Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1875/18.2BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
| Descritores: | MATÉRIA DE FACTO NOTIFICAÇÃO PROJETO DE RIT INSTRUÇÃO |
| Sumário: | I - Apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, embora lhe sejam equiparáveis os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o objeto do processo.
II - Não é este o caso das asserções utilizadas na sentença, no sentido de que “não se provou que a impugnante tenha recebido a carta” x ou y. Tais asserções encerram o sentido da decisão da questão colocada nos autos. III - Percebe-se bem, atentos os valores em jogo, a opção do legislador pela presunção de notificação quando em causa está a devolução da notificação do projeto de relatório, nas situações contempladas no artigo 43º, nº1 do RCPITA: de um lado, o direito de defesa do contribuinte, do outro o dever da AT de prosseguir o interesse público de arrecadar a receita fiscal que for devida, no mais curto espaço de tempo. IV – Nestes casos, a devolução da carta registada não impede que opere a presunção de notificação de quem demonstra, com a sua atuação, inércia ou desinteresse em receber a comunicação que os serviços lhe remeteram. V - No caso, provado que está que os objetos postais em causa (contendo o projeto de relatório e o relatório final) foram remetidos por correio postal registado, para a morada correta e existindo prova da aceitação pelos correio e não tendo, em qualquer caso, havido devolução de tal expediente postal, devem convocar-se as normas gerais em matéria de notificações e perfeição das mesmas, em concreto os artigos 38º e 39º, nºs 1 e 2 do CPPT. VI – Temos, pois, que as notificações presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. Contudo, pode tal presunção ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO B.......................-Comércio …………….., Unipessoal, Lda., com os demais sinais nos autos, veio deduzir impugnação judicial contra a decisão de indeferimento tácito que se formou sobre a reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) nº ……………..123, do exercício de 2014, nº ……………..144, do exercício de 2015 e contra a liquidação nº ………………170, respeitante ao exercício de 2016. Por sentença de 15/07/22, o Tribunal Tributário (TT) de Lisboa julgou a impugnação procedente e, em consequência, anulou as liquidações sindicadas. Inconformada com o assim decidido, a Fazenda Pública, apelou para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões: «A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por B....................... – Comércio ………………….., Lda e em consequência, anulou as liquidações adicionais de IRC, relativas aos exercícios de 2014, 2015 e 2016. B. Tendo presente a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, não pode, por diversas ordens de razão, a Recorrente conformar-se com a procedência do vício procedimental de falta de notificação para audição prévia, que afeta a génese do Relatório de Inspeção e as liquidações subsequentes. C. Mediante ofício de 22-11-2017, remetido sob registo n.º RD……………….PT, da mesma data, foi o impugnante notificado, para a morada da sua sede na Rua …………….., nº 5 – 1º Dto., C……………, 2……….-192 S……………, do Projeto de Relatório e para exercer, querendo, o direito de audição, cfr. fls. 41 a 57 da Reclamação Graciosa (RG). D. Sendo que o talão de aceitação de correspondência de correio registado dos CTT, para além do número de registo, tem aposto, no canto inferior direito, o carimbo dos CTT e a data de aceitação da carta registada, em 2017-11-22, bem como a rúbrica do funcionário que a aceitou. E. Assim como o ofício de 28-12-2017, remetido via postal sob registo n.º RD……………….PT, de 28-12-2017, cfr. fls. 30 a 43 da RG, que notifica o impugnante do Relatório Final do Procedimento de Inspeção. F. O talão de aceitação dos CTT, referente a este ofício, tem novamente aposto o carimbo dos CTT, datado de 2017-12-26 e a assinatura do funcionário que recebeu a carta. G. Como decorre dos elementos de prova juntos aos autos, a correspondência em questão foi efetivamente remetida para o domicílio fiscal do impugnante. H. Sobre esta circunstância já se pronunciou o STA, nos processos n.º 01181/11 de 16/05/2012 e 0347/10.8BEPRT de 17-10-2018. I. Nos termos do art.º 43º n.º 1 do RCPIT presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contatados por carta registada em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta. J. O art.º 43.º, n.º 1 do RCPIT, estabelece que se faça prova da remessa da carta registada para o sujeito passivo e não da colocação à sua disposição, uma vez que a notificação se presume realizada mesmo que ocorra a sua devolução. K. Assim, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o recebimento das cartas registadas que a AT enviou à impugnante. L. Salvo melhor entendimento a douta sentença recorrida incorre em erro dos pressupostos de facto, resultante da incorreta valoração da factualidade assente, mas também violação da lei, por violação do disposto no art.º 43.º n.º 1 do RCPIT. M. Face a todos os elementos coligidos nos autos, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e em consequência, manter-se na ordem jurídica o ato tributário em apreço por estar em conformidade com os normativos legais supracitados. N. Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente improcedente, a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.» * A Sociedade Recorrida apresentou contra-alegações com o seguinte quadro conclusivo: «1. Importa começar por referir que a Impugnante alegou na sua p.i.: 2. Em sede de alegações, a Impugnante juntou dois documentos dos CTT a indicar que nos dois registos dos CTT, indicados pela AT, consta a informação: “objeto não encontrado” 3. Interpretando o art. 43º do RCPITA verificamos que presunção de notificação opera nos casos em que haja devolução da correspondência. 4. No caso em apreço não houve devolução da correspondência. 5. Por conseguinte, a presunção não pode operar. 6. A presunção prevista na norma citada só se aplica aos casos em que está provado o envio e que tendo a mesma sido disponibilizada ao remetido, este por ação ou omissão da sua responsabilidade não a recebeu. 7. A presunção não se pode aplicar, nomeadamente aos casos de extravio de correspondência. 8. Uma vez que cabe à AT demonstrar que o contribuinte foi notificado (art. 74º da LGT) e não o tendo feito, afigura-se-nos que deve ser mantida a decisão de 1º Instância por ser solução que decorre da Lei. 9. Em suporte desta interpretação vejamos o Ac. do STA de 13/03/2013, no recurso nº01394/12: 10. Transpondo esta decisão para o caso em apreço, muito embora no Ac. citado estivesse em causa uma missiva devolvida, o Ac. refere que a presunção não opera caso não se demonstre que foi deixado o aviso ao destinatário. 11. Ora no caso em julgamento não só não se trata de uma carta devolvida, que por si afasta a presunção, como não se demonstrou que os CTT tivessem deixado um aviso. 12. O dever de audição prévia é um direito constitucional (art. 267º, n.1 da CRP), cujas limitações estão expressamente previstas no art. 60º, n.º2 da LGT. A dispensa de audição prévia não está prevista na norma atrás citada. 13. Por conseguinte, a admissão da sua não realização é violadora do art. 267º, n.º1 da CRP, do art. 60º, n.º2 da LGT e do art. 23º, n.º4 da LGT. 14. O direito de conhecer através da notificação a decisão final do relatório da inspeção é um direito constitucional (art. 268º, n.3 da CRP), não estando previstas quaisquer limitações. 15. Por conseguinte, a admissão da sua não realização é violadora do art. 268º, n.º3 da CRP, do art. 36º do CPPT e do art. 77º, n.º6 da LGT. 16. Uma vez que a presunção do art. 43º do RCPITA não deve operar, por não estarem preenchidos os pressupostos de facto necessários, a AT não estava dispensada da obrigatoriedade de envio de uma segunda notificação, como previsto no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT. (v. acórdãos de 18 de março de 2013, processo n.º 0595/13, e de 31 de janeiro de 2012, processo n.º 0929/11), 17. Acresce que o artigo 41.º do CPPT, que rege as notificações das pessoas coletivas e sociedades, confere notória proeminência à notificação na caixa postal eletrónica ou na área reservada do Portal das Finanças, não tendo sido essa a via adotada no presente caso, pelo que a solução preconizada é, de igual modo, a que melhor se coaduna com o princípio da justiça. 18. A notificação poderia ter sido efetuada para a caixa postal eletrónica, permitindo o acesso direto dos responsáveis, e seria da mais elementar justiça que a Inspeção Tributária tivesse repetido a notificação ou a tentasse contactar por outra via, incluindo o Contabilista Certificado. 19. Relembre-se que no âmbito deste procedimento inspetivo o contabilista, a impugnante e os seus representantes legais receberam outras notificações por email, telefone, transmissão eletrónica de dados (VIACTT) ou correio. Subsidiariamente, 20. A procedência do recurso, o que só se admite por dever de defesa, implicaria sempre a apreciação dos demais vícios imputados na p.i., os quais não foram apreciados em virtude da procedência da violação do direito de audição. Nestes termos e nos demais de direito, deve o recurso ser julgado improcedente e mantida a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo.” * Por decisão sumária da Senhora Juíza Conselheira Relatora, datada de 22/02/23, foi decidido declarar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e atribuir essa competência ao Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido, nos termos do disposto no artigo 18º, nº1, do CPPT. * Recebidos os autos neste TCA-Sul, os mesmos foram com vista ao Digno Procurador-Geral Adjunto, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso. * Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. A Impugnante é uma sociedade por quotas, que tem por objeto social “Comércio e Reparação de Veículos Automóveis, Motociclos e Ciclomotores”, encontrando-se inscrita para o exercício da atividade principal de “Comércio de Veículos Automóveis Ligeiros”, a que corresponde o CAE (Código de Atividade Económica) 45110 – fls. 10 a 17 do Processo Administrativo Tributário nos autos; 2. A impugnante, à data dos factos, encontrava-se enquadrada, para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas – IRC, no regime geral e, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral – fls. 10 e 17 do Processo Administrativo Tributário nos autos; 3. A impugnante, tem a sua sede na Rua …………, nº 5, 1º direito, ………..-192, S. P ………….., 2………-192, T……………– cfr. fls. 10 a 17 do Processo Administrativo nos autos; 4. Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI201602671, OI201602672, OI201602673 e OI201701049, a impugnante foi sujeita a procedimento de inspeção externo, de âmbito parcial – IVA e IRC– para os exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 – cfr. fls. 32 a 43 do Processo de Reclamação nos autos; 5. No âmbito do procedimento inspetivo, em sede de IRC, foram efetuadas correções aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, constantes do relatório de inspeção tributária (RIT) que se enunciam seguidamente: -cfr. fls. 39 a 40 da do Processo de Reclamação nos autos; 6. Por ofício de 22.11.2017, sob registo dos CTT com nº RD………………PT, da mesma data, foi remetida para a sede da impugnante, com indicação da morada na Rua ……………., nº 5, 1º direito, ………-192, S. P …………….., 2………..-192, T …………., “Notificação do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária- artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e, art. 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA)”, para exercer, querendo, o direito de audição – cfr. fls. 44 e 45 do processo de reclamação graciosa nos autos; 7. Por despacho de 21.12.2017, a A.T. manteve as correções propostas no “Projeto de Relatório”, dado o não exercício do direito de audição, e determinou a elaboração dos documentos de correção – cfr. fls. 32 e 33 do processo de reclamação graciosa nos autos; 8. Através do ofício nº 00046573, de 28.12.2017, remetido via postal sob registo dos CTT com o nº RD………………..PT, de 28.12.2017, foi remetida à impugnante, para a sua sede, com morada sita na Rua ……………., nº 5, 1º direito, 2…………-192, S. ………………., 2…………..-192, Torres Vedras “Notificação - Relatório de Inspeção Tributária- artigo 62º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA)” – cfr. fls. 30 a 43 do processo de reclamação graciosa nos autos; 9. Em 08.01.2018, foram emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, as liquidações adicionais de IRC para os exercícios de 2014, 2015 e 2016, como se indica seguidamente: «Imagem no original» - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial; 10. Em 17.04.2018, a ora impugnante deduz reclamação graciosa, contestando as liquidações identificadas no ponto antecedente e peticionando a notificação dos “fundamentos das correções subjacentes ao Relatório de Inspeção realizado a coberto das Ordens de Serviço nºs OI201602671, OI201602672, OI201602673 ou de qualquer relatório de inspeção que possua os fundamentos que justifiquem as liquidações impugnadas” – cfr. fls. 154 a 262 do SITAF; 11. Em 22.10.2018, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa, a impugnante apresenta no Tribunal Tributário de Lisboa, petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial – cfr. fls. 1 e ss. do SITAF; 12. Por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 27.11.2018, a reclamação graciosa, enunciada no ponto 10, foi indeferida – cfr. fls. 96 a 98 do processo de reclamação graciosa nos autos; 13. Em 21.12.2018, a impugnante deduz recurso hierárquico o qual obteve proposta de indeferimento – cfr. fls. 297 a 318 do SITAF. III. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS · Não se provou que a impugnante tenha recebido a carta que a A.T. lhe remeteu para morada que consta como sede, através do ofício de 22.11.2017, sob registo dos CTT com nº RD……………..PT (notificação-audição prévia Projeto de Relatório) e; · Não se provou que a impugnante tenha recebido a carta correspondente ao ofício nº 00046573, de 28.12.2017, remetido para morada que consta como sede, via postal sob registo dos CTT com o nº RD…………..PT (notificação Relatório Final Inspeção). Não se provaram quaisquer outros factos passiveis de afetar a decisão de mérito, e que importe registar como não provados. III. 3 – MOTIVAÇÃO A convicção do tribunal formou-se com base no confronto entre as posições assumidas pelas partes nos seus articulados, no teor dos documentos juntos, não impugnados, a que alude o probatório supra, bem como na consulta à plataforma do SITAF. Quanto aos factos não provados, cumpre dizer que, não obstante constar do processo administrativo tributário o comprovativo de que foram remetidas por correio registado, para a morada que consta como sede da impugnante, carta com vista à notificação para o exercício do direito de audição, o mesmo se verificando com a remessa por carta registada do relatório final de inspeção, o certo é que a A.T. não provou nos presentes que a impugnante as tenha recebido. Com efeito, uma vez que a impugnante alega na petição inicial que [e]m nenhuma das duas ocasiões os serviços dos CTT depositaram em aviso ou qualquer outro documento para levantamento da correspondência (artigo 15º da P.I.) e, ainda, [a] impugnante não recebeu qualquer aviso de levantamento da correspondência relativa ao exercício do seu direito de participação, nem relativo à notificação do relatório final de inspeção (art. 16º da P.I.). Em sede de alegações, vem ainda a impugnante afirmar que com base nas informações do site dos CTT, adquiridas através dos registos das cartas enunciados pela Fazenda Pública, consta a informação de “objeto não encontrado” (artigos 3 e 4 e Doc. 1 e 2, do requerimento de alegações da impugnante), concluindo pela não notificação do Projeto de Relatório de Inspeção, com vista ao exercício da audição prévia. Apreciando. De acordo com a distribuição das regas do ónus de prova (art. 74º da LGT), cabia à A.T. fazer prova nos autos de que as cartas registadas, das quais fez prova da sua remessa, foram colocadas à disposição do destinatário, nomeadamente, juntando para o efeito informação dos serviços dos CTT da data em que o objeto notificado foi colocado à disposição do sujeito passivo. É certo que, tal como refere a Fazenda Pública na contestação, o disposto no art. 60º do RCPIT conjugado com art. 43º do RCPIT, impõem a notificação do projeto de relatório por meio de carta registada, sendo que este último dipositivo legal estabelece uma presunção (ilidível) de que os sujeitos passivos se consideram notificados até nos casos em que a carta tenha sido devolvida ao remetente, com indicação de não ter sido levantada, ter sido recusada ou com indicação que o destinatário se encontra ausente/parte incerta. Ora, in casu, não se colocando qualquer uma destas situações, forçoso seria a A.T. ter juntado nos presentes autos o comprovativo de que as cartas registadas foram colocadas à disposição do destinatário com vista a provar a perfeição da notificação. Não o tendo feito, não se considerou provada a notificação efetiva da impugnante nas duas situações, i.e., notificação para o exercício do direito de audição prévia do relatório inspetivo e notificação do relatório final de inspeção.» * - De Direito
A questão submetida a este TCA consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter concluído, face aos elementos de prova disponíveis, que não está demonstrado que o contribuinte, ora Recorrido, foi notificado, no âmbito do procedimento inspetivo, do projeto de relatório final e, consequentemente, ao ter julgado ter ocorrido a preterição de uma formalidade legal no procedimento de inspeção, traduzida na violação do direito de audição prévia ao RIT. Após fazer apelo ao quadro legal aplicável, a Mma. Juíza discorreu nos seguintes termos que, em parte, se recuperam: (…) In casu, só a partir da prova do envio da carta (para exercício do direito de audição prévia) e de que a mesma foi colocada ao alcance do destinatário, funciona a presunção do n.º 1 do artigo 43.º do RCPIT, daí a redação do nº 1, que refere “em que tenha havido devolução daquela com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”, inculcando a ideia de que é necessária a prova da colocação ao alcance do destinatário, para que se considere a notificação perfeita. Feita essa prova, pertencia ao destinatário o ónus de demonstrar que, apesar dos comprovativos dos registos, não chegou a receber as cartas. In casu, deveria a A.T., no âmbito dos presentes autos ter requerido aos correios (CTT) a informação sobre «a efetiva receção» ou, como também se estabelece no art. 6.º do RSPC, qualquer outro «documento comprovativo» do destino que lhe foi dado. Com efeito, o verdadeiro alcance do disposto no art. 43º do RCPIT, indica claramente que a lei quer atribuir ao registo uma presunção juris tantum, desde que se prove a remessa e a colocação à disposição da carta registada. Só com esta prova funciona a presunção do art. 43º, nº1 do RCPIT. Ora, no caso dos autos, não existe qualquer escrito na correspondência, que permita afirmar que o carteiro tivesse avisado a impugnante que tinha uma carta registada para levantar, ou que a impugnante se tivesse recusado a recebê-la. O mesmo é dizer, no quadro fáctico dos presentes autos não existe qualquer prova de que a impugnante tenha sido avisada. Desde modo, não podem dar-se como preenchidos os pressupostos para a verificação da presunção a que alude o artigo 43.º nº 1 do RCPIT. (Neste sentido, vide: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.10.2018, proferido no processo n.º 0347/10.8BEPRT, disponível em www.dgsi.pt)”. A Fazenda Pública começa por afirmar que “o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o recebimento das cartas registadas que a AT enviou à impugnante”, parecendo, pois, insurgir-se contra o estabelecido pelo Tribunal quanto aos factos não provados. Se bem interpretamos este primeiro ponto do recurso, não se trata, como parecia à primeira vista, da impugnação da matéria de facto, no sentido de ver esse circunstancialismo contemplado no probatório. Lido todo o recurso jurisdicional, o que ressalta é, como bem diz o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no STA, que a Recorrente “questiona diretamente a forma como o tribunal a quo apreciou e valorou a factualidade apurada”. Na verdade, assim é. Vejamos por partes. Como está bem de ver, as asserções contidas na matéria de facto não provada não podem manter-se no probatório constante da sentença e, nessa medida, a sua eliminação será aqui determinada. Com efeito, fez-se constar da factualidade não provada que: “- Não se provou que a impugnante tenha recebido a carta que a A.T. lhe remeteu para morada que consta como sede, através do ofício de 22.11.2017, sob registo dos CTT com nº RD………………..PT (notificação-audição prévia Projeto de Relatório) e; - Não se provou que a impugnante tenha recebido a carta correspondente ao ofício nº 00046573, de 28.12.2017, remetido para morada que consta como sede, via postal sob registo dos CTT com o nº RD……………..PT (notificação Relatório Final Inspeção)”. Daquilo que se trata é, em qualquer dos casos, de conclusões jurídicas que, por si só, encerram a decisão da causa e, nessa medida, não estamos perante asserções factuais, como os factos devem ser entendidos, isto é, como acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), independentemente de o respetivo conhecimento se atingir diretamente pelos sentidos ou se alcançar através das regras da experiência (juízos empíricos). Na verdade, apenas os factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, embora lhe sejam equiparáveis os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o objeto do processo. Claramente, não é este o caso das asserções utilizadas na sentença, no sentido de que “não se provou que a impugnante tenha recebido a carta” x ou y. Tais asserções – repete-se – encerram o sentido da decisão da questão colocada nos autos. Com efeito, saber se o ofício x ou y foi notificado é a conclusão que o Tribunal deverá retirar, porventura fazendo uso de presunções legais destinadas a tal, aplicando o quadro legal relevante em matéria de notificações ao circunstancialismo factual verificado relativamente aos termos em que o expediente postal foi enviado ao seu destinatário. Assim sendo, as asserções constantes nos factos não provados serão eliminadas. * Prosseguindo. Para a Recorrente, não apenas os apontados factos não provados, agora eliminados, como o discurso fundamentador adotado na sentença traduz uma errada apreciação e valoração dos factos provados e uma errada interpretação do artigo 43º, nº1, do RCPITA, mais concretamente do alcance da presunção de notificação que aí vem prevista. Dito de outro modo, face ao circunstancialismo de facto e à interpretação do alcance do disposto no referido nº 1 do artigo 43º, do RCPITA, para a Recorrente, o Tribunal deveria ter presumido a notificação do projeto de relatório, pois se a presunção funciona no caso de o expediente postal vir devolvido, assim não pode deixar de presumir quando, como no caso, não há evidência da devolução do mesmo. Vejamos de que lado está a razão. À data dos factos que aqui importa considerar, dispunha o artigo 43º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, o seguinte: “Presunção de notificação 1 - Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter, de forma clara, a identificação do remetente. 3 - A violação do disposto no número anterior só impede o funcionamento da presunção mediante exibição da comunicação dos serviços postais em causa. 4 - O disposto no n.º 1 não impede a realização de diligências pela administração tributária com vista ao conhecimento do paradeiro do sujeito passivo ou obrigado tributário”. Como tem sido entendido, “Perante esta inequívoca norma legal, a jurisprudência dos tribunais superiores tem reiteradamente afirmado que a notificação para efeitos de exercício do direito de audição do projecto de relatório no procedimento de inspecção tributária encontra-se especialmente regulada no RCPIT e perante este diploma é irrelevante a devolução da carta registada em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada sempre que essa devolução haja ocorrido porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para reclamar a carta na estação dos correios, não o fez – neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 13/03/2013, no recurso nº 01394/12, de 28/01/2015, no recurso nº 0803/14 e de 15/06/2016, no recurso nº 01863/13” – vide, entre outros, o acórdão do STA, de 17/10/18, proc. nº 347/10.8BEPRT 0615/17. Temos, pois, face ao preceito citado, que em sede inspetiva o projeto de relatório há-de ter--se como notificado, operando a presunção prevista no nº1 do artigo transcrito, quando a notificação seja remetida através de carta registada para o domicílio fiscal do inspecionado e venha devolvida com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de o destinatário estar ausente em parte incerta. Para efeitos de operar tal presunção, a lei não prescinde (cfr. nº 2 do preceito) da comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela AT. Isto mesmo a jurisprudência tem evidenciado, reforçando a ideia do não funcionamento da presunção, em caso de devolução do expediente postal com a demonstração de não ter sido deixado o aviso ao destinatário – cfr. o acórdão do STA, de 28/01/15, proc. nº 394/12. Percebe-se bem, atentos os valores em jogo, a opção do legislador pela presunção de notificação quando em causa está a devolução da notificação do projeto de relatório, nas situações contempladas no artigo 43º, nº1 do RCPITA: de um lado, o direito de defesa do contribuinte, do outro o dever da AT de prosseguir o interesse público de arrecadar a receita fiscal que for devida, no mais curto espaço de tempo. Há, contudo, um detalhe que não é despiciendo. É que a solução legal, de presunção de notificação perante a devolução do expediente postal, justifica-se quando o destinatário, apesar da comunicação para levantamento da carta, não a levanta, recusa-se a recebê-la ou não permite que seja contatado por estar ausente em parte incerta. Nestes casos, a devolução da carta registada não impede que opere a presunção de notificação de quem demonstra, com a sua atuação, inércia ou desinteresse em receber a comunicação que os serviços lhe remeteram. Corroborando esta ideia, lê-se no acórdão deste TCA, de 21/05/20, proferido no processo nº 597/07.4BESNT, que a presunção já não funcionará “nos casos em que a Administração Tributária apenas demonstra que a carta contendo a notificação apresentada a registo dos CTT, (…), veio devolvida (não reclamada) sem qualquer indicação de que foi deixado aviso no receptáculo postal do destinatário, para proceder ao seu levantamento”. Ora, o caso dos autos não é subsumível à previsão da norma contida no nº1 do artigo 43º do RCPITA, desde logo porque, aqui, a carta não veio devolvida. Desta diferença de circunstâncias pretende a Recorrente retirar, em abono da sua tese, um argumento de maioria de razão, defendendo que se a presunção funciona para os casos de devolução, então não faz sentido que não opere quando a carta remetida não é devolvida. Embora se perceba o alcance da posição da Fazenda Pública, pensamos que o caminho tendente à solução do caso não é este, importando lançar mão das regras gerais em matéria de notificações, pois que – insiste-se – o artigo 43º do RCPIT prevê especiais situações de devolução da carta e somente às que resultam do seu não levantamento, da recusa do recebimento ou de o destinatário ter paradeiro incerto. No caso presente, não há sinal de que a carta tenha sido devolvida. Mas, então, se a carta não foi devolvida, significa que foi recebida? Para a Fazenda a resposta é afirmativa, sem mais. Vejamos. No caso, provado que está que os objetos postais em causa (contendo o projeto de relatório e o relatório final) foram remetidos por correio postal registado, para a morada correta e existindo prova da aceitação pelos correio e não tendo, em qualquer caso, havido devolução de tal expediente postal, devem convocar-se as normas gerais em matéria de notificações e perfeição das mesmas, em concreto os artigos 38º e 39º, nºs 1 e 2 do CPPT. E, assim sendo, temos que as notificações presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. Contudo, pode tal presunção ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção. É neste ponto que nos encontramos. Se atentarmos àquela que vem sendo a posição do impugnante desde o início do processo (até já na reclamação graciosa) e, bem assim, na impugnação judicial, na qual, de resto, arrolou prova tendente a demonstrar a sua versão dos fatos, cremos que há um percurso instrutório que não pode deixar de ser feito, com vista à ilisão da presunção legal (de notificação) que é uma presunção juris tantum, admitindo, portanto, prova em contrário. Com efeito, para além daquilo que o Tribunal entender conveniente, justifica-se, no caso, obter informação dos CTT, porventura já na posse da Administração (face ao pedido anterior e que já resulta da reclamação graciosa), sobre o recebimento dos objetos postais em causa, o qual presumivelmente há-se constar do registo recolhido pelo distribuidor postal aquando da entrega da carta. É verdade, e não se desconsidera, que o impugnante, já em sede de alegações finais, juntou elementos fornecidos pelos CTT dos quais consta a indicação correspondente ao registo de envio do projeto de RIT como “objeto não encontrado”. Sucede, porém, que da análise de tais elementos não se retira o momento em que foram obtidos e, como se sabe, há informação que apenas fica disponível no site dos CTT por um período curto de tempo, o que não impede que a mesma já tenha sido fornecida anteriormente (como aqui pode ter acontecido, face às anteriores tomadas de posição por parte da sociedade impugnante, junto da AT). Tenha-se presente que entre a data do envio postal (2017) e a apresentação do apontado documento com as alegações (2021) distam cerca de 4 anos, o que seguramente torna aquela informação de “objeto não encontrado” em algo inconclusivo, por desatualizado. Face a tudo o que vem disto, há que, reconhecendo o incontornável défice instrutório, ordenar a baixa dos autos para os fins apontados, ou seja, para que possam ser efetuadas todas as diligências pertinentes de molde ao esclarecimento da situação fáctica alegada, a qual é relevante para a boa decisão da causa. Tal determina que se anule oficiosamente a sentença, com vista a uma mais completa instrução e, após, ser proferida nova decisão * III - Decisão Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em anular oficiosamente a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que se proceda à instrução dos autos nos termos apontados e prolação de nova decisão. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 01/06/23 Catarina Almeida e Sousa Isabel Fernandes Lurdes Toscano |