Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1265/13.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/20/2022
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ADVOGADO;
IMPEDIMENTO;
TESTEMUNHA
Sumário:A partir do momento em que, no âmbito de determinado processo, um advogado seja constituído mandatário judicial, encontra-se impedido de no mesmo vir a assumir a qualidade de testemunha, ainda que substabeleça os poderes atribuídos ou renuncie ao mandato.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
D...instaurou ação administrativa especial contra a Ordem dos Advogados, impugnando o despacho do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 28/02/2013, que indeferiu o recurso hierárquico do despacho do Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados de 27/11/2012, que indeferiu os pedidos respeitantes ao sigilo profissional formulados em 24/11/2011.
Por sentença de 03/04/2018, o TAF de Sintra julgou a ação procedente, anulou a decisão impugnada e condenou a entidade demandada a reconhecer que os factos em questão não estão sujeitos ao sigilo profissional.
Inconformada, a entidade demandada interpôs recurso desta sentença, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A. O Recorrido interpôs a presente acção administrativa especial, bem como as ações apensas, requerendo a final a anulação dos despachos proferidos em 28.02.2013 pelo Conselho Geral da Recorrente, que indeferiram os recursos hierárquicos interpostos pelo Recorrido de despachos do Presidente do Conselho Distrital de Lisboa que indeferiram os pedidos respeitantes ao sigilo profissional por aquele formulados, e requerendo, cumulativamente, o reconhecimento de que os factos alegados nas contestações da Ré, por ele subscritas, em ações de honorários, não estão abrangidos pelo sigilo profissional pelo que poderá prestar livremente o seu depoimento na qualidade de testemunha arrolada pela Ré nesses mesmos autos ou, no caso de assim não se entender, requereu a condenação da Recorrente na prática do acto devido, que o Recorrido considera ser a concessão da dispensa do sigilo profissional relativamente aos factos em questão, a fim de poder depor como testemunha arrolada nesses mesmos autos.
B. Os factos relativos ao efetivo patrocínio judicial da mãe do Recorrido, nomeadamente a autoria relativa à elaboração das peças processuais e à prática de todos os atos processuais são, objetivamente, factos praticados no âmbito do exercício da profissão de advogado, e não é pelo facto de o Recorrido ser filho da Ré que tais factos não foram praticados no exercício da profissão não estando, consequentemente, abrangidos pelo sigilo profissional, pois, se foi o Recorrido a praticá-los, apenas o fez como Advogado e no exercício dessa profissão.
C. O segredo profissional não é instituído nem funciona apenas na proteção e defesa dos interesses meramente individuais, mas com carácter genérico e de bem maior amplitude, estando assim intimamente ligada ao sigilo profissional a relação de confiança que o advogado deve criar no cliente e na sociedade em geral, pelo que deve ser ponderada com objetividade qualquer interpretação que se faça das disposições vigentes com vista a não criar caminhos que possam abrir brechas no que tem vindo a ser consagrado na lei como dever de sigilo, de forma imutável.
D. A preparação e elaboração das peças processuais, tempo perdido, contactos feitos com o Dr. M... é matéria sujeita a sigilo profissional, já não o sendo a matéria que chegou ao conhecimento do Recorrido no âmbito das relações estritamente familiares e pessoais mantidas com a sua mãe ou os factos praticados na qualidade de estrito “gestor” do património familiar (desde que não impliquem a prática de actos que se possam considerar como típicos da profissão, ou seja, a prática de mandato forense ou de quaisquer tipo de actos que possam ser enquadrados como tarefas de consulta jurídica nos termos e para os efeitos da Lei n.º 49/2007, de 24 de agosto).
E. Um advogado com, ou que já teve, mandato num processo, que aí subscreveu peças processuais, designadamente a contestação, não pode prestar depoimento como testemunha nesse mesmo processo, sob pena de se ir assistir a um desvirtuamento completo do dever de sigilo e à destruição de outros princípios essenciais da advocacia (a confiança, a independência, a integridade) bem como a subversão do sistema processual.
F. Pelo que constitui comportamento indigno e altamente desprestigiante para a profissão, vedado pelos artigos 83.º, n.º 1, e 85.º, n.º 2, do EOA 2005, para além de pôr em causa o papel dos Advogados como auxiliares da Justiça, a pretensão de substabelecimento dos poderes de patrocínio para, no mesmo processo, se agir como testemunha, situação que, de forma absoluta, deverá ser impeditiva da obtenção da autorização prevista no n.º 4, do artigo 87.º, do EOA.
G. O Tribunal de Justiça da União Europeia sublinhou que o segredo profissional das comunicações entre advogados e clientes está subordinado a 2 condições cumulativas: por um lado, o contacto com o advogado deve estar ligado ao exercício do «direito de defesa do cliente» e, por outro, deve tratar-se de «advogados independentes», ou seja, de «advogados não vinculados ao cliente por uma relação de emprego», pelo que a situação de um advogado com uma relação laboral, assalariada, com uma empresa não é analogicamente equiparável, em relação a sigilo profissional, à situação de um advogado a patrocinar judicialmente um familiar seu, designadamente a sua mãe, não sendo, por isso, analogicamente aplicável ao caso dos presentes autos o acórdão de 14 de setembro de 2010 do Tribunal de Justiça da União Europeia, cujo objeto são as comunicações entre o advogado e o cliente, invocado pelo Tribunal recorrido.
H. Existem elementos documentais, designadamente relatórios periciais, demonstrativos da verdadeira autoria das peças processuais apresentadas nos processos em causa, pelo que sempre o depoimento do Recorrido não constituiria o meio exclusivo e imprescindível para a defesa dos direitos e legítimos interesses quer da Ré nas ações de honorários, quer do Recorrido.
I. A decisão impugnada não padece de erro sobre os pressupostos de facto, tendo procedido a uma correta seleção e apreciação dos factos em causa, bem como a uma correta e adequada interpretação e aplicação do direito aos mesmos.
J. Só à Recorrente Ordem dos Advogados, por vocação legal, cabe decidir em termos de qualificação jurídica quanto à verificação da existência da obrigação de segredo profissional bem como determinar a preponderância de interesse que justifique a quebra do sigilo, tratando-se de atos praticados no uso de discricionariedade técnica, que importam a formulação de valorações próprias e exclusivas do exercício da função da Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do artigo 71.º, do CPTA.
K. O poder conferido pelo artigo 87.º, n.º 4, do EOA 2005 (anterior artigo 81.º, n.º 4, do EOA 2001) à Recorrente Ordem dos Advogados no sentido de autorizar a dispensa do segredo profissional quando seja absolutamente necessário para os fins consignados na norma, sendo embora um poder vinculado por corresponder a um direito do advogado naquelas circunstâncias, permite e impõe mesmo, por via da indeterminação normativa dos conceitos utilizados, uma apreciação com referência a elementos de valoração subjectiva e uma margem de livre apreciação na subsunção dos factos e situações da vida a tais conceitos, que, constituindo prerrogativa da autoridade competente para prossecução dos fins que a lei lhe comete, não são sindicáveis pelo tribunal senão em aspectos vinculados relativos, por exemplo, o eventual erro nos pressupostos da decisão, ou quando ocorra desvio de poder, violação de princípios constitucionais ou erro grosseiro e manifesto, cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-10-2003, processo 0732/03, relator Adelino Lopes, disponível em www.dgsi.pt
L. Pelo que, não pode o Tribunal recorrido condenar a Recorrente a reconhecer que determinada matéria não está sujeita ao sigilo profissional, quando muito cabe-lhe apenas o poder de declarar que tal apreciação padece de erro e de a condenar a praticar novamente o ato em causa.
M. Bem como não pode o Tribunal recorrido condenar a Recorrente a proferir nova decisão que dispense o Recorrido do segredo profissional, quanto muito cabe-lhe apenas o poder de declarar que a decisão de não dispensa padece de erro e de a condenar a praticar novamente o ato em causa.
N. Em sede das alegações previstas no artigo 91.º, n.º 4, do CPTA, o Recorrido juntou aos autos um documento, que apesar de já não poder ser junto em tal fase, deveria ter importado a inutilidade superveniente da lide, designadamente do processo apenso n.º 1280/13.7BELSB, uma vez que o documento n.º 1 junto com as alegações do Recorrido constitui a sentença proferida no processo n.º 3002/11.8TVLSB-A isto é a ação de honorários relativamente à qual o Recorrido pretendia a dispensa para depor como testemunha, resultando do teor de tal sentença, proferida em 10.10.2013, que o Recorrido nela prestou depoimento como testemunha.
O. Provavelmente, o Recorrido terá assumido tal comportamento, face à invocação pela Recorrente na sua contestação de que o Recorrido já havia violado o sigilo profissional ao revelar os factos constantes nas contestações apresentadas nas ações de honorários, pelo que já não existia sigilo, desconhecendo a Recorrente se o Recorrido terá assumido o mesmo comportamento nas restantes ações de honorários aqui em causa.
P. A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, não procedeu a uma correta e adequada interpretação e aplicação, directa ou indirectamente, ao caso dos autos, do disposto, designadamente, nos artigos 83.º, n.º 1, 84.º, 85.º, n.º 2, 87.º, n.os 1, 2 e 4, do EOA 2005 e 76.º, n.º 2, do CPTA.”
O recorrido apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1ª - Na douta sentença recorrida foi julgado procedente o pedido principal formulado pelo Autor, consistente na anulação do despacho impugnado e na declaração de que os factos alegados na contestação da acção de honorários proposta pelo advogado Senhor Dr. M... contra a mãe do Autor, M…, por apenso ao processo n° 11151/03.0TBOER, do 3º Juízo de Competência Cível de Oeiras, não estão abrangidos pela obrigação do segredo profissional.
2ª - Ficou, pois, prejudicado o pedido subsidiário formulado na mesma acção, no sentido de que, na hipótese de se entender que os aludidos factos estão abrangidos pelo segredo profissional, fosse decretada a condenação da autoridade demandada na prática do acto administrativo considerado devido, nos termos do art. 46°, n° 2, do CPTA, consistente na concessão, ao Autor, da pretendida autorização para depor como testemunha na referida acção de honorários.
3ª - A recorrente Ordem dos Advogados requereu oportunamente a apensação, aos autos, de 3 (três) outras acções administrativas especiais, identificadas no n° 3 do corpo das presentes alegações, dado que em tais acções as partes são as mesmas e são idênticos os pedidos e as respectivas causas de pedir, por forma a que a sentença a proferir abrangesse os pedidos formulados em todas as acções em causa, apensação essa que foi deferida pela Mma Juiz autora da douta sentença recorrida.
4ª - O fundamento essencial invocado pela Mma Juiz do Tribunal “a quo” para julgar procedente o pedido principal formulado pelo Autor foi o de que, nas acções de honorários propostas pelo Advogado Senhor Dr. M... contra a mãe do Autor, M…, e bem assim nas correlativas acções principais identificadas naquelas acções, não existem quaisquer factos que tenham advindo ao conhecimento do Autor pela via do relacionamento advogado/cliente, mas, pelo contrário, trata-se de factos dele conhecidos através do relacionamento diário com a sua mãe.
5ª - Efetivamente, refere “ipsis verbis" a Mma Juiz autora da douta sentença recorrida que “os factos são os mesmos e coincidentes, quer o autor tenha agido como filho de uma das partes envolvidas, quer tenha agido como Advogado, subscrevendo uma peça processual em representação da sua mãe”.
6ª - E então, respondendo à pergunta sobre qual a qualidade predominante, se a de filho ou a de Advogado, a Mma Juíza escreveu: “entendemos que a qualidade de filho prevalece sobre a de Advogado, pois, antes de ser Advogado o Autor já era filho de uma das partes envolvidas nos processos”.
7ª - Todavia, a entidade recorrente permite-se, nas suas alegações, hipervalorizar a importância do segredo profissional e faz tábua rasa do circunstancialismo especial do caso concreto em apreço, em que, para além do conhecimento dos factos que constituem a “causa petendi” das acções de honorários e daquelas a que estas respeitam ter advindo ao Autor através do seu relacionamento diário com a sua mãe, já que sempre viveram ambos em comunhão de mesa e habitação, certo é que a inquirição do Autor como testemunha visará fundamentalmente fazer prova bastante de que, nas várias acções judiciais em que a mãe do Autor foi parte, o Senhor Dr. M... não executou qualquer tipo de trabalho, mas foi exclusivamente o Autor quem concebeu, redigiu, entregou as respectivas peças processuais no tribunal competente, pagou as taxas de justiça devidas e bem assim foi o Autor quem tratou de todos os assuntos conexos com tais acções.
8ª - Com efeito, o Senhor Dr. M... limitou-se a apor a sua assinatura e, por vezes, o seu carimbo profissional em folhas A4 totalmente em branco e a entregá-las ao Autor, então seu amigo, para além de colega, uma vez que este procedimento, em que não haveria lugar ao pagamento de quaisquer honorários, tinha sido objecto de um acordo entre o Senhor Dr. M..., o Autor e a mãe deste, devido às relações de amizade e à troca de favores recíprocos entre todos eles, conforme se explicitou no n° 15 do corpo das presentes alegações.
9ª - Na verdade, sendo absolutamente verídico que foi o Autor e não o Senhor Dr. M... quem executou todo o trabalho nas referidas acções judiciais, afigura-se que a decisão da entidade recorrente de considerar tais factos como abrangidos pelo segredo profissional e de denegar a autorização prevista no art. 87°, n° 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados aplicável ao caso “sub judicibus”, traduz-se, na prática, em abrir a porta a que, eventualmente, o Senhor Dr. M...o possa ter êxito na sua reprovável e ilícita atitude de exigir à mãe do Autor o pagamento de serviços que jamais lhe prestou.
10ª - Para além disso, salvo o devido respeito, a decisão da entidade recorrente não está a ter na devida conta o preceituado na alínea a), do n° 1 do art. 87° do mesmo aplicável anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, em que expressamente se consigna que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a “factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste” (negrito nosso), o que, conforme se alegou supra, não é manifestamente o caso dos autos.
11ª - E, outrossim, igualmente salvo o devido respeito, a decisão da entidade recorrente, ao considerar abrangidos pelo segredo profissional os factos alegados pelo Senhor Dr. M... nas acções de honorários propostas contra a mãe do Autor, cumulada com a de, nesse caso, recusar a dispensa desse segredo, traduz-se, na prática, em propiciar que aquele Senhor Advogado viole, de forma grave, o disposto no art. 100°, n° 1, do aplicável Estatuto da Ordem dos Advogados, onde imperativamente se dispõe que “os honorários devem corresponde a uma compensação económica adequada pelos serviços prestados (...)” (negrito nosso).
12ª - A Mma Juiz do tribunal “a quo” decidiu fundadamente que os factos objecto do despacho impugnado não estão sujeitos ao segredo profissional regulado no art. 87° do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n° 15/2005, de 26 de Janeiro, e no art. 92° do novo Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n° 145/2015, de 9 de Setembro, e condenou a entidade demandada - a Ordem dos Advogados - a reconhecer isso mesmo.
13ª - Mas ainda que, por mera hipótese que se admite sem conceder, os factos em causa estivessem sujeitos ao segredo profissional, nos termos do citado art. 87°, n° 4, do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (art. 92°, n° 4, do actual Estatuto), aquele segredo profissional deveria ceder em face da premente necessidade de obstar a que o Senhor Dr. M... logre fazer triunfar a mentira sobre a verdade, na sua chocante tentativa de ilicitamente se locupletar com as, aliás, elevadas quantias que está a exigir à mãe do Autor por trabalhos que não realizou, estando, pois, em causa valores éticos muito mais relevantes que os valores e princípios invocados pela recorrente para impor ao Autor a observância de um a todos os títulos injustificado segredo profissional, no caso concreto em apreço.
14ª. É neste sentido que, muito recentemente, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, já que, no seu douto Acórdão proferido em 15-02-2018, no processo 1130/14.7TVLSB, 6o Secção, considerou que o segredo profissional deve “ceder, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes” (negrito nosso).
15ª - Ainda no que concerne ao pedido subsidiário - dispensa do segredo profissional nos termos do art. 87°, n° 4, do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (art. 92°, n° 4, do actual) - cumpre alegar que não colhe o argumento invocado pela recorrente na conclusão H das suas alegações, uma vez que os elementos documentais ali referidos apenas são susceptíveis de provar que os textos referentes às acções em que foi interveniente a mãe do Autor foram dactilografados e gravados nos computadores utilizados pelo Autor, mas não constituem prova bastante de que foi este quem analisou os factos e razões de direito a expor nesses textos, quem os redigiu e quem entregou nos tribunais competentes, etc.
16ª - Por último, segundo as regras da boa hermenêutica, e contrariamente ao que alega a recorrente, afigura-se corretíssima a interpretação que a Mma Juiz do Tribunal “a quo” faz do Acórdão de 14-09-2010 do Tribunal de Justiça da União Europeia e, consequentemente, a ilação que, “por transposição da doutrina ali firmada,’’ extraiu daquele aresto, no sentido de que um Advogado que mantém uma estrita relação profissional com o seu cliente não pode ser tratado da mesma maneira que o sigilo profissional de um Advogado em causa própria ou em defesa de um seu progenitor e que, portanto, “os factos em causa, objecto de depoimento do Autor, não estão sujeitos a sigilo profissional, porquanto vieram ao seu conhecimento na sua qualidade de filho e não de Advogado, no âmbito das suas relações de estreita familiaridade, aqui se incluindo os factos que serviram de suporte à preparação das peças processuais apresentadas em juízo”.
17ª - Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação, ao caso concreto dos autos, das disposições legais reguladoras do segredo profissional e, portanto, não infringiu qualquer das normas referidas na conclusão P das alegações da entidade recorrente, nem quaisquer outras.”
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Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença, ao condenar a recorrente a reconhecer que os factos em causa não estão abrangidos pelo sigilo profissional.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na sentença recorrida considerou-se provada a seguinte factualidade:
1. O Autor foi arrolado como testemunha nos autos da acção sumária (acção de honorários) que, sob o nº 11151/03.0 TBOER-B, correm termos pelo 1º Juízo de Competência Cível de Oeiras, na qual é Ré a sua mãe, M…, que na correspondente acção especial figurou como Autor. – facto admitido e resulta dos documentos dos autos
2. Trata-se de uma acção que o Sr. Dr. M…, advogado, com escritório na Rua …, Lisboa, propôs contra a referida mãe do aqui Autor e em que requer a condenação desta no pagamento de honorários e despesas, que alega ter prestado na supra identificada acção principal e bem assim nos autos de procedimento cautelar nº 4981/05.0 TBOER, que àquela foram apensados – idem
3. O Autor – Advogado – elaborou a Contestação nessa acção nº 11151/03.0 TBOER-B com Procuração a seu favor passada por sua mãe – fls. 69 e ss. doc. nº 6 junto com a p.i.
4. Em 12/12/2011 o Autor pediu dispensa do sigilo profissional à Ordem dos Advogados – registo nº 44885 de 12/12/2011 – que deu origem ao processo nº 286/11, tendo sido proferido despacho de indeferimento, pelo Conselho Distrital de Lisboa, conforme Proposta contida no Relatório de 27/11/2012 – fls. 37 a 50, que aqui se dão como reproduzidas.
5. O Autor recorreu para o Conselho Geral, tendo sido proferida a Decisão de 28/02/2013, impugnada nos presentes autos, nos termos seguintes:
«Imagem no original»




Processo apenso nº 1266/13.1 BELSB
6. O Autor foi arrolado como testemunha nos autos da acção sumária (acção de honorários) que, sob o nº 1922/11.9TJLSB-A, correm termos pela 14ª Vara Cível, 3ª secção do Tribunal Judicial de Lisboa, na qual é Ré a sua mãe, M..., que na correspondente acção especial de inventário figurou como cabeça de casal e interessada – cf. processo apenso
7. Trata-se de uma acção que o Sr. Dr. M..., advogado, com escritório na Rua ... Lisboa, propôs contra a referida mãe do aqui Autor e em que requer a condenação desta no pagamento de honorários e despesas, que alega ter prestado no supra identificado processo de inventário, que é a acção principal, que àquela foram apensados – idem
8. Em 10/02/2012 o Autor pediu dispensa do sigilo profissional à Ordem dos Advogados – registo nº 5 700 de 10/2/2012 – que deu origem ao processo nº 45/12, tendo sido proferido despacho de indeferimento, pelo Conselho Distrital de Lisboa, conforme Proposta contida no Relatório de 7/11/2012 – fls. 303 a 321, que aqui se dão como reproduzidas.
9. O Autor recorreu em 29/11/2012 (of. 00889) para o Conselho Geral, tendo sido proferida a Decisão que consta do nº 5 deste probatório – fls. 303 e ss.
Processo apenso nº 1280/13.7 BELSB
10. O Autor foi arrolado como testemunha nos autos da acção sumária (acção de honorários) que, sob o nº 74 – A/2000, actual processo 3002/11.8 TVLSB-A, que corre termos pela 11ª Vara Cível, 3ª secção do Tribunal Judicial de Lisboa, na qual é Ré a sua mãe, M..., que na correspondente acção principal figurou como Autora – cf. processo apenso
11. Trata-se de uma acção que o Sr. Dr. M..., advogado, com escritório na Rua ... Lisboa, propôs contra a referida mãe do aqui Autor e em que requer a condenação desta no pagamento de honorários e despesas, que alega ter prestado na supra identificada acção principal, que àquela foram apensados – idem
12. O Autor pediu dispensa do sigilo profissional à Ordem dos Advogados, que deu origem ao processo nº 25/SP/2012-G, tendo sido proferido despacho de indeferimento, pelo Conselho Distrital de Lisboa, de que o Autor recorreu para o Conselho Geral, tendo sido proferida a Decisão que consta do nº 5 deste probatório – fls. 569 e ss.
Processo apenso nº 1275/13.0 BELSB
13. O Autor foi arrolado como testemunha nos autos da acção sumária (acção de honorários) que, sob o nº 7382/05.6 TBOER-B, correm termos pelo 1º Juízo Cível de Oeiras, na qual é Ré a sua mãe, M..., que na correspondente acção principal figurou como Autora – cf. processo apenso
14. Trata-se de uma acção que o Sr. Dr. M..., advogado, com escritório na Rua ... Lisboa, propôs contra a referida mãe do aqui Autor e em que requer a condenação desta no pagamento de honorários e despesas, que alega ter prestado na supra identificada acção principal e bem assim nos autos cautelares nº 4185/05.1 TBOER, que àquela foram apensados – idem
15. Em 24/11/2011 o Autor pediu dispensa do sigilo profissional à Ordem dos Advogados – registo nº 42452 de 24/11/2011 – que deu origem ao processo nº 272/11, tendo sido proferido despacho de indeferimento, pelo Conselho Distrital de Lisboa, conforme Proposta contida no Relatório de 27/11/2012 – cf. processo nº 1275/13 em apenso.
16. O Autor recorreu para o Conselho Geral, tendo sido proferida a Decisão que consta do nº 5 deste probatório – fls. 303 e ss.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão a decidir neste processo, tal como supra enunciado, cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da sentença, ao condenar a recorrente a reconhecer que os factos em causa não estão abrangidos pelo sigilo profissional.

Consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação:
[N]o caso que nos ocupa, inexistem factos, cujo conhecimento proveio da qualidade de Advogado, separadamente daqueles factos de que o Autor tomou conhecimento, na qualidade de descendente e familiar próximo de uma das partes envolvida nos processos.
Ou seja: os factos são os mesmos e coincidentes, quer o Autor tenha agido como filho de uma das partes envolvidas, quer tenha agido como Advogado, subscrevendo uma peça processual em representação de sua mãe.
Os factos são os mesmos e únicos – ou estão todos incluídos no sigilo profissional ou não estão, porém, considerados na sua totalidade, não se vislumbrando qualquer separação entre factos conhecidos na sua qualidade de filho e factos conhecidos na sua qualidade de Advogado.
Mesmo nas alegadas negociações entre o Autor e o seu colega M..., o Autor nunca se demitiu da sua qualidade de filho, para assumir um distanciamento, na qualidade de Advogado.
É o que resulta da matéria de facto assente e dos documentos, nos quais o acervo factual se suporta.
Tem razão a Entidade Demandada quando considera deontologicamente incorrecto que um Advogado que já teve procuração nos autos venha a depor, posteriormente, na qualidade de testemunha, sobre os factos de que teve conhecimento no âmbito da sua relação profissional.
Porém, estes casos aplicam-se, quando um Advogado é uma parte estranha ao seu cliente, ou seja, quando a relação com o cliente se mantém no nível estritamente profissional, e não, como no caso dos autos, em que o Advogado/Autor era também ligado por estreitos laços familiares com a pretensa cliente – que não era apenas sua cliente, mas também sua mãe.
Ou seja: qual a qualidade predominante? A de filho ou de Advogado?
Entendemos que a qualidade de filho prevalece sobre a de Advogado, pois, antes de ser Advogado o Autor já era filho de uma das partes envolvidas nos processos. (…)
Ora acontece que os factos, de que o Autor tomou conhecimento e sobre os quais pretende depor, não chegaram ao seu conhecimento por revelação do seu cliente, mas por força da sua posição de estreita familiaridade (na relação mãe – filho) com uma das partes envolvidas.
O Tribunal de Justiça da União Europeia num célebre Acórdão proferido em 14 de Setembro de 2010 (conhecido com Acórdão AKZO) entendeu densificar este conceito indeterminado de sigilo profissional de Advogado, tendo concluído que as comunicações de um Advogado ligado por uma relação de emprego a uma empresa não estão protegidas pela confidencialidade, ao contrário das comunicações de um Advogado independente (e não empregado), com a consequência de poderem ser utilizadas como prova num caso de infracção às regras da concorrência. (…)
Transpondo a Doutrina europeia para o nosso caso concreto, pergunta-se:
Pode o sigilo profissional de um Advogado que mantém uma estrita relação profissional com o seu cliente ser tratado da mesma maneira que o sigilo profissional de um Advogado em causa própria ou em defesa de um seu progenitor?
Tem de se responder negativamente.
Pois se o tratamento não deve ser igual de Advogados externos em relação a Advogados internos, assalariados de determinada empresa, por maioria de razão, também devem merecer tratamento diferenciado os Advogados numa relação de estreita proximidade familiar com um interessado num processo, como é o caso do Autor, nos presentes autos.
Entende, assim, o Tribunal, que os factos em causa, objecto de depoimento do Autor, não estão sujeitos a sigilo profissional, porquanto vieram ao seu conhecimento na sua qualidade de filho e não de Advogado, no âmbito das suas relações de estreita familiaridade, aqui se incluindo os factos que serviram de suporte à preparação das peças processuais apresentadas em juízo.
Assim sendo, não carecem de autorização de dispensa de sigilo profissional, nos termos do respectivo regulamento.
Além disso, na apreciação da prova, o Tribunal há-de apreciar o depoimento do Autor, tendo em conta o seu grau de parentesco com a Ré (nas acções de honorários), com o devido distanciamento, segundo as regras de bom senso e experiência comum (artº 513º e 516º CPC)
Pelo que,
a decisão aqui impugnada deve ser anulada por erro sobre os pressupostos de facto.
Em consequência, merece provimento a pretensão do Autor, devendo ser anulada a Decisão aqui impugnada, na parte que considerou a existência de “factos atinentes à preparação e elaboração das peças processuais, alegadamente assinadas pelo Autor e (apenas) assinadas pelo Colega M...”.
Ao que contrapõe a entidade recorrente, em síntese:
- os factos em questão foram praticados no exercício da profissão de advogado e estão abrangidos pelo sigilo profissional, ao que não obsta o facto do recorrido ser filho da ré;
- o segredo profissional não funciona apenas na proteção e defesa dos interesses individuais, relacionando-se com a confiança que o advogado deve criar no cliente e na sociedade em geral;
- a situação de um advogado com uma relação laboral, assalariada, não é comparável, em relação a sigilo profissional, à situação de um advogado a patrocinar judicialmente um familiar seu;
- o depoimento do recorrido não constitui o meio exclusivo e imprescindível para a defesa dos direitos e legítimos interesses da ré nas ações de honorários;
- inexiste erro sobre os pressupostos de facto e apenas cabe à recorrente decidir, em termos de qualificação jurídica, a verificação da existência da obrigação de segredo profissional, bem como determinar a preponderância de interesse que justifique a quebra do sigilo, tratando-se de atos praticados no uso de discricionariedade técnica, cf. artigo 71.º, n.º 2, do CPTA;
- a sentença não podia condenar a recorrente a reconhecer que determinada matéria não está sujeita ao sigilo profissional, mas apenas o poder de declarar que tal apreciação padece de erro e de a condenar a praticar novamente o ato em causa, tendo violado os artigos 83.º, n.º 1, 84.º, 85.º, n.º 2, 87.º, n.os 1, 2 e 4, do EOA 2005, e 71.º, n.º 2, do CPTA.
Vejamos se lhe assiste razão.
Os invocados normativos do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro (entretanto revogada pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), aplicáveis ao caso dos autos, dispunham como segue:
“Artigo 83.º
Integridade
1 - O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem. (…)
Artigo 84.º
Independência
O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.
Artigo 85.º
Deveres para com a comunidade (…)
2 - Em especial, constituem deveres do advogado para com a comunidade:
a) Não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade;
b) Recusar os patrocínios que considere injustos;
c) Verificar a identidade do cliente e dos representantes do cliente, assim como os poderes de representação conferidos a estes últimos;
d) Recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou actuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretende abster-se de tal operação;
e) Recusar-se a receber e movimentar fundos que não correspondam estritamente a uma questão que lhe tenha sido confiada;
f) Colaborar no acesso ao direito;
g) Não se servir do mandato para prosseguir objetivos que não sejam profissionais;
h) Não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa. (…)
Artigo 87.º
Segredo profissional
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, coréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço. (…)
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.”
Releva ainda, no argumentário apresentado pela recorrente, o artigo 71.º, n.º 2, do CPTA, segundo o qual “[q]uando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.”
Da matéria de facto dada como assente, sabemos que um senhor advogado interpôs quatro ações de honorários contra a mãe do autor/recorrido.
Nas referidas ações, o autor/recorrido elaborou as respetivas contestações, com procuração a seu favor passada por sua mãe.
Mais sabemos que o recorrido foi arrolado como testemunha nas referidas ações.
E que, para poder prestar depoimento nessa qualidade, o recorrido pediu dispensa do sigilo profissional à Ordem dos Advogados.
Pedidos estes que foram indeferidos, primeiro pelo Conselho Distrital de Lisboa, depois pelo Conselho Geral.
Mais se retira do que vem alegado pelas partes que os factos relativamente aos quais o recorrido pretende prestar depoimento, desvinculado do sigilo profissional que sobre si recai, incidem essencialmente sobre a preparação e elaboração das peças processuais apresentadas nas ações principais, às quais as ações de honorários se encontram apensas, e o tempo despendido em tais tarefas.
E que, na essência, o recorrido pretende ser autorizado a intervir como testemunha no âmbito de processo no qual figura como advogado constituído.
Ainda que, para aquele efeito, se tenha desvinculado através de um substabelecimento sem reservas.
A par da questão da matéria estar sujeita a sigilo profissional, a resposta a dar ao presente caso implica equacionar todo o sistema processual e os obviamente distintos papéis a desempenhar por advogado e testemunha.
Nas palavras de Augusto Lopes Cardoso, “deverá deixar-se bem claro que é inaceitável autorizar a depor um Advogado para prestar depoimento em processo no qual esteja constituído. É que, embora não haja disposição expressa que o proíba, afigura-se-nos que isso seria completa subversão do próprio sistema processual, em que o Advogado, entre nós, se não pode nunca confundir com simultânea testemunha. E seria outrossim altamente desprestigiante para a Advocacia. Quer isso, pois, dizer que ao Advogado incumbe ponderar e prever, antes de propor a ação, as principais condicionantes do seu decurso. Se o seu depoimento veio a tornar-se necessário, muito mal estruturou o seu trabalho e não pode já emendar a mão. A absoluta necessidade não pode resultar, nesse caso, do modo como foi proposta a ação e antes deve ser aferida objetivamente. Isso também se aplica a outro tipo de situações que na essência não diferem da que analisámos. Referimo-nos a que não será lícito obter dispensa para depor ao Advogado que, tendo iniciado o processo com procuração aí junta, trata de substabelecer depois sem reserva para esse efeito. Seria incompreensível a todas as luzes que ele pudesse despir a toga, sair formalmente do processo e passar a sentar-se no banco das testemunhas em vez de na bancada prestigiada que em antes ocupara. Igual solução merece o caso de a pretensão de depor incidir apenas em apenso da ação principal, ainda que iniciado só depois do substabelecimento” (Do Segredo Profissional na Advocacia, 1998, págs. 82/83).
Assim também Orlando Guedes da Costa salienta que “nunca pode ser autorizado o depoimento de Advogado em processo principal ou em processo apenso, em que esteja ou tenha sido constituído mandatário judicial, mesmo depois de substabelecer sem reserva ou de renunciar ao mandato, pois quem é ou foi participante na administração da Justiça, como decorre do art. 6.º - nº 1 da LOFTJ, em determinado processo, não pode nele ser testemunha, como igualmente não pode o advogado aceitar mandato em processo em que já tenha intervindo em outra qualidade” (Direito Profissional do Advogado, 2005, pág. 342)
No mesmo sentido se vem orientando a jurisprudência confrontada com tal questão, como se pode ver nos acórdãos da Relação do Porto de 07/02/2007, proc. n.º 0615383, de 07/10/2009, proc. n.º 874/08.7TAVCD-A.P1, e de 30/01/2017, proc. n.º 881/13.8TYVNG-A.P1, e da Relação de Lisboa de 07/03/2013, proc. n.º 2042/09.1IDLSB-A.L1-9, e de 15/02/2018, proc. n.º 8465/06.0TBMTS-C.L1-6, disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se observa no citado acórdão do TRP de 30/01/2017, se o juiz e o perito estão impedidos de depor como testemunhas, cf. artigos 115.º, n.º 1, al. h), e 470.º, n.º 1, do CPC, bastante óbvio se afigura tal impedimento na assunção simultânea da qualidade de testemunha e de mandatário de uma das partes.
Entendimento que aqui não se vislumbra razão para divergir, ainda que o advogado substabeleça os poderes atribuídos ou renuncie ao mandato, posto que, admitir a sua intervenção como testemunha nessas circunstâncias, abriria portas a contornar o sistema processual, assim contribuindo para a sua perversão.
Como tal, nunca poderia o aqui recorrido obter vencimento na sua pretensão de, logrando o levantamento do sigilo profissional, prestar depoimento na ação em que figura(ou) como mandatário da ré.

Em suma, cumpre conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar a presente ação improcedente.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar a presente ação improcedente.
Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 20 de janeiro de 2022

(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)