Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3142/16.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CUSTAS JUDICIAIS
PRESCRIÇÃO
Sumário:O crédito por custas e o direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respetiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei especial.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que, atenta verificação da prescrição da dívida proveniente de custas judiciais liquidadas no âmbito do processo de impugnação nº 1028/04.7 BELSB, julgou procedente a oposição, determinando a extinção da execução fiscal nº …………………140, dela veio recorrer.

Em sede de alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

A. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida fez errado julgamento da matéria de facto e de direito, ao declarar a prescrição da divida, quando tal não ocorreu.

B. No caso sub júdice, o termo do prazo de pagamento voluntário da conta de custas terminou em 09.03.2011, pelo que, caso não existisse nenhuma interrupção, o prazo de prescrição ocorreria em 10.03.2019. No entanto, a citação do executado, realizada em 20.10.2016, iniciou um novo prazo de oito anos, pelo que, ao contrário do doutamente decidido, e salvo o devido respeito, o prazo de prescrição da divida ainda não decorreu.

C. Importa ainda realçar que, conforme disposto nos artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1, ambos do Código Civil, na circunstância da interrupção do prazo prescricional resultar de citação, o novo prazo de prescrição não inicia o seu curso enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo judicial.

D. Pelo que, no caso em apreço, ao efeito interruptivo da citação se segue o efeito suspensivo, o qual apenas findará com o trânsito em julgado da decisão.

E. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei e viola o disposto nos artigos 48.º da LGT e 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1, ambos do Código Civil.


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A Recorrida apresentou a sua contra-alegação, não tendo formulado conclusões. Defende, contudo, a manutenção do decidido.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:


III. Consideram-se documentalmente provados os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos:

A. No processo de impugnação que correu termos neste Tribunal sob o n.º 1028/04.7BELSB, foram proferidas sentença e acórdão que condenaram em custas o ora Oponente (cf. fls. 4 e segs. do PEF apenso);

B. Da guia de conta de custas emitida em nome da ora Oponente, consta como valor a pagar € 20.512,62, data de início de pagamento 17 de Fevereiro de 2011 e data limite de pagamento 9 de Março de 2011 (cf. fl. 20 do PEF apenso);

C. Em 15 de Fevereiro de 2016, foi extraída certidão para cobrança coerciva das custas judiciais referidas, no ponto anterior (cf. fl. 25 verso do PEF apenso);

D. O que deu origem à instauração, em 17 de Outubro de 2016, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, do PEF n.º …………….140 (cf. fl. 1 do PEF apenso);

E. Por ofício n.º 07140, enviado sob registo postal n.º RM …………….PT, de 17 de Outubro de 2016, foi a ora Oponente citada, nos seguintes termos essenciais (cf. fl. 24 do PEF apenso):

«Quadro no original»

F. Em 25 de Novembro de 2016, o Oponente prestou, no âmbito do PEF, garantia bancária ………………., emitida pelo …………… a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), até ao montante máximo de € 33.763,64 (cf. fls. 24 e 25 dos autos em suporte físico).

G. Em 16 de Novembro de 2016, deduziu a Oponente a presente oposição (cf. fl. 2 dos autos em suporte de papel).

A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, não impugnados, conforme referido em cada letra do probatório.


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- De Direito

Inconformada com o decidido, veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TT de Lisboa, que julgou procedente a oposição, com fundamento na prescrição da dívida exequenda.

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, no seu entendimento, a dívida não estar prescrita. É esta, pois, a única questão aqui em análise.

Vejamos, então, começando por deixar devida nota do discurso fundamentador alinhado na sentença recorrida. Aí se escreveu o seguinte:

“(…)

Importa convocar, como regime aplicável, o RCP, uma vez que as custas só são devidas a partir da sua “liquidação”, com a elaboração da respectiva conta e notificação dessa “liquidação” ao devedor, sendo a liquidação aqui em causa de 17 de Fevereiro de 2011 (cf. letra B do probatório).

Mais concretamente, importa convocar o artigo 37.º do RCP, que dispõe no seu n. º 1: “O crédito por custas e o direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respetiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei especial.”

Identificado o prazo de prescrição aplicável, é necessário determinar a data em que se inicia a contagem daquele prazo de prescrição de cinco anos.

Tal questão encontra-se decidida pelos tribunais superiores, estando assente que o prazo de prescrição das custas judiciais só começa a correr com o termo do prazo para o pagamento voluntário; assim “da mesma forma que um particular não pode requerer a devolução da quantia a que tenha direito senão a partir do acto que lhe dá a conhecer (formalmente) a existência desse direito, também o Estado não pode promover a execução do seu crédito de custas senão quando estas estiverem contadas (liquidadas) e tiver decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, na sequência da notificação do devedor para esse efeito (sendo que, por sua vez, o devedor não pode cumprir antes de a obrigação estar liquidada e lhe ter sido formalmente comunicada). O enunciado princípio geral tem expressa consagração legal no artigo 306º, nº 1, do Código Civil, o qual, sob a epígrafe «início do curso da prescrição», estatui: «o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição»” (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 2288/04.9TBFAR-AE1, disponível em www.dgsi.pt e ainda acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 1825/03.0PBLRA.C1, disponível no mesmo sítio da internet).

Ora, no caso vertente, o prazo de pagamento voluntário da dívida de custas terminou em 9 de Março de 2011 (cf. letra do probatório), pelo que, no dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário (10 de Março de 2011), inicia-se a contagem daquele prazo de prescrição de cinco anos, que culminou em 10 de Março de 2016 [cf. alíneas c) e d) do artigo 279.º do Código Civil (CC)].

Importa, agora, verificar se existiram factos interruptivos e/ou suspensivos da contagem desse prazo.

O RCP não contém nenhuma definição de semelhantes ocorrências, pelo que e não se tratando de dívida de natureza tributária (não se aplicando, por conseguinte, a LGT), tem aplicação o disposto nos artigos 323.º e segs. do CC.

Do artigo 323.º do CC consta que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito (…)”.

Assim, verificando-se que a citação do ora Oponente para os termos da execução ocorreu em 20 de Outubro de 2016 (cf. letra E do probatório, articulado com o disposto nos artigo 35.º, 191.º e 192.º do CPPT), a mesma ocorreu já depois de decorrido o prazo de prescrição (em 10 de Março de 2016, como referido supra), não podendo esta ocorrência ter como efeito “fazer renascer” um prazo que já se havia completado na sua totalidade em momento anterior.

Em face do exposto, encontrava-se já prescrita a dívida exequenda aquando da dedução da presente oposição (cf. última letra do probatório), procedendo o fundamento único da presente oposição”.

A Fazenda Pública discorda do assim considerado, defendendo que:

- o prazo de prescrição das custas judicias é de oito anos e não de cinco, conforme foi considerado pela sentença;

- assim, caso não existisse qualquer causa interruptiva da prescrição, a dívida prescreveria em 10/03/19, ou seja, 8 anos depois de 09/03/11 (data do termo do prazo de pagamento voluntário da conta de custas);

- contudo, em 20/10/16 ocorreu a citação do executado, pelo que, nos termos dos artigos 326º e 327º do CC, interrompeu-se o prazo de prescrição, com as consequências legalmente previstas: “o novo prazo de prescrição não inicia o seu curso enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo judicial”; “ao efeito interruptivo da citação se segue o efeito suspensivo, o qual apenas findará com o trânsito em julgado da decisão”.

Vejamos, então.

Em primeiro lugar, importa que fique decidido o prazo de prescrição aplicável, isto porque é aí que reside a primeira discordância da Recorrente com a sentença.

O TT de Lisboa considerou aplicável o prazo de 5 anos, resultante do artigo 37º do Regulamento das Custas Processuais (RCP); a Recorrente considera aplicável o prazo prescricional de 8 anos, decorrente do artigo 48º da Lei Geral Tributária.

Ora, no caso do crédito por custas o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, tal como especificamente prevê o artigo 37º, nº1, do RCP, nos termos do qual “1 - O crédito por custas e o direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respectiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei especial”.

Já assim era, quanto ao prazo prescricional, no Código das Custas Judiciais, de acordo com o nº 1, do artigo 123º, nos termos do qual “O crédito de custas prescreve no prazo de cinco anos”.

Defende a Fazenda Pública, como dissemos, que é aplicável o prazo de 8 anos previsto no nº 1 do artigo 48º da LGT, pois esse é o prazo de prescrição das “dívidas tributárias”.

Com efeito, resulta do nº1 do artigo 48º mencionado que “1 — As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos…”. (sublinhado nosso).

A propósito da natureza das custas, tenhamos presente que, como se evidencia no acórdão do Tribunal Constitucional, de 20/04/23, com o nº 1184/21:

“Todos os processos onde se dirimem litígios (de direito privado ou de direito público) estão sujeitos a custas. Esta é a regra geral estabelecida no n.º 1 do artigo 1.º do RCP –, sendo que para esse efeito «considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria» (n.º 2).

O conceito de custas processuais e seus componentes constam do artigo 529.º do CPC e do artigo 2.º do RCP. Em sentido lato, as custas processuais integram a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte: a taxa de justiça é o montante devido pelo impulso processual do interessado e fixa-se em função do valor ou da complexidade da causa, segundo tabelas legais; os encargos correspondem às despesas concretas a que haja lugar no processo (v.g. os custos com correio e comunicações telefónicas, as compensação de testemunhas, a retribuição de peritos, os transportes em diligências no processo, etc.); e, por sua vez, as custas de parte são as despesas que cada parte foi fazendo com o processo - incluindo a taxa de justiça - e de que tenha direito a ser reembolsada pela parte vencida, reembolso que deve ser pago diretamente à parte vencedora.

Os gastos que se fazem com e para o processo - desde a petição inicial até à sua extinção – não têm todos a mesma natureza jurídica: enquanto a taxa de justiça consubstancia a contrapartida pecuniária da utilização do serviço de administração de justiça, os encargos e as custas de parte consistem no reembolso das despesas e retribuições efetuadas pelos serviços e pela parte vencedora com a tramitação do processo.

6. A problemática das custas judiciais insere-se assim no âmbito tributário e processual: por um lado, integrada no conceito de custas processuais, a taxa de justiça tem natureza tributária; por outro, a imposição de custas processuais é uma medida limitadora do acesso aos serviços de justiça e à tutela jurisdicional efetiva.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma prestação pecuniária que tem por função repercutir sobre os utilizadores do sistema judicial os custos do seu funcionamento. Como todas as taxas, a taxa de justiça assume natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte dos cidadãos. Como se diz no já citado Acórdão do n.º 615/2018 «a taxa de justiça caracteriza-se pela prestação pecuniária que o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional a que dão causa ou de que beneficiem como contrapartida do serviço judicial desenvolvido. Representa, pois, tendencialmente o custo ou o preço da despesa necessária à prestação do serviço desenvolvido».

No caso, o que temos é uma lei especial a prever o prazo da prescrição do crédito por custas e do direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos, pelo que é o normativo em causa (37º, nº1 do RCP, já transcrito) o aqui aplicável.

Assente que está o prazo de prescrição aplicável, de 5 anos, vejamos se o mesmo decorreu, como considerou a sentença, ou se não.

Sobre a contagem do prazo de prescrição, em particular o seu início, a resposta da jurisprudência não foi sempre uniforme. Neste sentido, e numa resenha útil, pode ver-se o acórdão do STJ, em recurso de revista, proferido em 17/10/17, no processo nº 203/14.0T8PTG-E.E1.S1, do qual resultam as posições defendidas e aquela que fez vencimento no STJ. Assim:

“(…)

Não tendo o legislador estipulado o concreto momento a partir do qual se conta o prazo de prescrição do crédito de custas, este, nos termos gerais, começa a correr «quando o direito de crédito puder ser exercido» (artigo 306º, nº 1, do CC).

Porém, essa regra geral, por si só, não tem a concretude bastante para sustentar o entendimento perfilhado em decisões que – como a de 16-11-2010 a que o recorrente faz apelo – dela têm extrapolado a ideia de que o prazo de prescrição do crédito de custas só corre depois de estas serem contadas e decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, ou desde que o devedor, notificado da conta que tenha sido efectuada das custas, as não pague voluntariamente ([4]).

Como parece evidente, essa interpretação obnubila a questão crucial do estabelecimento do momento a partir do qual o direito pode ser exercido, ou seja, noutra perspectiva, daquilo em que consiste o conceito de “exercício” a que o legislador alude, o qual, patentemente, se mostra integrado pelo estatuído no subsequente nº 4 do mesmo artigo 306º.

Com efeito, não deve ser confundida a exequibilidade do direito de crédito por custas judiciais com a possibilidade de este ser exercido: o “exercício” do direito até pode ser iniciado com a contabilização/liquidação do crédito ao mesmo inerente pelo respectivo titular mas a sua possibilidade nasce com o trânsito em julgado da decisão que condena o devedor no seu pagamento.

Ou seja, apenas a exequibilidade do direito depende do seu completo “exercício” e este tem os contornos oferecidos pelo art. 306º nº 4 do CC, que prescreve: «Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado».

Temos, assim, que são instituídos dois prazos autónomos de prescrição: um começa a correr «quando o direito de crédito puder ser exercido», ou seja, logo que, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, ao credor Estado «seja lícito promover a liquidação»; outro, independente daquele, logo que seja feito o apuramento do resultado líquido, sem reclamação do devedor ou por decisão sobre tal reclamação, passada em julgado ([5]).

Neste caso, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, apenas do credor Estado ficou a depender o exercício do direito, com a contagem das custas no prazo de 10 dias – ainda que meramente indicativo ou ordenador – e com a criação das demais condições para a cobrança de tal crédito. Donde, desde então estava na inteira disponibilidade do credor a afectação e a organização dos meios aptos ao exercício do direito ([6]).

Como se sabe, a prescrição extintiva dos direitos funda-se no decurso do tempo e na duradoura inércia do credor, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante determinado período de tempo indicado na lei. Essa extinção por negligência do credor em não exercer o seu direito durante um determinado período de tempo – em que seria legítimo esperar que ele o fizesse, nisso estando interessado – justifica-se por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas, que impõem que a inércia prolongada daquele envolva consequências desfavoráveis para o seu exercício tardio, atendendo, nomeadamente, à expectativa do devedor de se considerar liberto do cumprimento

Com o instituto da prescrição, o legislador cuidou dos valores da estabilidade das relações jurídicas, da segurança e da certeza imanentes a qualquer ordem jurídica.

Ora, segundo pensamos, a aceitação da proposta interpretativa formulada neste recurso sobre as aludidas normas desrespeitaria as regras impostas pelo art. 9º do CC, porque, por um lado, não colheria na respectiva letra uma adequada correspondência verbal e, por outro lado, contornaria os aspectos de ordem sistemática e racional envolvidos, afrontando o pensamento legislativo.

Dessa interpretação adviria que o decurso do prazo de prescrição só se iniciaria quando o credor se dispusesse, sem quaisquer limitações temporais, a liquidar o seu crédito, afinal, a exercer o seu direito – que é o que aqui está em causa, como pensamos ter demonstrado. Tal resultado, perante a apontada a ratio do instituto da prescrição, não merece adesão, dado conferir amparo ao credor negligente, aliás, contra o que a citada norma do nº 4 do artigo 306º do CC estabelece expressamente: em caso de iliquidez da dívida, a prescrição começa a correr desde que o credor – qualquer credor e não apenas o Estado – possa promover a sua liquidação. E colidiria com os princípios da segurança e da certeza jurídicas e da protecção da confiança dos cidadãos, bem como com o da igualdade de todos os credores perante a lei, plasmados nos artigos 2º e 13º da Constituição.

E, por assim ser, a interpretação em que nos estribamos dos citados preceitos não pode ofender qualquer princípio consagrado na lei fundamental, designadamente em algum dos artigos invocados pelo recorrente, antes recolhe o seu fundamento nos mencionados princípios, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito.

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Síntese conclusiva:

Nos termos dos nºs 1 e 4 do art. 306º do CC, o prazo de cinco anos de prescrição do crédito de custas (art. 37º nº 1 do RCP) começa a correr: 1) «quando o direito de crédito puder ser exercido», ou seja, desde que, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, ao credor Estado «seja lícito promover a liquidação»; 2) desde que sejam notificadas a conta com o apuramento do resultado líquido desse crédito, sem reclamação do devedor, ou a decisão sobre tal reclamação, passada em julgado”.

Com isto dito, temos claro que a posição do TT de Lisboa, quanto ao início da contagem do prazo de prescrição, não é de acolher, pois, antes do termo do prazo de pagamento voluntário, já o Estado está em condições, nos termos explicados no acórdão transcrito, de exercer o seu direito – “… a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, apenas do credor Estado ficou a depender o exercício do direito, com a contagem das custas no prazo de 10 dias – ainda que meramente indicativo ou ordenador – e com a criação das demais condições para a cobrança de tal crédito”.

No caso, a matéria de facto não nos disponibiliza essa data, ou seja, o trânsito julgado da decisão condenatória, o que, contudo, não nos impede de concluir no sentido em que a sentença concluiu (pela prescrição da dívida exequenda). Com efeito, basta ter em conta que o trânsito em julgado da decisão condenatória é forçosamente anterior ao termo do prazo de pagamento voluntário, pelo que se, como acontece, já tiverem decorrido (sem intercorrências suspensivas ou interruptivas) os cinco anos desde 09/03/11, por maioria de razão já haviam decorrido 5 anos contados de momento anterior. Na verdade, ainda que o prazo fosse contado desde 09/03/11 os 5 anos terminariam em 10/03/16.

Aqui chegados importa verificar se existiram factos interruptivos e/ou suspensivos da contagem deste prazo de prescrição. No caso, como a sentença defendeu, e merece a concordância da Recorrente, o facto (potencialmente) interruptivo da contagem do prazo de prescrição é a citação, nos termos que decorrem dos artigos 323º, 326 e 327º do CC, sabido que (i) a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, que (ii) a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo e, bem assim, que (iii) se a interrupção resultar de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Assim, e volvendo ao caso concreto, verificamos que a citação a Oponente para os termos da execução ocorreu em 20/10/16, ou seja, a mesma teve lugar já depois de decorrido o prazo de prescrição (no mínimo, e na hipótese mais tardia, em 10/03/16, não obstante, pelas razões expostas, entendermos ser anterior), razão pela qual não pode tal citação ter o efeito que a Recorrente pretende.

Significa isto que, quando a oposição foi deduzida (em novembro de 2016) já a dívida exequenda estava prescrita, o que equivale a dizer que a cobrança da mesma à Executada, aqui Recorrida, já não era exigível.

A prescrição é fundamento específico de oposição, pelo que, como bem concluiu o TT de Lisboa, a oposição teria de proceder, com as legais consequências. Isto mesmo que foi decidido e que aqui se confirma.

Assim, e sem necessidade de mais nos alongarmos, julgam-se improcedentes as conclusões do recurso e nega-se provimento ao mesmo.


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III – DECISÃO




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.

Lisboa, 24/01/24


Catarina Almeida e Sousa

Maria de Lurdes Toscano

Isabel Maria Fernandes