Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:141/13.4BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:06/07/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ERROS E OMISSÕES NAS MEDIÇÕES
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I – Sendo, ou não, viável tecnicamente a execução da obra, em simultâneo, por dois empreiteiros, tal não obsta a que se dê por verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano produzido, uma vez que a sua verificação não está necessariamente dependente da referida possibilidade de execução simultânea da empreitada por dois empreiteiros.
II - O instituto da responsabilidade contratual apenas gera obrigação indemnizatória com o preenchimento cumulativo de todos os pressupostos (cfr. artigo 798.º do Código Civil), sendo que a falta de um dos pressupostos, imporia a improcedência indemnizatória peticionada.
III - Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
IV - O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
Por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador do tribunal recorrido dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem pode e deve sindicar, mas apenas quando ocorra manifesto erro na sua apreciação, que contamine e inquine a decisão final.
V - Tal como sucede a qualquer contrato, o incumprimento do clausulado de um contrato administrativo por uma das partes contraentes, constitui fonte de responsabilidade civil.
Independentemente da viabilidade técnica da manutenção em obra de duas empreitadas com idêntico objeto e objetivo, é incontornável que tendo sido os erros do Recorrido na quantificação do “mapa de quantidades”, que determinaram a verificação dos reclamados prejuízos sofridos pelo Município, sempre assim se verifica um manifesto nexo de causalidade entre o facto e o dano efetivamente verificado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Município de Coruche, tendo intentado Ação Administrativa Comum contra a A..... Lda., com vista à condenação desta no pagamento de uma indemnização fundada no instituto da responsabilidade contratual, resultante da elaboração dos projetos para o edifício do Observatório do Sobreiro e da Cortiça e que, por erros e omissões nas medições do projeto (Mapa de Quantidades de Trabalho), a empresa construtora, contratada posteriormente para executar a empreitada, não conseguiu concretizar o trabalho atento o desvio de cerca de 30% do valor da adjudicação da empreitada, inconformado com a decisão proferida em 31 de dezembro de 2022, no TAF de Leiria, que, nomeadamente, julgou a ação improcedente, veio em 15 de fevereiro de 2023, recorrer jurisdicionalmente para esta instância.
Formulou a aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso apresentadas, as seguintes conclusões:
“I. Não se conformando com o teor da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a 31.12.2022, que, por um lado, julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo a Recorrida da mesma, e que, por outro lado, decidiu pela improcedência do pedido reconvencional, tendo, do mesmo modo, absolvido o Recorrente do pedido, vem este último interpor recurso de apelação da sentença proferida;
II. Rememore-se que, em primeiro lugar, e para o que releva no seio do presente recurso, andou mal o Tribunal a quo ao decidir ter como não provado nos presentes autos o seguinte facto: “Que fosse tecnicamente inviável a execução da obra, em simultâneo, por dois empreiteiros” – cfr. ponto 1 dos factos dados como não provados;
III. Neste sentido, “(…) por falta de evidências bastantes, entende o tribunal que o facto alegado pelo autor não resulta provado nos autos”;
IV. Ora, estribado, assim, em tal (má) decisão sobre o facto ora em crise, e pese embora tenha identificado (e bem) que o objeto da presente ação se encontra relacionado com a aferição do preenchimento dos pressupostos do regime da responsabilidade civil contratual, o Tribunal a quo deu como verificados, na situação ora sob escrutínio, os primeiros quatro requisitos de que depende a aplicação do regime da responsabilidade civil contratual (facto, ilícito, culposo e gerador de um dano), tendo, contudo, dado como inverificado o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano efetivamente provocado;
V. Por força de tal entendimento sobre a falta de verificação do último dos requisitos de que depende a aplicação prática da responsabilidade civil contratual, o Tribunal a quo acabou por concluir no seguinte sentido: “O instituto da responsabilidade contratual apenas gera obrigação indemnizatória com o preenchimento cumulativo de todos os pressupostos (cfr. artigo 798.º do Código Civil), sendo que a falta de um dos pressupostos, impõe concluir pela improcedência da ação”;
VI. Porém, não pode a ora Recorrente conformar-se com a decisão de dar como não provado o facto 1 plasmado no rol desse tipo de factos, e, consequentemente, por incindivelmente ligadas, com a decisão de não verificação do requisito da responsabilidade civil relacionado com o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, porquanto as mesmas incorrem em manifesto erro de julgamento de Direito, ofendendo os mais elementares ditames jurídico-legais;
VII. Para o presente efeito, deve-se ter presente que o procedimento pré-contratual de “concurso limitado sem apresentação de candidaturas” para adjudicação do contrato de prestação de serviços de “elaboração dos projetos para o edifício do observatório do sobreiro e da cortiça” foi lançado pelo aqui Recorrente a 25.06.2006;
VIII. Tendo sido convidada para o efeito, a Recorrida apresentou proposta no seio daquele procedimento, tendo-lhe sido adjudicado o contrato, algo que foi concretizado através do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Coruche datado de 09.10.2006, e cujo instrumento contratual foi outorgado pelas partes a 17.11.2006;
IX. Nestes termos, o projeto globalmente considerado, que previa o ensoleiramento geral, foi entregue, pela Recorrida, a 07.02.2007, tendo sido entregue, juntamente com o projeto de arquitetura/peças desenhadas, um “mapa de quantidades de trabalho”;
X. Sucede que, não só se deram como verificadas omissões no valor de €78.007,51 entre o “mapa de quantidades” e as peças desenhadas, como, de igual modo, entre tais documentos existiam erros referentes a trabalhos a mais no valor de €290.412,29 e erros concernentes a trabalhos a menos cifrados em €161.722,44;
XI. O Recorrente promoveu um concurso para a execução da empreitada com base no projeto de arquitetura e “mapa de quantidades dos trabalhos” apresentados pela Recorrida em 07.02.2007, tendo tal empreitada sido adjudicada à sociedade comercial P....., Lda.;
XII. Na sequência dessa adjudicação, foi celebrado, a 26.06.2007, entre a Recorrente e aquela sociedade comercial, um contrato de empreitada para construção do edifício do observatório do sobreiro e da cortiça, no valor de €1.053.511,60, acrescido de IVA à taxa de 5%, tendo sido realizada a consignação da obra;
XIII. Em agosto de 2007, os técnicos responsáveis pela fiscalização detetaram insuficiências nas quantidades de ferro/aço necessário para fazer o ensoleiramento geral previsto no projeto, o que levou a que se tenha, por diversas vezes, revelado necessário a suspensão da execução da empreitada, de forma a que o projeto elaborado pela Recorrida fosse corrigido e, nessa medida, criadas as condições para o prosseguimento da execução da obra;
XIV. Face ao sucedido, a Recorrida enviou ao Recorrente, em 03.10.2007, outra versão do “mapa de quantidades”, com acertos, designadamente, quanto ao item do aço do ensoleiramento do piso 0;
XV. Não obstante, tal mapa continha incorreções, tendo o aqui Recorrente remetido um fax à ora Recorrida em que lhe transmitia a existência de tais desconformidades e a alertava para a necessidade de envio de “medições detalhadas”, tendo esta última respondido à primeira, a 08.10.2007, juntando a "versão completa das Medições e Orçamentos”;
XVI. Acontece que, o referido mapa continha erros de medição, em comparação às peças desenhadas e entregues em 07.02.2007, no valor de €40.271,59;
XVII. Perante o contexto fáctico que ora se explana de forma sintética, o Recorrente deliberou, a 12.10.2007, aprovar o projeto de rescisão do contrato de empreitada celebrado com a sociedade comercial P....., Lda., tendo fundamentado devidamente tal decisão;
XVIII. Na sequência de tal rescisão, que se tornou definitiva a 24.10.2007, o Recorrente determinou o lançamento de um novo procedimento concursal para realização da empreitada de execução do edifício do Observatório do Sobreiro e da Cortiça, a 12.12.2007, tendo pedido à Recorrida para apresentar novos elementos que pudessem servir de base ao novo concurso;
XIX. Uma vez concretizada a rescisão do contrato de empreitada consigo celebrado, a sociedade comercial P....., Lda. reclamou, junto da Recorrente, ter executado trabalhos no valor de €72.515,25;
XX. Analisada a viabilidade do pedido apresentado nesse sentido pela sociedade comercial P....., Lda., o Recorrente deliberou, em 27.02.2008, pagar àquela a quantia de €95.954,04 “correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão dos preços nos termos do artigo 234.º do Dec. Lei 59/99”, tendo tal pagamento sido efetivamente realizado;
XXI. Ora, por força do pagamento dessa indemnização, a Recorrente intentou, no passado dia 28.01.2013, uma ação administrativa comum, com processo ordinário, contra a Recorrida, através da qual peticionava a condenação desta última ao pagamento de uma indemnização no valor total de €95.954,04, acrescido dos juros vencidos e vincendos, calculados às taxas legais aplicáveis;
XXII. No seguimento da tramitação processual que acima se deixou devidamente descrita, foi proferida pelo Tribunal a quo, a 30.12.2022, uma sentença, por meio da qual o doutro Tribunal decidiu pela improcedência da ação e do pedido reconvencional, tendo, respetivamente, absolvido a Ré, ora Recorrida do pedido principal, e absolvido a aqui Recorrente do pedido reconvencional por si deduzido;
XXIII. Acontece que, conforme se propõe demonstrar, a sentença recorrida padece de flagrantes erros de julgamento, quer de facto, quer de Direito, motivo pelo qual deverá ser revogada com todas as legais consequências;
XXIV. Com efeito, pese embora o Tribunal a quo pareça ter levado em parca conta o seu teor, a testemunha H..... produziu um depoimento sério, fundamentado e credível e que, nessa medida sempre seria mais do que suficientemente idóneo para que se tivesse como provada a inviabilidade técnica da manutenção de dois empreiteiros em obra;
XXV. Repare-se que o depoimento ora em causa corresponde às declarações de uma testemunha especialmente avalizada para depor sobre o facto ora em causa, uma vez que, como bem assinalou o Tribunal a quo, a mesma desempenha funções de técnica da Câmara Municipal de Coruche há cerca de duas dezenas e meia de anos;
XXVI. Tal circunstância faz com que a testemunha ora em causa seja dotada de um elevado grau de experiência na execução de empreitadas o que lhe atribui uma capacidade de perceção acima da média sobre se a execução desta empreitada em específico era ou não tecnicamente possível de ser levada a cabo, do ponto de vista técnico, por dois empreiteiros;
XXVII. Além disso, não corresponde de todo à realidade que, tal como consta da decisão recorrida, o depoimento prestado pela testemunha H..... esteja “(…) desacompanhado de outros elementos que pudessem conferir solidez à opinião da testemunha e convencer o tribunal de que seria de facto tecnicamente inviável manter dois empreiteiros em obra”;
XXVIII. Como o Tribunal a quo não tem como desconhecer, várias outras testemunhas, entre as quais, as testemunhas J..... e S....., afirmaram, para lá de qualquer dúvida, que seria inviável, tecnicamente, a permanência de dois empreiteiros em obra;
XXIX. Ora, temos que, não foi apenas o depoimento da testemunha H.....a atestar a inviabilidade da execução da empreitada por dois empreiteiros em simultâneo, tendo tal depoimento sido corroborado pelos de outras testemunhas que afiançaram, de igual modo, tal inviabilidade, tendo as suas declarações sido incompreensivelmente ignoradas pelo Tribunal a quo;
XXX. Nesta medida, descrevendo o elevado grau de especialização da testemunha ora em causa, bem como indicando o excerto do seu e de outros depoimentos que impunham decisão diferente daquela que foi tomada pelo douto Tribunal a quo relativamente à prova do facto ora sob escrutínio, outra não pode ser a conclusão que não a de que se encontra igualmente cumprido o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;
XXXI. De resto, a decisão tomada pelo Tribunal a quo relativamente a dar ou não como provado o facto ora em causa encontra-se também eivada de vícios de raciocínio que cumpre, desde já, desmistificar porque indutores de uma má decisão sobre a matéria de facto;
XXXII. Como o Tribunal a quo sabe, ou pelo menos deveria saber, aquilo que teria que ser aquilatado nos presentes autos para uma justa composição do litígio era se, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso e dos termos em que foi elaborado o projeto de empreitada, era ou não tecnicamente possível a execução da empreitada por dois empreiteiros em simultâneo;
XXXIII. Nesse sentido, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo tomou uma decisão sobre o facto ora em causa estribado num entendimento genérico, que não respeita as particularidades evidentes do caso (inclusivamente reconhecidas pelo próprio Tribunal) e que, pese embora a sua valia técnico-jurídica, não é idóneo a permitir ao Tribunal a formação de uma convicção minimamente séria sobre a verificação do facto ora em discussão, muito menos no sentido em que esta foi expressa;
XXXIV. De igual modo, também não é digna de qualquer tipo de valia jurídica a última justificação do Tribunal a quo para dar como não provada a inviabilidade técnica da manutenção de dois empreiteiros em obra, pois que, como o Tribunal a quo demonstrou ter percebido (designadamente ao dar como provados os factos previstos nos pontos Z, AA), BB), CC), DD), EE), FF), GG), HH), II), KK dos factos dados como provados), o Recorrente, num esforço de perene boa-fé, e já numa fase de execução da empreitada, tentou a todo o custo permitir à Recorrida que a mesma corrigisse os erros evidenciados pelo projeto por si elaborado, evitando constrangimentos provocados pela existência de tais erros;
XXXV. Note-se que, em bom rigor, apenas quando a incapacidade demonstrada pela Recorrida em cumprir o contrato de prestação de serviços de elaboração do projeto se tornou absolutamente obstaculizante à execução técnica e jurídica do contrato de empreitada celebrado com a sociedade comercial P....., Lda. é que a Recorrente se viu na obrigação de encontrar uma solução que permitisse a execução técnica da obra e, ao mesmo tempo, o respeito devido ao regime legal ínsito nos artigos 26.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março;
XXXVI. Em boa verdade, tal possibilidade de encontro de soluções técnicas diferentes é que é, em si mesma, confrangedoramente inverosímil na estrita medida em que, apresentando os projetos erros e omissões evidentes e de valor considerável no global da empreitada, nunca o Recorrente estaria em condições de, com base em dados errados ou porosos, ponderar qualquer tipo de soluções técnicas alternativas, com o mesmo ou outros empreiteiros;
XXXVII. Tendo em conta o acima exposto relativamente aos meios probatórios e aos erros de que enferma o raciocínio dedutivo explicitado pelo Tribunal a quo na explanação da motivação da sua decisão sobre a matéria de facto, e para efeitos de cumprimento do requisito ínsito na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, deverá ser julgado como provado o seguinte facto: “Que era tecnicamente inviável a execução da empreitada, em simultâneo, por dois empreiteiros”;
XXXVIII. No que diz respeito à aplicação do Direito à matéria dada como provada, entendeu o Tribunal a quo que, para que possa haver lugar à aplicação do instituto da responsabilidade civil a uma situação de incumprimento de um contrato administrativo, terão de estar verificados, no caso concreto, os mesmos pressupostos da responsabilidade extracontratual.
XXXIX. Nesse seguimento, o Tribunal a quo julgou como verificados, no presente caso, os primeiros quatro requisitos (facto, ilicitude, culpa e dano), tendo, contudo, e numa decisão que a Recorrente não pode, de todo em todo, caucionar, dar como inverificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano produzido;
XL. Resultam dos autos elementos probatórios mais do que suficientes para que se possa dar como provado que era tecnicamente inviável a manutenção, em obra, de dois empreiteiros executando a empreitada ora sob escrutínio;
XLI. Assim sendo, a partir do momento em que existe tal impossibilidade técnica e o Recorrente se encontra legalmente impedido de, como bem reconhece o Tribunal a quo, celebrar um ajuste direto com o mesmo empreiteiro, nunca se poderá afirmar, como despudoradamente fez o Tribunal de 1.ª instância, que “(…) a abertura de um novo concurso permitia manter o contrato já celebrado em vigor, prosseguir os seus termos até final, sem que tal se mostrasse mais oneroso do que a nova empreitada global que veio a ser contratada”;
XLII. Em bom rigor, na eventualidade de o Recorrente ter adotado a conduta caucionada pelo Tribunal a quo, tal acarretaria, desde logo, problemas sobre a quem imputar a responsabilidade por erros na execução da empreitada que incidissem em trabalhos levados a cabo pelos dois empreiteiros envolvidos na execução da obra!
XLIII. Em boa verdade, foi precisamente pelo facto de ser tecnicamente inviável a presença, em obra, de dois empreiteiros que o Recorrente se viu obrigado a, antes de proceder à promoção do novo procedimento, resolver o contrato que havia celebrado com a sociedade comercial P....., Lda., com o pagamento da devida indemnização nos termos legais, criando, assim, margem de manobra jurídica para contratar um novo empreiteiro que pudesse dar continuidade (e finalizar) a empreitada ora sob escrutínio;
XLIV. Assim sendo, a partir do momento em que se dê como provado que a solução de permanência de dois empreiteiros em obra era inviável, cai necessariamente pela base o argumentário segundo o qual poderia ter sido promovido um concurso público que garantisse a conclusão da obra sem necessidade de haver rescisão do contrato com o empreiteiro primitivo e o correspondente pagamento de uma indemnização;
XLV. Pelo contrário, e como acima se deu devida nota, a rescisão de tal contrato – com o pagamento de uma consequente indemnização – passou a ser uma inevitabilidade a partir do momento em que os erros em trabalhos a mais e omissões verificados na medição original do projeto, sendo superior a 25%, não admitiam que esses trabalhos fossem executados no âmbito daquele contrato;
XLVI. Ora, tendo em conta que, tal como a sentença recorrida expressamente consagra, tais erros se verificaram, são imputáveis à Recorrida e produziram um dano cifrado no valor da indemnização paga à sociedade empreiteira, lógico se torna concluir que foi a existência desses erros que estiveram na base na obrigatoriedade da Recorrente rescindir o contrato com a sociedade empreiteira, e, consequentemente, pagar a esta última o valor da indemnização devida nos termos legais;
XLVII. Deste modo, o mesmo será dizer que existe, de facto, um nexo de causalidade claro e incindível entre o facto ilícito e culposo praticado pela Recorrida no seio do contrato de prestação de serviços de elaboração do projeto e o dano que o Recorrente sofreu ao ver-se obrigado a pagar à sociedade empreiteira uma indemnização pela resolução do contrato de empreitada outorgado com a sociedade comercial P....., Lda.;
XLVIII. Além do mais, como é bom de ver, nada obsta a alegação espúria realizada pelo Tribunal a quo relacionada com o timing de deteção dos erros (palmares) evidenciados pelo projeto concebido pela Recorrida;
XLIX. Assim sendo, uma vez dado como verificado o referido pressuposto, haverá que necessariamente se concluir que se encontram verificado, in casu, todos os pressupostos da responsabilidade civil, motivo pelo qual deverá a decisão tomada pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, atestando aquela verificação integral, julgue procedente a presente ação, algo que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, ser a presente ação julgada totalmente procedente, por provada, com as devidas consequências legais; Assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA!”

Em 22 de Fevereiro de 2023 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso interposto.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 27 de abril de 2023, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, no que concerne aos suscitados erros na fixação da factualidade provada, nomeadamente quanto verificar da relevância da execução da empreitada, em simultâneo, por dois empreiteiros, e no que respeita à interpretação do direito, quanto a verificar do preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade contratual, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada:
“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os factos seguintes:
A) O autor, em 25.06.2006, lançou o procedimento pré-contratual de „concurso limitado sem apresentação de candidaturas‟ para adjudicação do contrato de prestação de serviços de „elaboração dos projetos para o edifício do observatório do sobreiro e da cortiça (cfr. doc. 1, da p.i.);
B) O caderno de encargos previa, na cláusula 6.ª, que o projeto geral «deverá integrar, além da arquitetura, todos os projetos da especialidade mencionado no ponto 1.2. bem como outros que eventualmente sejam exigidos na legislação em vigor, para este tipo de construção. (…) Será ainda acompanhado da documentação necessária ao lançamento da obra a concurso público, designadamente: o anúncio, o programa de concurso e o caderno de encargos, clausulas jurídicas e cláusulas técnicas» (cfr. caderno de encargos, doc. 8, da p.i.);
C) A ré foi convidada a apresentar propostas (cfr. doc. 2, da p.i.);
D) A ré apresentou propostas (doc. 8-A, da p.i.);
E) Na proposta apresentada indicou como prazos para execução dos projetos a concurso os seguintes: projeto base (todas as especialidades) – 60 dias; projeto de execução (todas as especialidades) – 75 dias (cfr. doc. 8-A, da p.i.);
F) O contrato foi adjudicado à ré, por despacho do Presidente da Câmara de 09.10.2006 (cfr. doc. 9, da p.i.);
G) Autor e ré celebraram o contrato em 17.11.2006 (cfr. doc. 10, da p.i.);
H) No referido contrato foram definidos os seguintes prazos de execução e entrega dos projetos: «estudo prévio (arquitetura e arranjos exteriores) – 45 dias, após a assinatura do contrato; projeto base (todas as especialidades) – 60 dias, após a aprovação do estudo prévio (arquitetura e arranjos exteriores) e do pagamento referido no ponto 4º a) do programa do concurso; projeto de execução (todas as especialidades) – 75 dias, após a aprovação do projeto base (todas as especialidades) e do pagamento referido no ponto 4º b) do Programa do Concurso» (cfr. doc. 10, da p.i.);
I) A ré entregou, em 07.02.2007, o projeto (cfr. doc. 11, da p.i.);
J) A fase de entrega e aprovação do projeto base foi suprimida e fundida com a fase do projeto de execução, a pedido do autor e aceite pela ré (cfr. doc. 11, da p.i.; depoimento do legal representante; depoimento de S.C.....),
K) E a ré entregou o projeto de execução sem ter entregue o projeto base (cfr. doc. 11, da p.i.; depoimento do legal representante; depoimento de S.C.....),
L) E antes do prazo contratualmente definido (conjugação dos factos provados em F), G) e H), que antecedem);
M) O projeto entregue em 07.02.2007 previa o ensoleiramento geral (depoimento);
N) Juntamente com o projeto de arquitetura/peças desenhadas foi entregue um „mapa de quantidades de trabalho‟ (doc. 11, da p.i.; depoimento);
O) Entre o „mapa de quantidades‟ e as peças desenhadas existem omissões no valor de €78.007,51 (cfr. a p. 2 do relatório pericial, incorporado a fls. 2305, num. sitaf e correspondente a p. 3 do ficheiro pdf.),
P) E erros referentes a trabalhos a mais no valor de €290.412,29 (cfr. a p. 20 do relatório pericial incorporado a fls. 2305, num. sitaf e correspondente a p. 27 do ficheiro pdf.; esclarecimentos dos peritos),
Q) E erros referentes a trabalhos a menos no valor de €161.722,44 (cfr. a p. 20 do relatório pericial incorporado a fls. 2305, num. sitaf e correspondente a p. 27 do ficheiro pdf.; esclarecimentos dos peritos),
R) Sendo as omissões e erros detetados referentes, designadamente, a „movimento de terras‟, „arranjos exteriores‟, „regularização de pisos‟, „alvenarias‟, „cantarias‟, „carpintarias‟, „carpintarias interiores‟, „serralharias‟, „revestimentos‟, „cobertura‟, „ar condicionado e ventilação‟, „instalação elétrica‟, „instalação de telecomunicações‟, „instalação de segurança‟ e „estruturas‟ (cfr. relatório pericial incorporado a fls. 2305, num. sitaf; esclarecimentos dos peritos);
S) O autor não disponibilizou à ré um estudo geotécnico do terreno (depoimento);
T) O autor abriu concurso para a execução da empreitada (cfr. relatório de análise de propostas, integrante do doc. 1 junto com o req. de 05.04.2017, a fls. 1118, num. sitaf),
U) Com base no projeto de arquitetura e „mapa de quantidades dos trabalhos‟ apresentados pela ré em 07.02.2007 (doc. 13 e doc. 11, da p.i.; relatório final cit. a fls. 1118 e ss. num. sitaf; mapa de verificação de quantidades e preços, a fls. 1118 e ss. num. sitaf, a p. 26 do ficheiro pdf.; proposta do empreiteiro junto como doc. 1 do req. a fls. 1666, num. sitaf);
V) A empreitada foi lançada como tipo de empreitada por „série de preços‟ (cfr. página 6 do relatório de análise de propostas, integrante do doc. 1 junto com o req. de 05.04.2017, a fls. 1118, num. sitaf/p. 18 do ficheiro pdf.; testemunho eng. H..... que, no âmbito da explicitação da reunião onde foi assumido o erro, com toda a naturalidade e confiança, mostrou ter bem presente que a empreitada era por ´série de preços‟);
W) O autor, em 16.05.2007, adjudicou a empreitada à empresa P....., Lda. (cfr. doc. 12 e 13, da p.i.);
X) Em 26.06.2007 foi celebrado o contrato de empreitada, pelo valor de €1.053.511,60, acrescido de IVA à taxa de 5% e consignada a obra (cfr. doc. 12 e 13, da p.i.; doc. 2 do req. a fls. 1118 num. sitaf);
Y) Em Agosto de 2007 os técnicos responsáveis pela fiscalização detetaram insuficiências nas quantidades de ferro/aço necessário para fazer o ensoleiramento geral previsto no projeto (depoimento);
Z) A execução da empreitada foi suspensa durante três semanas por determinação, de 11.09.2007, do Presidente da Câmara Municipal (cfr. doc. 15 e 16, da p.i.);
AA) O Presidente da Câmara justificou a suspensão com base na «insuficiência das quantidades previstas no projeto, no capítulo da estabilidade» nos itens «armadura de aço – ensoleiramento e laje», «betão C25/30 – laje, vigas e paredes», «cofragens – laje, pilares e paredes», visto que tais «quantitativos não se encontram contratualizados com o empreiteiro» (cfr. doc. 15, da p.i.);
BB) No dia 12.09.2007 o Presidente da Câmara Municipal reuniu com o Arquiteto M....., com o Engenheiro L..... e com o Engenheiro A....., estando presentes a Engenheira H....., da câmara, Engenheiro H.J...., da empresa fiscalizadora, e Dr.ª S......, também da técnica da câmara (depoimento; doc. 17, da p.i.);
CC) Foi discutido na reunião a insuficiência do ferro para executar a obra (cfr. depoimento do legal representante; doc. 17 e 18, da p.i.);
DD) Em 02.10.2007, o Presidente da Câmara decidiu prorrogar a suspensão da obra pelo período de uma semana (cfr. doc. 19, da p.i.);
EE) Em 03.10.2007, a ré enviou ao autor outra versão do „mapa de quantidades‟, com acertos, designadamente, quanto ao item do aço do ensoleiramento do piso 0 (cfr. doc. 20, da p.i.; depoimento do legal representante);
FF) A Câmara remeteu à ré um fax, em 04.10.2007, dizendo que o „mapa de quantidades‟ mantinha «incorreções» e que permaneciam por enviar as «medições detalhadas» (cfr. doc. 21, da p.i.);
GG) A ré respondeu, em 08.10.2007, e juntou ainda a «versão completa das Medições e Orçamentos» (cfr. doc. 22 e doc. 22-A, da p.i.);
HH) Aquele mapa continha erros de medição, em comparação às peças desenhadas e entregues em 07.02.2007, no valor de €40.271,59 (análise crítica do relatório pericial e dos doc. 22 e 22-A);
II) O Presidente da Câmara decidiu prorrogar o prazo de suspensão da obra até ao dia 12.10.2007 (cfr. doc. 23, da p.i.);
JJ) A Câmara Municipal deliberou, em 12.10.2007, aprovar o projeto de rescisão do contrato de empreitada com a empresa P......., Lda. (cfr. doc. 25, da p.i.)
KK) A decisão da Câmara foi justificada da forma seguinte:
«(…) Considerando:
a) O valor de trabalhos que não se encontram medidos em projeto no âmbito da empreitada em epígrafe, ascendem a 30% do valor de adjudicação da empreitada.
b) Que existem trabalhos omissos de valor ainda não contabilizado.
c) Que, em reunião datada de 12 de Setembro de 2007 foi assumido pelo projetista: “existir um erro grosseiro nas medições da estabilidade”.
d) As dificuldades técnicas da conciliação de dois empreiteiros na construção de um mesmo edifício conforme consta da informação exarada pela fiscalização que aqui se dá por integralmente transcrita.
e) As dificuldades de futura responsabilização pela execução dos trabalhos.
(…)» (cfr. doc. 25, da p.i.);
LL) Em 16.10.2007, foi dado conhecimento à ré essa intenção (cfr. doc. 27, da p.i.);
MM) Em 24.10.2007 foi deliberado pela Câmara Municipal rescindir o contrato de empreitada e a posse administrativa da obra (cfr. doc. 30, da p.i.);
NN) A Câmara Municipal determinou o lançamento de um novo procedimento concursal e pediu à autora para apresentar novos elementos para o concurso (cfr. doc. 34.º, 31-A e 36, da p.i.);
OO) Em 12.12.2007 a Câmara Municipal lançou novo concurso para „empreitada de execução do edifício do Observatório do Sobreiro e da Cortiça‟ (cfr. doc. 40, da p.i.; doc. a fls. 1298, num. sitaf);
PP) A sociedade P......., Lda. reclamou junto da câmara ter executado trabalhos no valor de €72.515,25, referentes a «ferro aplicado e não faturado (…) = 16.038,17», «ferro depositado em atados (…) = 5.693,86», «trabalhos que constam dos desenhos que instruem o projeto e parcialmente executados (…) = 798,42», e «trabalhos que constam dos desenhos que instruem o projeto (…) = 49.984,80» (cfr. doc. 37, da p.i.);
QQ) A Câmara mediu os trabalhos executados no valor de €95.221,55 (cfr. doc. 3, do req. de 05.04.2017 a fls. 1118, num. sitaf),
RR) E calculou o valor correspondente a 10% da diferença entre os trabalhos executados e o valor da empreitada em €95.954,04 (cfr. doc. 3, do req. de 05.04.2017 a fls. 1118, num. sitaf);
SS) A Câmara Municipal deliberou, em 27.02.2008, pagar à empresa P......., Lda., designadamente, a quantia de €95.954,04 «correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão dos preços nos termos do artigo 234.º do Dec. Lei 59/99» (cfr. doc. 37 e 38, da p.i.);
TT) A Câmara pagou ao empreiteiro o valor de €95.954,04.
Não provado.
1. Que fosse tecnicamente inviável a execução da obra, em simultâneo, por dois empreiteiros;
2. Que o projeto entregue pela ré-reconvinte em 07.02.2007 fosse um projeto incompleto e em revisão,
3. E que o projeto entregue em 26.10.2007 corresponderia à entrega final do projeto.
4. Que todos os erros e omissões de medição incorridos no mapa entregue em 07.02.2007 se tenham mantido no mapa de medições apresentado pela ré-reconvinte em 08.10.2007.
5.Que tenha sido dito à ré, por parte dos representantes do autor, que as cadeiras do auditório do edifício seriam objeto de um fornecimento autónomo;
7.Que os técnicos da ré se tenham deslocado até Coruche, desde Lisboa, para reunir ou prestar assistência no âmbito da obra, nos dias 27.03.2008, 03.04.2008, 08.04.2008, 17.04.2008, 24.04.2008, 02.05.2008, 08.05.2008, 15.05.2008, 05.06.2008, 12.06.2008, 19.06.2008, 26.06.2008, 02.07.2008, 10.07.2008, 17.07.2008, 24.07.2008, 31.07.2008, 07.08.2008, 14.08.2008, 21.08.2008, 28.08.2008, 04.09.2008, 11.09.2008, 18.09.2008, 25.09.2008, 02.10.2008, 09.10.2008, 16.10.2008, 22.10.2008, 30.10.2008, 05.11.2008 e 05.12.2008;
8. Que a ré tenha pago €756,25 pelo estudo geotécnico;
9. Que os colaboradores e técnicos da ré tenham despendido horas de trabalho em pesquisas e recolha de elementos relativamente ao equipamento a instalar no laboratório.

IV – Do Direito
Por forma a enquadrar a questão controvertida, infra se transcreverá, no que aqui releva, o discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(...) O facto consiste na ação ou omissão de uma entidade ou do seu agente e que, no caso concreto, corresponde ao teor e aos termos do projeto apresentado pela ré-reconvinte, e respetivos mapas de quantidades de trabalho, em 07.02.2007, por comparação com as peças desenhadas.
O pressuposto da ilicitude, por seu lado, advém da ofensa, por aquele facto, de direitos ou de disposições legais ou contratuais que se destinem a proteger interesses alheios/da parte contrária. No caso, a ilicitude apontada assenta nos erros e omissões superiores a 25% do preço da empreitada adjudicada ao empreiteiro, vertidos no mapa de quantidades integrante do projeto apresentado em 07.02.2007, por comparação com as peças desenhadas, parte do mesmo projeto.
E, compulsada a materialidade provada nos autos, resulta ter a ré-reconvinte apresentado, em resposta ao contrato que firmou com o autor, o projeto do observatório e que consistia nas peças desenhadas/projeto de arquitetura e no mapa de quantidades dos trabalhos (cfr. al. K) e N), do probatório). Sustenta o autor que, tendo levado a concurso para execução da obra (empreitada) o projeto apresentado pela ré-reconvinte, os erros e omissões vertidos no mapa de quantidades, sendo superiores a 30% do valor da adjudicação da empreitada, conduziram à rescisão desse contrato e ao pagamento da indemnização.
Antes de mais, o ponto crucial do dissídio está a valoração dos erros e omissões das medições dos trabalhos a executar na empreitada, por comparação com as peças desenhadas desse mesmo projeto, enquanto documento que instruiu a proposta da ré-reconvinte para a “elaboração dos projetos para o edifício do observatório do sobreiro e da cortiça‟, proposta que foi adjudicada e serviu de base ao concurso da empreitada (cfr. al. A), F), T) e U), do probatório). Assim, conforme resultava do caderno de encargos do concurso a que a ré-reconvinte se vinculou com a sua proposta (cfr. al. B), do probatório), deveria entregar o seu projeto com os documentos necessários ao lançamento do concurso público, entre os quais as «Folhas de medições discriminadas e referenciadas e respetivos mapas-resumo de quantidades de trabalhos contendo, com o grau de decomposição adequado, a quantidade e qualidade dos trabalhos necessários para a execução da obra», conforme resulta do artigo 63.º, do Decreto-Lei n.º 59/99.
O mapa de quantidades dos trabalhos apresenta-se assim como uma das peças escritas do projeto determinantes para definir a obra, a natureza e o volume dos trabalhos e o valor para efeitos do concurso, que ganha especial relevância nas empreitadas por série de preços, como veio a ser a empreitada adjudicada para execução do projeto apresentado pela ré-reconvinte (cfr. al. V), da matéria assente).
A ré-reconvinte apresentou o projeto, em cumprimento das obrigações contratuais que assumiu com o autor, incluindo o mapa de quantidades (cfr. al. N), do probatório). A controvérsia está no desfasamento das medições com as peças desenhadas e em que medida esse desfasamento é ilícito. Vejamos.
Ora, resulta provado na al. W) dos factos assentes que a empreitada lançada com base no projeto apresentado pela ré-reconvinte, foi adjudicada pelo preço de €1.053.511,60.
E mais resulta provado que os erros referentes a trabalhos a mais verificados no projeto entregue pela ré-reconvinte em 07.02.2007 foram de €290.412,29 e os erros de trabalhos a menos foram de €161.722,44 (cfr. al. P) e Q), do probatório), sendo as omissões quantificadas em €78.007,51 (cfr. al. O), do probatório).
Foram aquelas medições, vertidas no mapa de quantidades apresentado pela ré-reconvinte ao autor em 07.02.2007, que suportaram o concurso público de empreitada adjudicado ao empreiteiro para execução do edifício do observatório do sobreiro e da cortiça (cfr. al. T) e U), do probatório).
A ré-reconvinte veio sustentar que o projeto que entregou em Fevereiro de 2007 seria meramente provisório. Contudo, nada nos autos permite concluir dessa forma, resultando assim que o projeto entregue em 07.02.2007, conforme provado na al. I), é o projeto a que se vinculou no âmbito do contrato firmado em F), do probatório conjugado com a matéria não provada nos pontos 2 e 3.
Sustenta o autor que os erros e omissões vertidos naquele mapa de quantidades são superiores a 25% do preço da empreitada, sendo esse o facto ilícito que, em rigor, vem alegado. E assiste-lhe razão.
Dispõe o artigo 45.º, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02.03, o seguinte:
Artigo 45.º
Controlo de custos das obras públicas 1 - O dono da obra não poderá, em caso algum, autorizar a realização de trabalhos a mais previstos no artigo 26.º, alterações do projeto da iniciativa do dono da obra ainda que decorrentes de erro ou omissão do mesmo ou trabalhos resultantes de alterações ao projeto, variantes ou alterações ao plano de trabalhos, da iniciativa do empreiteiro, caso o seu valor acumulado durante a execução de uma empreitada exceda 25% do valor do contrato de empreitada de obras públicas de que são resultantes. (…)
O diploma considera trabalhos a mais os seguintes:
Artigo 26.º
Execução de trabalhos a mais 1 - Consideram-se trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não hajam sido previstos ou incluídos no contrato, nomeadamente no respetivo projeto, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verifique qualquer das seguintes condições: a) Quando esses trabalhos não possam ser técnica ou economicamente separados do contrato, sem inconveniente grave para o dono da obra; b) Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, sejam estritamente necessários ao seu acabamento.
Como referido, resulta provado nos autos que os erros em trabalhos a mais foram de €290.412,29 e os trabalhos a menos de €161.722,44. Como resulta da norma citada, o dono da obra não pode autorizar a realização de trabalhos a mais superiores a 25%, o que resulta evidente dos autos, visto que os erros nos trabalhos a mais somados às omissões de medição, que naturalmente também impõem a realização dos trabalhos a mais e têm pleno cabimento no disposto no artigo 26.º, são superiores a 25% do preço da empreitada (cfr. al. X), do probatório).
E de outra forma não poderia ser, considerando a jurisprudência do tribunal de contas sobre a interpretação da norma, entidade com competência na matéria, em que os trabalhos a mais não poderiam ser compensados com trabalhos a menos.
Entende o tribunal de contas sobre a celebração de contratos adicionais à empreitada entre a entidade adjudicante e a entidade adjudicatária, no âmbito do controlo do cumprimento do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 59/99, em visto decidida ao abrigo da al. a) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97, de 26.08, o seguinte:
«1. Em contratos adicionais a compensação de trabalhos a menos com trabalhos a mais (ou vice-versa) só é admissível quando os trabalhos em causa são da mesma espécie;
2. Não sendo admitida a compensação o desvio percentual a que se refere o nº 1 do artº 45º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março deve encontrar-se na relação entre o total de “trabalhos a mais” (e demais situações ali previstas) e o valor da adjudicação inicial»
Atenta a matéria provada nos autos, os trabalhos a mais e os trabalhos a menos respeitavam a naturezas e espécies diferentes de cada segmento da empreitada, tanto nas áreas do “movimento de terras‟, como na “instalação elétrica‟, como nas “estruturas‟, designadamente (cfr. al. O), P), Q), e R), do probatório).
Por outro lado, diga-se, os trabalhos a mais verificados não decorreram de «circunstância imprevista», como sempre impunha a norma contida no artigo 26.º, n.º 1, mas de um erro de medição do projeto colocado a concurso (cfr. al. T), U), N), O), P) e Q), do probatório).
Não colhe o entendimento da ré-reconvinte, entende-se, quando procura sustentar que a revisão das quantidades em Outubro de 2007 poderia, de alguma forma, suportar uma diminuição do limiar do valor dos erros e omissões. Entende-se desta forma por esses erros e omissões deverem ser aferidos em função das quantidades contratadas (e estas resultam das medições originais) e admitir que pudessem sofrer uma revisão parcial em Outubro de 2007, independentemente de ter sido atingido o limiar de 25% previsto no artigo 45º, seria subverter a ratio da norma e os fins que visa proteger.
Não poderia, pois, o autor celebrar um simples contrato adicional com o mesmo empreiteiro para os trabalhos a mais que, afinal, sempre seriam necessários para executar a empreitada, considerando a violação da norma contida no artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 59/99 e a consequente recusa de visto pelo tribunal de contas, a que tal contrato estaria sujeito por força do valor (cfr. artigo 130.º, da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12; artigo 48.º e 47.º, da Lei n.º 98/97, de 26.08).
Não colhe ainda a posição da ré-reconvinte quando sustenta que a empreitada foi celebrada por “série de preços‟ e, como tal, o preço contratual seria meramente estimado, na medida em que o empreiteiro teria apenas direito a receber as quantidades efetivamente executadas, por força do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 59/99. De facto, dispõe a norma que a «empreitada é estipulada por série de preços quando a remuneração do empreiteiro resulta da aplicação dos preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar às quantidades desses trabalhos realmente executados». Resultando provado que a empreitada em causa foi adjudicada como «série de preços» (cfr. al. V), do probatório), significa isto que o empreiteiro teria direito a receber em função dos autos de medição que fossem sendo realizados (pagamentos por medição), mas não pode isso significar uma violação do disposto no artigo 45.º, n.º 1 do diploma e que impunha um controlo dos custos da obra, em função do valor adjudicado, por referência a 25% desse valor. Seria admitir uma violação flagrante da disposição. Tendo a proposta adjudicada sido apresentada em função dos preços unitários definidos por referência ao mapa de quantidades integrantes do projeto apresentado pela ré-reconvinte, há, de facto, ilicitude.
Assim, o incumprimento contratual por parte da ré-reconvinte não pode deixar de ser aferido em função do disposto no artigo 45.º, do Decreto-Lei n.º 59/99, visto que, admitindo-se erros e omissões nas medições do projeto apresentado, o que se admite que seja uma álea inerente às empreitadas e respetivos projetos atenta a sua natureza e complexidade e que de resto está subentendido na própria ratio do diploma, não podem ser superiores ao limite de 25%, enquanto limite estrutural do regime para o controlo de custos das obras e dos preços contratados. É que o projeto do edifício, e forçosamente o contrato firmado entre as partes, não pode ser apartado da empreitada a realizar e intrínseca aos seus termos. É nesta medida que as obrigações contratuais decorrentes do contrato firmado entre autor e ré-reconvinte devem, forçosamente, ser interpretadas por referência aos termos da empreitada que, afinal, se pretendia executar.
Entende-se assim que a ilicitude contratual resulta dos erros em trabalhos a mais e em omissões que ultrapassem aquele limite, enquanto padrão referencial para o desequilíbrio da empreitada.
Atenta a matéria provada nos autos, resulta provado que a ré-reconvinte apresentou ao autor, em cumprimento do contrato que celebrou para os projetos do observatório do sobreiro e da cortiça, um projeto de arquitetura cujas medições continham erros em trabalhos a mais e omissões no total de €368.419,8. Ora, tendo a empreitada sido adjudicada por €1.053.511,60 em função das peças desenhadas pela ré-reconvinte e nas medições que integravam o projeto, o limite de 25% foi ultrapassado e, nessa medida, há ilicitude contratual.
Vejamos agora os restantes pressupostos.
A culpa corresponde à conduta censurável do agente, que, na responsabilidade obrigacional é presumida, caso resulte evidenciado a falta de cumprimento ou incumprimento defeituoso (cfr. artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil).
Cabe assim ao devedor o ónus da prova dos pressupostos necessários para afastar a culpa naquele incumprimento/cumprimento defeituoso, sendo que a culpa é aferida através do critério previsto no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, por força do disposto no artigo 799.º, n.º 2 do mesmo diploma.
No caso dos autos resulta provado que o autor entregou o projeto a que se vinculou com erros e omissões na medida já apreciada. É certo que alegou ter entregue apenas um projeto provisório, que entregou em antecipação dos prazos por interesse do autor e ainda que precisava de um estudo geotécnico que suportasse o projeto que entregou.
Porém, não resulta provado nos autos que a entrega do projeto tenha correspondido a uma entrega provisória e não à entrega do projeto em cumprimento do contrato (cfr. al. I) do probatório e pontos 2 e 3, da matéria não provada). Por outro lado, se é certo que o projeto foi entregue em antecipação dos prazos e com supressão de fases (cfr. al. J), K) e H), do probatório), mesmo que tenha ocorrido por interesse do autor, a verdade é que a ré-reconvinte anuiu nessa entrega, sem que resulte dos autos qualquer evidência que tenha salvaguardado, por força da antecipação ou por qualquer outro motivo, como fosse a falta do estudo geotécnico adequado ou mesmo de qualquer outro elemento técnico (cfr. al. S), do probatório), alguma incorreção do projeto.
Mesmo em respeito à falta do estudo geotécnico ou outro, a verdade é que essas faltas não impediram a ré-reconvinte de apresentar o projeto, da forma como entendeu tecnicamente viável e com as medições que fez ao projeto que desenhou. Foi a solução que desenhou, do ensoleiramento geral, que consta do projeto, que consta das medições apresentadas em Fevereiro de 2007 e que foi adjudicada, mais tarde, ao empreiteiro. A culpa está na medição errada do projeto que desenhou originalmente (com ensoleiramento geral) numa proporção superior a 25% do valor da obra e não num projeto que poderia ter desenhado e não desenhou por força da falta de um estudo geotécnico ou outro qualquer.
Do ponto de vista técnico, nada foi apontado ao projeto apresentado pela ré-reconvinte (com ensoleiramento geral), mas apenas as erradas medições que fez ao projeto que apresentou. A admissibilidade da revisão ulterior da solução e das medições, no âmbito da mesma empreitada, estavam limitadas ao teto máximo de 25% dos trabalhos a mais e omissões, medidos em função da empreitada adjudicada. E, como referido, esses erros e omissões deverem ser aferidos em função das quantidades contratadas (e estas resultam das medições originais).
Da mesma forma que se entende que a perceção dos erros nas medições por parte dos técnicos de fiscalização da obra, tendo ocorrido em Agosto de 2007 (cfr. al. Y), do probatório) quando a obra foi consignada em 26.06.2006 (cfr. al. X), do probatório), é irrelevante para aferição da medida da culpa da ré-reconvinte. Por um lado, por não ser possível concluir que tenha ocorrido numa fase avançada da obra, em termos suficientes para admitir uma atuação responsabilizante por parte do autor. Por outro lado, um entendimento diferente seria admitir que a responsabilidade pelos termos do projeto recairia antes sobre o autor, no sentido em que deveria fiscalizar o projeto antes da sua execução, e não pelo projetista que dessa forma ficaria desonerado das suas incorreções. Se é verdade que o autor deve apreciar a conformidade do projeto apresentado com caderno de encargos e restantes elementos contratados, a verdade é que essa circunstância não desonera o projetista das obrigações emergentes do bom cumprimento desse mesmo contrato e, nesse sentido, não altera a medida da culpa.
Entende-se assim que há culpa por parte da ré-reconvinte.
Quanto ao dano, vem alegado pelo autor ter suportado, como decorrência do facto ilícito, o pagamento da indemnização prevista no artigo 234.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 59/99 e que dispõe o seguinte:
Artigo 234.º
Efeitos da rescisão
1 - Nos casos de rescisão por conveniência do dono da obra ou pelo exercício de direito do empreiteiro, será este indemnizado dos danos emergentes e dos lucros cessantes que em consequência sofra.
2 - Se o empreiteiro o preferir, poderá, em vez de aguardar a liquidação das perdas e danos sofridos, receber como única indemnização a quantia correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão de preços correspondente (…)”
Nenhum outro dano vem alegado pelo autor, sendo a indemnização em referência, efetivamente, uma decorrência da rescisão contratual pelo dono da obra e resulta provado que a Câmara Municipal pagou ao empreiteiro o valor de €95.954,04, o que corresponde a 10% da diferença dos trabalhos executados e do valor da adjudicação (cfr. al. TT), QQ) e X), do probatório).
Prosseguindo, o nexo causal entre o facto e o dano, deve ser determinado através da teoria da causalidade adequada, nos termos do disposto no artigo 563.º, do Código Civil.
O nexo de causalidade consiste na ligação positiva entre o facto e o dano, aferida através da previsibilidade do dano face ao facto verificado, ao ponto de ser possível afirmar que o lesado não teria sofrido o dano não fosse o facto.
(…)
Regressando ao caso concreto e recuperando a análise feita anteriormente ao critério da ilicitude, entende-se que, de facto, os erros em trabalhos a mais e omissões verificados na medição original do projeto, sendo superior a 25%, não admitiam que esses trabalhos fossem executados no âmbito do contrato de empreitada celebrado.
Ainda assim, não em termos suficientes que permitam estabelecer o nexo causal.
É que, ao contrário do que sustenta o autor, a rescisão do contrato com o empreiteiro não resultava inevitável, afigurando-se juridicamente possível mantê-lo na ordem jurídica, ainda que a parte remanescente da obra devesse ser, no limite, objeto de um novo concurso público.
Isto porquanto não resulta provado nos autos que fosse tecnicamente inviável manter dois empreiteiros em obra (facto não provado no ponto 1). E, em especial, se apenas fossem consignados segmentos do contrato com a expressão necessária na fase em que a obra se encontrava, ainda no início (cfr. al. Y) e Z), do probatório), como a realização das estruturas ou outra fase imediatamente subsequente.
É certo que o valor dos erros e omissões (€368.419,80 = €290.412,3 + 78.007,51) não admitiam a celebração de um contrato por ajuste direto com o mesmo empreiteiro, visto que o limite para a preterição de concurso público e escolha da modalidade para ajuste direto era de €24.940,00 com consulta a três entidades (cfr. artigo 48.º, n.º 2, al. d), do decreto-lei n.º 59/99), impondo-se antes a abertura de um concurso público (cfr. artigo 48.º, n.º 2, al. a), do mesmo diploma). Mas a abertura de um novo concurso permitia manter o contrato já celebrado em vigor, prosseguir os seus termos até final, sem que tal se mostrasse mais oneroso do que a nova empreitada global que veio a ser contratada.
Não se acompanha o entendimento da ré-reconvinte quando sustenta que a rescisão contratual com fundamento em trabalhos a mais e omissões apenas seria admitida durante a execução da empreitada, visto não ser exigível ao dono da obra prosseguir com uma empreitada a partir do momento em que reúne todos os elementos bastantes para concluir pela inevitabilidade de trabalhos a mais e omissões, nos termos do artigo 45.º, do Decreto-Lei n.º 59/99 («(…) O dono da obra não poderá, em caso algum, autorizar a realização de trabalhos a mais (…) caso o seu valor acumulado durante a execução de uma empreitada exceda 25% do valor do contrato de empreitada de obras públicas de que são resultantes». A norma não pode ser interpretada como admitindo uma inevitabilidade sem retrocesso, sendo antes compatível com a interpretação dada pelo autor, no sentido de retirar as consequências possíveis antes de se chegar a uma circunstância de fatalidade.
Ainda assim, não resulta dos autos que fosse inevitável a rescisão contratual, sendo juridicamente viável a abertura de um novo concurso público que acomodasse os trabalhos a mais e omissões e, nessa medida, evitar a produção do dano.
Falece assim o nexo causal.
O instituto da responsabilidade contratual apenas gera obrigação indemnizatória com o preenchimento cumulativo de todos os pressupostos (cfr. artigo 798.º, do Código Civil), sendo que a falta de um dos pressupostos, impõe concluir pela improcedência da Acão.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância, julgar “a ação improcedente e, em consequência absolve-se a ré do pedido”.

Vejamos:
Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 31.12.2022 que decidiu o presente dissídio no seguinte sentido:
“(…) julga-se:
a) a ação improcedente e, em consequência, absolve-se a ré do pedido;
b) a reconvenção improcedente e, em consequência, absolve-se o autor-reconvindo do pedido”.

Importa sublinhar, desde logo, que o Tribunal a quo julgou como verificados, no presente caso, os primeiros quatro requisitos da Responsabilidade Civil (facto, ilicitude, culpa e dano), tendo, contudo dado como não verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano produzido;

A divergência das partes assenta, em boa medida, do entendimento do tribunal a quo, de acordo com o qual não seria inviável tecnicamente a execução da obra, em simultâneo, por dois empreiteiros, “atenta a falta de evidências nesse sentido”.

É notório que a prova testemunhal divergiu quanto a esta questão, o que não invalidou que o tribunal a quo tivesse entendido que a referida questão não pudesse ser dada como não provada.

Diga-se que a referida divergência quanto à matéria de facto fixada, não poderá satisfatoriamente ser dirimida e contrariada nesta instância, sublinhando-se, em qualquer caso, como se verá, que se mostra possível adotar, a final, posição divergente daquela que foi adotada em 1ª Instância.

Como efeito, refira-se antecipadamente que, sendo, ou não, viável tecnicamente a execução da obra, em simultâneo, por dois empreiteiros, tal não obsta a que se dê por verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano produzido, uma vez que a sua verificação não está necessariamente dependente da referida possibilidade de execução simultânea da empreitada por dois empreiteiros.

Por forma a não perder de vista o fio condutor da controvertida questão, reitera-se que o Tribunal a quo deu como verificados os primeiros quatro requisitos cuja verificação é essencial para a aplicação do regime da responsabilidade civil contratual (facto, ilícito, culposo e gerador de um dano), tendo, contudo, dado como inverificado o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano efetivamente provocado.

Admitiu o tribunal de 1ª Instância que, sendo os erros, trabalhos a mais e omissões verificados na medição original do projeto, superiores a 25% do valor do contrato de empreitada, tal não permitiria que esses trabalhos fossem executados no âmbito do contrato de empreitada celebrado.

Não obstante o vindo de referir, entendeu o tribunal recorrido que tal não seria suficiente para que se pudesse dar como verificado um nexo causal entre a verificação desses erros e omissões e o dano consubstanciado no pagamento, pelo Recorrente ao empreiteiro, de uma indemnização fixada em €95.954,04, por força da rescisão do contrato com o empreiteiro realizada à luz do disposto no artigo 234.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março.

Afirmou o Tribunal a quo que: “(…) ao contrário do que sustenta o autor, a rescisão do contrato com o empreiteiro não resultava inevitável, afigurando-se juridicamente possível mantê-lo na ordem jurídica, ainda que a parte remanescente da obra devesse ser, no limite, objeto de um novo concurso público. Isto porquanto não resultar provado nos autos que fosse tecnicamente inviável manter dois empreiteiros em obra. E, em especial, se apenas fossem consignados segmentos do contrato com a expressão necessária na fase em que a obra se encontrava, ainda no início, como a realização das estruturas ou outra fase imediatamente subsequente”.

O referido entendimento do tribunal a quo extravasa aquilo que são as suas competências, pois que não lhe cabe encontrar eventuais alternativas fora do convencionado, face ao reconhecido incumprimento contratual, mas antes tirar ilações dessa circunstância.

Na esteira do vindo de afirmar, mais afirmou o tribunal a quo que “É certo que o valor dos erros e omissões (€368.419,80 = € 290.412,30 + € 78.007,51) não admitiam a celebração de um contrato por ajuste direto com o mesmo empreiteiro, visto que o limite para a preterição de concurso público e escolha da modalidade para ajuste direto era de €24.940 com consulta a três entidades (cfr. artigo 48.º, n.º 2, al. d), do decreto-lei n.º 59/99), impondo-se antes a abertura de um concurso público (cfr. artigo 48.º, n.º 2, al. a) do mesmo diploma). Mas a abertura de um novo concurso permitia manter o contrato já celebrado em vigor, prosseguir os seus termos até final, sem que tal se mostrasse mais oneroso do que a nova empreitada global que veio a ser contratada”.

Correspondentemente, deu o Tribunal de 1ª Instância como inverificado o requisito do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano produzido na esfera jurídica do Recorrente nos seguintes termos: “Ainda assim, não resulta dos autos que fosse inevitável a rescisão contratual, sendo juridicamente viável a abertura de novo concurso público que acomodasse os trabalhos a mais e omissões e, nessa medida, evitar a produção do dano. Falece assim o nexo causal”.

Mais foi afirmado pelo referido tribunal, que “O instituto da responsabilidade contratual apenas gera obrigação indemnizatória com o preenchimento cumulativo de todos os pressupostos (cfr. artigo 798.º do Código Civil), sendo que a falta de um dos pressupostos, impõe concluir pela improcedência da ação”.

Em bom rigor, o tribunal a quo dá como não verificado o referido pressuposto da causalidade, por recurso a um raciocínio que o obrigou a alguma engenharia jurídica não admissível e como tal incorrendo em manifesto erro de julgamento de Direito, pois que não lhe cabe tomar partido e encontrar alternativas relativamente aos erros contratuais verificados.

Em qualquer caso, para que se obtenha uma mais eficaz visualização do controvertido. proceder-se-á a uma análise mais circunstanciada da questão suscitada.


Da factualidade relevante
O Recorrente, em 25.06.2006, lançou o procedimento pré-contratual de “concurso limitado sem apresentação de candidaturas” para adjudicação do contrato de prestação de serviços de “elaboração dos projetos para o edifício do observatório do sobreiro e da cortiça”.

O Caderno de Encargos do referido procedimento previa, na sua Cláusula 6.ª, que o projeto geral “deverá integrar, além da arquitetura, todos os projetos da especialidade mencionado no ponto 1.2. bem como outros que eventualmente sejam exigidos na legislação em vigor, para este tipo de construção. (…) Será ainda acompanhado da documentação necessária ao lançamento da obra a concurso público, designadamente: o anúncio, o programa de concurso e o caderno de encargos, cláusulas jurídicas e cláusulas técnicas”

A Recorrida apresentou proposta ao procedimento, tendo indicado os seguintes prazos para a execução dos projetos: 60 dias para o projeto base (todas as especialidades) e 75 dias para o projeto de execução (todas as especialidades).

O Contrato foi adjudicado à aqui Recorrida.

O projeto globalmente considerado foi entregue, pela Recorrida, em 07.02.2007, tendo sido entregue, juntamente com o projeto de arquitetura/peças desenhadas, um “mapa de quantidades de trabalho”.

Entre o “mapa de quantidades” e as peças desenhadas existiam omissões no valor de € 78.007,51.

De igual modo, entre tais documentos existiam erros referentes a trabalhos a mais no valor de € 290.412,29 e erros relativos a trabalhos a menos cifrados em €161.722,44.

Correspondentemente, o Município, aqui Recorrente promoveu concurso para a execução da empreitada com base no projeto de arquitetura e “mapa de quantidades dos trabalhos”, tendo tal empreitada sido adjudicada à sociedade comercial P....., Lda.

Na sequência dessa adjudicação, foi celebrado entre o Município e aquela sociedade, um contrato de empreitada para construção do edifício do observatório do sobreiro e da cortiça, no valor de €1.053.511,60, tendo sido realizada a consignação da obra.

Em agosto de 2007, os técnicos responsáveis pela fiscalização detetaram insuficiências nas quantidades de ferro/aço necessário para fazer o ensoleiramento geral previsto no projeto.

Em 03.10.2007 a Recorrida enviou ao Município novo “mapa de quantidades”, com acertos.

Correspondentemente, o Município remeteu à Recorrida uma comunicação dando conta da existência de tais desconformidades, alertando-a para a necessidade de envio de “medições detalhadas”.

Perante as desconformidades orçamentais verificadas no “mapa de quantidades”, o Município deliberou em 12.10.2007, aprovar o projeto de rescisão do contrato de empreitada celebrado com a sociedade comercial P....., Lda., nos seguintes termos:
“(…)
Considerando:
a) O valor de trabalhos que não se encontram medidos em projeto no âmbito da empreitada em epígrafe, ascendem a 30% do valor de adjudicação da empreitada.
b) Que existem trabalhos omissos de valor ainda não contabilizado.
c) Que em reunião datada de 12 de Setembro de 2007 foi assumido pelo projetista: “existir um erro grosseiro nas medições da estabilidade”.
d) As dificuldades técnicas da conciliação de dois empreiteiros na construção de um mesmo edifício conforme consta da informação exarada pela fiscalização que aqui se dá por integralmente transcrita.
e) As dificuldades de futura responsabilização pela execução dos trabalhos."

O referido projeto de decisão tornou-se definitivo por deliberação da Câmara Municipal de Coruche, de 24.10.2007.

Na sequência de tal rescisão, o Município determinou o lançamento de um novo procedimento concursal para realização da empreitada de execução do edifício do Observatório do Sobreiro e da Cortiça, em 12.12.2007, tendo pedido à Recorrida para apresentar novos elementos que pudessem servir de base ao novo concurso.

No seguimento da rescisão do contrato de empreitada, a P....., Lda. reclamou, junto do Município ter executado trabalhos no valor de €72.515,25, referentes a «ferro aplicado e não faturado (…) = 16.038,17», «ferro depositado em atados (…) = 5.693,86», «trabalhos que constam nos desenhos que instruem o projeto e parcialmente executados (…) = 798,42», e «trabalhos que constam dos desenhos que instruem o projeto (…) = 49.984,80».

Correspondentemente, o Município mediu os trabalhos executados no valor de €95.221,55, tendo calculado o valor correspondente a 10% da diferença entre os trabalhos executados e o valor da empreitada em € 95.954,04.

Analisada a viabilidade do pedido apresentado pela P....., Lda., o Município deliberou, em 27.02.2008, pagar àquela a quantia de €95.954,04 “correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão dos preços nos termos do artigo 234.º do Dec. Lei 59/99”.

Foi pois em consequência de tal circunstância que o Município intentou a presente Ação, tendente a que a aqui Recorrida fosse condenada no pagamento de uma indemnização ao Município no valor total dos referidos 95.954,04€.

No âmbito do referido Processo, a Recorrida apresentou um pedido reconvencional contra o Município, através do qual peticionou o pagamento do montante de € 2.877,85, resultante de alegados custos por si suportados com deslocações Lisboa-Coruche-Lisboa e com a elaboração do estudo geotécnico e, bem assim, com a realização de pesquisas relativas ao equipamento a instalar no laboratório, cujo valor pretendia a Recorrida liquidar em sede de execução de sentença.

Como já referido, entendeu o Tribunal a quo, em 31.12.2022, julgar:
“a) A ação improcedente e, em consequência absolve-se a ré do pedido;
b) a reconvenção improcedente e, em consequência, absolve-se o autor-reconvindo do pedido."

Não tendo sido recorrida a declarada improcedência do pedido reconvencional, considera-se tal decisão consolidada.

Do erro de julgamento da matéria de facto
A presente questão já foi, de algum modo, tratada supra.

Em qualquer caso, para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, refira-se ainda o seguinte:

Como afirmado, a divergência das partes reside essencialmente na consideração, ou não, da viabilidade da execução da obra, em simultâneo, por dois empreiteiros.

A fixação da factualidade assentou neste particular na interpretação e relevância dada pelo tribunal a quo à prova testemunhal prestada.

Afirmou o Tribunal a quo que “A alegação do autor apenas foi corroborada pelo depoimento da testemunha Engenheira H..... que, não obstante ter evidenciado experiência na área como técnica da Câmara há 24 anos e ter explicado as razões que conduziram a tal conclusão, está desacompanhado de outros elementos que pudessem conferir solidez à opinião da testemunha e convencer o tribunal de que seria de facto tecnicamente inviável manter dois empreiteiros em obra”.
Diga-se que não foi apenas o depoimento da testemunha H..... a atestar a inviabilidade da execução da empreitada por dois empreiteiros em simultâneo, tendo tal depoimento sido corroborado pelos de outras testemunhas.

Em qualquer caso, ainda que empiricamente se possa afirmar que mal se compreende como possam dois empreiteiros desemprenhar na mesma obra trabalhos de idêntica natureza e objeto, sem se “atropelarem”, não tem, no entanto, este tribunal de recurso meios de infirmar a convicção firmada em 1ª Instância com base em depoimentos divergentes e não raras vezes contraditórios.

Como sumariado no Acórdão TCAS nº 214/05.7BELRS, de 08-09-2022, “Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.

Como se sumariou igualmente no acórdão deste TCAN nº 01466/10.6BEPRT, de 04.11.2016, “À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto.”

Como se sumariou ainda no Acórdão deste TCAN nº 692/09.5BEPNF, de 15-10-2015 “O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efetuadas em julgamento pelo tribunal.”

Está o Tribunal de recurso privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

Efetivamente, o tribunal a quo socorreu-se, como lhe competia, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para dar como assente a materialidade controvertida, em conformidade com o estatuído nos artigos 392.º e 396.º do Código Civil e 607°, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Ao referido acresce, como se afirmou já, que por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador do tribunal recorrido dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem pode e deve sindicar, mas apenas quando ocorra manifesto erro na sua apreciação, que contamine e inquine a decisão final.

Importa, pois, reafirmar que o que mais releva é a convicção firmada pelo tribunal a quo, após a apreciação e ponderação do conjunto da prova produzida, designadamente testemunhal, e não simplesmente o teor de uma qualquer declaração descontextualizada proferida por testemunha.

Reafirma-se, pois, que se não vislumbra que se verifique qualquer erro de julgamento, muito menos que seja patente, ostensivo ou manifesto, suscetível de, só por si, comprometer a decisão proferida.

Por outro lado, o recurso da matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação dos recorrentes, impusessem decisão diversa da recorrida.

Já o STA, em Acórdão de 14/04/2010, proferido no Processo n.º 0751/07, sumariou que:
"I - A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P. Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655°/1 do C.P. Civil).
II - O Tribunal, em sede de julgamento, deve considerar toda a prova produzida pelas partes (artº 515º do CPC), mas tal não impede que venha a julgar segundo a sua "prudente convicção acerca de cada facto", nada obstando a que o tribunal coletivo, caso o considere acertado, dê mais relevância ao depoimento de umas testemunhas em detrimento do depoimento contraditório de outras testemunhas ou seja aos depoimentos que considere terem sido decisivos para formar a sua convicção.
III - Assim sendo, o facto de uma ou outra testemunha apresentarem depoimentos contraditórios não é motivo justificativo para, só por si, suportar uma eventual alteração da matéria de facto em sede de recurso jurisdicional ou para dar mais crédito ao depoimento de uma ou outra testemunha em detrimento das restantes, tanto mais que a gravação da prova, pela sua própria natureza, não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento da testemunha se processou.
IV - Em sede de recurso jurisdicional, o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida".

Em qualquer caso, como resultou já do afirmado supra, não se reconhece que o facto controvertido tenha a virtualidade de, só por si, manter ou alterar a decisão proferida a final, entendendo-se, aliás, que se poderá alterar o sentido da decisão proferida, mantendo inalterada a matéria de facto fixada.

É certo que deu o Tribunal de 1ª Instância como inverificado o requisito do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano produzido na esfera jurídica do Recorrente por ter entendido ser viável a execução da obra, em simultâneo, por dois empreiteiros.

No entanto, entendemos que essa circunstância, independentemente da sua verificação, não teria a virtualidade de influenciar definitivamente o sentido da decisão, pois que o preenchimento do pressuposto do nexo de causalidade não está dependente daquele facto.

Como já referido, o tribunal a quo deu como não verificado o referido pressuposto da causalidade, por recurso a um raciocínio que o obrigou a alguma engenharia jurídica não admissível e como tal incorrendo em manifesto erro de julgamento de Direito, pois que não lhe cabe tomar partido e encontrar alternativas relativamente aos erros contratuais verificados.

Se é certo que não se alterará a recursivamente suscitada modificação da matéria de facto, por falta de elementos de prova que permitissem infirmar ou contrariar a convicção a que chegou o tribunal a quo, tal não invalidará que se altere o sentido da decisão proferida, por se entender que há um evidente preenchimento do pressuposto do nexo de causalidade, o qual não depende de ser, ou não, viável a coexistência de duas empreitadas idênticas na mesma obra, ao que acresce que não compete ao Município lesado contratualmente, procurar soluções que mitiguem os erros de cálculo cometidos quanto ao “mapa de quantidades”, pela aqui recorrida.

Do erro de julgamento de direito
A este respeito, afirmou-se em 1ª Instância:
“(…) tal como sucede a qualquer contrato, o incumprimento do clausulado de um contrato administrativo por uma das partes contraentes, constitui fonte de responsabilidade civil”.
Mais entendeu o tribunal a quo que para que possa haver lugar à aplicação do instituto da responsabilidade civil contratual, terão de estar verificados os mesmos pressupostos da responsabilidade extracontratual, a saber: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano produzido.

Correspondentemente, foi julgado mostrarem-se preenchidos os primeiros quatro requisitos (facto, ilicitude, culpa e dano), tendo sido dado como inverificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano produzido, solução que aqui se não acompanha.

Começou o tribunal por afirmar a propósito do nexo causal que “(…) ao contrário do que sustenta o autor, a rescisão do contrato com o empreiteiro não resulta inevitável, afigurando-se juridicamente possível mantê-lo na ordem jurídica, ainda que a parte remanescente da obra devesse ser, no limite, objeto de novo concurso público”.

Mais afirmou o Tribunal a quo que “É certo que o valor dos erros e omissões (€368.419,80 = €290.412,3 + € 78.007,51) não admitiam a celebração de um contrato por ajuste direto com o mesmo empreiteiro, visto que o limite para a preterição de concurso público e escolha da modalidade para ajuste direto era de € 24.940 com consulta a três entidades (cfr. artigo 48.º, n.º 2, al. d) do decreto-lei n.º 59/99), impondo-se antes a abertura de um concurso público (cfr. artigo 48.º, n.º 2, al. a), do mesmo diploma). Mas a abertura de um novo concurso permitia manter o contrato já celebrado em vigor, prosseguir os seus termos até final, sem que tal se mostrasse mais oneroso do que a nova empreitada global que veio a ser contratada”.

Em qualquer caso entendeu ainda o Tribunal que “porquanto não resultar provado nos autos que fosse tecnicamente inviável manter dois empreiteiros em obra (facto não provado no ponto 1). E, em especial, se apenas fossem consignados segmentos do contrato com a expressão necessária na fase em que a obra se encontrava, ainda no início (cfr. al. Y) e Z), do probatório), como a realização das estruturas ou da outra fase imediatamente subsequente”.

Correspondentemente concluiu este aspeto o tribunal a quo afirmando que “Ainda assim, não resulta dos autos que fosse inevitável a rescisão contratual, sendo juridicamente viável a abertura de um novo concurso público que acomodasse os trabalhos a mais e omissões e, nessa medida, evitar a produção do dano”.

Como reiteradamente se tem afirmado, independentemente da viabilidade técnica da manutenção em obra de duas empreitadas com idêntico objeto e objetivo, é incontornável que foram os erros do aqui Recorrido na quantificação do “mapa de quantidades”, que determinaram a verificação dos reclamados prejuízos sofridos pelo Município, sempre assim se verificando um manifesto nexo de causalidade entre o facto e o dano efetivamente verificado.

A responsabilidade por tal circunstância não poderá ser mitigada por via de uma outra relação contratual acrescida, o que, ainda assim, não desculpabilizaria o inadequado cálculo do “mapa de quantidades” realizado pelo Recorrido, havendo uma clara relação de causa efeito, entre o referido erro de cálculo e a rescisão contratual ocorrida, o que, por natureza, evidencia o nexo de causalidade que o tribunal a quo diz não se verificar ente o facto e o dano.

Mesmo que fosse possível, com o afirma o tribunal a quo “(…) a abertura de um novo concurso” de modo a “manter o contrato já celebrado em vigor, prosseguir os seus termos até final, sem que tal se mostrasse mais oneroso do que a nova empreitada global que veio a ser contratada”, tal não afasta a responsabilidade da Recorrida pelos erros e prejuízos que vieram a determinar a rescisão contratual com a P....., Lda., com o pagamento da correspondente indemnização nos termos legais.

É pois incontornável que a rescisão do referido contrato, com o pagamento da emergente indemnização constituiu uma inevitabilidade para o município, mormente a partir do momento em que os erros em trabalhos a mais e omissões verificados na medição original do projeto eram superiores a 25%.

Tal como a sentença recorrida expressamente consagra, a verificação de tais erros são imputáveis à Recorrida, tendo produzido um dano correspondente ao valor da indemnização paga à sociedade empreiteira.

Foi em decorrência da conduta adotada pela Recorrida na execução do contrato de prestação de serviços de elaboração do projeto celebrado com o Município que este último se viu constituído no encargo de ter que pagar à P....., Lda. a indemnização resultante da resolução do contrato de empreitada consigo celebrado, o que determina que se verifique um nexo de causalidade entre o facto praticado pela Recorrida no âmbito do contrato de prestação de serviços de elaboração do projeto e o dano que o Município sofreu ao ter sido obrigada a pagar à sociedade empreiteira uma indemnização pela resolução do contrato de empreitada outorgado com a P....., Lda.

Perante o vindo de afirmar, irreleva a alegação do Tribunal a quo relativa ao timing de deteção dos erros evidenciados no projeto concebido pela Recorrida, mormente quanto ao “mapa de quantidades”, pois que um erro é sempre um erro, independentemente do momento em que é detetado, sendo que foi esse erro que determinou a rescisão contratual e a consequente atribuição de indemnização.

Em face de tudo quanto se expendeu supra, entende-se estarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, o que determinará a revogação da Sentença Recorrida, e que seja julgada procedente a presente ação.


* * *

Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao Recurso, Revogar a Sentença Recorrida, mais se julgando Procedente a Ação.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 7 de junho de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa