Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 508/22.7 BELLE |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 10/04/2023 |
![]() | ![]() |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
![]() | ![]() |
Descritores: | RECLAMAÇÃO DE ATO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL INTERESSE EM AGIR |
![]() | ![]() |
Sumário: | I – O interesse em agir, “substancia-se na necessidade de tutela judicial, surgindo «da necessidade em obter do processo a protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação». Daí que «este pressuposto não se destina a assegurar a eficácia da sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade; não fora exigido o interesse, e a actividade jurisdicional exercer-se-ia em vão».
II - Tal como a ação se mostra configurada, é perfeitamente apreensível a necessidade da Reclamante em usar do processo, de o instaurar e de o fazer prosseguir. Com efeito, e independentemente do mérito da pretensão da Reclamante, vislumbra-se a necessidade e a adequação na intervenção do Tribunal, desde logo para aferir da legalidade da penhora que vem contestada, sendo certo que é o reconhecimento da ilegalidade da mesma que a Reclamante pretende que o Tribunal declare. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | UNANIMIDADE |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO A…………………………deduziu, ao abrigo do preceituado nos artigos 276º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamação judicial contra o despacho da Senhora Chefe-Adjunta do Serviço de Finanças de A..............., datado de 09/08/22, proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………………900 e apensos, que, indeferindo um requerimento apresentado pela Reclamante, considerou não sofrer de ilegalidade a penhora do usufruto do prédio rústico nº…., Secção E, da freguesia de A............... e Olhos de …….., mais considerando que a citação da executada foi entregue na caixa postal eletrónica. O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Loulé, por decisão de 26/05/23, julgou verificada a falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública “do pedido” Inconformada com a decisão apelou a reclamante para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo na alegação apresentada, formulado as seguintes conclusões: «A) O tribunal “a quo” julgou improcedente a reclamação apresentada pela Reclamante, por entender que alegadamente a Reclamante ainda podia evitar a venda do direito ao usufruto que detém sobre o imóvel que constitui a sua casa de morada de família, não tendo por isso interesse em agir na presente acção. B) A Recorrente entende que o douto tribunal “a quo” laborou em erro na interpretação e aplicação do Direito, designadamente do disposto nos artigos 244º, n.º 2, e 276º do CPPT e artigos 95º, 97º, n.º 1, n), 101º d), e 103º da LGT, por considerar que, contrariamente, o tribunal devia ter considerado que o facto do processo executivo estar em fase de venda, conforme foi expressamente comunicado à Executada, é suficiente para configurar um acto lesivo susceptível de impugnação por parte da mesma. C) Na verdade, somente na teoria, poderia a Reclamante evitar a venda do direito que detém sobre o imóvel, pois que, na falta de procedência da reclamação, o processo prosseguirá para a venda efectiva do seu direito e tal apenas não acontecerá se a Recorrente conseguir efectuar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que não se afigura possível, atenta a situação económica da Reclamante. D) Caso assim não se entendesse, jamais qualquer acto de anúncio de venda ou efectiva marcação da venda, constituiria um acto lesivo suscpetível de reclamação nos termos legalmente admissíveis, na medida em que o Executado pode sempre evitar a venda através do pagamento da dívida exequenda e acrescido. E) Como foi acompanhado pelo Digníssimo Procurador do Ministério Público, no parecer junto aos autos, “No caso em apreço, da prova carreada para os autos, encontra-se demonstrado que, efectivamente, a Reclamante tem, naquele prédio rústico, a sua residência, onde reside numa caravana que ali se encontra e onde tem os seus animais de estimação. De acordo com os depoimentos das testemunhas, resulta igualmente provado que a Reclamante reside naquele local de forma permanente e estável, pelo que se afigura estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 244º do CPPT que obstam à realização da venda. Por outro lado, pese embora a Autoridade Tributária venha alegar que a execução se encontra apenas na fase de penhora, o certo é que foi emitida notificação à Reclamante, mediante ofícios 1360 de 22.06.2022, da qual resulta que as dívidas fiscais se encontram em fase de venda, devendo a executada diligenciar pela regularização da situação, o que viola o preceito normativo supra mencionado”. F) A notificação dirigida à Reclamante é expressa ao referir que: G) Assim, através daquela notificação, a Recorrente teve conhecimento de que o processo executivo que contra si segue termos no órgão de execução fiscal está em fase de venda e que a marcação da venda do seu direito ao usufruto no prédio ali identificado poderia ser evitada mediante regularização da sua situação tributária; em simultâneo, a Reclamante teve conhecimento da penhora do seu direito ao usufruto sobre o referido prédio. H) Neste contexto, a Reclamante viu-se confrontada, por um lado, com a informação de que o processo de execução fiscal estava em fase de venda e que nesse âmbito seria agendada a venda do usufruto do prédio, por outro, teve conhecimento da penhora do seu direito ao usufruto sobre o prédio, e do não cumprimento dos formalismos legais exigidos para a sua legalidade. I) Ora, segundo resulta do disposto no n.º 2 do artigo 244º do CPPT, se o imóvel penhorado pela AT, no âmbito de execução fiscal, se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, e estiver efectivamente afectado a esse fim, não haverá lugar (no processo de execução fiscal) à realização da sua venda. J) A norma é expressa ao referir que: “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim”. K) Com efeito, atenta a informação constante na notificação que lhe foi dirigida, a Reclamante não pôde deixar de invocar perante o órgão de execução fiscal que este estaria impossibilitado de proceder à venda do direito ao usufruto que a Reclamante detém sobre o prédio em causa no âmbito da execução fiscal, visto nele ter a sua residência permanente, atento o disposto no artigo 244º, n.º 2, do CPPT, sob pena da venda padecer de nulidade, tendo assim solicitado a suspensão das diligências de venda, por ter sido informada de que o processo estava em fase de venda. L) Por tal não ter sido atendido, face à inexistência de qualquer indício de reconhecimento da suspensão das diligências de venda anunciadas, podia e devia a Reclamante ter reagido contra a decisão do órgão de execução fiscal mediante a apresentação do presente meio, senão vejamos: M) Por um lado, o artigo 95.º da LGT garante o direito de impugnação ou recurso, preceituando que o interessado tem direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei (n.º 1) e indica, no elenco dos actos lesivos, os praticados na execução fiscal [n.º 2, alínea i)]. N) Por outro, o artigo 103.º estabelece que é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, dando corpo à injunção de "consagrar o direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo", constante da alínea 19) do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, através da qual foi concedida autorização ao Governo para aprovar a Lei Geral Tributária. O) Assim, como refere o Ilustre Conselheiro Jubilado Jorge Lopes de Sousa: “Embora o texto do art. 276º refira “decisões” do órgão de execução fiscal e outros órgãos da administração tributária como possíveis objectos de reclamação e o art. 103, n.º 2, da LGT faça referência a “actos materialmente administrativos praticados por órgão da administração tributária” e a Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que autorizou o Governo a aprovar a LGT, reconhece “um direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo” (alínea 29) do n.º 2 daquela lei). Por isso, em face da supremacia da LGT, reconhecida no art. 1º do CPPT, e da necessidade da conformação dos preceitos daquela com a lei de autorização legislativa que é condição da sua constitucionalidade orgânica, em matéria que têm a ver com as garantias dos contribuintes (arts. 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea i), da CRP), deve ser reconhecido o direito global de os interessados reclamarem para o juiz todos os actos que os lesem, tenham ou não configuração u designação de “decisões”, inclusivamente, por isso, actos e operações materiais de execução. Na mesma linha, os arts. 95º, n.º 2, alínea j), e 101º, alínea d), da LGT, nas redacções iniciais, confirmam que é assegurado o direito de recurso de “actos praticados na execução fiscal” e não apenas daquele que mereça a qualificação de “decisões” ou sejam qualificáveis como verdadeiros actos administrativos, à face da definição do art. 120º do CPA. Aliás o próprio CPPT refere entre os meios contenciosos o “recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal (art. 97º, n.º 1, alínea n), daquele Código, que tem texto idêntico ao art. 101º, alínea d), da LGT), e no seu art. 278º, n.º 3, vem confirmar a correcção desta interpretação, ao prever que sejam objecto de reclamação actos que não configuram ou são independentes de qualquer decisão em sentido formal, mas são meros actos de execução que afectam os direitos do interessado, designadamente actos que concretizam a penhora (“inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada”). Nestas situações, é o acto de penhora, e não o que a ordena, que é objecto da reclamação. (...) Assim, tem de concluir-se que é reconhecido um direito global de os particulares solicitarem a “intervenção do juiz no processo”, através da reclamação prevista no art. 276º do CPP, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva.” P) Sendo que, in casu, atendendo à factualidade descrita, deve, pois, considerar-se que a Reclamante tem interesse agir, com as devidas consequências legais, na medida em que este consiste na verificação da necessidade ou utilidade da acção, sendo definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. Q) Da articulação do disposto nos arts. 103º da LGT com os arts. 9º e 152º e sgts. do CPPT, resulta um conceito amplo de legitimidade para o processo de execução fiscal (tanto que o art. 276º do CPPT atribui legitimidade quer ao executado quer a terceiros para reclamarem para o juiz das decisões do órgão de execução fiscal que afectem os seus direitos e interesses legítimos). R) A legitimidade processual da Reclamante radica, no seu manifesto interesse em agir, expresso na consequência jurídica favorável de uma eventual procedência da reclamação: reconhecimento da protecção legal conferida pelo artigo 244º, n.º 2, do CPPT, sendo que também é clara a repercussão negativa na sua esfera jurídica da improcedência da reclamação com os fundamentos invocados, traduzida no prosseguimento da execução contra ela própria reclamante, na qualidade de executada, que culminará com a marcação da venda executiva do seu direito ao usufruto penhorado sobre o imóvel que constitui a sua casa de morada de família e cujo anúncio foi feito pela Reclamada, embora a venda ainda não tenha sido marcada. S) Consubstanciando-se o interesse em agir na necessidade de tutela judicial (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 78/82) e não se confundindo com os restantes pressupostos processuais (tais como a capacidade judiciária ou, sobretudo, a legitimidade), pois o autor pode ser titular da relação material litigada e não ter, contudo, face às circunstâncias concretas que rodeiam a sua situação, necessidade de recorrer à acção (se ninguém contestou ou violou o direito não há interesse em propor acção para o reconhecer ou defender), exige-se, por força dele, «uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso. (…) Deve ser uma incerteza resultante de um facto exterior e com capacidade de trazer um prejuízo sério ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. pags. 179 e sgts. e 186/187; cfr., igualmente, Manuel de Andrade, loc. cit., 78/79 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, Coimbra 1982, pag. 251). T) Ora, perante a anunciada intenção de realização da venda executiva ao arrepio do disposto no artigo 244º, n.º 2, do CPPT, não podemos concluir pela manifesta desnecessidade, por parte da Reclamante, de recorrer à presente tutela judicial, assentando o seu interesse em agir precisamente na circunstância de ela poder obter algum benefício com o provimento da reclamação, na perspectiva dos direitos que pretendeu defender, designadamente a suspensão das diligências de venda anunciadas pela Reclamada, sendo que, em qualquer caso, nem o interesse em agir, nem a legitimidade processual da Reclamante para a apresentação da reclamação devem ser confundidos com a procedência ou improcedência desta, em resultado da apreciação dos fundamentos ali invocados. U) Caso assim se entenda, a Reclamante ver-se-á confrontada com a anunciada venda e terá de reagir novamente, o que não se justifica e viola os princípios orientadores do processo civil e tributário, como o princípio da celeridade e aproveitamento dos actos praticados; ou ainda mais grave, poderá ter de reagir contra a venda que vier a ser efectuada, mediante pedido de anulação, o que pode e deve evitar-se atenta a factualidade apurada e as disposições legais aplicáveis. V) A Reclamante não ignora que a circunstância de a casa de morada de família não ser suspectível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade como bem decidiu o tribunal “a quo”, no entanto, como também reconheceu o mesmo tribunal tal circunstância obsta à venda do imóvel, no caso ao direito do usufruto que a Reclamante possui sobre o imóvel que constitui a sua casa de morada de família, o que se pretende e deve salvaguardar através da procedência dos presentes autos. Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as devidas consequências legais, como é de liminar Justiça!» * Não há registo de contra-alegações. * Por decisão sumária do Senhor Juiz Conselheiro Relator, datada de 11/08/23, foi decidido declarar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e atribuir essa competência ao Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido, nos termos do disposto no artigo 18º, nº1do CPPT. * Recebidos os autos neste TCA-Sul, os mesmos foram com vista à Digna Procuradora-Geral Adjunta, a qual emitiu pronúncia no sentido de ser concedido provimento ao recurso. * Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência desta Subsecção do TCA-Sul para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto O Tribunal a quo não autonomizou a matéria de facto que tomou em consideração para decidir. Daí que, com vista a facilitar a compreensão da análise que se segue, passemos a transcrever a decisão recorrida, daqui se retirando o circunstancialismo tido por relevante para a decisão. É o seguinte o teor da decisão recorrida: “A……………………(doravante igualmente identificada como Reclamante), possuidora do número de identificação fiscal de pessoa singular ………………, com domicílio em A……………….., A..............., vem apresentar reclamação do despacho da Chefe do Serviço de Finanças de A..............., proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ………………900 (e apensos), alegando, em suma, que a Autoridade Tributária não pode proceder à venda do direito de usufruto que possui sobre um bem, por ser a sua habitação própria e permanente. Pede, a final, o reconhecimento da impossibilidade de venda executiva ao direito ao usufruto, e subsidiariamente, a determinação da obrigatoriedade da notificação do titular da nua propriedade do prédio para exercício do direito de preferência na venda executiva. * A Fazenda Pública, na resposta apresentada, pede a improcedência do pedido formulado na presente reclamação – cfr. fls. 152 dos autos, numeração SITAF. * Após diversa tramitação processual, foi determinada, pelo Tribunal, a notificação das partes para se pronunciarem sobre a verificação da eventual excepção de falta em interesse em agir da Reclamante, atenta a inexistência de venda marcada no processo de execução fiscal em causa – cfr. fls. 405 dos autos, numeração SITAF. * No exercício do contraditório, a Reclamante e, posteriormente, a Exma. Magistrada do Ministério Público, defenderam a improcedência da excepção, dado, em resumo, o processo de execução fiscal se encontrar na fase de “venda” – cfr. fls. 409 e 413 dos autos, numeração SITAF. II. QUESTÃO PRÉVIA Da falta de interesse em agir Foi suscitada oficiosamente a verificação da eventual excepção de falta em interesse em agir da Reclamante, atenta a inexistência de venda marcada no processo de execução fiscal em causa, a qual a mesma pretende que não se realize. O “interesse em agir” constitui pressuposto processual, e traduz-se na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a acção. A falta de interesse em agir ou falta de interesse processual, constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente, como tal, à absolvição da instância. Citando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 01348/14, disponível em www.dgsi.pt., “I – O interesse em agir não é mais que a demonstração da necessidade e indispensabilidade da tutela judicial e da aptidão do meio usado para corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou. II – O interesse em agir é assim um requisito que tem de ser verificado no momento do exercício do direito de acção e cuja ausência impede o órgão jurisdicional de admitir a acção e consequentemente de examinar o mérito da questão levando a sua falta à pronúncia de uma absolvição da instância. III – O interesse em agir pode e deve ser reportado ao prejuízo ou ao proveito que o deferimento da pretensão - o reconhecimento judicial do seu direito - evita ou proporciona. IV - Daí que o momento que releva para a sua constatação seja o momento em que o autor deduz o pedido. (…)”. Importa igualmente convocar que a execução fiscal desdobra-se essencialmente em 4 fases: citação, penhora, venda, pagamento. Todas estas fases prolongam-se no tempo, cumprem um determinado rito processual e não se esgotam num único acto. Na citação há a ordem de citação e um conjunto mais ou menos alargado de actos que se sucedem no tempo de forma a permitir que a citação ocorra, mas esta só se tem por realizada quando o executado toma conhecimento efectivo do pedido exequendo pela forma legalmente prevista. Também na venda se sucedem uma pluralidade de actos, marcação da venda, leilão electrónico, encerramento do leilão electrónico, decisão de adjudicação, emissão de guias para pagamento do preço, depósito do preço, cumprimento de obrigações fiscais, e emissão de título de transmissão. Podendo ainda haver exercício do direito de preferência na alienação do imóvel ou do direito de remissão que, a efectivarem-se, levarão a que, pese embora a decisão de adjudicação, que mais não é que a decisão que torna claro o resultado do leilão electrónico, conduzem a que o proponente que «ganhou» o leilão electrónico nunca venha a adquirir a propriedade do imóvel que licitou, ou a perca depois de a ter adquirido - cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 24 de Julho de 2019, processo n.º 0599/18.5BELLE, disponível em www.dgsi.pt. No caso dos autos resulta pacífico e não controvertido, face à informação prestada pelo órgão de execução fiscal e pelo teor do documento n.º 3 junto pela Reclamante [(…)poderá ainda evitar a marcação da venda do usufruto (…)], que esteve na génese do acto reclamado, que se verificou a penhora do direito ao usufruto, mas que ainda não existe a marcação da venda do mesmo. E sabendo-se que a circunstância de a casa de morada de família não ser susceptível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade - cfr. o artigo 244.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção dada pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio. Destarte, não existindo venda marcada, podendo o bem ser penhorado, a Reclamante não possui interesse em agir na presente acção. Motivo por que procede a excepção, absolvendo-se a Fazenda Pública do pedido. *** Fixa-se à causa o valor de € 80.929,23 (oitenta mil, novecentos e vinte nove euros e vinte e três cêntimos), por ser o valor correspondente ao montante da quantia exequenda em causa nos autos [cfr. o artigo 306.º do Código de Processo Civil, e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário]. *** Custas pela Reclamante, por ser a parte vencida da acção, sem prejuízo do benefíciode apoio judiciário (cfr. o artigo 527.º do Código de Processo Civil, o artigo 7.º, n.º 4 e a Tabela II-A, do Regulamento das Custas Processuais). III. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente reclamação improcedente e, em conformidade, absolve-se a Fazenda Pública do pedido (…)” * Ao abrigo do artigo 662.º, nº 1 do CPC, e por se mostrar essencial à decisão, considera-se a seguinte factualidade, documentalmente demonstrada nos autos: 1) Com data de 22/06/22, e sob o nº 1360, foi remetido à Reclamante ofício do seguinte teor: “ Serve o presente para informar que constam em seu nome dívidas fiscais na fase de venda. 2) Na sequência dessa notificação, a reclamante, em 08/08/22, deu entrada no Serviço de Finanças de A............... de um requerimento onde arguia, entre o mais, a falta da sua citação no âmbito do processo de execução º ……………..900 e apensos, bem como a ilegalidade da penhora, conforme doc.2 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido. 3) Em 09/08/22, o Serviço de Finanças de A............... proferiu, no âmbito do processo de execução fiscal nº ,,,,,,,,,,,,,,,,900 e ap, prestou informação do seguinte teor: “ (…) “INFORMAÇÃO”: Aos 8 dias do corrente mês de agosto, deu entrada neste Serviço de Finanças um requerimento no qual A ……………………, contribuinte fiscal n° ……………….. vem alegar ilegalidade da penhora e da pretensão da venda executiva. Para garantia do processo supra mencionado, no montante de € 152.469,77 foi efetuada a penhora do usufruto do artigo rústico n° 26, secção E da freguesia de A............... e Olhos de Água, descrito na Conservatória do Registo Predial de A............... sob o n° ……………./20140430 a cuja penhora coube a AP. 2864 de 18/03/2022. A notificação da penhora foi efetuada ViaCTT, tendo a notificação sido entregue na caixa postal eletrónica em 26 de março e considerada notificada em 13 de abril. Em relação à pretensão da marcação da venda que a executada vem alegar não ser legal em virtude de ser titular do direito de usufruto ao abrigo do qual tem a sua morada de família no prédio rústico, onde tem colocada uma caravana onde reside bem como os seus animais de estimação. O art 2° n°s 2 e 3 do código do CIMI estipula que: n° 2 " Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios." N° 3 " Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano". Ora, estipula o art° 4° e 6° do aludido código que são prédios urbanos todos aqueles que não possam ser considerados rústicos e dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou serviços e terrenos para construção. Eis o que me cumpre informar. A..............., 9 de agosto de 2022. A Escrivã (Maria ………………..) ” 4) Sobre essa informação recaiu, em 09/08/22, despacho do Chefe de Finanças de A..............., nos seguintes termos: “ DESPACHO Conforme vem informado a penhora o usufruto do prédio rústico inscrito sob o artigo 26, secção E da freguesia de A............... e ……………., não enferma de ilegalidade, que seja conhecida e a citação à executada foi entregue na Caixa Postal electrónica da qual a contribuinte é aderente desde 2012.04.20.Relativamente à existência de um veículo móvel que alegadamente se encontra estacionado, com caracter de permanência no referido terreno rústico e que constitui residência da reclamante não consta que essa circunstância tenha sido comunicada à Administração Tributária, conforme determina os nº2 e 3 do artº2 do CIMI, conjugado com al.a) do artigo 13º do mesmo Código. Assim sendo notifique a requerente para no prazo de 30 dias proceder à respectiva participação mediante apresentação da declaração mod.1 de CIMI, ao abrigo das normas atrás citadas, ciente de que decorrido o prazo, sem a corresponde participação, será promovida a a avaliação e inscrição matricial do referido bem, oficiosamente. S.F. A..............., 2022.08-09 (Assinatura ilegível) (…)- cfr. doc. 1 junto com a p.i 5) Este despacho foi notificado à reclamante a coberto do ofício nº 1584, datado de 10/08/22- cf. Ibidem. * - De Direito
Como se retira do teor da decisão recorrida, o Mmo. Juiz a quo considerou que “…não existindo venda marcada, podendo o bem ser penhorado, a Reclamante não possui interesse em agir na presente ação. Motivo por que procede a excepção, absolvendo-se a Fazenda Pública do pedido”. Já no decisório consta que “… julga-se a presente reclamação improcedente e, em conformidade, absolve-se a Fazenda Pública do pedido”. Temos assim que, no essencial, para considerar verificada a falta de interesse em agir, o Tribunal pôs em evidência que, não obstante a concretização da penhora do usufruto, não existe venda marcada, pelo que a Reclamante não possui interesse em agir. Detalhando um pouco, o Tribunal ressaltou que “No caso dos autos resulta pacífico e não controvertido, face à informação prestada pelo órgão de execução fiscal e pelo teor do documento nº 3 junto pela Reclamante [(…)poderá ainda evitar a marcação da venda do usufruto…(…)], que esteve na génese do acto reclamado, que se verificou a penhora do direito de usufruto, mas que ainda não existe marcação da venda do mesmo. E sabendo-se que a circunstância de a casa de morada de família não ser susceptível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade (…)”. Portanto, concluiu o Mmo. Juiz, como dissemos, que “não existindo venda marcada, podendo o bem ser penhorado, a Reclamante não possui interesse em agir na presente ação”. Como está bem de ver, a análise e conclusão do TAF, quanto à falta de interesse em agir, assenta no entendimento de que a Reclamante se insurge contra a venda do direito de usufruto, venda esta que não foi (ainda) marcada. A Reclamante insurge-se contra o decidido, salientando que, efetivamente e contrariamente ao entendimento do Tribunal, o processo executivo encontra-se em fase de venda, o que, aliás, constava de uma comunicação que lhe foi dirigida. Mais diz, reiterando o que já vinha sustentando inicialmente, que não apenas foi confrontada com a dita fase de venda, como também com a existência da própria penhora, a qual – insiste – não observou os formalismos legais para a sua legalidade. Sustenta, também e por último, que o Serviço de Finanças não observou a obrigatoriedade de notificar o titular da nua propriedade para efeitos do exercício do direito de preferência. Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o interesse em agir e a sua verificação (ou não) nos presentes autos de reclamação. O interesse em agir, como se explica no acórdão do STA, de 09/04/2014, recurso n.º 0366/14, “substancia-se na necessidade de tutela judicial, surgindo «da necessidade em obter do processo a protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação». Daí que «este pressuposto não se destina a assegurar a eficácia da sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade; não fora exigido o interesse, e a actividade jurisdicional exercer-se-ia em vão». (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, Coimbra 1982, pag. 253.) Reconduz-se, pois, este interesse em agir, a «uma inter-relação de necessidade e de adequação. De necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a actuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou». (Ac. do STJ, de 16/9/08, proc. nº 08A2210.) Na verdade, em termos de caracterização jurídica e de autonomia face aos restantes pressupostos processuais, o interesse em agir tem sido definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção, sendo sobretudo no domínio da acção declarativa de simples apreciação que a questão da exigibilidade do interesse em agir, como pressuposto processual, tem sido colocada, exigindo os defensores do pressuposto, «que se verifique uma situação de incerteza objectivamente grave, de molde a justificar a intervenção judicial».(Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do código revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 27, nota 17.) E o interesse em agir também não se confunde com os restantes pressupostos processuais (tais como a capacidade judiciária ou, sobretudo, a legitimidade), pois o autor pode ser titular da relação material litigada e não ter, contudo, face às circunstâncias concretas que rodeiam a sua situação, necessidade de recorrer à acção (se ninguém contestou ou violou o direito não há interesse em propor acção para o reconhecer ou defender). Porém, apesar de não se configurar aqui uma necessidade estrita e absoluta, não quer dizer que se aceite um qualquer interesse vago e remoto: trata-se, antes, de algo intermédio, de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o que a ordem jurídica lhe reconhece. Constitui «um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso».(Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. pp. 179 e ss.) Assim, por parte do autor, a necessidade de recorrer à via judicial embora não tenha de ser uma necessidade absoluta, também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial. A incerteza deve ser objectiva e grave, não bastando a dúvida subjectiva ou o interesse puramente académico em ver definido o caso pelos tribunais. Deve ser uma incerteza resultante de um facto exterior e com capacidade de trazer um prejuízo sério ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria. (Ibidem, págs. 181 e 186/187; cfr., igualmente, Manuel de Andrade, loc. cit., 78/79 e Anselmo de Castro, loc. cit. 251.)”. A leitura dos ensinamentos que deixámos transcritos, no confronto com o que vem submetido à apreciação do Tribunal, tal como configurado pelo Autor, não deixa margem para dúvidas no sentido de que a Reclamante, ora Recorrente, é titular de um claro interesse em agir. Importa que recuperemos a petição inicial de reclamação sobre a qual, claro está, foi proferida a sentença recorrida. Ora, como decorre de forma linear da leitura do articulado inicial, dúvidas não se colocam que a Reclamante se insurgiu junto Tribunal contra despacho reclamado apontando, no essencial, dois diferentes planos de discordância: (i) um, em que muito claramente se opõe à penhora do direito de usufruto, salientando a falta de citação e o não cumprimento das formalidades legais na notificação da penhora de direitos; (ii) outro, contra a possibilidade, avançada pelo OEF, da venda do direito de usufruto penhorado, atentas as restrições legais à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Em linha com tais fundamentos, em sede de reclamação foi pedido o reconhecimento da “ilegalidade da penhora” e, bem assim, o reconhecimento da impossibilidade da venda executiva do direito de usufruto de que a Reclamante é titular. Por razões que não transparecem na leitura da decisão recorrida, o Mmo. Juiz centrou-se unicamente na questão da ilegalidade da venda e na (in)oportunidade da sua invocação, considerando que a venda não estava ainda marcada. Foi, aliás, neste entendimento que veio a concluir, nos termos já expostos, pela falta de interesse em agir. Trata-se de uma análise, ou de uma interpretação da petição inicial, errada, a qual condicionou incontornavelmente a apreciação feita sobre a mesma e que teve o desfecho que aqui vem questionado. Como é fácil de ver, perante aquilo que a Reclamante diz ter sido o seu primeiro confronto com a penhora do direito de usufruto, a mesma reagiu e atacou esse ato, nos termos que já deixámos apontados. A questão da venda (ou, melhor dito, da sua possibilidade) é já uma segunda questão que, evidentemente, não sendo totalmente desligada da primeira, surge autonomamente enquadrada. Ora, assim sendo, como entendemos que é, não podemos acompanhar a análise feita pelo Tribunal, pois, tal como a ação se mostra configurada, é perfeitamente apreensível a necessidade da Reclamante em usar do processo, de o instaurar e de o fazer prosseguir. Com efeito, e independentemente do mérito da pretensão da Reclamante, vislumbra-se a necessidade e a adequação na intervenção do Tribunal, desde logo para aferir da legalidade da penhora que vem contestada, sendo certo que é o reconhecimento da ilegalidade da mesma que a Reclamante pretende que o Tribunal declare. Há, pois – repete-se – nos termos em que a ação vem conformada, uma clara necessidade de atuação jurisdicional. Face a tudo o que vem dito, e dispensando-nos de maiores considerandos, conclui-se, contrariamente ao que foi decidido pelo TAF de Loulé, que, in casu, a Reclamante detém um inegável interesse em agir. Assim sendo, como é, a sentença recorrida, que assim não decidiu, não pode manter-se, devendo ser revogada. Isto mesmo aqui se determina. Aqui chegados, em virtude do provimento do recurso e de acordo com o artigo 665º, do CPC, na redação da Lei 41/2013, de 26/6, haverá que saber se se aplica no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste TCA incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual. Pensamos que não e que devem os autos baixar à 1ª Instância para que se examinem os fundamentos da reclamação apresentada pela ora Recorrente, com consideração da prova requerida/ produzida nos autos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7193/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7780/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.8076/14, ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/02/16, proc. 9089/15). Saliente-se que, no caso em análise, o Tribunal absteve-se por completo de efetuar o julgamento da matéria de facto, não obstante ter considerado necessária a produção de prova testemunhal. Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas ponderações, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida. Ordenar-se-á, pois, a baixa dos autos à 1ª instância para conhecimento dos fundamentos da reclamação. * III - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para os efeitos expostos. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa,04/10/23 Catarina Almeida e Sousa Lurdes Toscano Hélia Gameiro |