Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06670/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/17/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS. NOÇÃO. ARTº.35, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
PRESSUPOSTOS DO PAGAMENTO DE JUROS COMPENSATÓRIOS.
TAXA DOS JUROS COMPENSATÓRIOS.
CONTEÚDO FUNDAMENTADOR DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS.
ARTº.37, DO C.P.P.T. ÂMBITO DE APLICAÇÃO.
Sumário:1. Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.83, do C.P.T.; artº.35, da L.G.T.). Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artº.35, nº.8, da L.G.T.

2. A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:
a-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
b-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
c-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
d-Reembolso superior ao devido;
e-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
f-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

3. No artº.35, nº.10, da L.G.T., mais se consagra que a taxa dos juros compensatórios é a taxa dos juros legais fixada nos termos do artº.559, nº.1, do C.Civil, sendo actualmente de 4% (taxa fixada pela portaria 291/2003, de 8/4, em vigor desde 1/5/2003).

4. Nos termos do artº.35, nº.9, da L.G.T., na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr.art.268, nº.3, da C.R.P.).

5. O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:
a-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;
b-Os termos inicial e final da contagem dos juros;
c-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;
d-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;
e-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte.

6. O artº.37, do C.P.P.T., somente compreende os casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado. Só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências da mesma notificação, nada tendo a ver com o regime dos vícios dos actos notificados. No âmbito do artº.37, do C.P.P.T., a A. Fiscal apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado. O acto notificado tem o conteúdo que tem independentemente da notificação, e podem-lhe ser imputados todos os vícios de que enferme, independentemente de ser adequadamente notificado ou não. Assim, não é aplicável este regime quando as deficiências não são da notificação, mas sim do próprio acto notificado. Isto é, este regime de sanação de deficiências aplica-se aos casos em que o acto notificado contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respectiva notificação, visto que são coisas diferentes o acto de notificação e o acto notificado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.159 a 174 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo recorrido “Sport ..................”, na parte correspondente aos juros compensatórios liquidados, relativos a I.R.C. do ano de 1998.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.199 a 207 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida pelo SPORT ..............., n.i.f. ............, que teve por objecto a liquidação adicional de I.R.C. de 1998 nº................, no valor total de € 159.425,18, na parte correspondente a juros compensatórios no valor de € 22.594,01 (4.529.693$00);
2-Na situação "sub judice" está em discussão saber se a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de falta de fundamentação ou não;
3-Conforme decorre da douta sentença, a impugnante contabilizou custos na conta 26.8.98.2, sem suporte documental, relativamente aos quais não foi possível identificar os seus destinatários, o destino dos pagamentos, nem a razão de ser dos mesmos, pelo que se afigura correcta a qualificação efectuada pela Inspecção como despesas confidenciais, sendo, assim, sujeitos a tributação autónoma, pelo que foi emitida a presente liquidação adicional, no montante de € 136.831,17 (27.432.186$00), já que a impugnante não liquidou todo o imposto que se mostrava devido;
4-Ditava o artº.80, do C.I.R.C., com redacção à data dos factos que sempre que, por motivo imputável ao sujeito passivo, fosse retardada a liquidação do imposto devido, acresceriam juros compensatórios ao montante de imposto;
5-Deste modo, demonstrado que está o nexo de causalidade entre a actuação da impugnante e o retardamento da liquidação de Imposto, apenas e só àquela imputável, visto que deduziu como custos despesas não documentadas ou confidenciais, sujeitos a tributação autónoma, são devidos juros compensatórios, com vista a compensar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que deixou de ser liquidada no momento em que deveria;
6-Todavia, considerou o Tribunal “a quo” que a liquidação de juros compensatórios enfermava do vício de falta de fundamentação, dado que não contém qualquer indicação da forma como foram calculados (montante de imposto sobre o qual incidem, taxas aplicáveis e período de contagem), nem das normas legais em que assenta, apenas contendo o seu montante;
7-De facto, fundamentar é dar a conhecer ao interessado o “iter” cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, isto é, o que levou este a decidir de determinada forma e não de outra, de modo a que o interessado possa decidir conformar-se com ela ou contestá-la, sendo que se considera um acto como devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário, colocado na posição de destinatário normal, fique cabalmente esclarecido da sua “ratio”;
8-Por outro lado, a notificação do acto tributário de liquidação constitui condição de eficácia do acto e não requisito de validade do mesmo, como decorre, entre outros, do Acórdão do T.C.A. Sul de 9/05/2007, Proc. 01500/06;
9-Sendo que, na eventualidade das liquidações não estarem devidamente fundamentadas, pode o contribuinte requerer essa fundamentação no prazo de 30 dias, de harmonia com o artº.37, nº.1, do C.P.P.T., já que esta norma não só é aplicável nas situações em que a fundamentação existe mas não foi notificada, como também é aplicável quando a fundamentação não existe;
10-Desta forma, se a impugnante considerava que a liquidação de juros compensatórios não estava fundamentada, deveria ter requerido a notificação da sua fundamentação, no prazo de 30 dias; findo este prazo o eventual vício ficou sanado, não podendo ser agora invocado nem apreciado em sede de impugnação;
11-Tal como é o entendimento perfilhado no Acórdão do T.C.A. Sul de 17/04/2007, processo n.° 579/03, ao prescrever que:
"XVI) -A recorrente podia lançar mão da faculdade do n° 1 do artigo 37.° do CPPT, para se habilitar com todos os dados de que precisasse para se esclarecer sobre a legalidade dos actos recorridos e se decidir pela apresentação ou não apresentação da impugnação, não sofrendo dúvida de que só a falta de fundamentação do acto constitui preterição de formalidade legal.
XVII) -A faculdade consentida pelo art. 37.° do CPPT é o modo único de sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, não constituindo condição para o acesso a esses meios.
XVIII) -A falta de uso daquela faculdade terá como consequência a impossibilidade de invocar o vicio de forma por falta de fundamentação como causa de pedir da impugnação judicial deduzida contra o acto cuia fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte.";
12-De referir ainda que, ao contrário do que considerou a douta sentença, a liquidação em apreço contém a base legal (artº.80, do CIRC supra mencionado), como podemos constatar a fls.23 dos autos, no campo 20 da descrição consta: "Juros Compensatórios artº.80.° CIRC", indicando quer o montante dos juros, quer o montante das despesas confidenciais, valor sobre o qual incidem;
13-O cálculo dos juros compensatórios decorre da lei, mencionando expressamente o artº.35, da L.G.T., que os juros são calculados dia a dia, desde a data em que deveria ter sido liquidado e entregue até à detecção da falta (nº.3), integrando-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados (nº.8), sendo a taxa equivalente à taxa de juros legais fixados nos termos do artº.559, do C.C. (nº.10);
14-Ao que acresce que, em sede de decisão de reclamação graciosa, que constitui o acto impugnado, foi demonstrada manualmente a liquidação de juros compensatórios, como podemos constatar a fls.55 do processo de Reclamação Graciosa apensa aos Autos, da qual consta:
- número da liquidação e a moeda - escudos
- o montante sobre o qual incidem os juros - 27.432.186
- nº. de dias e período de contagem - 861 (de 01-06-1999 a 09-10-2001)
- taxa - 7%
- operação de cálculo - juros = (27.432.186 x 861 x 7%) / 365 = 4.259.693
- fórmula de cálculo - juros = (taxa x imposto x dias) /365;
15-Esta demonstração da liquidação de juros compensatórios acompanha a decisão de reclamação graciosa notificada à impugnante, sendo que é esta decisão que foi objecto da presente Impugnação;
16-Deste modo, a liquidação de juros compensatórios encontra-se devidamente fundamentada, ao invés do que considerou o Tribunal “a quo”;
17-Face ao exposto, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que considere que se encontra devidamente fundamentada a liquidação de juros compensatórios, já que, a manter-se na ordem jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação do artº.80, do C.I.R.C., com redacção à data dos factos, do artº.35, da L.G.T., e do artº.37, nº.1, do C.P.P.T.;
18-Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença ora sindicada e substituída por outra que considere que se encontra bem fundamentada a liquidação de juros compensatórios.
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Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.216 e 217 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.219 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.161 a 168 dos autos):
1-No âmbito de uma acção de inspecção realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), o impugnante, “Sport .............” (S.L.B.), com o n.i.p.c. ............, foi alvo, além do mais, de correcções relativas a tributação autónoma de despesas confidenciais contabilizadas na conta 268 “pagamentos sem documentação de suporte”, no montante de 27.432.186$00 (€ 136.831,17), tudo conforme relatório de inspecção cuja cópia parcial se encontra junta a fls.24 a 32 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
2-No decurso da acção de inspecção foi o S........... notificado para apresentar provas documentais da natureza de um conjunto de documentos, ao qual foi dada a seguinte resposta: (cfr.documento junto a fls.33 dos presentes autos):
“(...)
Por ofício de 30 de Julho p.p. foi o Sport .............. notificado para apresentar provas documentais da natureza do conjunto de documentos abaixo descriminados, cujas cópias juntamos e que nos mereceram os comentários expressos.

Mês N°Doc Valor Observações
3/98 1715/3 3.903.263$ (a)
7/98 1588/7 5.000.000$ (b)
7/98 1589/7 14.550.000$ (b)
7/98 1545/7 10.070.868$ (b)
7/98 1959/7 1.170.000$ (b)
11/98 2024/11 14.550.000$ (b)
12/98 398/12 19.336.334$ (a)
(a) Pagamentos efectuados pelo Clube, na Direcção do Dr. .............., de que se desconhece a finalidade;
(b) Pagamentos efectuados pelas contas bancárias do Dr. .................. e lançados na sua conta corrente. No entanto o S.............. só os considera após justificação, que aguarda o processo a decorrer para apuramento da dívida e objecto de investigação quer da D.I.A.P. quer da Polícia Judiciária.


Anexos: Cópia dos documentos solicitados (…);
3-O documento 1715 identificado no nº. anterior refere-se a uma ordem de pagamento emitida pelo presidente do clube, Dr. .................., no valor de £12.500, a favor do Banque ............... à Luxembourg (cfr.documentos juntos a fls.34 a 36 dos presentes autos);
4-O documento 1588, identificado no nº.2 do probatório, refere-se a uma ordem de transferência emitida pelo presidente do clube, Dr. .............., no valor de Esc. 5.000.000$00, para o Banque................... à Luxembourg (cfr.documentos juntos a fls. 37 a 38 dos presentes autos);
5-O documento 1589, identificado no nº.2 do probatório, refere-se a uma ordem de transferência emitida pelo presidente do clube, Dr. ............, no valor de Esc. 14.550.000$00, para o Banque ............ à Luxembourg (cfr.documentos juntos a fls. 39 a 40 dos presentes autos);
6-O documento 1945, identificado no nº.2 do probatório, refere-se a uma ordem de transferência emitida pelo presidente do clube, Dr. ................, no valor de (£ 33.334) Esc.10.070.868$00, para o ............... Bank (cfr.documentos juntos a fls.43 e 44 dos presentes autos);
7-O documento 1959, identificado no nº.2 do probatório, refere-se a uma fotocópia de um cheque do .................. Bank, da conta de ................ & Associados, no montante de Esc.1.170.000$00, emitido à ordem de José ................ (cfr.documento junto a fls.45 dos presentes autos);
8-O documento 2024, identificado no nº.2 do probatório, refere-se a uma ordem de transferência emitida pelo presidente do clube, Dr. ..............., no valor de Esc. 14.550.000$00, para o Banco ................. [cfr.documentos juntos a fls.41 a 42 dos presentes autos);
9-O documento 398, identificado no nº.2 do probatório, refere-se a uma ordem de transferência emitida pelo presidente do clube, Dr. .............., no valor de £ 67.000, para o Midland .......... [cfr.documentos juntos a fls.46 e 47 dos presentes autos);
10-A 30 de Novembro de 2001, foi emitida a liquidação nº.........., em nome da impugnante, no montante de 31.961.879$00 (€ 159.425,18), correspondendo a 27.432.186$00 (€ 136.831,17) de tributação autónoma - despesas confidenciais, e 4.529.693$00 (€ 22.594,01) de juros compensatórios, tudo conforme documento junto a fls.23 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
11-A 11 de Abril de 2002 foi interposta reclamação graciosa do acto de liquidação supra identificado, que deu origem ao processo identificado com o nº............... (cfr.documentos juntos a fls.2 a 14 do processo de reclamação graciosa em apenso);
12-Por despacho de 23 de Setembro de 2002, da Directora de Finanças Adjunta da 2ª. Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação supra identificada, com a fundamentação que aqui se considera integralmente reproduzida (cfr.documentos juntos a fls.44 a 54 do processo de reclamação graciosa em apenso);
13-A 3 de Outubro de 2002 foi o impugnante notificado da decisão identificada no ponto anterior, através da recepção do ofício nº.2711, de 2002/10/02 (cfr.documentos juntos a fls.22 dos presentes autos e fls.56 e 57 do processo de reclamação graciosa em apenso);
14-A 16 de Outubro de 2002 foi interposta a presente acção (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Quanto à prova testemunhal apresentada pelo S......., revelou-se credível o testemunho prestado por António ..............., técnico oficial de contas do Impugnante há 27 anos, que depôs de forma clara e coerente, demonstrando ter conhecimento directo dos factos. Reconheceu os documentos constantes no anexo 18 do relatório de inspecção, identificando-os como pagamentos efectuados por ordem do presidente do clube - Dr. .................., sem terem documentação de suporte, não sendo possível identificar a origem dos documentos, nem o destino dos pagamentos.
Relatou que, quanto a estas despesas sem documentação associada, ocorriam duas situações distintas: umas vezes o presidente do clube emitia ordem para que determinados pagamentos fossem efectuados pelo clube, outras vezes era o próprio Dr. .............. que efectuava os pagamentos por conta do clube, através das suas contas pessoais, ou das contas da sociedade ".................. & Associados", sendo que esses montantes eram considerados, na contabilidade do clube, como empréstimos efectuados pelo seu presidente.
Assim, a testemunha identificou, de forma clara, estes dois procedimentos - quando era o próprio B............... a suportar as despesas, estas eram contabilizadas numa conta de pagamentos sem documentação de suporte (conta 26.8.98.2), em contrapartida por uma conta de caixa ou bancos (conta 12); quanto era o Dr. ...................... a suportar os custos, por si ou através da sua sociedade de advogados, eram estes valores contabilizados na mesma conta de pagamentos sem documentação de suporte (conta 26.8.98.2), por contrapartida por uma conta de empréstimos ao presidente (conta 23.91.68).
Estes custos ficavam contabilizados nesta conta provisória (conta 26.8.98.2) até que fossem apresentados os documentos de suporte para documentar a transação.
Esta testemunha afirmou peremptoriamente que não conhecia o destino de qualquer dos pagamentos constantes no anexo 18 do relatório de inspecção, não obstante ter pedido esclarecimentos sobre o que fazer com aqueles movimentos.
Por seu lado, a testemunha António ......................, membro dos órgãos directivos da Impugnante entre 1997 a 2000, e responsável pela área de animação e da cultura, confrontado com os documentos constantes no anexo 18 ao relatório de inspecção, não reconheceu nenhum.
Sabia, pela sua experiência pessoal enquanto responsável pela área da animação, que por vezes o presidente do clube - Dr. .............., efectuava pagamentos relativos ao clube através das suas contas pessoais, e da sociedade de advogados que detinha, embora tenha afirmado que não podia garantir que todas as despesas pagas pelo Dr. ................., alegadamente por conta do clube, fossem efectivamente relacionadas com S..........…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo ora recorrido, “Sport ................”, tendo por objecto o acto tributário identificado no nº.10 do probatório, na parte respeitante a juros compensatórios, devido a padecer do vício de falta de fundamentação.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Levando em consideração o trânsito em julgado da sentença da 1ª. Instância nesta parte e também o princípio da proibição da “reformatio in peius” (cfr.artºs.619 e 635, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) não deve este Tribunal apreciar a decisão recorrida no trecho que julgou improcedente a impugnação deduzida incidente sobre a liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 1998 e no montante de € 136.831,17 (cfr.nº.10 do probatório).
Argui o recorrente, em síntese e conforme supra se alude, que está em discussão saber se a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de falta de fundamentação ou não. Que ditava o artº.80, do C.I.R.C., na redacção à data dos factos, que sempre que, por motivo imputável ao sujeito passivo, fosse retardada a liquidação do imposto devido, acresceriam juros compensatórios ao montante de imposto. Que deste modo, demonstrado que está o nexo de causalidade entre a actuação da impugnante e o retardamento da liquidação de Imposto, apenas e só àquela imputável, visto que deduziu como custos despesas não documentadas ou confidenciais, sujeitos a tributação autónoma, são devidos juros compensatórios, com vista a compensar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que deixou de ser liquidada no momento em que deveria. Que, na eventualidade das liquidações não estarem devidamente fundamentadas, pode o contribuinte requerer essa fundamentação no prazo de 30 dias, de harmonia com o artº.37, nº.1, do C.P.P.T., já que esta norma não só é aplicável nas situações em que a fundamentação existe mas não foi notificada, como também é aplicável quando a fundamentação não existe. Que, ao contrário do que considerou a sentença recorrida, a liquidação em apreço contém a base legal (artº.80, do C.I.R.C.), como podemos constatar a fls.23 dos autos, no campo 20 da descrição consta: "Juros Compensatórios artº.80.° CIRC", indicando quer o montante dos juros, quer o montante das despesas confidenciais, valor sobre o qual incidem. Que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que considere que se encontra devidamente fundamentada a liquidação de juros compensatórios, já que, a manter-se na ordem jurídica, a decisão ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação do artº.80, do C.I.R.C., com redacção à data dos factos, do artº.35, da L.G.T., e do artº.37, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 1 a 17 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.83, do C.P.T.; artº.35, da L.G.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 27/11/96, C.T.F.387, pág.285 e seg.; Francisco Rodrigues Pardal, Juros Compensatórios, C.T.F.114, pág.37 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.283 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.234 e seg.).
Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artº.35, nº.8, da L.G.T.
A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:
1-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
2-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
3-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
4-Reembolso superior ao devido;
5-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
6-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.235).
No artº.35, nº.10, da L.G.T., mais se consagra que a taxa dos juros compensatórios é a taxa dos juros legais fixada nos termos do artº.559, nº.1, do C.Civil, sendo actualmente de 4% (taxa fixada pela portaria 291/2003, de 8/4, em vigor desde 1/5/2003).
Nos termos do artº.35, nº.9, da L.G.T. (norma aplicável ao caso “sub judice”, visto que a L.G.T. entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 - artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12 - sendo a liquidação de juros compensatórios em causa nos presentes autos datada de 30/11/2001, conforme resulta do nº.10 do probatório), na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr.art.268, nº.3, da C.R.P.).
De um modo geral, a fundamentação deverá permitir conhecer integralmente o itinerário seguido pela entidade liquidadora para calcular os juros, visando o objectivo exógeno de permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa do mesmo.
Assim, o conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:
1-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;
2-Os termos inicial e final da contagem dos juros;
3-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;
4-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;
5-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 4/2/2004, rec.1733/03; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 23/4/2013, rec.1095/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.284 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.240).
Voltando ao caso dos autos, do exame do documento junto a fls.23 do processo (cfr.nº.10 do probatório), deve concluir-se que a liquidação impugnada não abarca qualquer indicação da forma como foram calculados os juros compensatórios, apenas contendo a indicação do seu montante - 4.529.693$00 (€ 22.594,01) - e da norma legal que consagra a responsabilidade por juros compensatórios (artº.80, do C.I.R.C.), para além de não indicar quais as normas legais em que assenta a liquidação desses juros, tal como os termos inicial e final da contagem e a taxa aplicada.
Apesar disso, defende o recorrente que na eventualidade da liquidação não estar devidamente fundamentada, pode o contribuinte requerer essa fundamentação no prazo de 30 dias, de harmonia com o artº.37, nº.1, do C.P.P.T., já que esta norma não só é aplicável nas situações em que a fundamentação existe mas não foi notificada, como também é aplicável quando a fundamentação não existe.
Não tem razão o apelante.
O artº.37, do C.P.P.T., somente compreende os casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado. Só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências da mesma notificação, nada tendo a ver com o regime dos vícios dos actos notificados. No âmbito do artº.37, do C.P.P.T., a A. Fiscal apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado. O acto notificado tem o conteúdo que tem independentemente da notificação, e podem-lhe ser imputados todos os vícios de que enferme, independentemente de ser adequadamente notificado ou não. Assim, não é aplicável este regime quando as deficiências não são da notificação, mas sim do próprio acto notificado. Isto é, este regime de sanação de deficiências aplica-se aos casos em que o acto notificado contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respectiva notificação, visto que são coisas diferentes o acto de notificação e o acto notificado (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 6/6/2007, rec.155/07; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.349).
Em conclusão, deve considerar-se insuficientemente fundamentada a liquidação de juros compensatórios em causa nos presentes autos (cfr.nº.10 do probatório), assim sendo de confirmar a decisão recorrida neste segmento.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Outubro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)