Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8964/15.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores: IRC;
PREJUÍZOS FISCAIS;
CASO DECIDIDO.
Sumário:I. As despesas confidenciais são todas aquelas não especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade, sendo que a própria natureza destas despesas implica que não sejam documentadas; as despesas não documentadas são aquelas em relação às quais não existe qualquer suporte documental; e as despesas não devidamente documentadas são aquelas que têm suporte documental, mas estes não obedecem aos requisitos legais;
II. O trânsito em julgado da sentença que declarou a prescrição no âmbito da impugnação judicial e não conheceu do mérito da mesma, mantém o acto de liquidação na ordem jurídica, uma vez que não foi anulado pelo tribunal, e consequentemente, ficam consolidadas as respectivas correcções que lhe subjazem, verificando-se caso decidido ou caso resolvido;
III. Tendo sido impugnadas correcções a prejuízos fiscais, cuja origem assenta em correcções a exercícios anteriores que se encontram abrangidos pela força do caso decidido ou caso resolvido, e não tendo sido invocados vícios do procedimento que conduzam à sua anulação, deve improceder a impugnação;
IV. As provisões por créditos de cobrança duvidosa só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não sendo relevante, para este efeito, o momento em que o crédito entre em mora.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA e a G.... – S......., SA, com os demais sinais nos autos, vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por G.... – S......., SA, contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1997, no montante de Esc. 55.892.191$00.

A Recorrente, Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«IV. Conclusões

a) De procedimento inspectivo dirigido à impugnante resultou correcção em sede de IRC ao exercício de 1997 no valor de Esc. 6.3763565$00 ao abrigo do disposto nos artigos 18.º e 34.º do CIRC, em face da comprovação de diligências efectuadas relativamente a apenas 4 clientes, nos anos de 1992 e 1993, e da não apresentação dos documentos comprovativos relativamente aos restantes.
b) Dos documentos juntos pela Impugnante (p.i.) para comprovação das diligências exigidas pelo n.º 1 do artigo 34.º do CIRC constata-se remontarem os créditos em apreço aos anos de 1989 a 1992 (docs. 5 e 7 a 21), sendo desconhecida, de acordo com os documentos juntos pela Impugnante, a data de constituição e vencimento dos créditos associados aos documentos 2 a 4, 6 e 22.

c) Mais se verifica que os documentos apresentados se referem a créditos no montante de Esc. 2.244.093$00, sendo que a correcção em causa ascende ao valor global de Esc. 6.3763565$00, três vezes mais portanto do pretensamente justificado pela Impugnante.
d) Entendemos, assim, que a comprovação de que foram levadas a efeito diligências com vista a obter a satisfação dos créditos ocorreu com referência a apenas uma parte das correcções efectuadas, pelo que por falta do tipo de prova (a cargo da Impugnante) a que aqui aludimos, não poderia proceder a pretensão da Impugnante da forma vertida e avalizada pelo tribunal a quo.
e) Também não apresenta a Impugnante comprovativo das diligências quanto ao crédito referente ao documento 5, e não apresenta os documentos que titulam o crédito quanto aos documento 2, documento 3, documento 4, documento 6 e documento 22 da p.i., permanecendo dessa forma desconhecidos os créditos a que dizem respeito, o que prefigure um elemento essencial na presente questão que se reconduz à determinação da aceitação de determinados créditos enquanto créditos de cobrança duvidosa.
f) Pelo que, não poderá proceder a pretensão da Impugnante quanto a tais créditos, por falta de prova, contrariamente ao admitido pela sentença aqui recorrida.

g) Ainda, convém verificar que as diligências efectuadas e alegadas pela Impugnante se reconduzem a uma missiva do advogado, mecanicamente repetida ao longo de cinco a oito anos (!), que sucessivamente ameaça com o recurso ao tribunal para ressarcimento do crédito em caso de manutenção do incumprimento.

h) Apresentando os créditos como última diligência o dia 17/04/1997, Independentemente da data da constituição, do valor do crédito associado, ou do número de sucessivas Interpelações, pelo que não se toma possível proceder ao preenchimento do momento em que ocorre o risco de incobrabilidade exigido pelo artigo 34.º do CIRC.
i) Factos que levantam a questão de saber quais os factos que nos permitem supor que o risco de incobrabilidade se verificou em 1997 e não em anos anteriores, ao que respondemos não poder ser apontada motivação objectiva, por não ter a Impugnante procedido à demonstração daquilo que alega: o risco de incobrabilidade verificado em 1997, antes pelo contrário reconduzir a resposta para diferente momento.
j) Com efeito, o momento em que a Impugnante prefigura o recurso à via judicial como solução, e o faz saber ao credor, na medida em que considera que o mesmo não consegue determinar-se de acordo com o contratualmente fixado (pagamento voluntário) é o momento em que se concretiza, de acordo com um juízo objectivo e razoável (tendo em consideração que o legislador considera razoável um prazo a partir de 6 meses) o risco de incobrabilidade daqueles créditos.
k) E só assim não seria se a impugnante, fazendo jus ao determinado nas normas legais, fizesse a prova do risco de incobrabilidade em momento bastante posterior àquele que resulta dos factos analisados do ponto de vista objectivo, o que não aconteceu: Junta uma série de cartas e decide por via das mesmas que o momento da verificação do risco de incobrabilidade ocorreu naquela data (exercício de 1997), sem que seja inteligível ou perceptível a motivação (do ponto de vista objectivo, que é o único aqui aceite) inerente a tal consideração, ou ao preenchimento de tal conceito (risco de incobrabilidade).
l) Do n.º 1 (alínea c) do artigo 34.° CIRC não decorre a obrigatoriedade de a Impugnante proceder ê contabilização das provisões decorrido que sejam os seis meses, nem tal Interpretação da norma é defendida pelos serviços de inspecção tributária, contrariamente ao constante da fundamentação na douta sentença aqui recorrida, mas decorre que a contabilização ocorra quando e se o risco de incobrabilidade se concretizar.
m) Assim, atento o disposto no artigo 74.º da LGT, com referência ao ónus da prova, e ao regime decorrente do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC não logrou a impugnante fazer a prova das diligências quanto a todos os créditos e não fez em relação a todos a prova da data da verificação do risco de incobrabilidade pelo que não poderia proceder a sua pretensão, incorrendo a douta sentença em errada apreciação dos factos trazidos a juízo.

n) Ainda a douta sentença aqui recorrida não faz uso das asserções decorrentes do artigo 34.º n.º 1, do CIRC em conjugação com o n.º 1 do artigo 18.º do CIRC que aqui vertemos: está em causa aferir do risco de incobrabilidade dos créditos e não da sua incobrabilidade (esta pressuporia que os créditos fossem créditos incobráveis, realidade bem diferente); a data da verificação do risco de incobrabilidade é que determina a sua consideração contabilística como crédito de cobrança duvidosa atendendo ao princípio da especialização dos exercícios e não o seu contrário; e, a avaliação do risco de incobrabilidade (e não a incobrabilidade) de um crédito é efectuada pelo sujeito passivo caso a caso, sendo que da prova feita pela impugnante não resulta qualquer avaliação em relação a tal risco caso a caso.
o) Pelo que viola o disposto no n.º 1 do artigo 34.º do CIRC conjugado com o disposto no n.º 1 artigo 18.º do CIRC, porquanto não os interpreta no sentido de que o risco de incobrabilidade (e não a incobrabilidade) terá de verificar-se num momento prévio, de forma justificada e de acordo com o principio de que os custos e ganhos Incorridos pelo sujeito passivo terão de ser reflectidos no preciso exercício em que os mesmos se concretizem, resultando a contabilização de tais custos como uma mera evidência da verificação de requisitos prévios que se reconduz a um segundo momento de que depende a consideração como custo fiscal.
p) No respeitante às despesas incorridas pela impugnante a título de alimentação no valor de Esc. 854.194$00, e dos encargos Incorridos pela impugnante com deslocações ao estrangeiro, no valor de Esc. 5.213.390$00, cuja correcção resultou do mesmo referenciado procedimento inspectivo discordamos com o entendimento do tribunal a quo que considerou a fundamentação apontadas para a correcção como insuficientes.
q) Ora, se tais encargos não são justificados pela impugnante nem sequer Indicados os seus beneficiários não ê permitido estabelecer-se uma relação tal com a empresa que Implique recorrer a um juízo de dispensabilidade dos mesmo para não os considerar como custos (é uma decorrência lógica serem perfeitamente dispensáveis).
r) Com efeito, o juízo de Indispensabilidade verifica-se em momento subsequente à definição de concretos (tempo, modo, beneficiários, montante) encargos incorridos pelo sujeito passivo, o que não aconteceu no caso sub judice na medida em que nem os beneficiários das despesas foram Identificados, logo, a fundamentação mostra-se plenamente esclarecedora para efeitos de ser determinada a motivação da correcção: os encargos não são admitidos como custos, à luz do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na medida em que não são definidos (pelo sujeito passivo) os termos em que o sujeito passivo neles incorreu.
s) Mais admite a douta sentença tal fundamentação como suficiente para efeitos de aceitar a correcção efectuada em sede de encargos incorridos a título de alojamento, Indo de encontro ao defendido pela Fazenda Pública, pelo que o mesmo na presente sede (encargos com alimentação e deslocações ao estrangeiro) deverá ser considerado.
t) Atento o exposto, Incorre a sentença em erro na apreciação dos factos, com subsequente violação do disposto nas normas do n.º 1 do artigo 23.º e do n.º 2 do artigo 125.º do CPA, porque suficientes os factos Invocados à sua luz Invocados.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente, com as devidas consequências legais.
SENDO QUE EXAS. DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:
«III. CONCLUSÕES

A) O presente recurso foi interposto pela Digna Representante da Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida no âmbito do processo n .º 78/01-3J 1S, que julgou parcialmente procedente a Impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida, circunscrevendo-se às seguintes correcções: Provisões além dos limites legais - Provisões para créditos de cobrança duvidosa, no valor de PTE 6.376.576$00 e Custos com despesas de alimentação, no valor de PTE 854.194$00 e Encargos com deslocações ao estrangeiro, no valor de PTE 5.213.390$00;

B) Quanto à correcção referente a provisões para créditos de cobrança, entendeu - e bem - o Tribunal Recorrido, que a constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa apenas poderá ocorrer, em face das normas legais aplicáveis à data dos factos (1997), quando o sujeito passivo considerar que existe uma efectiva incobrabilidade desses créditos e o reconhecer na sua contabilidade, tendo, por outro lado, imputou à Autoridade Tributária a responsabilidade pela demonstração de que tais créditos foram contabilisticamente registados em momento anterior ao da sua relevação fiscal, no exercício de 1997, considerando que essa demonstração não foi feita;
C) Caberia à Recorrente, caso pretendesse contrariar o que foi decidido quanto a esta matéria pelo Tribunal Recorrido, e se o quisesse fazer em consonância com as normas legais aplicáveis, nomeadamente com o disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável ex-vi do artigo 2 .º do CPPT, indicar os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham uma decisão, sobre esses pontos de facto, distinta da que foi proferida;
D) Nomeadamente, impunha-se à Digna Representante da Fazenda Pública que, em cumprimento desse ónus legal, indicasse quais os factos que, tendo sido considerados como provados na sentença recorrida, se relacionam com esta matéria e que deveriam ser objecto de reavaliação, por não estarem devidamente suportado através dos meios probatórios que constam dos autos, Identificando concretamente estes últimos;
E) A Recorrida não consegue confirmar se a Digna Representante da Fazenda Pública se reporta aos factos que constam das alíneas k) e I) do segmento probatório da sentença Recorrida, porque não foi feita a correspondência entre o alegado erro de julgamento, agora imputado à sentença, e tais factos concretos, nem Indicados os meios de prova incorrectamente avaliados;

F) Assim o recurso nesta parte não consubstancie uma efectiva contestação da matéria que foi dada como provada pelo Tribunal Recorrido, o recurso agora apresentado deve ser rejeitado por violação do disposto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex-vi do artigo 2.º do CPPT;
G) Mas mesmo que assim não se entenda, o que apenas à cautela se admite, sempre se dirá que, em concreto, as alegações feitas pela Digna Representante da Fazenda Pública não podem proceder, nomeadamente quanto à alegação de são desconhecidas a data da constituição e de vencimento dos créditos associados aos documentos n.º 2 a 4, 6 e 22, pois a ora Recorrida juntou aos autos, como Documento n.º 23, uma listagem de todos os créditos em causa, com a indicação do documento a que respeitam (isto é, as respectivas facturas) e da data a que respeitam;
H) Acresce, quanto aos créditos associados à documentação que foi junta com a p.i. como Documento n .º 6 e ao contrário do que alega a Digna Representante da Fazenda Pública, que foram juntos aos autos as respectivas facturas, sendo também por essa via demonstrada a data de constituição e vencimento dos créditos em causa;
I) Mas, sem prejuízo de tudo isso, a verdade é que a Autoridade Tributária nunca questionou, em sede de acção inspectiva, a efectiva existência daqueles créditos ou a sua data de constituição e de vencimento, mas apenas o momento em que os mesmos foram objecto de uma provisão, pelo que é por demais evidente que a Digna Representante da Fazenda Pública pretende extravasar o âmbito da fundamentação invocada em sede de acção inspectiva, justificando a posteriori esta correcção, na parte relativa aos créditos acima identificados, o que é legalmente inadmissível;
J) Sobretudo quando a documentação que foi junta pela Recorrida aos autos e em sede de acção inspectiva, nomeadamente os documentos n.ºs 2 a 22 e o documento n.º 23 (ignorado pela Recorrente), permitia identificar as datas de constituição e de vencimento dos créditos em questão;
K) Também não têm qualquer fundamento as alegações, feitas pela Digna Representante da Fazenda Pública, de que não compreende o motivo pelo qual o risco de incobrabilidade foi considerado no ano de 1997 e não em anos anteriores, bem como, a utilidade de “sucessivas missivas com ameaças constantes e robotizadas do recurso aos tribunais no sentido de obter o ressarcimento do crédito”, pois, caso tivesse analisado toda a prova produzida nos autos, nomeadamente os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas no processo - como certamente o Tribunal Recorrido fez -, a conclusão da Digna Representante da Fazenda Pública seria por certo outra;
L) De facto e tal como aquelas testemunhas confirmaram, a Recorrida só provisionou quando, conscientemente, teve a certeza que os créditos se tomaram incobráveis, pois tratava-se de clientes com quem a Recorrida queria manter as relações comerciais existentes e, por isso, só quando se reconhecia a efectiva a e definitiva impossibilidade de cobrança do crédito era tomada a decisão de constituir a provisão;
M) Na verdade e foi isso que a Digna Representante da Fazenda Pública ignorou, a Recorrida tinha sempre a esperança de conseguir cobrar, realizando periodicamente reuniões em que estavam presentes o departamento de tesouraria, o departamento de reservas ou o departamento comercial, com o Intuito de fazer o ponto da situação sobre as cobranças, sendo que o objectivo primordial era fazer um esforço para evitar ter que dar a divida como incobrável, protelando a situação de constituição da provisão, até se perceber que haviam sido esgotadas todas as possibilidades ou que o cliente havia definitivamente deixado de trabalhar com a Recorrida;
N) Para além disso, o entendimento que esteve subjacente à presente correcção, e que foi subscrito pela Autoridade Tributária e pela própria Fazenda Pública, contraria as normas do CIRC que regulavam, à data, a constituição de provisões, bem como, as instruções administrativas e decisões judiciais que têm recaído sobre esta matéria;

O) Disso são exemplos os Acórdãos que são citados na decisão recorrida, como por exemplo o Acórdão do STA, de 02/06/1999, proferido no processo n.º 23089, o Acórdão do TCA, de 17/12/2003, proferido no processo n.º 162/03, o Acórdão do STA, de 30/04/2003, proferido no processo n.º 101/03 ou o Acórdão do STA, de 21/11/2001, proferido no processo n.º 26080;
P) Em matéria de provisões para créditos- de-cobrança duvidosa, e do ponto de vista exclusivamente contabilístico, haverá que proceder, no termo de cada período, a uma avaliação dos riscos de incobrabilidade subjacentes às dívidas de terceiros, em cumprimento do principio da especialização e do principio da prudência, mas, no plano fiscal, embora se eleja como base de incidência do IRC o lucro, determinado com base na contabilidade organizada, de acordo com a normalização contabilística e acolhendo expressamente o principio da especialização dos exercícios, existem regras especificas em matéria de provisões que derrogam esses princípios contabilísticos genéricos;
Q) De facto e no que respeita a provisões para cobrança duvidosa, as normas especiais constantes dos anteriores artigos 33.º e 34.º do CIRC prevalecem sobre as normas genéricas consagradas no mesmo diploma, que remetem para os princípios contabilísticos, derrogando-os tacitamente, designadamente, o principio da especialização dos exercícios;

R) O legislador pretendeu criar parâmetros que evitassem abusos e permitissem algum controlo da matéria colectável, fazendo depender a constituição de provisões da confluência de uma série de condições, devendo extrair-se dal todas as consequências e uma delas é, sem dúvida, a aludida derrogação do princípio da especialização dos exercícios;

S) De facto, outro não pode ser o entendimento da lei, pois, se conjugarmos os anteriores artigos 34.º e 37° do CIRC e seguirmos a orientação da Autoridade Tributária e da Digna Representante da Fazenda Pública, sucederia que, por exemplo, os sujeitos passivos que só constituíssem a provisão a partir dos doze meses de mora - por não haver até essa data razões para suspeitar que os créditos degenerariam em créditos de cobrança duvidosa-, só poderiam deduzir 75% da provisão e, por outro lado, não poderiam beneficiar da consideração como incobrável dos restantes 25%;

T) Pelo que, em suma, não pode proceder o recurso agora interposto, nesta parte, por manifesta falta de fundamento, devendo em consequência ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida, também nessa parte;
U) Quanto às correcções relativas a despesas incorridas a título de alimentação e encargos com deslocações ao estrangeiro, considera a Recorrente que também houve uma incorrecta interpretação dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida;
V) Assim, também nesta situação, impunha-se que a Recorrente, caso pretendesse contrariar o que foi decidido quanto a esta matéria pelo Tribunal Recorrido, indicasse, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC, os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham uma decisão, sobre esses pontos de facto, distinta da que foi proferida;
W) Novamente, exigia-se que a Digna Representante da Fazenda Pública indicasse os factos que, tendo sido considerados como provados na sentença recorrida (identificando-nos no segmento probatório) se relacionam com esta matéria e que deveriam ser objecto de reavaliação, por não estarem devidamente suportado através dos meios probatórios que constam dos autos, identificando concretamente estes últimos;
X) No entanto, nada disto foi feito, pelo que o recurso agora apresentado deve, nesta parte e à semelhança do que deverá suceder relativamente à correcção anterior, ser rejeitado por violação do disposto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex-vi do artigo 2.º do CPPT;

Y) Sem prejuízo disso, o entendimento -subscrito pela Digna Representante da Fazenda Pública não tem também qualquer fundamento legal, incorrendo a mesma, uma vez mais, numa tentativa de fundamentar a posteriori as correcções em causa, ao querer demonstrar que é irrelevante a demonstração da relação dos encargos em causa com a actividade da Recorrida, precisamente porque essa prova não foi efectuada pela Autoridade Tributária, em sede de acção inspectiva;

Z) De facto, a Digna Representante da Fazenda Pública quer deslocar esta discussão apenas para a questão da não identificação dos beneficiários, prévia a qualquer avaliação da indispensabilidade da despesa, imputando um carácter de confidencialidade a tais despesas/encargos, o que nunca foi invocado em sede de acção inspectiva, mas, caso o fosse, então o respectivo fundamento legal também não seria, como foi, a norma constante do artigo 23.º do CIRC, pelo que a Digna Representante da Fazenda Pública extravasou a fundamentação original do acto;
AA) Pelo que não pode deixar de proceder o presente recurso também por este fundamento;
BB) De qualquer das formas, a prova que foi efectuada pela Recorrida nos autos - e que deveria ter sido reunida pela própria Autoridade Tributária - permitiu proceder à identificação dos encargos em causa e justificar que os mesmos foram necessário para a obtenção dos seus proveitos, porquanto se relacionaram com despesas efectuadas por funcionários da Direcção Geral e do Departamento Comercial da Recorrida, no exercício das suas funções, no âmbito de acções de apresentação do empreendimento a operadores turísticos e agências de viagens, bem como acções de promoção do departamento de desporto, nomeadamente golfe ténis;
CC) De resto, a Recorrida procedeu à identificação concreta dos funcionários, informando os autos que se tratava dos seguintes, a qual foi inclusivamente confirmado por ambas as testemunhas e, em concreto, a ligação daqueles funcionários com a promoção directa da actividade da Recorrida;
DD) Uma vez mais, a Digna Representante da Fazenda Pública, para além de ter incorrido no vício de violação do disposto no artigo 640.º do CPPT, também não relevou o que a este propósito ficou demonstrado através da prova testemunhal produzida;
EE) De facto, embora não tenham conseguido recordar-se de todas as deslocações a que se refere a presente recordação - pois tal seria humanamente impossível, por terem ocorrido há cerca de 17 anos - as testemunhas confirmaram, de forma clara e inequívoca, os eventos em questão e as pessoas que estiveram presentes nos mesmos, já Indicados na p.i. e documentalmente comprovados (documentos n .º 31 a n .º 58;
FF) Ou seja, e em suma, não só foram identificados os beneficiários dos encargos em causa, como foi demonstrada a indispensabilidade dos mesmos para a obtenção de proveitos da Recorrida, ao contrário do que perpassa do recurso agora interposto pela Digna Representante da Fazenda Pública, pelo que devem também improceder as alegações produzidas nesta parte e o recurso agora interposto, o que se requer.

Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado Improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se na parte recorrida, a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com todas as demais consequências legais, o que desde já se requer.»

A Recorrente, G.... – S......., SA, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«V. CONCLUSÕES

A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do processo n.° 78/01 3J 1S, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, com custas pela Impugnante, na proporção de 96% correspondente ao seu decaimento;

B. O referido processo de impugnação judicial tinha por objecto o acto de liquidação adicional do IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 1997, na parte respeitante às seguintes correcções constantes do relatório de inspecção tributária:

i) Provisões além dos limites legais;

ii) Artigos para ofertas;

iii) Deslocações e estadas:
· Alojamento;
· Alimentação;
· Deslocações em viatura própria;
· Deslocações ao estrangeiro;
iv) Outras despesas com o pessoal - Tickets restaurante;
v) Reintegrações não aceites como custos;
vi) Correcção de Prejuízos fiscais.

C. Quanto às correcções, que constituem objecto do presente recurso, a saber: a) Outras despesas com o pessoal - Tickets restaurantes e b) Correcção dos Prejuízos fiscais, o Tribunal a quo seguiu o entendimento da Autoridade Tributária, mantendo as correcções efectuadas;

D. Entende a ora Recorrente que a douta sentença recorrida assenta, nessa parte, em erro de julgamento da matéria de facto e de direito;

E. Relativamente ao erro de julgamento da matéria de facto, entende a Recorrente que o mesmo resulta da errada avaliação das provas produzidas, designadamente da prova testemunhal e dos documentos n.°s 59 a 64 juntos à petição inicial.

F. Da avaliação da prova produzida resulta inequívoco que o probatório da sentença recorrida se mostra insuficiente, pois não foram dados como provados factos com relevo para a decisão, decorrentes quer do depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, quer dos documentos n.°s 59 a 64 juntos à petição inicial.

G. Face à prova produzida entende a Recorrente que deveriam ser dados como provados os seguintes factos:

i) Os funcionários da Impugnante das categorias profissionais de Copeira, Cozinheiro, Chefe de Cozinha, Empregado de Mesa, Barman e Sub Chefe Mesa, ou seja, com funções de copa, cozinha e mesa não têm integrado nos seus recibos de vencimento o montante relativo ao subsídio de refeição (cfr. documentos n.°s 59 a 64 da petição inicial);

ii) O subsídio de refeição aos funcionários com função de copa, cozinha e mesa, no exercício de 1997, era pago através dos tickets-restaurante (cfr. Depoimento das testemunhas - Dra. M….. e Dr. J…..).

H. Para além do erro de julgamento da matéria de facto, considera a ora Recorrente que a sentença controvertida padece, também, de erro de julgamento de direito;

I. Com efeito, no que respeita à correcção referente às outras despesas com o pessoal (tickets restaurante), o erro de direito reside no facto de a sentença recorrida, considerar que os encargos com os tickets restaurantes não são custos dedutíveis do exercício de 1997, o que desde logo viola o disposto nos artigos 23.°, 41° e 98.° do Código do IRC, na redacção em vigor à data dos factos;

J. Acresce que, face ao teor da sentença ora recorrida, que aceita as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção aos montantes das outras despesas com pessoal - tickets restaurante (não aceites como custo fiscal), é por demais evidente que esta sentença viola, ainda, o princípio da tributação pelo lucro real e da capacidade tributária;

K. Relativamente à correcção dos prejuízos fiscais, o erro de direito reside no facto de o Tribunal a quo ter considerado que a decisão proferida no âmbito do processo de impugnação judicial n.° 114/01, quanto ao acto de liquidação do ano de 1996, que declarou esta dívida tributária prescrita, confere legalidade, e dessa forma consolidou, a correcção do montante dos prejuízos fiscais;

L. O que, desde logo, viola o disposto nos artigos 36.° e 75.° da LGT e 8.°, n.° 9, do CIRC, no artigo 620.° do CPC e no artigo 2.° da CRP;

M. Face ao exposto, deverá a sentença ora recorrida ser revogada, o que desde já se requer.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada, na parte ora recorrida, a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob recurso, com todas as demais consequências legais, o que desde já se requer.»

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Recurso da Impugnante: imputa-se à sentença recorrida erro de julgamento de facto e de direito na parte respeitante às seguintes correcções que foram julgadas na 1.ª instância desfavoravelmente: i) outras despesas com pessoal (tickets restaurantes); ii) prejuízos fiscais;
_ Recurso da Fazenda Pública: invoca erro de julgamento de facto e de direito, na parte que lhe foi desfavorável, designadamente, na parte respeitante às provisões no valor de 6.376.565$00, às despesas de alimentação no valor de 854.194$00, deslocações ao estrangeiro no valor de 5.213.390$00.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«
a) A ora Impugnante, G… – S……, S.A., tem como actividade principal "Aldeamentos turísticos com restaurante" com o CAE 55117 - Cfr. documento de fls. 581;
b) Na sequência de acção inspectiva realizada pela Administração Fiscal, foram efectuadas correcções técnicas à matéria tributável da Impugnante, relativa ao exercício de 1997 — Cfr. documento a fls. 579 a 591;
c) Em 13 de Dezembro de 2000 foi elaborado Relatório de Inspecção pelos serviços da Administração Piscai do qual se destaca o seguinte:

"(...) Desta acção resultaram as seguintes correcções:

1. Provisões para além dos limites legais: 6.376.565$00

Correcção relativa a provisões para créditos de cobrança duvidosa nos termos dos artigos 18° e 34° do Código do IRC. Parte das provisões constituídas respeitam a dívidas que datam de 1986. Apenas apresentou diligências relativamente a 4 clientes. Tais diligências foram efectuadas em 1992 e 1993, pelo que o risco de incobrabilidade já existia nesses exercícios. As provisões são uma consequência do princípio da especialização dos exercícios em conjugação com o princípio da prudência. Por se tratarem de créditos que poderiam ter sido provisionados em anos anteriores e por não terem sido apresentados comprovativos das diligências efectuadas relativamente aos restantes clientes, não é aceite fiscalmente a importância referida nos termos das citadas disposições legais.

2. Artigos para ofertas: 2.314.031$00

Doc. Interno Valor Observações
Número Data
35 28/02/97 183 640$00
105 30/04/97 168 430$00
12159 30/06/97 1 349 752$00
241 31/07/97 504 139$00
574 31/12/97 108 070$00
Total 2 314 031 $00
3. Deslocações e estadas
. Conta 6…… -Alojamento: 157.400$00
A referida importância foi contabilizada através do Doc. Int. n° 1…., de 31/07/97 e refere-se a uma estadia para duas pessoas no fim de semana de 06/06/97 a 10/06/97, em Vilamoura - Algarve. Não foi apresentada justificação para o referido encargo, nem a identificação dos beneficiários.

. Conta6….. -Alimentação: 854.194$00
Também não apresentou justificação, nem identificou os beneficiários das despesas suportadas pelos seguintes documentos:

Doc. Interno Valor Observações
Número Data
255 31/08/97 266 995$00
311 30/09/97 231 480$00
510 31/12/97 210234$00
13131 31/12/97 145 485$00
Total 854 194$00
. Conta 6…..— Deslocações em viatura própria: 158.075$00

Contabilizou nesta conta os seguintes encargos relacionados com combustíveis de viaturas não pertencentes à empresa:

Doe. Interno Valor Observações
Número Data
27
28
Fev. Fev. 37004$00
27 004$00
Viatura J…..e X…..Viatura J….
119 Abr 47533$00 Viatura J….
144 Mar 46534$00 Viatura J….e T…
Total 158 075$00
- Conta 6…. — Deslocações ao estrangeiro: 5.213.390$00
Não justificou e/ou identificou os beneficiários, relativamente aos encargos suportados através dos documentos abaixo indicados:
Doc. Interno Valor Observações
Número Data
17011 31-01 211 763$00
164 28-02 787 770$00
11259 28-02 214 972$00
11448 31-03 1 040 595$00
1145 31-07 269 438$00
12609 30-09 384 165$00
373 31-10 352 209$00
380 31-10 260 178$00
12782 31-10 878 479$00
12917 30-11 813 821$00
Total 5 213 390$00
4. Outras despesas com o pessoal: 3.585.000$00

O sujeito passivo registou na conta 6482-Formação Profissional, os documentos mencionados no quadro seguinte, relativos a Tickets Restaurante. Tais encargos não se encontram justificados uma vez que se tratam de documentos financeiros. O custo apenas ocorre quando os tickets são atribuídos a determinada pessoa (funcionário da empresa) como pagamento de subsídio de refeição sendo emitido o correspondente recibo ou contra apresentação de facturas de restaurantes. Não existindo estes documentos consideram-se estes encargos não documentados conforme alínea h) do n°1 do art° 41° do Código do IRC e sujeito a tributação autónoma nos termos do artigo 4° do Dec.Lei n° 192/90, de 9 de Junho, no montante de 896.250$00 (3.585.000$00X25%):

Doe. Interno Valor Observações
Número Data
12190 30-Abr. 550 000$00
138 31-Mai 550 000$00
17392 30-Jun 550 000$00
17497 31-Jul 645 000$00
17808 31-Out 645 000$00
18009 31-Dez 645 000$00
Total 3 585 000$00
(...)

Direito de Audição

Para os efeitos previstos nos artigos 60° da LGT e do RCIT, foi o sujeito passivo notificado no projecto de conclusões de relatório, respeitante ao presente acto inspectivo. Não exerceu o direito de audição no prazo estipulado, nem até à presente data, pelo que se mantiveram as correcções propostas. (...)

5. Reintegrações não aceites como custos : 2.169.241$00 O contribuinte declarou pretender reinvestir, nos termos do artigo 44° do CIRC, o valor de realização do montante de 84.000.00$0. De acordo com o mapa em anexo, apenas foi reinvestido no presente exercício (ano N) o montante de 41.676.316$00, pelo que foi necessário obter o coeficiente da mais valia associado ao reinvestimento, por forma a apurar os valores a corrigir ao longo do período de vida útil dos bens.(...)

7. Correcção de prejuízos fiscais: 35.175.836$00 - O sujeito passivo procedeu na sua declaração de rendimentos mod.22 do exercício de 1997, para efeitos de apuramento da matéria colectável, à dedução, nos termos do art° 46° do CIRC, de prejuízos fiscais no montante de 35.175.836$00. Analisada a evolução da formação dos prejuízos anteriores, sua dedução pelo contribuinte e correcções efectuadas pela Administração Fiscal, verificamos que os prejuízos acumulados pela empresa nos anos anteriores ficaram anulados não havendo lugar no presente exercício à dedução de quaisquer prejuízos, pelo que não é aceite fiscalmente a dedução efectuada pelo sujeito passivo no montante referido. " - Cfr. Relatório de Inspecção a fls. 579 a 591 o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
d) No ano de 1997 a Impugnante organizou torneios de ténis, em número que se não pode determinar, nos quais participaram hóspedes e terceiros - Cfr. depoimento das testemunhas H….. e J….., cujos depoimentos se revelaram coerentes, credíveis, demonstrando um conhecimento directo e real da factualidade em apreciação, tendo deposto de forma tranquila e convincente;
e) No decurso dos torneios de ténis mencionados na alínea antecedente a Impugnante procedeu à entrega, a título de oferta, pelos participantes nos mesmos, de medalhas, tshirts, sweat-shirts, bonés e relógios - idem;
f) No período em que decorriam os torneios de ténis mencionados em e) o bar de apoio à piscina aumentou as vendas — Cfr. depoimento das testemunhas referidas na alínea anterior;
g) Os torneios de ténis organizados e promovidos pela Impugnante integraram um conjunto de acções promocionais e de marketing, por si desenvolvido com o objectivo de alargar o universo de clientes, bem como o de aumentar as vendas, quer de alojamento, quer de alimentação e bebidas - Cfr. idem;
h) Constam dos autos listas com a identificação dos participantes nos torneios de ténis organizados pela Impugnante - Cfr. documentos 28 e 29, juntos com a p.i., os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos;
i) As despesas relativas a alimentação no valor de Esc. 854.194$00 a que corresponde o ponto 3 do relatório de inspecção foram efectuadas pelos, à data, funcionários da Impugnante, M….., P….., F…., M…., S….., C…..,I….., J….. e J….., no exercício das suas funções, no âmbito de acções de apresentação do empreendimento a operadores turísticos e agências de viagens, bem como de acções de promoção do departamento de desporto - Cfr. idem;
j) A viatura de marca Toyota, com a matrícula T….., no ano de 1997, pertencia ao activo da Impugnante -Cfr. documento 30, junto pela Impugnante;
k) A Impugnante efectuou junto dos seus clientes com créditos em mora, diversas diligências com vista ao respectivo recebimento - Cfr. documentos 2 a 22 juntos com a p.i., os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos e depoimento das testemunhas inquiridas;
l) Consta dos autos quadro elaborado pela Impugnante e entregue à AT aquando da acção de fiscalização, demonstrativo dos créditos em mora - Cfr. documento 23 junto com a p.i., o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido, acordo;
m) Dão-se por reproduzidos os documentos que constam a fls. 955 a 962 e que se reportam às despesas referentes ao documento interno nº 241, de 31 de Julho de 1997;
n) Dão-se por reproduzidos os documentos que constam a fls. 975 a 977 e que se reportam às despesas referentes ao documento interno n° 35, de 28 de Fevereiro de 1997;
o) Dão-se por reproduzidos os documentos 65 a 69, juntos pela Impugnante;
p) Consta dos autos informação relativa aos processos de Impugnação Judicial deduzidos pela Impugnante relativamente ao IRC dos exercícios de 1992 a 1996, a qual se dá, aqui por integralmente reproduzida,
q) Em 11 de Março de 2004 a Impugnante prestou garantia no âmbito do PEF n° 1503-01/102570.8, a que respeita a liquidação ora impugnada, tendo em 18 de Março de 2004 sido determinada a respectiva suspensão de harmonia com o artigo 169° do CPPT - Cfr. documentos a fls. 794 e 923 a 926;
r) Na declaração de rendimentos mod.22 de IRC do exercício de 1997 a Impugnante procedeu à dedução de prejuízos fiscais referentes ao exercício de 1996 no montante de esc. 35.175.836$00-Cfr. documento 67 junto pela Impugnante.

*
Não se provou que o encargo relativo a uma estadia para duas pessoas em Vilamoura, no Algarve, no valor de Esc. 157.400$00 estivesse relacionado com a participação num Torneio de Golf, nem que o Presidente do Conselho de Administração da Impugnante tivesse participado em representação do Campo de Golf da Quinta da Marinha. Não se provou que os tickets restaurante tivessem sido atribuídos aos funcionários da impugnante com funções de copa, cozinha e mesa.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


*
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, do depoimento das testemunhas inquiridas, bem como, das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.
****

Com base na matéria de facto supra exposta, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou a impugnação judicial parcialmente procedente. Está em causa nos presentes autos a sindicância pela Impugnante da legalidade de várias correcções efectuadas à matéria colectável em sede de IRC, ao exercício de 1997.

Desta decisão vem interposto recurso pela Fazenda Pública e pela Impugnante.

Apreciando.

Começando pelo recurso da Impugnante, imputa-se à sentença recorrida erro de julgamento de facto e de direito na parte respeitante às seguintes correcções que foram julgadas na 1.ª instância desfavoravelmente: i) outras despesas com pessoal (tickets restaurantes); ii) prejuízos fiscais.

Começaremos por analisar os fundamentos relativos à correcção respeitantes a tickets restaurantes.

No que diz respeito à matéria de facto, após a reapreciação da prova produzida, adita-se ao probatório os seguintes factos ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC.
s) Os funcionários da Impugnante das categorias de Copeira, Cozinheiro, Chefe de Cozinha, Empregado de Mesa, Barman e Sub Chefe de Mesa, não têm integrado nos seus recibos de vencimento o montante relativo ao subsídio de refeição (cfr. documentos n.º 59 a 64 da p.i.);
t) O subsídio de refeição dos funcionários referidos na alínea anterior, respeitante ao exercício de 1997, era pago através dos tickets-restaurante (cfr. depoimento das testemunhas M......e J......);
u) O impugnante apresentou impugnação judicial da liquidação de IRC de 1996, que correu termos no TAF de Sintra, sob o n.º 114/01 – 4J-1S, tendo sido proferida sentença em 29/04/2009 que transitou em julgado, na qual se declarou a prescrição da dívida e julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. sentença e informação de fls. 1131 e ss).

Em conformidade, elimina-se o facto dado como não provado “Não se provou que os tickets restaurante tivessem sido atribuídos aos funcionários da impugnante com funções de copa, cozinha e mesa.”

Estabilizada a matéria de facto, cumpre, então, conhecer do erro de julgamento de direito quanto às correcções colocadas em causa pela Recorrente Impugnante.

Resulta do relatório de inspecção, quanto a esta correcção (outras despesas com pessoal – 3.585.000$00), que a AT entendeu que os tickets restaurante constituíam encargos não documentados e sujeitos a tributação autónoma uma vez que não haveria evidência de que foram atribuídos a título de subsídio de refeição porque não foi emitido o respectivo recibo ou apresentadas facturas de restaurantes. Esta correcção fundamentou-se no disposto na alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC e no art. 4.º do DL n.º 192/90, de 9 de Junho (cfr. alínea C) dos factos provados – ponto 4 do relatório).

Ora, nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC (na redacção vigente à época) consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, seguindo-se, na previsão legal, uma enumeração exemplificativa dos mesmos. Se um gasto não está comprovado ou não é indispensável, então, não integra a previsão normativa do n.º 1 do artigo 23.º, do CIRC, podendo, pois, ser por esta via, fiscalmente desconsiderado.


Relativamente ao requisito da efectiva existência do gasto, para que dos mesmos se possa aferir em sede de IRC é preciso que estejam suficientemente documentados/comprovados, dando-se cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 23.º, do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”.

Da mesma forma, o art.º 41.º, do CIRC, na sua alínea h) (na redacção vigente à época), determinava a não consideração dos custos “não devidamente documentados”. In casu, este é um dos preceitos legais que fundamenta a correcção referente aos tickets restaurantes.

Assim sendo, a realização de gastos tem de estar devidamente justificada por meio de documento para que seja dedutível enquanto custo fiscal.

Relativamente a forma que o documento comprovativo do gasto deve assumir, considerando que estamos no âmbito do IRC, não tem necessariamente de conter os requisitos formais exigidos para as facturas em sede de IVA.

Com efeito, entre outros, assim se já se entendia na doutrina e se decidiu no o Ac. do STA de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11:

“Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”
A correcção ora em causa foi objecto, de igual modo, de uma tributação autónoma ao abrigo do disposto no art. 4.º do DL n.º 192/90, de 9 de Junho, ou seja, verifica-se a tributação a título de despesas confidenciais.

Com efeito, as despesas confidenciais são todas aquelas não especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade, sendo que a própria natureza destas despesas implica que não sejam documentadas. As despesas não documentadas são aquelas em relação às quais não existe qualquer suporte documental. Por outro lado, despesas não devidamente documentadas são aquelas que têm suporte documental, mas estes não obedecem aos requisitos legais.

Como se escreveu no Ac. do STA de 18/02/2009, proc. n.º 0600/08 fazendo-se a distinção entre encargo não devidamente documentado e despesa confidencial “o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.”

À época, a tributação autónoma das despesas confidenciais ou não documentadas estava regulada pelo DL n.º 192/90, de 9 de Junho, nos termos do art. 4.º, estabelecendo este normativo a tributação autónoma as “despesas confidenciais ou não documentadas”.

Este é o quadro jurídico a ter em consideração.

A sentença recorrida, no que diz respeito a estas correcções entendeu que a Impugnante deveria ter em seu poder documentos comprovativos da entrega dos tickets para que estes fossem considerados como custos, não bastando a factura da compra dos tickets.

Mas não acompanhamos esse entendimento.

Com efeito, resulta da alínea s) dos factos provados que os funcionários da Impugnante, em causa nesta correcção, não têm integrado nos seus recibos de vencimento o montante relativo ao subsídio de refeição. Ora, se consta da contabilidade da Impugnante as facturas de compra de tickets restaurante, este facto conjugado com aquele outro, de per se, permitem concluir, segundo um critério de razoabilidade e normalidade, que aqueles tickets se destinaram ao pagamento do subsídio de refeição dos funcionários da Impugnante. Aliás, isso mesmo foi confirmado também pelo depoimento das testemunhas ouvidas em tribunal (cfr. alínea t) dos factos provados).

Com efeito, importa ter presente que a atribuição de tickets restaurante em vez do subsídio de refeição é prática normal e comum de muitas empresas, e, por conseguinte, não tendo sido recolhidos pela AT indícios fortes de que os tickets se destinaram a um fim diferente daquela que é a normalidade empresarial, a correcção não se poderá manter por força do princípio da veracidade da contabilidade da Impugnante (art. 75.º, n.º 1 da LGT).

Ou seja, não estamos perante um encargo não documentado, na medida em que o gasto se encontra devidamente suportado pelas facturas de aquisição dos tickets restaurante e o seu destino e natureza é conhecido (consubstanciam subsídio de alimentação pagos a empregados da Impugnante, e, portanto, trata-se de um gasto com remuneração de funcionários).

Assim sendo, não se verifica o pressuposto enunciado na alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC, e de igual modo, não se verifica o pressuposto legal para a tributação autónoma de que foi objecto, considerando que os destinatários da despesa são conhecidos.

Pelo exposto, e quanto a esta correcção assiste razão à Impugnante devendo ser revogada a sentença recorrida nesta parte, sendo de conceder provimento ao recurso nesta parte.

Invoca ainda a Impugnante erro de julgamento de direito no que diz respeito à correcção relativa aos prejuízos fiscais, invocando em síntese que a sentença proferida no processo de impugnação judicial do exercício de 1996 não consolidou as correcções efectuadas pela AT nesse exercício, uma vez que nunca se pronunciou sobre o mérito de tais correcções.

Apreciando.

A correcção ora em causa tem a seguinte fundamentação (cfr. alínea c) ponto 7 da matéria de facto): 7. Correcção de prejuízos fiscais: 35.175.836$00 - O sujeito passivo procedeu na sua declaração de rendimentos mod.22 do exercício de 1997, para efeitos de apuramento da matéria colectável, à dedução, nos termos do art° 46° do CIRC, de prejuízos fiscais no montante de 35.175.836$00. Analisada a evolução da formação dos prejuízos anteriores, sua dedução pelo contribuinte e correcções efectuadas pela Administração Fiscal, verificamos que os prejuízos acumulados pela empresa nos anos anteriores ficaram anulados não havendo lugar no presente exercício à dedução de quaisquer prejuízos, pelo que não é aceite fiscalmente a dedução efectuada pelo sujeito passivo no montante referido. "

A sentença recorrida entendeu julgar improcedente a impugnação judicial nesta parte, mantendo a correcção que não aceitou a dedução no exercício de 1997 de prejuízos fiscais do exercício do 1996, com o fundamento de que houve sentença proferida, com trânsito em julgado, que não se pronunciou sobre o mérito da impugnação judicial referente ao IRC de 1996 ao ter decretado a prescrição da respectiva dívida e julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, e portanto, consolidou-se a correcção.

Vejamos.

No presente processo é sindicada a não aceitação da dedução dos prejuízos fiscais no exercício de 1997, fruto das correcções efectuadas pela AT no exercício de 1996. Com efeito, a fundamentação da correcção não assenta num fundamento autónomo enunciado na acção de fiscalização ao exercício de 1997, mas antes assentando numa consequência necessária de correcções anteriores que conduziram a não existência de prejuízos a serem deduzidos no exercício de 1997.

Ora, apesar das correcções ao exercício de 1996 terem sido devidamente impugnadas, colocando-se em causa as correcções aos prejuízos fiscais, porém, não foi proferida decisão de mérito, uma vez que, na sentença se declarou a extinção por inutilidade superveniente da lide por prescrição da dívida, e esta decisão que transitou em julgado.

É verdade que a sentença não se debruçou sobre o mérito do litigio apenas faz caso julgado relativamente à questão da prescrição, porque esta foi a única questão conhecida e transitada em julgado. Assim, não podemos dizer que relativamente à questão material que a Impugnante discutia em sede da impugnação judicial se verifique caso julgado.

Porém, verifica-se caso decidido ou caso resolvido, ou seja, trata-se de uma figura distinta do instituto do caso julgado, e implica que o acto, in casu acto de liquidação impugnado, adquiriu um carácter de incontestabilidade, ou seja, aquela correcção efectuada pela AT adquiriu um carácter definitivo na ordem jurídica.

Com efeito, o trânsito em julgado da sentença que declarou a prescrição no âmbito da impugnação judicial e não conheceu do mérito da mesma, tem como consequência necessária que a liquidação de 1996 se mantenha na ordem jurídica, bem como os fundamentos que lhe subjazem. Deste modo, pese embora não se possa exigir à Impugnante o pagamento daquela dívida de 1996 por força da declaração da prescrição, o acto de liquidação permanece na ordem jurídica intocável, pois não foi anulado pelo tribunal. A prescrição não é uma forma de extinção das obrigações, o que acontece é que o devedor pode recusar o cumprimento (art. 304.º, n.º 1 do CC).

Deste modo, encontram-se consolidadas na ordem jurídica as correcções e a liquidação de IRC de 1996, e assim sendo, as correcções aos prejuízos fiscais de 1997 que derivam daquelas correcções (consubstanciam correcções consequentes, sem fundamentação autónoma) têm necessariamente de se manter, de igual modo, na ordem jurídica por força do caso decidido ou caso resolvido que se verifica quanto a esta questão.

Em face do exposto, e em suma, nesta parte, é de negar provimento ao recurso da Impugnante.

Passemos, então ao recurso da Fazenda Pública.

Invoca a Recorrente Fazenda Pública erro de julgamento de facto e de direito, na parte que lhe foi desfavorável, designadamente, na parte respeitante às provisões no valor de 6.376.565$00, às despesas de alimentação no valor de 854.194$00, deslocações ao estrangeiro no valor de 5.213.390$00.

Vejamos os vícios imputados à sentença recorrida, face a cada uma destas correcções.

Relativamente às correcções atinentes às provisões para créditos de cobrança duvidosa, no valor de 6.376.576$00 a Recorrente imputa à sentença recorrida errónea apreciação dos factos.

Entende, em síntese, que os documentos juntos pela Impugnante não satisfazem o disposto no art. 44.º do CIRC, porque é desconhecida a data da constituição e vencimento dos créditos associados aos documentos 2 a 4, 6 a 22. Invoca que esses montantes apenas ascendem a 2.244.093$00, enquanto que a correcção foi de 6.376.576$00 e que a Impugnante não apresenta comprovativo das diligências quanto ao crédito referente ao documento 5, e não apresenta os documentos que titulam o crédito quanto aos documentos 2, 3, 4, 6, e 22, permanecendo desconhecidos os créditos a que dizem respeito esses documentos. Por outro lado, considera que não é possível determinar o momento em que ocorre o risco de incobrabilidade exigido pelo n.º 1 do art. 34.º do CIRC, havendo incumprimento do princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º do CIRC) – conclusões a) a o) das alegações de recurso.

Apreciando.

Antes de mais cumpre sublinhar que a Recorrente Fazenda Pública invoca erro de julgamento de facto, mas não impugnou a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, nem cumpriu com o ónus previsto no disposto no art. 640.º do CPC.

Com efeito, a Recorrente deveria ter impugnado a matéria de facto constante das alíneas j) e k) que vão exactamente no sentido contrário da sua tese, e mais deveria ter dado cumprimento do ónus previsto no disposto no art. 640.º do CPC, o que manifestamente não faz. Na verdade, a Recorrente limita-se a remeter para vários documentos, sem dizer relativamente a cada um qual o facto que pretende ver dado como provado, e por outro lado, reitere-se, não impugna os factos das alíneas j) e k), nem indica, portanto, “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, nem “os concretos meios probatórios, constantes do processo (…), que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;”, e nessa medida, é de rejeitar a impugnação da matéria de facto. Por outro lado, refira-se ainda que o facto da alínea k) assenta não apenas na prova documental, mas também na prova testemunhal, e, portanto, nessa parte também havia que dar cumprimento à alínea b) do n.º 1 daquele preceito legal.

Aliás, como refere a Recorrida nas suas contra-alegações, a Fazenda Pública não faz qualquer correspondência aos factos dados como provados, nem os das alíneas j) e K), e, portanto, não se pode entender que o invocado possa colocar em causa a matéria de facto dada como provada.

Acresce que, toda a argumentação referente à efectiva existência daqueles créditos, a data da sua constituição e de vencimento, nunca foi colocada em causa pela AT, tal como resulta da fundamentação da correcção constante do relatório de inspecção (cfr. alínea c) dos factos provados), sobretudo quanto à documentação que já havia sido junto no âmbito da acção de inspecção.

Com efeito, a correcção ora causa assentou no entendimento da AT de que, por um lado, os créditos em causa que eram de 1986 e, portanto, poderiam ter sido provisionados em anos anteriores, e por outro lado, apenas foram apresentados comprovativos das diligências efectuadas relativamente a 4 clientes.

Ora, a sentença recorrida entendeu, e bem, que a correcção em causa era ilegal porquanto, ao contrário do que se entendeu no relatório de acção de inspecção a constituição da provisão não é obrigatória no exercício em que se verifica a mora de 6 meses do crédito, sustentando este entendimento no acórdão do STA de 30/04/2003, proc. n.º 101/03 e na interpretação que este faz do princípio da especialização dos exercícios, e ainda no acórdão do STA de 21/11/2001.

Portanto, entendeu-se, e bem, que apenas a partir do momento em que a incobrabilidade de determinado crédito seja registado na contabilidade é que se exige, face ao princípio da especialização dos exercícios, que a provisão seja constituída.

Ora, neste contexto a sentença recorrida conclui, por um lado, que a AT não demonstrou que aqueles créditos tenham sido registados na contabilidade como incobráveis em exercícios anteriores ao ano em que a provisão tenha sido constituída, e por outro lado, que a impugnante diligenciou para obter a cobrança de créditos em mora, tal como resulta das alínea k) e l) da matéria de facto dada como provada com base, não só nos documentos que a Recorrente Fazenda Pública faz referência, mas também na prova testemunhal que não foi colocada em causa no recurso.

A respeito das provisões veja-se, por exemplo, o recente acórdão do TCAS de 13/12/2019, proc. n.º 1945/04.4BELSB:

As provisões “… são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto”(1), refletindo o respeito por dois princípios caraterizadores das normas contabilísticas: o princípio da prudência e o princípio da especialização dos exercícios.

O princípio da prudência determina que sejam acauteladas consequências futuras decorrentes de determinados eventos, através de estimativas exigidas em condições de incerteza.

Como referido por Rui Duarte Morais(2), “[t]al como uma pessoa cautelosa (…) põe antecipadamente de lado dinheiro necessário para (…) satisfazer [a despesa previsível], também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis”.

Já o princípio da especialização dos exercícios determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

Significa o respeito por tal princípio, no caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, que estas só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizado(3), não sendo, pois, relevante, a este propósito, o momento em que o crédito entre em mora(4). (…)” (sublinhado nosso).

Assim sendo, nenhum erro de julgamento de facto ou de direito é de imputar à sentença recorrida, sendo de improceder, nesta parte o recurso da Fazenda Pública.

Invoca ainda a Recorrente Fazenda Pública erro de julgamento na parte respeitante às correcções referentes às despesas de alimentação e deslocações ao estrangeiro, entendendo que a fundamentação vertida no relatório é suficiente porque não houve identificação dos beneficiários, nem comprovação da verificação de tais encargos – conclusões p) a t) das alegações de recurso.

Vejamos.

Neste particular entendeu-se na sentença recorrida quanto às despesas de alimentação, bem como quanto às despesas de deslocação ao estrangeiro que a natureza dessas despesas não foi colocada em causa na acção de inspecção, sendo que a AT não fundamentou para considerar tais despesas não dedutíveis, não consubstanciando fundamentação suficiente a falta de justificação e identificação dos beneficiários.

Com efeito, resulta do relatório de inspecção que estas correcções têm por fundamento a sua não justificação e falta de identificação dos beneficiários destas despesas.

Ora, a actividade da Impugnante é de “Aldeamentos turísticos com restaurante” (ponto a) da matéria de facto), sendo que veio a esclarecer quanto aquelas despesas enunciadas no ponto 3 do relatório “deslocações e estadas”, que tais despesas se encontram relacionadas com funcionários da Impugnante, e foram incorridas no exercício das suas funções, no âmbito de apresentação do empreendimento a operadores turísticos e agências de viagens, bem como acções de promoção do departamento de desporto, tudo como resulta da alínea i) da matéria de facto, estando, portanto identificados os beneficiários dessas despesas.

Não tendo sido impugnada aquela alínea da matéria de facto dada como provada, nem cumprido o disposto no art. 640.º do CPC, também nesta parte, o recurso está votado ao insucesso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Face ao exposto, e em suma, improcede in totum o recurso da Fazenda Pública.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2). Nos presentes autos é vencida em parte a Impugnante, e na totalidade a Recorrente Fazenda Pública, pelo que as custas devem ser repartidas na proporção ¾ e ¼ respectivamente. Quanto à Recorrente Fazenda Pública, esta se encontra isenta de custas, nos termos do art. 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, e art. 9.º, do DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que aprovou tal Regulamento, na medida em que a presente impugnação judicial foi proposta em data anterior a 01/01/2014.

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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. As despesas confidenciais são todas aquelas não especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade, sendo que a própria natureza destas despesas implica que não sejam documentadas; as despesas não documentadas são aquelas em relação às quais não existe qualquer suporte documental; e as despesas não devidamente documentadas são aquelas que têm suporte documental, mas estes não obedecem aos requisitos legais;
II. O trânsito em julgado da sentença que declarou a prescrição no âmbito da impugnação judicial e não conheceu do mérito da mesma, mantém o acto de liquidação na ordem jurídica, uma vez que não foi anulado pelo tribunal, e consequentemente, ficam consolidadas as respectivas correcções que lhe subjazem, verificando-se caso decidido ou caso resolvido;
III. Tendo sido impugnadas correcções a prejuízos fiscais, cuja origem assenta em correcções a exercícios anteriores que se encontram abrangidos pela força do caso decidido ou caso resolvido, e não tendo sido invocados vícios do procedimento que conduzam à sua anulação, deve improceder a impugnação;
IV. As provisões por créditos de cobrança duvidosa só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não sendo relevante, para este efeito, o momento em que o crédito entre em mora.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso da Fazenda Pública e conceder parcial provimento ao recurso da Impugnante.
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Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 3/4 para a impugnante, e 1/4 para a Fazenda Pública, sendo que esta se encontra isenta de custas.
D.n.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo


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(1).Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 119. V. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.09.2013 (Processo: 0164/12) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.07.2006 (Processo: 01095/06). Cfr. ainda J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 402.
(2).Ob. cit., p. 119.
(3).V., a este propósito, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.10.2014 (Processo: 0666/13) e de 30.04.2003 (Processo: 0101/03) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.04.2004 (Processo: 04778/01).

(4).Cfr. Rui Duarte Morais, ob. cit., pp. 125 e 126.