Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02713/99
Secção:Contencioso Administrativo 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:04/20/2006
Relator:Rogério Martins
Descritores:DIREITO SANCIONATÓRIO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO
RECLAMAÇÃO
ORDEM ILEGAL
Sumário:I - A certeza que interessa ao Direito sancionatório, é a certeza alcançável pela razão humana, aquela a que se chega pelo raciocínio lógico e de acordo com as regras da experiência comum – art.º 127º do Código de Processo Penal.
II – Não ocorre erro nos pressupostos de facto e de direito no despacho punitivo quando se dá por assente que o arguido dirigiu expressões ofensivas ao seu superior hierárquico, embora sob a capa de um exercício de retórica, com base em factos que, mediante um encadeado lógico, permitem tirar tal conclusão, com segurança.
III – É irrelevante a eventual falta de isenção das testemunhas quando o respectivo depoimento, na parte pertinente, se limita a corroborar o que resulta da prova documental.
IV – Os meios adequados para reagir a uma ordem que se reputa de ilegal são a reclamação e o pedido de confirmação por escrito.
V – Estes meios de reacção contra uma ordem que o inferior hierárquico reputa de ilegal não obstam, no entanto, ao seu cumprimento; apenas quando o cumprimento da ordem conduz à prática de um crime cessa o dever de obediência.
VII - As consequências importantes (para o serviço ou não) a que alude o artigo 23º, n.º 2, al. b), parte final, do Estatuto da Aposentação, não fazem parte do “tipo de ilícito”, violação do dever de obediência.
VIII – A falta de impulso, por parte da autoridade recorrida, relativamente a factos denunciados pelo arguido no processo disciplinar, nada tem a ver com a decisão sancionatória, pelo que não afecta a respectiva validade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes do Tribunal Central Administrativo Sul:

Valente ..., id. a fls. 2, interpôs o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais do Governo Regional dos Açores, de 18.1.1999, pelo qual lhe foi aplicada uma pena de 240 dias de suspensão.

Invocou para tanto que o acto recorrido padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por preterição do direito de defesa, dado não terem sido ouvidas testemunhas por si arroladas, e por inversão do ónus da prova.

A autoridade recorrida contestou, defendendo a manutenção do acto, porque válido.

Em alegações as partes mantiveram no essencial as suas posições iniciais.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

*
Cumpre decidir.
*




1. - Factos provados com relevo:

. O recorrente é Técnico Superior de Arquivo do quadro de pessoal da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta.

. Por despacho do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais do Governo Regional dos Açores datado de 4 de Abril de 1998, foi-lhe instaurado processo disciplinar com o n.º 01/Gab/98.

. No dito processo foram imputados ao arguido, ora Recorrente, seis artigos de acusação, constantes de fls. l02 a 104 do processo instrutor, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

. O Recorrente apresentou a sua defesa inserta a fls 111 e segs do processo disciplinar que aqui se dá por reproduzida e onde termina requerendo a produção seguinte prova:

“-TESTEMUNHAL:
a) - Inácia Pinhanço - com domicílio profissional BPAH, a inquirir quanto aos factos constantes em todos os artigos desta Acusação;
b - Carla Sofia Martins, com domicílio profissional na BPAH a inquirir quanto aos factos constantes em todos os artigos da Acusação,
c) - Maria Gabriela Silva - idem;
d) - Catarina Abreu, com domicílio profissional na BPAH, a inquirir quanto aos artigos II e VI da Acusação, bem como o assédio sexual que o próprio Director lhe tem feito.
e) - Maria do Céu Cardoso Serpa, (antiga funcionária da BPAH), com domicilio profissional na Direcção Regional da Emigração - Colónia Alemã - Horta; a inquirir quanto aos artigos II e VI da Acusação, bem como da prática sexual de relevo do Directo da BPAH, no interior da BPAH com a Maria de Lurdes Faria.
F) – Dr.ª Norberta Amorim, com domicílio profissional na Universidade do Minho a inquirir quanto aos factos constantes no Ponto VI da Acusação, relativamente, ao pagamento pecuniário pelo trabalho que Maria de Lurdes Faria efectuara nas horas de trabalho, pesquisando dados para aquela dr.a, oficiando a esta solicitando-lhe a entidade pagadora através de cheques da CGD (HORTA), ou solicitar a esta última entidade a passagem da documentação comprovativa do saque de dinheiro por aquela funcionária.
g) Dr. Luís Meneses, Director Regional de Turismo, com domicílio profissional na mesma Direcção - sediada na cidade da Horta, a inquirir sobre uma consulta, ao tempo, das documentações do Governo Civil, depositada no prédio do Museu, efectuada por ele, na companhia de um professor catedrático, da U. de Coimbra, que dizia ao ora arguido que aquela forma de organização documental, pelo Director da BPAH, era uma vergonha.
- PERICIAL
a) – Requer-se que sejam mandados averiguar pelos peritos (Dr.ª Ana Maria Teixeira Gaspar e Dr. Ladislau Pereira da Silva) a " cientificidade" da classificação da ilha do Corvo como sendo uma série judicial à parte – Doc. 6 ;
b)- Requer-se a inspecção pelos mesmos peritos do Arquivo da Junta Geral e do Governo Civil da Horta verificando in loco o modo de classificação adoptado pelo Director da BPAH em relação àqueles fundos - Doc, 6;
c) - Requer-se a inspecção pelos mesmos peritos do estado geral de todos os fundos arquivísticos constantes no documento 6.
(...)”

. O Instrutor designou data para a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido, tendo, no entanto, indeferido parcialmente a produção de prova por este requerida, nos seguintes termos (fls. 127-128 do processo instrutor):
“ (...)
4. Preceitua o n.º 3 do artigo 61º do EDFAAC, RL, aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16.1, que determinadas diligências podem ser recusadas pelo Instrutor, em despacho fundamentado, quando as considere manifestamente impertinentes e desnecessárias para a instrução em curso. É o que propomos verificar.
5. Ora, quer as diligências de inquirição das testemunhas supra-referidas, quer a diligência de produção de perícia – com a circunscrição factual imposta pelo arguido, a em relação a umas e outras – revelam-se, s. d. r., manifestamente impertinentes e desnecessárias à presente instrução.
6. Na verdade, os factos a provar com tais meios de prova em nada relevam para o presente processo, uma vez que os artigos de Acusação deduzidos contra o arguido basicamente incidem no seguinte: (1) sendo autor dos artigos jornalísticos referidos nos n.os I, II, IV e V da Acusação, quem são as pessoas nele visadas? (2) Recusou ou não tomar conhecimento da Ordem de Serviço n.º 1/98, tal como no artigo da Acusação se refere? (3) Acatou ou não as instruções do seu superior hierárquico, tal como no artigo VI da Acusação se afirma? Estes artigos de Acusação, pelo que se vê, balizam efectivamente o campo da presente acção disciplinar.
7. Os factos, cuja produção de prova é pedida pelo arguido, terão certamente grande interesse em processo de Inquérito ou Sindicância (v. artigo 85º do DL 24/84, de 16-01), mas não aqui. Recuso, pelo exposto, as referidas diligências de prova porque as considero impertinentes e desnecessárias para a presente acção disciplinar.
(...) ”

. Aos 27.11.1998, após o depoimento das testemunhas arroladas pelo arguido, o Instrutor lavrou no processo o seguinte despacho (fls. 132-132 verso):
“ (...)
Atento o teor dos depoimentos das testemunhas oferecidas pelo arguido e o modo vago, senão concertado (?), com que responderam aos artigos I e VI da Acusação, julgo ser necessário ampliara a presente instrução, no sentido de serem ouvidos os funcionários que, hoje, se encontram a prestar serviços na Biblioteca (não no Arquivo), uma vez que seria neste sector que, normalmente, é colocado à consulta pública o Jornal “Telégrafo”da Horta. Por outro lado, e considerando o teor das respostas dadas pelas testemunhas arroladas no artigo II da Acusação, torna-se necessário ouvir a funcionária do Arquivo, Maria celeste Neves.
Assim, atenta a faculdade prevista no n.º 2 do artigo 64º do DL 24/84, de 16/1, e para completo esclarecimento da verdade, notifique pessoalmente os referidos funcionários para virem prestar testemunho ao processo. D. N.
(...) ”

. Ouvidos estes funcionários, o Instrutor emitiu o despacho documentado a fls. 136 do processo administrativo:
(...)
Oficie ao Ilustre mandatário do arguido, dando-lhe nota do teor do meu despacho de fls. 132 e 132 v. e dos novos elementos constantes de fls. 133 e 137 a 138 dos autos. Tais elementos foram juntos aos autos posteriormente à dedução da Acusação. Notifique.
(...) “

. O ora Recorrente veio então apresentar, em 11.12.1998, o seguinte requerimento (fls. 140-141 do processo instrutor):
“ (...)
1) -As testemunhas supramencionadas referiram aos costumes " nada ". Ou seja, omitiram, deliberadamente, com clara intenção de prejudicar o arguido, que não falam com o mesmo, ainda que só por motivos de serviço, não cumprimentam o arguido, no local de trabalho nem fora dele, apesar de no caso das testemunhas, Maria de Lurdes Faria e Victor Soares, serem técnicos de arquivo e deverem estar, portanto, na dependência do ora arguido, tal como se encontra a Técnica Inácia Picanço. A única excepção é a testemunha Emanuela Maria Borges, que dá a parte do dia ao arguido.
2) - O que se acabou de referir pode ser testemunhado por todas as funcionárias da BPAH que trabalham no rés-do-chão e que assistem, diariamente, à entrada e saída das testemunhas supra identificadas, pelo menos quando assinam o livro de ponto e têm de passar necessariamente pelo ora arguido.
3) - Em face do exposto, e uma vez que as testemunhas faltaram à verdade, omitindo o seu péssimo relacionamento com o arguido, não pode o seu depoimento ser atendido no presente processo disciplinar,
4) - Acresce que, a testemunha Emanuela Maria Borges foi ouvida por trabalhar na Biblioteca no sector que, " normalmente é colocado à consulta pública o jornal Telégrafo ", Ou seja, todo o seu depoimento foi prestado como se tivesse, efectivamente, lido o número do Jornal Telégrafo, indicado no artigo de acusação, na sala de leitura da BPAH, uma vez que foi por essa razão indicada como testemunha pela acusação. Porém, o certo é que a testemunha em causa não se encontrava na Biblioteca naquela data, nem se encontrava sequer na ilha do Faial, pois frequentava um curso de Bibliotecas em Lisboa, o qual teve início em 6 de Outubro de 1997 e terminou em 4 de Abril de 1998, (vide Doc. 1 e 2)
Ora, o artigo de opinião " Classificação de Serviço no Reino d’ Atlântida " foi publicado no jornal Telégrafo, no dia 13 de Fevereiro de 1998,
5) - Pelo que, o seu depoimento nos moldes lacunosos em que foi prestado demonstra que a testemunha não tinha conhecimento directo do que refere, pois, estava em Lisboa, nessa altura, e não refere que tenha lido lá o Telégrafo, e foi ouvida no pressuposto de que estava na Biblioteca nessa data.
6) - Apesar do que fica referido, os depoimentos das demais testemunhas, corroboram indirectamente a defesa Algumas mesmo, como é o caso da Mana de Lurdes e do Victor Soares, fazem afirmações idênticas as que serviram de acusação do arguido. De facto, o Victor Soares refere a dado passo que"...só pode referir-se à história que nos últimos tempos tem corrido, dentro e fora de portas da BPAH. de que o director andará a ter práticas sexuais com uma das funcionárias do serviço, de seu nome Lurdes Faria." .Sic.
7) - Afigura-se-nos que dos depoimentos destas testemunhas devem, ao contrário do que tem sucedido, ser tido em conta para eventuais responsabilidades disciplinares, pela falsidade quanto aos costumes, quer pelo teor dos mesmos.
8) - Devem ainda, em nosso entender, ser utilizado em sede de um processo de sindicância a instaurar aos respectivos serviços, o que desde já se requer seja mencionado no V. douto relatório final.
Por último, quanto à acusação relativa ao artigo de opinião “Um arquivo em Tim Tim ( Timor -Timur = Timor Leste ), continua a resultar de manifesto lapso, por parte de V. Ex3, porquanto o referido fora publicado no dia 24 de Setembro de 1997. Ou seja, seis meses e onze dias, antes do despacho do secretário, que foi no dia 5 de Abril de 199S, (vide Doe.3). Daí, e nos termos do artigo 4 n°2 do ED, o eventual procedimento decorrente do mesmo, encontra-se nulo.
(...) “

. Em 16.12.1998 o Instrutor apresentou o seguinte relatório final (fls. 144-152 verso do processo instrutor), do qual se extrai o seguinte:
(...)
III. ACUSAÇÃO
Vista e ponderada a prova carreada para os autos, cm 15.10.1998, e nos termos do n° 2 do artigo 57º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, foram deduzidos contra o arguido, VALENTE DF. ARAÚJO, técnico superior de arquivo do quadro de pessoal da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, os seguintes artigos de acusação:
Artigo I: É acusado de no dia 12 de Fevereiro de 1998, em artigo de opinião da sua autoria intitulado "Classificação de Serviço no Reino d'Atlântida", publicado no jornal "Telégrafo" da Horta, de forma implícita mas adoptando um discurso onde é possível identificar o visado, ofensivamente injuriar e desrespeitar o Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, apelidando-o, entre outras coisas, de "... incompetente..,", "...ignorante...", "...o sujeito..." e "...comissário político...".
Tal comportamento viola o dever geral de correcção a que o arguido está obrigado e constitui a infracção disciplinar prevista e punida pelos nºs 1 e 4 do artigo 3o do DL 24//84, de 16-1, a que corresponde a pena de INACTIVIDADE prevista pela alínea a) do n° 2 do artigo 25° do mesmo diploma.
Artigo II; É acusado de no dia 20 de Fevereiro de 1998, pelas onze horas e vinte minutos, nas instalações da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, ter recusado a tomar conhecimento da Ordem de Serviço n° 1/98, dada em objecto de serviço pelo Director, seu superior hierárquico.
Tal conduta viola os deveres gerais de zelo e de obediência a que o arguido está obrigado e constitui a infracção disciplinar prevista e punida pelos nºs 1 e 4 do artigo 3º do DL 24/84, de 16-1, a que corresponde a pena de MULTA prevista pelas alíneas b) e e) do n.º 2 do artigo 23º do mesmo diploma.
Artigo III: É acusado de no dia 23 de Abril de 1998, em artigo de opinião da sua autoria intitulado "Carta Aberta aos Senhores Dr. Álamo de Meneses e Dr. Luís Fagundes ", publicado no jornal "Telégrafo" da Horta, de forma implícita mas adoptando um discurso onde é possível identificar o visado, de forma ofensiva injuriar e desrespeitar o Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, acusando-o de "...abuso do poder...", "...violação de normas...", "...praticar favoritismos pessoais descarados...", "...perpetuar a incompetência..." e apelidando-o de "...comissário político..." e "...indivíduo sem escrúpulos...".
Tal comportamento viola o dever geral de correcção a que o arguido está obrigado e constitui a infracção disciplinar prevista pelos nºs 1 e 4 do artigo 3º do DL 24/84, de 16-1, a que corresponde a pena de INACTIVIDADE prevista pela alínea a) do n° 2 do artigo 25° do mesmo diploma.
Artigo IV: F, acusado de no dia 23 de Abril de 1998, em artigo de opinião da sua autoria intitulado " Carta Aberta aos Senhores Dr. Álamo de Meneses e Dr. Luís Fagundes ", publicado no jornal "Telégrafo" da Horta, de forma explicita e ofensiva desrespeitar o Director Regional da Cultura e o Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, seus superiores hierárquicos, acusando-os, entre outras coisas, de "...denegação e sonegação militantes (de administração de justiça) ", "...atitude antidemocrática...", "... carência de responsabilidade...", "... silêncio contemporizador e conivente...", "...silêncio naif,..", "...silêncio comprometedor..." e "...desprezo pela Justiça, Democracia e Liberdade...".
Tal comportamento viola o dever geral de correcção a que o arguido está obrigado e constitui a infracção disciplinar prevista pelos nºs 1 e 4 do artigo 3o do DL 24/84, de 16-1, a que corresponde a pena de INACTIVIDADE prevista pela alínea a) do n° 2 do artigo 25° do mesmo diploma.
Artigo V: É acusado de no dia 24 de Setembro de 1998, cm artigo de opinião da sua autoria intitulado " Um arquivo em Tim Tim (Timor - Timur = Timor Leste )", publicado no jornal "Telégrafo" da Horta, de forma implícita, ficcionando o nome de lugares, pessoas e instituições, mas adoptando um discurso onde é possível identificar os reais lugares, pessoas e instituições visados, de forma ofensiva injuriar e desrespeitar o Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, apelidando-o, entre ouras coisas, de "...rapazinho/comissário político...", de "...arrotar camarões e whisky de manha à noite e pela noite fora, orgias dionisíacas à travesti, à custa do contribuinte...", de "...estupidez de mentalidade..." e "...alguém cuja visão coisificadora é estupidamente doentia...".
Tal comportamento viola o dever geral de correcção a que o arguido está obrigado e constitui a infracção disciplinar prevista pelos nºs 1 e 4 do artigo 3o do DL 24/84, de 16-1, a que corresponde a pena de INACTIVIDADE prevista pela alínea a) do n° 2 do artigo 25° do mesmo diploma.
Artigo VI: É acusado de em data que não se pode precisar, mas que terá ocorrido no período de tempo que vai de Janeiro a Março de 1998, apesar das claras instruções do Director da Biblioteca Publica e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, quanto a metodologia a seguir pelo arguido no trabalho de inventariação dos fundos paroquiais de Angústias, Capelo e Castelo Branco, todas no concelho da Horta, -basicamente consistente na mistura da série "Mistos" com as séries "Singulares" e na aplicação do suporte informático Arqbase -, não ter acatado, deliberadamente, aquelas instruções, optando por adoptar a sua própria metodologia de organização, assim produzindo resultados negativos para o serviço.
• Tal comportamento viola os deveres gerais de zelo, obediência e lealdade a que o arguido está obrigado e constitui a infracção disciplinar prevista pelos n°s 1 e 4 do artigo 3º do DL 24/84, de 16-1, a que corresponde a pena de SUSPENSÃO prevista pela alínea h) do n.º 1 do artigo 24° do mesmo diploma.
Em prejuízo do arguido militam as seguintes CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES:
1) A reincidência, porquanto o arguido foi já condenado, por despacho de 97.12.30 do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, na pena de 90 dias de SUSPENSÃO (com suspensão da execução da pena disciplinar pelo período de dois anos);
2) A acumulação de infracções, porquanto vem indiciado da prática de mais do que uma infracção.
Não beneficia de circunstâncias atenuantes.
IV. RESPOSTA DO ARGUIDO
No prazo concedido para Resposta, veio o arguido fazê-lo a fls 11 a 125, aqui inteiramente reproduzida para os legais efeitos, na qual, em síntese, defende o seguinte:
A – A título de questão prévia:
A anulabilidade de todo o processo, uma vez que a Acusação provém de actos administrativos anuláveis, uma vez que:
a) O arguido apresentou, em 04.05.1998. na Delegação do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca da Horta, queixa-crime contra os Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais e Director Regional dos Assuntos Culturais;
b) Contra o Director da Biblioteca Publica e Arquivo da Horta corre também um processo-crime (Processo Comum Singular n° 96/98), no Tribunal Judicial da Comarca da Horta, com julgamento marcado para 5 de Novembro próximo, a que acrescem dois inquéritos, pela Delegação do MP, nºs 202/98 (Denegação de Justiça) e 238/98 (Abuso de poder ) , todos por participação do arguido;
c) Considera aplicáveis ao caso as disposições conjugadas dos artigos 44 n° 1, alínea f), 45° e 46° do Código do Procedimento Administrativo, razão porque entende estarem os mencionados superiores hierárquicos impedidos de intervir no procedimento, para o que solicita a respectiva declaração, no silêncio e omissão dos visados:
d) Tendo mantido as suas actividades no procedimento, nomeadamente depondo, como consta de fls. 39 e 61, o acto que daqui resultar apresentar-se-á viciado, porquanto anulável, nos termos do artigo 51, n° 1 do CPA.
B - Em Resposta aos artigos de Acusação:
Em Resposta concreta aos artigos da Acusação, e para o caso de não merecer acolhimento o impedimento suscitado, alegou o arguido em sua defesa o seguinte:
a) O artigo I (que tem por base o artigo de opinião assinado pelo arguido, intitulado "Classificação de Serviço no Reino d' Atlântida ", publicado no jornal "O Telégrafo" a 12.02.1998) não traduz quaisquer factos ou comportamentos imputáveis, mesmo a titulo culposo, ao arguido, assentando, tão só, na presunção dos respectivos superiores hierárquicos de que se tratava do Director da BPAH, porquanto:
- Não há inteligibilidade do "visado";
O artigo é fruto da imaginação e da divagação, em áreas fantasiosas, do arguido;
- Articulista não cita o nome do visado, alegadamente ofendido, nem em qual das paragens se efectivou a tal "Classificação de Serviço"( a propósito lembra que a Atlântida abrangeria as costas de Portugal Continental às orlas marítimas da América e toda a área que vai do Atlântico Norte às Ilhas de S.ta Helena, passando, obviamente, pelas Ilhas da Madeira, Canárias, Cabo Verde e Açores );
- Na noção de direito não cabe a imputação e incriminação dos devaneios e evasões mentais dos cidadãos;
Este artigo I é, por consequência, gerador de nulidade do presente processo.
b) No que respeita ao artigo II da Acusação, articulou o arguido, cm sua defesa, a seguinte ordem de razoes:
- O Director da BPAH, desde o ano de 1997, até à presente data, não dirige palavra, não cumprimenta e, muito menos, distribui tarefas ao ora arguido, subordinado daquele;
O Director adoptou métodos persecutórios flagrantes para vexar e humilhar o arguido;
O arguido diz-se vítima de perseguição racista por parte do Director da BPAH;
- Assim, no dia 23 de Fevereiro de 1998, o ora arguido, ao ultimar as respostas às anotações do Director, este aproximou-se com uma ordem de serviço, solicitando assinatura. O arguido, na presença doutras funcionárias, retorquiu, dizendo que a haver assinaturas teria que ser de todos os funcionários, pelo menos da Mana de Lurdes Faria, Sónia R. Pereira e Victor Soares.
c) Acerca dos artigos III e IV da Acusação, invocou o arguido a prescrição do procedimento, relativamente aos factos neles invocados, alinhando, para sua defesa, a seguinte ordem de razoes:
O despacho de Sexa. o SREAS, de 5.04.1998, que manda instaurar o processo disciplinar contra o arguido, é anterior ao artigo de opinião "Carta aberta aos senhores Dr. Álamo Meneses e Dr. Luís Fagundes", assinado pelo arguido, e publicado no jornal o "Telégrafo" em 23.04.1998;
Os factos aí referidos, e eventuais acções disciplinares, sendo posteriores à data do despacho que mandou instaurar o presente processo disciplinar, mereceriam, eventualmente, a instauração de novos processos que, por sua vez, deveriam ser apensados ao actual, o que não foi feito;
Cumulando indiscriminadamente as infracções anteriores ao dito despacho com outras, ao tempo, futuras, deve a acusação também nesta parte ser considerada nula;
Sendo certo que tal procedimento se encontra, no momento presente, prescrito.
Já sobre o artigo V da Acusação, alinhou o arguido, em sua defesa, a prescrição do eventual procedimento, porquanto:
O artigo publicado no jornal "O Telégrafo", aí referido, talvez por lapso, refere como data de publicação a de 24 de Setembro de 1998 e não, como devia de ser, 24 de Setembro de 1997;
O referido jornal tem expressão local e regional, sendo entregue, diariamente, na BPAH;
- O Director da instituição tomou conhecimento do conteúdo do mesmo aquando da publicação do mesmo, ou seja, 24 de Setembro de 1997;
- Assim sendo, nos termos do artigo 4o, n° 2, do EDFAAC, RL, o eventual procedimento decorrente do mesmo encontra-se prescrito.
e) Finalmente, e em Resposta ao artigo VI da Acusação, articulou o arguido a seguinte defesa:
- Ao não precisar a data da ocorrência dos factos, gera o artigo de acusação nulidade do processo, pois, a enunciação das circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo são imprescindíveis em qualquer processo disciplinar;
Contudo, o Director da BPAH, desde o ano de 1997 até à presente data, não cumprimenta, não dirige palavra e, muito menos, distribui tarefas ao ora arguido, o qual recebe os "recados/ordens" do Director através da técnica-adjunta, Inácia Martins Picanço;
- O Director jamais emitiu "claras instruções" ao arguido, no que respeita à metodologia referida no artigo VI da acusação, não estando estas, minimamente, documentadas nos autos;
- As instruções dadas pelo Director à técnica-adjunta Inácia Picanço eram contradições constantes, pois hoje dizia-se uma coisa e amanhã outra;
- Um técnico superior de Arquivo, por natureza e definição, tem autonomia técnica, sendo que à hierarquia apenas será licito ordenar a realização, dentro do respectivo âmbito funcional, de determinadas tarefas;
- Ordenar, como são concretamente organizadas metodologicamente, tarefas de Arquivo cabe, evidentemente, ao arquivista que, por acaso, com muito sacrifício o fez;
Conclui o arguido a sua Resposta, pugnando pela anulação de todo o processo, por impedimento dos Senhores Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais. Director Regional da Cultura e Director da BPAIÍ e, por consequência, mandando-se arquivar o mesmo ou se assim não se entender, ser o arguido absolvido por insubsistência dos factos por que vem acusado.
V. DOS INCIDENTES PROCESSUAIS
a) Do impedimento dos superiores hierárquicos:
Suscitou o arguido na sua Resposta, a título de questão prévia, a anulação de todo o processo, alegando para tal o impedimento dos Senhores Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, Director Regional da Cultura e Director da BPAH.
Ora, atenta a consequência que decorre para a prática de actos por titulares de órgãos ou agentes da administração impedidos, a que se refere o artigo 51° do CPA, haverá até que tomar-se agora posição definitiva sobre esta questão. Assim, s. d. r. por opinião contrária,
1. nem o senhor Director Regional dos Assuntos Culturais, nem o senhor Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, preenchem aqui a figura de "titulares de órgãos ou agentes" com intervenção activa neste procedimento, para efeito do disposto no n.º 1 do artigo 44º do CPA. Na verdade, o primeiro limitou-se, no presente procedimento, a participar a(s) infracção(ões) disciplinar(es) e a prestar declarações ao processo, nessa qualidade( v. fls. 2 a 31 e 39 dos autos ), e tudo em data anterior a 4.05.1998( data cm que o arguido afirma ter feito a sua participação crime - v. fls. 121 ), enquanto que o segundo, ou imediato superior hierárquico, interveio tão só na qualidade de testemunha( v. fls. 61 e 61 v dos autos), sendo certo que à data em que o fez já o arguido afirma existir várias participações crime na Procuradoria da Republica do Tribunal judicial da Comarca da Horta, dirigidas contra o referido Director( v. fls. 122 ). Atento o facto, e para garantia de imparcialidade do procedimento, desde já se decide não atender ao testemunho do senhor Director da BPAH constante de fls. 61 e 61 v dos autos.
2. Já no que respeita à prestação de Sua Excelência o Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais no presente processo, quando notificado para efeito dos n°s 3 c 4 do artigo 45°, ex vi do artigo 50°, todos do CPA, exarou despacho (v. fls. 133) a determinar o prosseguimento do processo disciplinar até final, invocando para tal as seguintes razões:
a) Sendo alvo de uma participação crime apresentada pelo arguido, a ser levado às últimas consequências o regime dos impedimentos constante dos artigos 44º a 47° do CPA, não só não poderia ser desencadeado nenhum processo disciplinar contra aquele arguido, como não poderia ser praticado nenhum acto que lhe diga respeito na qualidade de funcionário;
b) Como membro do Governo, não se encontra o SREAS sujeito a qualquer hierarquia;
c) O regime de impedimentos não pode ser utilizado para inviabilizar o regular funcionamento da Administração.
Ora, decidimos aderir a este entendimento, na medida em que consideramos que o regime de impedimentos previsto nos artigos 44° a 47° do CPA não pode, de modo algum, ser visto como um verdadeiro entrave à actividade administrativa. Só em exemplo de escola se dirá, a sufragar-se o entendimento do arguido, que a todo e qualquer funcionário ficaria aberta a porta da impunidade, bastando-lhe, para tal, participar criminalmente de todo e qualquer superior hierárquico, ainda que não tivesse razão para o fazer, e com isso obstando ao regular funcionamento da máquina administrativa. Não é esse, certamente, o espírito da lei, pelo que também aqui entendemos não proceder o invocado impedimento.
b) Do impedimento das testemunhas.
Já na fase que antecedeu o encerramento da instrução e imediatamente após a produção da prova oferecida pelo arguido, e relativamente à matéria da ampliação da mesma, veio este, em exposição dirigida ao processo constante de fls. 140 a 143 dos autos (que aqui se dá por inteiramente reproduzida para os legais efeitos), suscitar o impedimento das testemunhas ouvidas a fls. 137, 137v, 138 e 138, pelas razões que sumariamente se expõem:
a) O depoimento das testemunhas: Emanuela Maria Borges, Maria Lurdes Faria, Sónia Raquel Pereira e Victor Soares, não pode ser atendido no presente processo disciplinar, uma vez que estas omitiram, nos respectivos depoimentos, com clara intenção de prejudicar o arguido, que não falam com este, não o cumprimentam (no local de trabalho ou fora dele);
b) O depoimento da testemunha Emanuela Maria Borges não pode ser atendido, uma vez que à data da publicação do artigo de opinião " Classificação de Serviço no Reino d'Atlântida ", esta se encontrava ausente, em Lisboa, a frequentar um curso de Bibliotecas;
c) Que os depoimentos das demais testemunhas, como é o caso da Maria de Lurdes e do Victor Soares, corroboram indirectamente a defesa, no que se refere "...à história que nos últimos tempos tem corrido, dentro e for a de portas da BPAH de que o director andará a ter práticas sexuais com uma das funcionárias do serviço, de seu nome Lurdes Faria...";
d) Que o comportamento destas testemunhas deve ser tido em conta para eventual responsabilidade disciplinar, pela falsidade da fórmula "aos costumes disse nada" e pelo teor dos respectivos depoimentos.
Juntou três documentos, o último dos quais não sendo incorporado no processo por repetir o já constante de fls. 69. Passamos agora a apreciar:
1. A fórmula "aos costumes disse nada" exarada em auto, significa tão só que a testemunha a quem foi perguntado se tinha alguma relação de parentesco, era amiga ou inimiga do arguido, a todos respondeu negativamente.
2. Alega o arguido que as testemunhas ouvidas em depoimento: Emanuela Mana Borges, Maria de Lurdes Faria, Sónia Raquel Pereira e Victor Soares, faltaram à verdade pois omitiram o "...seu péssimo relacionamento com o arguido...". Para concretizar este péssimo relacionamento o arguido declara que estas "...não falam com o mesmo..."; que "...não cumprimentam o arguido, no local de trabalho nem fora dele...".
2. Ora, ao contrário do que afirma com a sua ilustração, o arguido demonstra haver falta de urbanidade por parte daqueles funcionários a quem foi tomado testemunho e não já, como parece fazer crer, uma relação de inimizade tal que afectasse a isenção do seu depoimento e levasse, até, as referidas testemunhas a desejarem prejudicar o arguido, tal como este deixa entender a fls. 140 dos autos. Com o devido respeito, extrapolar este entendimento ao ponto de o converter em violação da fórmula "aos costumes disse nada", é manifesto abuso, porquanto o arguido não refere factos, tendo a obrigação de o fazer, que apontem na direcção de uma relação de inimizade das testemunhas para com este, não logrando assim fazer valer o impedimento suscitado. E que, se assim não fosse, ser-nos-ia também permitida a invocação do impedimento das testemunhas do arguido, e o não atendimento do seu depoimento, por considerarmos que estas ao cumprimentarem diariamente o arguido, na BPAH e na rua, falando com ele, demonstram ter bom relacionamento com ele e, por isso, depuseram com manifesta intenção de o ajudar, etc. etc. Isto é, como já se percebeu, um rematado absurdo ( v. fls. 134 a 135).
4. Por outro lado, sendo embora importante para a descoberta da verdade material, o facto de a testemunha Emanuela Maria Borges, funcionária da Biblioteca, não ter estado ao serviço no dia em que foi publicado o jornal "O Telégrafo" da Horta, de 13.02.1998, não é sequer relevante. A fls. 137 dos autos, quando inquirida, esta funcionária declarou ter lido o artigo de opinião ali publicado, da autoria do arguido. E quanto, por agora, nos basta. Toda a instrução é encaminhada no sentido da descoberta da verdade dos factos.
5. E não é relevante saber se a testemunha leu naquele dia, dez dias ou três meses após. Mas já é relevante a leitura que dele fez e o juízo que dali retirou. De todo o modo, o suporte de propagação deste tipo de factos, como é o jornal, tem exactamente este efeito perverso, i. é, ao contrário das palavras, cuja ofensa é "'lavada com o vento", o texto do jornal alarga e perpetua a ofensa, pois multiplica o leque dos seus destinatários e permite a sua reprodução.
6.Finalmente, quando o arguido diz que os "... depoimentos das testemunhas, corroboram indirectamente a defesa...", designadamente quando, como o Victor Soares, afirmam que "...o director andará a ter práticas sexuais com uma das funcionárias do serviço, de seu nome Lurdes Faria.", visa obter um aproveitamento adverso ao âmbito do presente processo disciplinar. Na verdade, já o dissemos noutro momento, todo o processo se orienta no sentido da verificação, ou não, da prática pelo arguido de determinados factos levados aos artigos da Acusação e não da verificação, ou não, dos novos factos indicados pelo arguido sem qualquer relevância para a contraprova daqueles, porquanto estes, e a sua comprovação, terão de ser analisados em sede de procedimentos autónomos ou, até, em sede de um processo de Inquérito que se espera venha a ser instaurado à BPAH (v. fls. 141).
7. Aliás, em abono das precedentes apreciações, haverá que aditar-se a constatação directa, no local e durante a instrução, da clivagem existente entre os funcionários da BPAH, em que uns tomam o "partido" do seu Director, e outros tomam o "partido" do arguido, mas sem que tal signifique, pelo que foi dado perceber ao instrutor, existir especiais sentimentos de inimizade, ou de ódio, entre os primeiros e o arguido, ou então entre os segundos e o seu Director.
Improcede, pelo exposto, o invocado impedimento das testemunhas que prestaram o seu depoimento após a produção da prova oferecida pelo arguido. Este, tendo embora a obrigação de o fazer, não invoca razões suficientemente convincentes que nos levem a afastar a fé que transparece dos depoimentos de fls. 137 a 138 dos autos.
VI. FACTOS PROVADOS E SUA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Resolvidas as questões incidentais, importa agora dar nota dos factos dados como provados, por referência, claro está, ao respectivo artigo acusatório. Assim:
Artigo I: O arguido foi acusado de no dia 12 de Fevereiro de 1998, em artigo de opinião da sua autoria intitulado " Classificação de Serviço no Reino d 'Atlântida ", publicado no jornal "Telégrafo" da Horta, de forma implícita mas adoptando um discurso onde é possível identificar o visado, ofensivamente injuriar e desrespeitar o Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, apelidando-o, entre outras coisas, de "...incompetente...”, “...ignorante... ", "...o sujeito... " e "... comissário político... ".
Relativamente a este artigo de acusação, alinhou o arguido, em sua defesa, a seguinte ordem de razões:
- Não há inteligibilidade do "visado";
- O artigo é fruto da imaginação e da divagação, em áreas fantasiosas, do arguido; o Articulista não cita o nome do visado, alegadamente ofendido, nem em qual das paragens se efectivou a tal "Classificação de Serviço"( a propósito lembra que a Atlântida abrangeria as costas de Portugal Continental às orlas marítimas da América e toda a área que vai do Atlântico Norte às Ilhas de S.ta Helena, passando, obviamente, pelas Ilhas da Madeira, Canárias, Cabo Verde e Açores );
- Na noção de direito não cabe a imputação e incriminação dos devaneios e evasões mentais dos cidadãos.
Ora, mais uma vez s. d. r. por opinião contrária, revelam suficientemente os autos o "perfil" da pessoa que, de modo encapotado, é concretamente visada por este artigo de opinião, dado à estampa a 12 de Fevereiro de 1998, no jornal "O Telégrafo" da Horta, e que c da autoria do arguido.
a) Desde logo porque tal artigo de opinião, para grande parte dos colegas de trabalho do arguido, e mesmo um superior hierárquico, foi inteligível, da sua leitura retirando todos a conclusão firme de que a pessoa do Director da BPAH era por ele visada (v. fls. 03, 04, 39, 137, 137v, 138 e 138v);
b) Sendo o artigo "fruto da imaginação e da divagação, em áreas fantasiosas, do arguido ", então forçoso é admitir que a "musa" que o inspira é a Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, o seu Director, os seus funcionários e os acontecimentos concretos da vida deste serviço público. Senão vejamos:
- A frase "... os sentimentos de vingança e de ódio não entre servo e amo, mas sim subordinado e chefe, não sofrem minimamente alteração..." retirada do contexto daquele artigo de opinião encontra o seu paralelo no contexto de outros documentos insertos nos autos. Os sentimentos de animosidade, hoje ainda manifestos, entre arguido e o Director da BPAH estão bem patentes a fls. 07, 40, 44, 46 a 48, 56, 56v, 71v, 113,115, 134,137, 137v e 138 dos autos;
- A frase "... o chefe ( versus lider), adorado e idolatrado pela concubina e afins (...) na altura da classificação de serviço, que não passa de uma grande fantochada, divide o pessoal a seu cargo em duas categorias: subservientes e frontais... " é perfeitamente entendível, sabendo-se que as referências são dirigidas ao Director da BPAH, quando se faz a comparação dos documentos, alguns assinados pelo próprio arguido, onde se faz referência à "concubina", "divisão do pessoal " e "classificação de serviço". Veja-se, entre outras, as fls. 39, 44, 45 a 49, 70, 113, 114, 117, 134, 134v, 135, 137 a 138v dos autos;
- A frase "...isso de competência , ele nunca a entendem devido à sua grande incapacidade encimada pela ignorância crassa..", reflecte, também, a pessoa do Director, na medida em que o arguido não se cansa de aludir ao longo do processo, de modo repetido, à incompetência deste. Compare-se, a este propósito, os documentos de fls. 07, 12, 39, 44, 56 e 56v, 69 e 71 dos autos;
- A frase "...o sujeito, o comissário político (por ironia, ainda se encontra em vigor, apesar de haver uma lei que obriga a abertura de concursos para cargos de chefia), visado neste artigo, constitui, sem dúvida um dos dinossauros de nomeação política... " ajuda a compor o perfil do Director, porquanto: ocupa um cargo de chefia e assume funções de direcção desde há dezasseis anos a esta parte, sempre nomeado em regime de comissão de serviço. Confronte-se, a este propósito, as fls. 03, 39, 69 e 137 dos autos;
- A frase "...apesar de estar indiciado no Tribunal pelas inúmeras injúrias gravosas, apesar da Tutela lhe ter instaurado um processo disciplinar por desacatos no recinto público, e apesar da queixa crime de prática sexual de relevo na instituição pública... " por serem relativos ao Director da BPAH, dão o toque final ao seu perfil, porquanto: mediante participação do arguido, contra o Director correm algumas participações crime (por injúrias e "prática sexual de relevo" na instituição pública) e contra o Director foi instaurado um processo disciplinar pela "tutela" tendo por motivo "desacatos no recinto público". Confronte-se, a este propósito, as fls. 04, 40 e 40v, 44, 49, 111, 121,122 e 123.
c) Ora, muito embora não nomeie expressamente, naquele escrito, as pessoas e o serviço visado, certo é que os factos ali revelados, como no processo se pode verificar, traduzem, para parte dos trabalhadores da BPAH e respectiva hierarquia, questões concretas do dia-a-dia da BPAH, directamente relacionadas com o arguido e o seu Director, situação de todo inadmissível para um funcionário público;
d) Agravam a sua conduta, o meio e local escolhidos (jornal) pelo arguido para se referir a factos e pessoas do seu conhecimento, enquanto funcionário da BPAH, dolosamente desrespeitando e injuriando o seu superior hierárquico, por motivos relacionados com o exercício das suas funções.
Tal comportamento viola o dever geral de correcção a que o arguido está obrigado e constitui a infracção disciplinar prevista e punida pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 3º do DL 24/84, de 16-1, a que corresponde a pena de INACTIVIDADE prevista pela alínea a) do n° 2 do artigo 25° do mesmo diploma.
Artigo II É acusado de no dia 20 de Fevereiro de 1998, pelas onze horas e vinte minutos, nas instalações da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, ter recusado a tomar conhecimento da Ordem de Serviço n.º 1/98, dada em objecto de serviço pelo Director, seu superior hierárquico.
Relativamente a este artigo de acusação, alinha o arguido em sua defesa a seguinte ordem de razões:
- O Director da BPAH, desde o ano de 1997, até à presente data, não dirige palavra, não cumprimenta e, muito menos, distribui tarefas ao ora arguido, subordinado daquele;
- O Director adoptou métodos persecutórios flagrantes para vexar e humilhar o arguido;
O arguido diz-se vítima de perseguição racista por parte do Director da BPAH;
- Assim, no dia 23 de Fevereiro de 1998, o ora arguido, ao ultimar as respostas às anotações do Director, este aproximou-se com uma ordem de serviço, solicitando assinatura. O arguido, na presença doutras funcionárias, retorquiu, dizendo que a haver assinaturas teria que ser de todos os funcionários, pelo menos da Maria de Lurdes Faria, Sónia R. Pereira e Victor Soares.
a) Apesar do mau relacionamento invocado pelo arguido, existente entre si e o Director da BPAH, e da perseguição e discriminação de que se diz objecto no seu serviço, certo é que não logrou afastar, mesmo na Resposta a este artigo, a acusação que sobre ele impendia de se haver recusado a tomar conhecimento da Ordem de Serviço n° 1/98.
b) Na verdade, fazem fé os autos, com prova bastante, de que o arguido, na presença de outros funcionários da BPAH, face a uma ordem dada por escrito, entregue pelo próprio Director do serviço, se recusou a tomar conhecimento da mesma, recusando apor a sua assinatura, com o argumento de que esta teria que ser assinada por todos os funcionários ali presentes.
c) Ora, o que é censurável é o acto de recusa de tomada de conhecimento e não já o conteúdo desta "Ordem de Serviço". De todo o modo o arguido, apesar de a ter lido, nunca reagiu ao teor da ordem e à incerteza do comando de fazer ali expresso, antes preferindo recusar tomar conhecimento e, assim, incorrendo em desobediência disciplinarmente censurável. Vejam-se, entre outros, os documentos de fls. 05, 06, 44, 71v e 114 dos autos.
d) Esta atitude do arguido merece especial censura, porquanto foi feita à frente de vários funcionários da BPAH, com isto desautorizando o Director seu superior hierárquico.
Tal conduta viola os deveres gerais de zelo e de obediência a que o arguido está obrigado c constitui a infracção disciplinar prevista e punida pelos n°s 1 c 4 do artigo 3° do DL 24/84, de 16-1, a que corresponde a pena de MULTA prevista pelas alíneas b) e e) do n° 2 do artigo 23° do mesmo diploma.
VII. FACTOS NÃO PROVADOS
Atento o teor da Resposta do arguido e a prova carreada para sua defesa, dou por insubsistente a acusação relativamente aos seguintes artigos da Acusação:
Artigo III: É acusado de no dia 23 de Abril de 1998, em artigo de opinião da sua autoria intitulado " Carta Aberta aos Senhores Dr. Álamo de Meneses e Dr. Luís Fagundes " publicado no jornal 'Telégrafo" da Horta, de forma implícita mas adoptando um discurso onde é possível identificar o visado, de forma ofensiva injuriar e desrespeitar o Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, acusando-o de "...abuso do poder... ", "...violação de normas... ", "...praticar favoritismos pessoais descarados... " "...perpetuar a incompetência..." e apelidando-o de "...comissário político..." e "...indivíduo sem escrúpulos... ".
Efectivamente o artigo de opinião aqui assinado pelo arguido é datado de 23.04.1998. logo posterior ao despacho de Sexa. o SREAS, de 5.04.1998. que manda instaurar o presente processo disciplinar, o qual, aliado aos documentos que o acompanham e que com ele foram autuados, circunscrevem o âmbito deste processo. Constituindo este uma nova infracção, haveria que dar lugar a um processo autónomo, o qual correria por apenso a este processo (cfr. artigo 48° do EDFAAQRL ). Invalida-se, pois, a acusação no que toca aos factos a que este artigo se refere.
Artigo IV: É acusado de no dia 23 de Abril de 1998, em artigo de opinião da sua autoria intitulado " Carta Aberta aos Senhores Dr. Álamo de Meneses e Dr. Luís Fagundes “publicado no jornal 'Telégrafo" da Horta, deforma explicita e ofensiva desrespeitar o Director Regional da Cultura e o Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, seus superiores hierárquicos, acusando-os, entre outras coisas, de "...denegação e sonegação militantes (de administração de justiça)", "...atitude antidemocrática...", "...carência de responsabilidade...", "..silencio contemporizador e conivente...", "...silêncio naif...", "...silêncio comprometedor..." e "...desprego pela justiça, Democracia e Liberdade...".
Valem aqui as mesmas razões aduzidas para o artigo III da Acusação.
Artigo V: E acusado de no dia 24 de Setembro de 1998, em artigo de opinião da sua autoria intitulado " Um arquivo em 'Fim Tim (Timor — Timur — Timor Leste )", publicado no jornal "Telégrafo" da Horta, deforma implícita, ficcionando o nome de lugares, pessoas e instituições, mas adoptando um discurso onde é possível identificar os reais lugares, pessoas e instituições visados, de forma ofensiva injuriar e desrespeitar o Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, apelidando-o, entre ouras coisas, de "...rapazinho/comissário político...", de "...arrotar camarões e whisky de manhã à noite e pela noite fora, orgias dionisíacas à travesti, à custa do contribuinte... ", de ".,.estupidez de mentalidade..." e "...alguém cuja visão coisificadora é estupidamente doentia... ".
Alega o arguido, e com razão, que o artigo de opinião aqui referido se reporta a 24 de Setembro de 1997 e não, como por lapsus calami foi levado ao artigo acusatório, a 24 de Setembro de 1998.
Ainda que o arguido, apesar do erro material, demonstre ter compreendido, com suficiente clareza, os factos, a data e local a que estes se reportavam, referidos neste artigo da acusação, certo é que teremos que admitir, fazendo justiça, que estes já haviam prescrito. Conforme se verifica a fls. 61 e 61v dos autos, o Director da BPAH apresentou em mãos o recorte de jornal aqui referido em 13.05.1998. Se melhores razões não existissem (sobre o momento do conhecimento da falta pelo dirigente máximo do serviço), por aqui, e atento o comando do n° 2 do artigo 4o do EDFAAQRL, sempre deveríamos de concluir pela prescrição do procedimento.
Artigo VI: É acusado de em data que não se pode precisar, mas que terá ocorrido no período de tempo que vai de Janeiro a Março de 1998, apesar das claras instruções do Director da Biblioteca Publica e Arquivo da Horta, seu superior hierárquico, quanto à metodologia a seguir pelo arguido no trabalho de inventariação dos fundos paroquiais de Angústias, Capelo e Castelo Branco, todas no concelho da Horta, - basicamente consistente na mistura da série "Mistos" com as séries "Singulares" e na aplicação do suporte informático Arqbase -, não ter acatado, deliberadamente, aquelas instruções, optando por adoptar a sua própria metodologia de organização, assim produzindo resultados negativos para o serviço.
Após alguma hesitação, e forçando aqui um pouco aquele velho aforismo romanístico do "in dubio pro reo " (ou na dúvida decida-se a favor do réu), propendemos a aceitar que algumas das razoes invocadas pelo arguido na sua defesa são suficientemente fortes para tornar insubsistente a acusação relativamente a este artigo.
É que as testemunhas arroladas pelo arguido, todas funcionários da BPAH, e o parecer dos peritos, lançaram no espírito do instrutor a seguinte dúvida: há suficiente certeza quanto à lisura de procedimentos do Director da BPAH, designadamente no que respeita à clareza e precisão das ordens dadas, em matéria de serviço, ao arguido? Ouve ou não ocultação de informação do Director da BPAH para com o arguido, no que respeita à correcta metodologia a seguir na organização dos fundos paroquiais? Actuou ou não o arguido de boa -fé ao seguir de perto a orientação dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo quando, como do processo consta, o Director não conversa consigo, dando-lhe ordens por interposta pessoa?
Se a fls. 07, 09, 10, 12, 14, 17, 19, 22, 24, 26, 29, 30, 44, 56, 61 e 71 dos autos acedemos a aceitar que o arguido desobedeceu, grosseiramente, a instruções de fazer, dadas em legítima via hierárquica, já outro tanto não fazemos quando analisamos as fls. 46, 47, 49, 50 e 51, 99,100 e 134 dos autos.
Propendemos, em sábia prudência e justo equilíbrio, a aceitar a razoabilidade dos argumentos do arguido.
VIII. RECOMENDAÇÃO
1. Não pode ignorar o instrutor a gravidade dos factos indicados pelo arguido, ora em participações isoladas que dirigiu superiormente, ou até na Resposta aos artigos acusatórios. É que as situações por si referidas de "prática sexual explícita" no serviço público,"prática de favoritismos pessoais"; "recolha de informação para fins particulares em horário de serviço público", etc. ..., não podem passar sem uma referência concreta.
Julgamos que o esclarecimento do alcance destas, e de outras questões, haverá de ser feito no âmbito mais alargado de um processo de Inquérito, que desde já propomos seja instaurado à Biblioteca Pública e Arquivo da Horta.
2. Os factos de que vem acusado o arguido no artigo 1º da Acusação são passíveis de serem considerados infracção penal, porquanto indiciam a prática dos crimes de injúrias e de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180° e 181° do Código Penal.
Assim, e atento o disposto no artigo 8o do DL 24/84, de 16/01, deverá dar-se conhecimento obrigatório dos mesmos ao Procurador Adjunto do Tribunal judicial da Comarca da Horta para aí ser promovido o respectivo processo penal.
IX. MEDIDA E GRADUAÇÃO DA PENA
Na graduação da pena, além dos critérios gerais, atender-se-á:
- Ao comando do n° 1, in fine, do artigo 14° do DL 24/84, de 16/01 (não poder aplicar-se ao arguido mais do que uma pena disciplinar pelas infracções acumuladas que foram apreciadas num só processo);
Ao facto de o arguido ser um técnico superior, presumindo-se que, enquanto tal, melhor se aperceberia da gravidade do seu comportamento;
Ao modo doloso como actuou, procurando, designadamente, a cobertura e a arte jornalística para desrespeitar um seu superior hierárquico por motivos relacionados com o exercício das suas funções;
- A desobediência grosseira à tomada de conhecimento de uma ordem, dada por escrito, feita na presença de vários colegas seus no seu local de trabalho.
(cfr. artigo 28° do DL 24/84, de 16/01 (EDFAAC,RL).
X. CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES
Militam contra o arguido as seguintes circunstâncias:
1. A reincidência, porquanto o arguido foi já condenado, por despacho de 97.12.30 do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, exarado no processo disciplinar 01/GAB/97, na pena de 90 dias de SUSPENSAO (com suspensão da execução da pena disciplinar pelo período de dois anos) - v. fls. 67;
2. A acumulação de infracções.
XI. PROPOSTA
Atentos os artigos da acusação dados como provados no ponto VT deste relatório, a respectiva qualificação jurídica, as circunstâncias agravantes e considerando o disposto no n° 1 do artigo 14° do DL 24/84, de 16/1 ( EDFAAQRL), proponho:
A -A aplicação ao arguido VALENTE DE ARAÚJO (Dr), técnico superior de arquivo de 1* classe da Biblioteca Pública e Arquivo da Morta, em cumulo jurídico, da pena unitária de um ano de INACTIVIDADE;
B — Que seja mandado instaurar um rigoroso Inquérito à Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, assim se averiguando da veracidade, ou não, dos factos relatados pelo arguido a fls. 113 e 114 dos autos.
C - Porque alguns dos factos de que vem acusado o arguido são passíveis de serem considerados infracção penal, uma vez que indiciam a prática dos crimes de injúrias e de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180º e 181° do Código Penal, propõe-se também que, por fotocópia integral do processo, se dê conhecimento obrigatório dos mesmos ao Procurador Adjunto do Tribunal Judicial da Comarca da Horta, para aí ser promovido o respectivo processo penal.
Expressa-se que conforme se prevê no n° 4 do artigo 33° do DL 24/84f de 16-01, à condenação do arguido no presente processo determinará, ex automático, a caducidade da medida de suspensão da pena decretada por V. Exa., em despacho de 97.12.30 exarado no processo disciplinar 01/GAB/97.obrigando o arguido ao seu cumprimento (v. fls. 67 dos autos ).
(...)”

. Com a data de 18.1.1999, o Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais do Governo Regional dos Açores emitiu o despacho, ora impugnado, com este teor (fls. 23 dos presentes autos):
(...)
Concordo com a proposta do instrutor do processo disciplinar e respectivos fundamentos de facto e de direito.
Contudo, tendo em conta, conforme manda o n.º do artigo 54º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 26 de Janeiro, a perda do vencimento de exercício resultante da suspensão preventiva a que esteve sujeito o arguido e o contexto de conflitualidade existente há largo tempo entre o mesmo e o seu superior hierárquico, que constitui uma circunstância atenuante que diminui sensivelmente a culpa do primeiro, justifica-se a aplicação de pena de escalão inferior ao da proposta.
Mantém-se, porém, a gravidade da conduta do arguido, agravada ainda pela reincidência e acumulação de infracções.
Assim,
1 - Ao abrigo da competência que me é conferida pelo n.º 4 do artigo 17º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 26 de Janeiro, aplico ao arguido a pena de suspensão por 240 dias, prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 12° do Estatuto Disciplinar, com os efeitos previstos nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 13° do mesmo Estatuto.
2 - Declaro a caducidade da suspensão da pena de suspensão por 90 dias aplicada ao arguido por meu despacho de 1997-12-30, em conformidade com o disposto no n° 4 do artigo 33° do Estatuto Disciplinar.
À Direcção Regional da Cultura, para que:
a) Notifique o arguido e o instrutor;
b) Extraia cópia autenticada de todo o processo e a remeta ao Ministério Publico do Tribunal da Comarca da Horta;
c) Me informe sobre a pertinência do inquérito proposto, tendo era conta a possibilidade de os factos a investigar terem já sido considerados em processos anteriores.

. O artigo “subscrito pelo ora Recorrente no “Telégrafo” de 12.2.1998, tem o seguinte teor:
“Classificação de Serviço no Reino d’ Atlântida
NOS TEMPOS imemoriais, a relação súbdito - amo pautava-se pela subserviência alexitímica em termos físicos e mentais. O servo, na sua condição, no entender do amo, não passava de um mero objecto de trabalho, manobrado e manipulado pelo amo a seu bel-prazer. É uma coisa entre outras, sem nome, sem carácter e sem personalidade. A sua razão de ser é servir o seu dono e patrão.
A coisificação do súbdito é extensiva à sua família, e de tal maneira que o amo arroga-se o direito da, primeira noite em relação às donzelas, filhas dos servos, ou seja, o amo tinha o direito «de pernada».
É evidente, nos tempos que correm, as relações tomam outro rumo, mas por incrível que pareça, os sentimentos de vingança e de ódio não entre servo e amo, mas sim, subordinado e chefe, não sofreram minimamente alteração. O chefe (versus leader), adorado e idolatrado pela concubina, e afins, habituado a mordomias senhoriais, na altura da atribuição de classificações de serviço, que não passa de uma grande fantochada, divide o pessoal a seu cargo em duas categorias: subservientes e frontais, pondo de parte a questão de competência, porque isso de competência, ele nunca a entenderá devido à sua grande incapacidade encimada pela Ignorância crassa, de uma realidade que supostamente, por obrigação e deverá procurar informar-se e ser-se informado.
O sujeito, o comissário político, (por ironia, ainda hoje se encontra em vigor, apesar de haver uma lei que obriga a abertura de concursos para cargos de chefia), visado neste artigo, sem dúvida um dos dinossauros da nomeação política, apesar de estar indiciado no Tribunal pelas inúmeras injúrias gravosas, apesar da Tutela lhe ter instaurado um processo disciplinar por desacatos no recinto público, e apesar da queixa por crime de prática sexual de relevo na Instituição pública, ele continua «de pedra e cal». Porque será? Não haverá ninguém que o possa substituir? Caros governantes: costuma-se dizer na nossa, esfera pública que «a Atlântida para os atlandenses e o Mundo para todos», seguindo essa lógica, os naturais da, Atlântida deverão rondar, aproximadamente, 250 mil. Ora, a maioria dos 250 mil possuirá habilitações mínimas obrigatórias. Será que dentro destes, os mandantes não conseguirão «arranjar» alguém para substituir o dito comissário político acima referendado Pois, para aquilo que ele, o comissário político faz, qualquer um, mesmo com habilitações mínimas, o poderá efectuar.”

. É o seguinte o teor da “Ordem de Serviço” n.º 1/98, dirigida ao ora Recorrente, em causa no despacho punitivo (fls 6 do processo instrutor):
(...)
Considerando que o carácter específico do interesse público prevalece em relação a quaisquer interesses de carácter particular;
Considerando a necessidade dos serviços públicos regionais responderem pela sua produtividade e exemplo às necessidades e interesses da região;
Considerando que V. Exa. como Técnico Superior de Arquivo de Ia classe da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta deve, durante o seu horário normal de trabalho, estar única e exclusivamente ao serviço da instituição onde exerce a sua actividade;
Considerando que V. Exa. utiliza frequentemente o período normal de trabalho para a execução de tarefas de carácter particular que em nada se relacionam com a carreira em que V. Exa. se insere;
Determino, como Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, que:
- As tarefas a executar, durante o período normal de trabalho, devem ter em atenção o interesse público e não o particular e devem corresponder à carreira e categoria que V. Exa. detém nesta Biblioteca Pública e Arquivo.
(...) ”

. Com a data de 30.9.1997, o ora Recorrente dirigiu ao Prof. Álamo Meneses, Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, a carta fotocopiada a fls. 56 do processo instrutor, da qual se extrai o seguinte:
“ (...)
Relativamente à minha queixa do dia 08/09/97, contra o Sr. Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta e ao aditamento da mesma e, para um maior esclarecimento sobre os motivos que deram origem ao referido acto de agressões mútuas neste serviço, como a liberdade de levar ao conhecimento de V. Ex.cia o seguinte assunto: “Como organizar os Fundos Paroquiais”?
Como é do conhecimento de V. Ex.cia há várias séries:
(...)
É óbvio que quando se refere a duplicados (Baptismos, Casamentos e Óbitos) é porque efectivamente existe um (1) original e subsequentemente um (1) duplicado da mesma.
Ora, os Mistos, ou seja, a série de Mistos, são documentos singulares que nada têm a ver com os referidos duplicados, donde seria anticientífico ou pior do que isso, ignorância, agrupando a série de Mistos aos duplicados de Baptismos, por exemplo, cronologicamente, como pretende o Sr. Director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta.
É algo que choca e entristece ver alguém com responsabilidade para a manutenção do património Cultural de um país e de um povo, como é o caso do Povo Português, a cometer tanta barbaridade “arquivística”!
Mas, como é habitual dizer-se que quem pode, manda, e não manda quem sabe. É neste contexto que quem tem autoridade tem também o poder de falsear, inventar e por fim, criminosamente, dificulta por todas as formas e feitios a investigação e a pesquisa que o público, eventualmente, pretende levar a cabo.
(...)
Mas, entre nós, infelizmente, há um “comissário político”sobre quem recaem acusações e suspeitas de vária ordem: favoritismos pessoais, abuso de poder, corrupção e pior de tudo, é suspeita da prática sexual explícita no recinto da instituição pública, ...
O assunto é do conhecimento da Secretaria da tutela. Volvidos praticamente três meses, após a denúncia (por escrito e assinado), até hoje, reina o silêncio santo e absoluto. Porquê? Santa democracia! É o caso para se citar o ditado: pares cum paribus, facilime, congregantur” (os iguais/os pares).
Contudo, para nossa felicidade, existem instituições (P.J. a Provedoria de Justiça,...) que são altamente idóneas e objectivas em inquirirem sobre a verdade ou falsidade das referidas suspeitas”
(...)

. Com a data de 8.10.1997, o ora Recorrente dirigiu ao “Prof. Dr. Álvaro Meneses, a missiva fotocopiada a fls. 40-40 verso do processo instrutor, da qual se retira o seguinte:
“ (...)
4- No dia 30/SET/97, mandei uma carta, acompanhada por um anexo, intitulado Discoteca Biblioteca”(publicado no Telégrafo), a tentar esclarecer os motivos que estavam na base das agressões, ou seja, a questão anticientífica do Sr. Director na forma como organiza os Fundos Paroquiais”
(...)’

. O ora Recorrente dirigiu ao Secretário Regional dos Assuntos Culturais, com a data de 3.3.1998, a carta junta a fls. 7 do processo instrutor, da qual se extrai o seguinte:
“ (...)
Ora, o Arquivo da BPAH, sob a direcção do Dr. José T. da Rocha, viola claramente aqueles preceitos normativos, senão vejamos:
1) - Como já do conhecimento de V.Exa, através da exposição enviada a si, no dia 23 de Fevereiro do corrente ano, a organização e classificação dos Registos Paroquiais do ex- distrito da Horta está totalmente errada, isto é, com a mistura aleatória da Serie de Mistos com os duplicados singulares, contrariando, assim toda a classificação anterior, além de que viola nitidamente os princípios legais.
2) - Chama-se a atenção de V. Exa para o grave atentado ao património cultural da Região e por extensão de Portugal, detectar quanto o amadorismo, o empirismo do sr. dr. José T. da Rocha! Cita-se aqui um exemplo caricato que tem provocado risadas na cidade da Horta e fora dela: a "organização do Fundo da Junta Geral", em termos cronológicos. Era só juntar os processos por anos e atá-los !!!
Sr. Director Regional: fazer um " trabalho " daqueles seria necessário um curso universitário e pós graduação em arquivo? Sem ofensa, será que o Sr. Dr. José Teixeira da Rocha tirou algum curso de arquivo? Não terá antes um curso de informática?
E, por último, gostaria de informar a V. E.xa além de tudo o que V.Exa já deveria ter conhecimento, um caso ridículo e obtuso: o encerramento da BPAH é às 19H. A partir das 16,30H, a auxiliar administrativa tranca janelas e portas, continuando os funcionários a trabalharem, sem mínimo resquício de ar. Aliás, o horário deste serviço é tão aleatório, segundo a santa vontade do sr. Director da BPAH.
Sr. Director Regional: o requerente, na posição de subordinado seu, cumpre apenas, a única missão de informar. V. Ex3, dentro dos seus sábios critérios, proceda como entender.
(...)”

. Datado de Março de 98, o ora Recorrente subscreveu o documento de fls. 12 do processo instrutor, do qual se extrai o seguinte:
“(...)
Em quatro anos de trabalho, como arquivista, esta seria a Ia vez, que assume plenamente a responsabilidade consciente e livre, perante de quem for, na rectificação e correcção de graves erros, provenientes das más directrizes do sr. Director da BPAH, na Organização e Informatização dos Registos Paroquiais.
1) - Em termos introdutórios, toma-se a liberdade de questionar quem de direito, como seria possível a adopção do programa Arqbase, nesta instituição, à revelia da Torre do Tombo, quando, por lei, todos os arquivos distritais estão dependentes em termos técnicos e normativos da TT. E sobre isto cita-se a seguinte alínea b) do artigo 3° do Decreto-Lei n° 69/97: que compete ao IAN/TT superintender técnica e normativamente nos arquivos dependentes do MC, bem como em todos os arquivos do Estado. "
2) Ora, V.Exa infringiu, violou, consciente ou inconscientemente aqueles princípios legais, ao misturar a Série dos Mistos com os duplicados singulares, contrariando deste modo, a origem iniciático-classificativa.
(...)”


2. O enquadramento jurídico.

São as seguintes as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações e que definem o objecto do recurso:

A) O despacho do senhor Secretario regional da Educação Assuntos Sociais que aplicou ao recorrente a pena da 240 dias de suspensão, por ter concordado como fundamentos de facto e de direito constantes no relatório final do instrutor do Processo disciplinar, enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, que viola o disposto nos artigos 42 e 63 do estatuto Disciplinar que determina a sua anulabilidade;
B) Está viciado de violação de lei, artigos, 61° e 64° do referido Estatuto, porquanto não foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo arguido, o que consubstancia nulidade insuprível nos termos do artigo 42° do Estatuto Disciplinar;
C) Encontra-se ainda viciado de violação de lei por inversão do ónus da prova, porquanto cabe à acusação provar os factos, sendo certo que no artigo I do libelo acusatório, seria indispensável, para o arguido vir a ser efectivamente condenado, demonstrar a falsidade das afirmações do recorrente.
D) Viola ainda o despacho recorrido o artigo 63, n.° 2 do estatuto Disciplinar.

Vejamos.

2.1. O Vício de violação de lei: erro nos pressupostos de facto e de direito; art.ºs 42º e 63º do Estatuto Disciplinar.

Refere a este propósito o Recorrente que o Instrutor se limitou a presumir que no artigo de jornal por aquele subscrito se tratava da instituição onde presta serviço.

Menciona ainda que, mesmo a admitir-se que o arguido se estivesse a dirigir naquele artigo ao senhor director da Biblioteca Pública e Arquivo da Horta, ainda assim devia ser absolvido quanto ao ponto I da acusação, porquanto cabia a esta provar que o conteúdo do artigo em causa era manifestamente falso. Ora a acusação não fez qualquer prova sobre a veracidade dos factos imputados em tal artigo ao senhor Director, apesar de suscitada tal questão na resposta do arguido.

Mas não tem razão.

A certeza que interessa ao Direito sancionatório, é a certeza alcançável pela razão humana, aquela a que se chega pelo raciocínio lógico e de acordo com as regras da experiência comum.

Com efeito, no Direito sancionatório vale o princípio, consignado no art.º 127º do Código de Processo Penal, da livre apreciação da prova: salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Ora o que o Instrutor fez, e bem, foi ligar, com segurança, factos comprovados e admitidos pelo arguido à conclusão de que o artigo de jornal se referia ao superior hierárquico do arguido, por um encadeado lógico:

As várias frases destacadas pelo Instrutor do artigo de jornal subscrito pelo ora Recorrente encontram efectivamente correspondência com a realidade retratada pelo próprio com identificação do seu superior hierárquico, o Director da Biblioteca e Arquivo da Horta, em particular nas cartas documentadas a fls. 40 e 56 do processo instrutor e acima reproduzidas.

São demasiadas correspondências com a realidade concreta para não se concluir, de acordo com as regras de experiência comum e os imperativos da lógica, que efectivamente o visado pelo artigo em questão é o superior hierárquico do ora recorrente.

Em particular as referências, concretas, feitas no artigo em causa, aos processos em Tribunal por injúrias, ao processo disciplinar por agressões no serviço e à queixa por “prática sexual de relevo na instituição pública”, coincidem perfeitamente com a realidade retratada pelo próprio Recorrente nas suas cartas.

E, embora não seja mencionada pelo Instrutor, existe ainda uma outra coincidência com a realidade: diz o Recorrente, naquele artigo, que os naturais da Atlântida deverão rondar, aproximadamente, os 250 mil. Por coincidência também, os residentes nos Açores rondam os 250 mil (ver http://pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7ores).

Dentro da margem de livre apreciação da prova e de acordo com as regras de experiência, comum o Instrutor conclui bem, porque lhe era permitido fazê-lo com uma certeza assente na razão, que o visado no escrito em causa, era o superior hierárquico do ora Recorrente.

Quanto à prova da veracidade dos factos, também o ora recorrente não tem razão.

Os factos podem ser provados ou não.

Já os juízos de valor – porque não são factos – não são susceptíveis de prova.

E o que serviu de fundamento para a punição do ora recorrente não foram factos mas juízos de valor feitos pelo ora Recorrente em relação ao seu superior hierárquico e documentados no artigo subscrito por aquele.

Em especial a afirmação de que o seu superior hierárquico não entende o que é competência devido à sua grande incapacidade encimada pela ignorância crassa.

O ora Recorrente poderia afirmar e fazer prova de que determinadas práticas do seu superior são erradas e até grosseiramente erradas.

O que lhe estava vedado fazer e não podia provar, por ser insultuoso, desnecessário e insusceptível de prova, era concluir que o chefe é incapaz e ignorante.

Neste contexto, face à prova documental junta ao processo - a mais segura –, quanto às afirmações feitas pelo ora Recorrente em relação ao seu superior hierárquico, e pelos juízos de valor emitidos, mostra-se indiferente o que as testemunhas disseram ou poderiam dizer sobre assunto.

Não se verifica, em suma, o apontado vício de erro nos pressupostos de facto e de direito.

2. Vício de violação de lei: preterição do direito de defesa; audição de testemunhas cuja isenção foi posta em causa pelo arguido; art.ºs 42º, 61º e 64º do Estatuto Disciplinar.

Invoca neste capítulo o ora Recorrente que o instrutor do processo decidiu ouvir as testemunhas identificadas a fls. 137 e seguintes do processo disciplinar, cujos depoimentos foram impugnados pelo arguido o que foi desatendido, tecendo o Instrutor as considerações constantes de fls 148 verso e 149, do processo disciplinar. Tais depoimentos serviram de base à convicção do Instrutor para proferir a condenação formulada no relatório final, pelo que existiu falta de audição do arguido que conduz à nulidade do processo.

Mais uma vez sem razão.

O contraditório foi assegurado, tanto assim que o ora Recorrente se pôde pronunciar sobre os depoimentos em causa.

Sucede é que o Instrutor desatendeu a matéria invocada pelo arguido.

E pelo que em parte já se adiantou, os depoimentos destas testemunhas apenas corroboram o que resulta inequivocamente dos documentos juntos ao processo instrutor, cuja genuinidade e autenticidade – quer quanto à autoria quer quanto ao conteúdo – não foram postas em causa pelo arguido.

No que diz respeito ao facto de o artigo de jornal se referir ao superior hierárquico do arguido, é correcto dar-se como provado, pelas razões já referidas, concretamente, pela excessiva coincidência entre a “ficção” e a realidade.

No que toca à infracção de desobediência, como adiante melhor se explicará, os depoimentos das testemunhas postos em causa pelo ora Recorrente nada acrescentam de relevante ao que está documentado no processo instrutor e às declarações do próprio arguido..

Ainda que se pudesse questionar, em abstracto, a isenção das testemunhas, em concreto estas limitaram-se a dizer aquilo que qualquer destinatário normal - e sem qualquer ligação às pessoas envolvidas - poderia, em nosso entender, concluir.

Também este vício não se verifica.

3. Vício de violação de lei: preterição do direito de defesa; falta de audição de testemunhas arroladas pelo arguido.

Aqui o recorrente sustenta que indicou como testemunhas a senhora Dr.a Norberta Amorim e Dr. Luís Menezes, as quais não foram ouvidas. A falta de inquirição das testemunhas indicadas pelo arguido, constitui nulidade insuprível, falta de audiência do arguido. O fundamento invocado pelo instrutor não pode colher porquanto: "os factos que incide a inquirição das testemunhas de defesa são as circunstâncias pertinentes à nota de culpa, alegadas na defesa, e não necessariamente os factos descritos na acusação " (Ac. STA, de 27-04-20, Acs Dout 127 - 10003 e BMJ 217-164) constituem falta de audiência do arguido, artigo 42° do Estatuto Disciplinar.

Sem razão em nosso entender.

Exactamente pelo que ficou dito a propósito do vício acabado de analisar e pelas razões invocadas pelo Instrutor.

Parte da matéria a que o arguido pretendia ouvir as testemunhas não dizia respeito à matéria da acusação ou da defesa.

Naturalmente que a matéria da defesa que imposta ter em conta é a que tem a ver com o objecto do processo disciplinar, caso contrário estaria descoberto o caminho fácil para introduzir aí a mais completa confusão e afastar o procedimento do seu fim próprio, o apuramento da existência ou não de responsabilidade disciplinar por parte do visado.

Quanto aos depoimentos requeridos sob as alíneas d) a f) da defesa, designadamente sobre a prática de actos sexuais de relevo entre o superior hierárquico do arguido e outra funcionária na Instituição, bem como o saque de uma determinada importância em dinheiro, pretensamente pertinentes para a matéria dos pontos II e VI da Acusação, não se vê o que tenham a ver com esta matéria, ou seja, com a recusa de tomar conhecimento de uma ordem de serviço e com a recusa, num determinado período de tempo, em seguir as indicações metodológicas dadas por aquele Director.

Por outro lado o ponto VI da acusação sobre o qual teria pertinência o depoimento requerido sob a alínea g) da defesa, a propósito de um opinião de um Professor da Universidade de Coimbra sobe a metodologia do Director da BPAH, foi afastado do objecto do processo no relatório final que serviu de base ao despacho sancionatório.

Por fim, como já ficou adiantado, o depoimento das testemunhas nada iria acrescentar ao que está documentado no processo e que é suficiente para dar por assente os factos que serviram de base à punição, constantes dos artigos I e II da Acusação.

Conclui-se que não foi preterida, também nesta perspectiva, o direito de defesa.

4. Vício de violação de lei: a desobediência; erro nos pressupostos de facto e de direito.

Finalmente invoca o Recorrente que quanto à acusação de se ter recusado a tomar conhecimento de uma ordem de serviço, não se tratava de qualquer ordem de serviço, mas um simples enunciado dos deveres gerais do funcionário público, o que resulta da prova feita nos autos. Daí que o arguido não fosse obrigado a assinar um documento daquela natureza pelo simples facto de ser intitulado de ordem de serviço. Assim, recusando a assinatura não violou qualquer dever de funcionário.

Aqui o recorrente confunde duas coisas que são distintas: uma é o comando – abstracto ou não - contido na Ordem de Serviço n.º 1/98, a fls. 6 do processo instrutor; outra é a ordem de assinar o documento em que esse comando estava escrito, como prova de que tomou conhecimento do mesmo.

Ora o Recorrente não foi acusado e punido por ter desobedecido ao comando contido na ordem de serviço.

O ora recorrente - como explícita e claramente se refere no Relatório, ponto VI, artigo II, alínea c) – foi punido pelo acto de recusa de tomar conhecimento da mencionada ordem de serviço.

E está claramente comprovado – e confessado – que o ora recorrente se recusou a cumprir a ordem que lhe foi dada directamente pelo superior hierárquico de assinar o documento em questão.

Não se vê qualquer razão válida para a recusa de comprovar o conhecimento de uma ordem de serviço.

O dever de obediência consiste em acatar e cumprir ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal – art.º 3º, n.º 7, do Estatuto Disciplinar.

Quanto à forma da ordem, salvo indicação da lei em contrário ou imposição da própria natureza das coisas, a ordem pode ser dada verbalmente (cfr. a este propósito o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.10.2004, no recurso 0692/04).

A existência de uma hierarquia e a consonante possibilidade de um funcionário (superior hierárquico) dar ordens a outro (inferior hierárquico) justifica-se nos casos em que a coesão e a disciplina são imprescindíveis para a eficiência de um organismo e se sobrepõem a outros mecanismos como a discussão ou representação democrática.

A ordem, por isso, não é algo susceptível de discussão, uma figura híbrida entre uma imposição unilateral baseada na autoridade e uma negociação.

A ordem, por natureza, é para se cumprir; não para se discutir.

Daí que a Lei apenas preveja a possibilidade de reacção contra uma ordem com base na sua ilegalidade. E preveja também, como únicos meios de reacção, a reclamação e o pedido de confirmação por escrito – art.º 10º, n. 2, do Estatuto Disciplinar.

Em todo o caso, nem a reclamação nem o pedido de confirmação por escrito têm a virtualidade de obstar ao cumprimento da ordem, ainda que reputada de ilegal pelo inferior hierárquico – art.º 10º, n.ºs 3 a 5, do Estatuto Disciplinar.

Apenas quando a obediência a uma ordem se traduza na prática de um crime o subordinado pode, legitimamente - e deve – desobedecer (art.º 10º, n.º 5, do Estatuto Disciplinar).

No caso concreto o Recorrente não põe em causa a factualidade essencial, ou seja, que lhe foi dada uma ordem para assinar um documento como prova de que tomou conhecimento do respectivo conteúdo. Apenas faz “pontaria ao lado”, dizendo que o conteúdo da ordem de serviço não é uma ordem mas a enunciação genérica dos deveres de um funcionário.

Desde logo, não é líquido (bem pelo contrário) que o superior hierárquico, perante o incumprimento dos deveres funcionais por parte de um subordinado seu, entendendo que tal a actuação não atingiu a gravidade para merecer o despoletar de um processo disciplinar mas convencido, no entanto, que merece uma reacção para ser alterada, não possa dar um comando, ainda que abstracto, para levar o funcionário ao cumprimento dos seus deveres.

De todo o modo o que não se vê é a possibilidade da ordem de assinar – que é o que aqui está efectivamente em causa -, como prova da tomada de conhecimento de uma Ordem de Serviço (concreta ou abstracta), possa ser desobedecida, com ou sem reclamação ou pedido de confirmação por escrito que, em qualquer caso, não se verificou.

Isto sendo certo que não se vislumbra, nem de perto nem de longe, qualquer hipótese de o cumprimento dessa ordem conduzir à prática de um crime.

Finalmente, e tendo em conta o teor da promoção do Ministério Público, cabe dizer o seguinte:

Salvo o devido respeito pela posição assumida na promoção final, entendemos que as consequências importantes (para o serviço ou não) a que alude o artigo 23º, n.º 2, al. b), parte final, do Estatuto da Aposentação, não fazem parte do “tipo de ilícito”, violação do dever de obediência.

Desde logo, por um argumento sistemático: a violação do dever de desobediência está definida nos art.ºs 3º, n.º 4, al. c), e 10º do Estatuto da Aposentação. Não faria muito sentido incluir um elemento do tipo de infracção (quando esta está definida à parte) no capítulo das penas a aplicar (um capítulo distinto).

Por outro lado, por uma questão substancial, de solução adequada – art.º 9º, n.º 3, do Código Civil.

O dever de obediência que pressupõe a existência de uma hierarquia e também, como se referiu, a prevalência da disciplina e da coesão sobre outros valores, assume, neste contexto, um especial relevo.

Não faria também muito sentido, salvo o devido respeito, restringir o âmbito da infracção aos casos em que tenha havido consequências (para o serviço ou não) quando é certo que para as demais infracções essa restrição não existe.

O que o legislador quis fazer, em nosso entender, foi excluir a pena disciplinar de repreensão (a menos grave) para a desobediência – art.º 22º do Estatuto da Aposentação. Quem desobedece, em princípio, não será muito sensível a repreensões.

E pretendeu reservar a pena disciplinar de multa para os casos de desobediência em que não há consequências importantes.

Em todos os demais casos caberá à desobediência penas disciplinares mais graves – art.º 24º, n.º 1, al. h), (suspensão) 25º, n.º 2, al. a) (inactividade), e 26º, n.º 2, al. b) (aposentação compulsiva e demissão), do Estatuto da Aposentação.

Não se impunha, por isso, dar por assente a existência de consequências para a desobediência.

Em suma, também no que diz respeito a esta infracção o acto impugnado é válido.

5. O vício de violação de lei: o art.º 63º, n.2, do Estatuto Disciplinar.

Nas suas alegações o Recorrente não refere em concreto em que se traduz a violação deste preceito no acto impugnado.

O que bastaria para julgar improcedente esta arguição.

De todo o modo sempre se dirá o seguinte:

Depreende-se do teor da petição de recurso que o Recorrente se refere, nesta parte, ao facto de a Autoridade Recorrida não ter dado aquilo que entende ser o devido encaminhamento às denúncias de factos graves que fez no decurso do procedimento disciplinar.

Sucede que o eventual accionamento de um outro processo disciplinar nada tem a ver com o conteúdo decisório ou com os fundamentos da decisão punitiva.

Como é algo completamente alheio à decisão punitiva, ora impugnada, não pode afectar a validade deste acto.

Improcede, por isso, também por aqui, o recurso.
*

Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o acto recorrido, porque válido.

Pagará o recorrente as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 150 € (cento e cinquenta euros) e a procuradoria em ¼.
*
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Lisboa, 20.4.2006
(Rogério Martins)
(Coelho da Cunha)
(Cristina Santos)