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido sustentando que ocorre erro de julgamento pois, da prova produzida deveria ter-se extraído conclusão diversa por considerar que, ao contrário do decidido, foi feita prova da gerência de facto pelo Oponente resultando das declarações de parte que o Oponente se assumiu como gerente identificando as opções de gerência que por si foram tomadas em representação da sociedade executada principal, no sentido de reduzir os custos e pagar as dívidas. O Tribunal recorrido, apesar de ter julgado que não foi feita a prova da gerência de facto da devedora originária pelo recorrido e ter julgado prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, acabou por apreciar a questão da culpa. Com efeito, não obstante declarar que «não se torna necessário apurar da existência dos demais vícios imputados à reversão» ainda assim, recorda-se, o Tribunal a quo acabou por apreciar a questão da culpa nos seguintes termos: «mas, de todo o modo não podemos deixar de salientar que estando a ser pagos os montantes em dívida na decorrência dos planos de pagamento elaborados pela AT (…) que foram deferidos, a AT procedeu a penhoras de créditos da devedora originária (…)». Prosseguindo a sua apreciação concluindo que tal actuação da AT teve várias consequências que indica: «inviabilizando assim, a possibilidade de cumprimento não só desse plano de pagamentos como dos demais compromissos e obrigações, designadamente, os impostos que, entretanto se foram vencendo, como também o pagamento de salários e fornecedores, sem os quais a sociedade não consegue prosseguir com a actividade.» Bem ou mal, apesar do Tribunal recorrido ter apreciado um dos vícios invocados na petição inicial, concluindo pela sua procedência e de ter expressamente julgado prejudicada a apreciação das demais questões acabou por conhecer da questão da culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias, invocada na petição inicial. Face ao exposto, importa ter presente que, havendo dois fundamentos de procedência da acção, para que o recurso seja eficaz deve incidir sobre ambos os fundamentos, sob pena de ocorrer o trânsito em julgado na parte não recorrida. Isto porque será inócuo que o tribunal de recurso aprecie e conceda provimento ao recurso quanto a um dos fundamentos se o outro se mantiver, na medida em que se mantém a procedência da acção. Neste sentido, pode ver-se o Acórdão deste TCA proferido no processo n.º 09673/16 datado de 26/01/2017 relatado pela 2ª Adjunta deste colectivo, embora se refira à falta de fundamentação do despacho de reversão, a questão central é a mesma, sendo aqui inteiramente aplicável, cuja fundamentação aqui se acolhe: «(…) como está bem de ver, que se a Recorrente se limita a atacar a sentença quanto ao aí apreciado e decidido quanto à falta de prova (a cargo da Fazenda Pública) do exercício da gerência de facto - deixando de fora o eventual erro de julgamento quanto à considerada falta de fundamentação do despacho de reversão (em qualquer uma das apontadas vertentes) – o sucesso do recurso interposto está comprometido à partida. Com efeito, mesmo que o Tribunal viesse a considerar que assistia razão à Fazenda Pública quanto à prova da gerência efectiva da devedora originária, por parte do executado (…), a verdade é que sempre permaneceria intocado o decidido quanto à falta de fundamentação do despacho de reversão, fundamento este que, nos termos expostos, sustentou (também) a decisão de procedência da oposição. Por conseguinte, como atrás dissemos, sempre o recurso em apreciação estaria condenado ao insucesso, no sentido de que, nos termos em que se apresenta gizado, qualquer que seja a questão que nos vem dirigida [vejam-se as questões i), ii) e iii) que atrás autonomizámos], é efectivamente inoperante como meio de pôr em causa o acerto do decidido e permitir ao Tribunal ad quem a reapreciação do mesmo. Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, se terá que concluir pelo não provimento do presente recurso.» Ora, é insofismável que é pelas conclusões com que o recorrente extrai das suas alegações, que se determina objecto do recurso e o âmbito de intervenção deste tribunal, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. No caso dos autos, se bem atentarmos nas conclusões da alegação de recurso, a verdade é que aí não encontramos uma alusão sequer à segunda questão referida na sentença. Poder-se-á questionar se esse segmento da decisão constitui uma verdadeira apreciação da questão da falta de prova da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora em face dos termos em que foi redigido. Com efeito, a apreciação levada a cabo pelo Tribunal recorrido foi direcionada à apreciação das circunstâncias que tiveram lugar no período relevante para a apreciação da causa, para concluir que, nessas circunstâncias foi inviabilizada «a possibilidade de cumprimento não só desse plano de pagamentos como dos demais compromissos e obrigações, designadamente, os impostos que, entretanto se foram vencendo como também o pagamento de salários e fornecedores, sem os quais a sociedade não consegue prosseguir com a actividade. Tal apreciação constitui um juízo sobre a imputabilidade quanto à fata de pagamento das dívidas tributárias exequendas e tanto assim é que a seguir o Tribunal recorrido conclui que «[s]endo parte ilegítma na execução e procedente a oposição com este fundamento, ficam por conhecer quaisquer outros fundamento da oposição.» As conclusões de recurso dirigem o ataque ao decidido centrando-se apenas na existência de prova do exercício da gerência, que a Fazenda Pública entende ter sido assumida/confessada pelo Oponente nas declarações de parte prestada. Perante tal julgamento e tendo presente o estatuído nos n.ºs 3 e 4 do artigo 635.º, do CPC, respectivamente «[n]a falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente»; e que «[n]as conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso» constatamos que a recorrente não restringiu expressamente o objecto do recurso, sendo certo que conclui pedindo que «a decisão seja revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente», também não decorrendo das conclusões das alegações de recurso que a delimitação do objecto do recurso tenha sido efectuada implicitamente. Assim, impõe-se concluir que, por nada ser referido quanto a tal questão, esquecendo que a oposição não foi julgada exclusivamente com base da falta de prova do exercício das funções de gerente, a sentença objecto do presente recurso não foi eficazmente atacada com vista à sua revogação quanto à segunda questão em que se fundou a sentença para julgar procedente a oposição, ou seja, a referida falta de prova da culpa da revertida pela insuficiência do património social da originária devedora. Alcançam-se as razões da recorrente, contudo, dirigida toda a argumentação do recurso jurisdicional ao erro da sentença quanto à não consideração da prova da gerência de facto da devedora originária, a verdade é que, ainda que tal gerência de facto se viesse a considerar provada, nada dizendo quanto ao outro fundamento da sentença, tal não levaria ao provimento do recurso, devendo concluir-se pelo trânsito em julgado quanto à segunda questão, pelo que, se impõe julgar improcedente o recurso. * IV - Dispositivo Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.Custas pela recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023. Ana Cristina Carvalho - Relatora Hélia Gameiro – 1ª Adjunta Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta |