Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:229/20.5BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:12/17/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS.
ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
Sumário:A acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não constitui meio processual idóneo para a declaração do direito dos Recorrentes a procederem à construção da casa de morada de família, desde logo por não terem formulado previamente tal pretensão junto do Município.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

P... e A..., vêm, no âmbito da presente acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias intentada contra o Município de Lagoa, interpor recurso da sentença que decidiu rejeitar “liminarmente a presente intimação”, em que os ora Recorrentes pediram que se condenasse o referido Município a:
1) Reconhecer aos Requerentes o direito à reconstrução do edificado existente até uma área de 300 m2, nos termos do art.º 60º do RJUE e art.s 27º-C e 41º do RPDM com a consequente e necessária emissão da Certidão comprovativa da existência de edificado anterior a 1951;
2) Aprovar o projecto de especialidade da habitação, porquanto o mesmo cumpre todos os requisitos legais;
3) Aprovar o projecto das construções de apoio para os animais com uma área de 130 m2, conforme parecer favorável da CCDR, porquanto o mesmo cumpre todos os requisitos legais;
4) Ser apreciado pelo digno Tribunal o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium;
5) Ser verificada a nulidade dos Despachos camarários;

Apresentaram as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:

1) Dirigem os Recorrentes censura à Sentença Recorrida por vício de nulidade nos termos das alíneas b), c) e d) do art. 615º do CPC, porquanto a Mmª Juiz apreciou e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento e incorreu em excesso de pronúncia.
Enquanto deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
2) Da decisão recorrida resulta ambiguidade e obscuridade, que a torna ininteligível, nos termos do art 615º nº2 do CPC.

3) O Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, porquanto a Mmª Juiz decidiu contra os factos e a matéria probatória e distorceu a realidade factual (error facti) ao defender:
-A inexistência de urgência da decisão;
-A impropriedade do meio processual, e
-A inexistência de Direitos Fundamentais.
4) E o decidido não corresponde à realidade , ressaltando a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607º, nº 4 e 5 do CPC , as quais atestavam:
-Em causa estava a iminente lesão de Direitos Fundamentais com a consequente urgência da decisão
-A idoneidade do meio processual, art 109º CPA
5) E a decisão é injusta por uma fixação imprecisa dos factos relevantes, referência inexacta dos factos ao direito e o julgador utilizou
abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe foram confiados.
6) O Tribunal julgou contra o Direito e denegou Justiça.

7) A decisão em crise violou os artºs 1º , 2º ,3º,6º ,36º,37º. 66º, 104º e 109º do CPTA ,3º, 4º, 5º ,6º, 7º, 8º, 9º ,10º , 11º, 83ºe 84º do CPA, 590 º, 607º e 615º do CPC, 60 º do RJUE, 24º e 26 ºdo PROTAL, 27º e 41º do RPDM Lagoa.

8) A decisão recorrida padece de inconstitucionalidade nos termos dos art.s 1º, 2º ,3º, 7º, 8º, 9º , 12, 13º, 16º , 17º, 18º, 20º, 22º, 24º , 25º, 26ºº, ,65º , 67º ,72º, 93º, 202º, 203º, 204º, 235º, 242º ,266º, 268º e 269ºda CRP.

9) O Tribunal a quo violou o princípio do primado art.s 3º. 4º. 5º, 6º,9º, 16º e 27º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Crianças, art 1º, 2º, 3º, 7º, 16º, 20º, 24º, 25º, 41º, 42º , 47º , 52º, 53º e 54º da Carta dos Direitos Fundamenais da EU , 1º ,2º, 6º, 13º, 14º 17º e 18 º , da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

10) Porquanto esse é quadro normativo que rege a situação sub judice .

11) Os Recorrentes são agricultores e donos e legítimos proprietários de um prédio rústico, de 2,30 ha, integrado em zona de interesse agrícola e onde existe uma ruína de construção anterior a 1951, verificando-se assim a aplicação do Princípio da garantia do Existente, com cabal aplicação do art 60º do RJUE e art 27.º-C e 41º do RPDM Lagoa.


12) Nesse prédio detêm uma exploração pecuária que obriga a deslocações diárias de mais de 80 km por forma a dar assistência aos animais e que tem sido alvo de sucessivos furtos e invasões. E de um total inicial de 100 cabeças de gado os Recorrentes estão reduzidos a 30, daí resultando elevadíssimos prejuízos.

13) Ora, os Recorrentes vivem da agricultura e da exploração pecuária, daí retirando os seus únicos meios de subsistência. E a insustentabilidade da situação, aliada à falta de habitação dos Recorrentes, impõe que os estes aí fixem a sua casa de família, mediante a reconstrução e ampliação da ruína existente.

14) Porém, desde 2016 que a Recorrida, recusa a emissão de certidão comprovativa da presença desse edificado de construção anterior a 1951, e Certidão que a própria exige por forma a dar aplicação ao Princípio da Garantia do Existente, assim, permitindo a reconstrução e ampliação da ruína até 300m2

15) E ao longo de três anos, os Recorrentes assistiram a sucessivos indeferimentos da emissão dessa Certidão, sob o fundamento da inexistência de ruína na propriedade, não obstante a manifesta visibilidade dos cunhais e das fundações!!

16) E em Fev/2019 foi certificada, por relatórios de Arqueólogos que os Recorrentes foram forçados a contratar, e pela Recorrida, através do seu Arqueólogo, I...:
-A presença de uma ruína no prédio dos Recorrentes;
- O seu anterior uso habitacional,
- A volumetria da ruína :10 m de comprimento x 5m de largura e paredes de 0.80 cm de altura(40 cm3)
- A antiguidade da construção, de data anterior a 1951
-E o numero de divisões da habitação (4).

17) Presença ainda certificada pela Tutela, de acordo com a exigência da Recorrida, e conforme informação S-019/498608)CS:1368637 DSBC DRC Alg/2019/08/14NNTA/1611(CS:191870) da DGPC , datada de 03.07.2019

18) E porque a Recorrida certificou o pré-existente, a antiguidade e a volumetria, ficou na posse de toda essa documentação, pelo que, atento ao princípio da legalidade administrativa, sempre lhe assistia o dever da passagem da Certidão, nos termos do art 83º e 84º do CPA .

19) A sua vinculação à passagem da Certidão, se comprovada a presença arqueológica, conforme se extrai, com clareza cristalina, dos seus Despachos e Pareceres:
-Parecer nº 3528, de 26-08.2016, Despacho nº 3528 de 27.01.2017 , de acordo com info/req 3528/3872/5045/2251, Parecer de 27.03.2017, Parecer jurídico” datado de 05.12.201, Parecer de 04.07.2019 :
A análise dos documentos do processo permitiu asseverar que a ocupação do sítio, fosse mais ou menos, antiga, não estava registada em cadastro(..) à luz dos dados existentes , e sem outros que demonstrassem o contrário, não era possível afirmar estar-se na presença de sítio ou achado arqueológico, muito menos a sua antiguidade e tipologia, como tal, todo e qualquer parecer arqueológico que fosse Emitido sem que os trabalhos de sondagem de diagnóstico e/ou escavação em área tivessem lugar e demonstrassem, inequivocamente, as características da ocupação, não poderia servir de fundamento para o fim proposto, a saber e, passa-se a citar,”…requerer a V. Exa., certidão em como o prédio urbano sito em Casarão, Sítio das Cabeços, da União de Freguesias de Lagoa e Carvoeiro, deste Concelho, omisso na Conservatória do Registo Predial de Lagoa(..) foi construído antes de 1951”;
Se outro meio de aferição houver, que possa resultar no deferimento do pedido, deve observar-se, antes da ocorrência de qualquer obra, a realização de trabalhos arqueológicos propostos,(..)
Ainda que os trabalhos realizados demonstrem que a ocupação é antiga, é imprescindível que sejam apresentados os resultados do relatório aprovado pela tutela onde conste o enquadramento tipológico e cronológico dos materiais e da ocupação em si. Para afirmar inequivocamente que a ocupação é anterior a 1951 e eventualmente desbloquear é necessário estar em posse destes dados.”.
E o parecer nº 22612º ,de 06.09.2019 , de autorização de construção : ” Face ao exposto, e após aprovação do Relatório Final de Trabalhos Arqueológicos por parte da Direcção Geral do Património Cultural, conforme despacho em anexo ao processo, em que consta a comprovação da antiguidade da ocupação humana identificada no terreno sito em Cabeços como de, pelo menos, anterior a 1951 ,(,…) e ultrapassada a condicionante arqueológica, nada tenho a obstar quanto à pretensão do promotor, P..., em seguir com o pedido de licenciamento de construção de uma habitação unifamiliar”.

20) Certificada a presença da ruína e dado parecer favorável à emissão da Certidão e sequente construção pela Requerida, nenhum impedimento legal se apresentava mas, por Despacho de 29.11.2019, esta voltou a indeferir a emissão da certidão, desta vez, alicerçada no nº 1 do art. 27º-C do RPDM Lagoa.

21) Ora a argumentação expendida no despacho de indeferimento da Recorrida, ao invocar o art. 27ºC do RPDM, em nada se correlaciona com o pedido formulado, porquanto não fora requerida certidão de isenção de Licença de Habitação/Utilização, mas a certificação da presença de uma ruína de data anterior a 1951, e presença que a própria Recorrida certificou.

22) E novo pedido foi formulado, esclarecendo a pretensão e novo indeferimento foi proferido, em Março de 2020, e de igual teor, pois a Recorrida voltou a recusar a emissão de uma Certidão de Isenção de Licença de Habitação, que não houvera sido pedida:
Na sequência das análises e interpretações do processo em causa, considero de manter as propostas de não emissão da certidão de isenção de licença de utilização à designada ruína arqueológica sendo certo que à luz do nº 1 do art 27ºC do RPDM a sequente recuperação e ampliação de edificação existente só poderá ter lugar quando em presença de estrutura edificada e volumetricamente definida”.

23) E não se reconhecem razões que, à luz da Constituição e da Lei, possam justificar o acto de indeferimento da Recorrida porque a ruína dos Recorrentes apresenta-se, indubitavelmente, com uma estrutura edificada e volumetricamente definida; 10m de comprimento x um mínimo de 5m de largura x paredes de 0,80 com de altura, ou seja, 40 cm 3.

E isso é um facto inegável!
24) Assim, e contrariamente ao consignado pela Recorrida, sempre cabia lugar à sequente recuperação e ampliação de edificação existente, atento ao princípio da garantia do existente (art 60.º nº 2 do RJUE), que derroga as normas supervenientes:

- Tinha cabal aplicação o art 27º-C e bem assim o artigo 41.º ambos do RPDM2 — Excetuam-se do disposto do número anterior as edificações isoladas, as edificações de apoio, a recuperação e ampliação de construções existentes, e os estabelecimentos hoteleiros isolados, previstos, respetivamente, nos artigos 27.º -A, 27.º -B e 27.º -C e 37.º do presente regulamento.”;
-E para tal esta emitiu parecer favorável.
25) Permissão ainda conferida pelo art. 26º do PROT-Algarve
2 – Por razões ponderosas demonstradas pelo interessado, designadamente as que digam respeito à organização de explorações agrícolas, podem, excepcionalmente, ser autorizadas edificações isoladas, desde que daí não resultem derrogações ao estabelecido no presente diploma.”
26) E sem prejuízo do respeito pela intocável garantia do existente, que aqui se verifica, o preceito permite a edificação dispersa, por “razões ponderosas” que tanto podem ser de carácter subjectivo do requerente, nomeadamente por não possuir qualquer habitação, e ainda respeitantes à organização de explorações agrícolas (artigo 26º, nº 2, do Dec. Regulamentar11/91), como é o caso dos Recorrentes, e conforme Douto Acórdão do STA de 9/04/2003, processo nº0116/03,

27) O PROTAL define Ruína como:” escombros ou restos impróprios para uso, de um edifício, de um conjunto de edifícios ou de uma cidade” e dispõe que a “estrutura edificada” deve ser “volumetricamente definida”, i.e. e o volume de uma construção, mesmo que em ruínas, é o resultado do produto da área do polígono de base da construção pela altura do elemento mais alto dessa construção.

28) E não há justificação legal para o indeferimento da Recorrida que negou o acto devido apenas porque os Recorrentes recusaram aceder às suas ilícitas exigências!!!!

E essa é a única verdade!
29) E perante a ilegalidade da conduta da Recorrida, mais não restou que reclamar judicialmente o direito Fundamental à emissão do acto vinculado e estatuído no art 83º e 84ºdo CPA, e 41º da CDFUE .

30) E em 23 de Março de 2020 os Recorrentes apresentaram junto do Tribunal a quo uma Intimação para a Passagem de Certidão, nos termos do art. 104 º do CPTA.

31) Sustentaram a sua pretensão na vinculação da Recorrida à passagem dessa Certidão, conforme resultava dos seus Despachos e no parecer favorável à construção.

32) E requereram a certificação de factos, contidos em documentos pré-constituídos e existentes no serviço solicitado, porquanto a Recorrida certificara essa presença e ficara em posse de toda a documentação, conforme claramente resulta do doc nº 17 junto com a PI

33) Assim, os Acordão do STA proc.01590/13 de 21-11-2013, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n1319/17.7 BELSB, Acórdão do STA, de 17/06/97, Rec. nº 42279 e acórdão do TCAS nº 4841/09, de 17/09/2009).”

34) Porém, o Tribunal indeferiu a pretensão consignando a impropriedade do meio processual e defendendo, tal como aduzido pela Recorrida na sua Oposição, a interposição de uma acção de condenação à prática do acto, nos termos do art 37ºdo CPA.

35) E sustentou o indeferimento no facto de a Recorrida não deter os documento solicitados, nos termos do nº3 do art. 83º ou 84 ºdo CPA, e nem ter de os criar, para satisfazer a pretensão dos ora Recorrentes:
Como igualmente não podem, com fundamento nele, exigir da entidade requerida a certificação de factos ou situações que, objectivamente, não constam, nem pré-existem num determinado procedimento”.
é também evidente, de resto, que não encontra abrigo no direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, uma vez que, também aqui, o dever de passar a certidão pressuporia a existência (ou inexistência, se negativa) de um documento ou registo administrativo que dela pudesse ser objecto: o direito à passagem de certidão-e o correspectivo dever de a emitir -só existiria, pois, se esta se reportasse à existência ou ao conteúdo de documentos que a entidade requerida possuísse) ou devesse possuir, não tendo esta o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido)informativo) dos requerentes(cfr artigo 133º, nº 6 .da Lei 26/2016(…)
36) E é notório o erro de julgamento, pela falta de apreciação da matéria probatória pois, conforme resulta do doc 17 junto aos autos, não só todos os elementos e conteúdo para a passagem da certidão encontravam-se na posse da Requerida desde Fev/2019, conforme a própria aliás o atesta, como a Recorrida deu parecer favorável à pretensão dos Recorrentes.

37) Ao não intimar a Recorrida o Tribunal violou o direito Fundamental à emissão da competente Certidão e julgou contra o Direito pela violação dos normativos em causa, que são claros na previsão que fazem dos direitos e valores que consagram:

-A Lei n.º 26/20016, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro
-Os art.s 83º e 84º do CPA que referem :”os elementos” e conteúdos de documentos existentes” , definindo ainda os termos do processo específico de recurso ao tribunal para intimação da administração tendo em vista a satisfação do pedido do particular.
38) Não se vislumbra, no caso concreto, qualquer razão atendível para que o órgão autárquico actue de forma diversa ao disposto na lei, e muito menos que o Tribunal acolha essa decisão diversa e julgue contra o Direito!!

39) E a decisão de indeferimento que originou a Intimação para a Passagem de Certidão não teve suporte legal, revelando-se em última análise nula , por erro de julgamento e falta de apreciação da matéria, nos termos do art 615º CPC e violadora de um direito constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, porquanto o direito à informação procedimental e não procedimental , (nos quais se inclui a passagem de certidão (são constitucionalmente reconhecidos como direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias (artigo 268.º da CRP) e, assim, submetidos ao regime previsto no artigo 18.º da CRP conforme Acórdão do TCAS, proferido em 19 de outubro de 2017, no Procº n.º 856/17.8BELRA e Acordão TCAN proc nº01775/18.6BEBRG:

40) E, contemplados com uma decisão injusta e que julgou contra o Direito, os Recorrentes ainda foram condenados em custas por o Tribunal não ter apreciado a má-fé da ora Recorrida, e que ressaltava dos articulados!!!

41) A possibilidade de recurso dessa decisão, com o tempo que poderia implicar, afigurou-se inútil, face à urgência de uma decisão que pusesse cobro ao risco de consumação do dano grave e irreparável.

42) É que os Recorrentes são pais de seis crianças, cinco delas menores, e residem com dois idosos, doentes e a necessitar de assistência, num pré-fabricado de 60 m2, adquirido em 2016, para um uso temporário, e até que conseguissem autorização de construção na sua propriedade, e ”habitação” que se encontra em risco de ruir, conforme atestado por peritos, cuja idoneidade não pode ser posta em causa !!

43) Situação que mereceu a intervenção da CPCJ que assinalou as crianças e concedeu um prazo de seis meses para resolução da situação, sob pena de retirar os menores do seio familiar.

44) E na desesperada luta contra o tempo, impunha-se a urgência de uma decisão sob pena de consumação do dano grave e irreparável e os Recorrentes interpuseram uma Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do art. 109º do CPTA

45) Peticionaram a tutela jurisdicional de Direitos Fundamentais, designadamente, à vida e à dignidade da pessoa Humana e à habitação, mediante a reconstrução e ampliação da ruina para a edificação da sua casa de família, direito adquirido pela certificação do pré-existente, e de premente execução, atento às razões ponderosas que se prendiam com o interesse superior dos menores.

46) Demonstraram a efectiva violação pela Recorrida do princípios que a regem e que impõem a obediência aos direitos fundamentais (n.º 1 do artigo 18.º da CRP) e aos Princípios fundamentais, constitucionalmente protegidos.

47) Demonstraram a violação da Recorrida do princípio da protecção da confiança e da boa fé, acolhido expressamente no art. 6º/A do CPA e de acordo com a jurisprudência do Tribunal relativa (e vejam-se, entre muitos outros, os Acórdãos n.º s 287/90, 232/91, 269/2001 e 302/2006287/90, de 30-10-90 – Proc. BMJ 400, a págs. 214, Acordãos 302/90, de 14-11-90 – Proc. 107/89 – BMJ 401-130, 03/90, de 21-11-90 – Proc. 129/89, BMJ 401-139, 365/91, de 7-8-91 – Proc. 368/91, DR, II Série, de 27-8-91,70/92, de 24-2-92 – Proc. 89/90, BMJ 414-130, 410/95, de 28-6-95 – Proc. 248/94 – DR, II Série, de 16-11-95, 625/98, de 3-11-98, Proc. 816/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 41º, pág. 293, 648/98, de 15-12-98 – Proc. Proc 639/97,160/00, de 22-3-00 – Proc. 843/98, DR, II Série, de 10-10-00, 109/02, de 5-3-02 – Proc. 381/01 e 128/02, de 14-3-02 – Proc. 382/01….. Nesse sentido os Acordãos do STA :Acórdão de 24-3-83 – Rec. 17429, Acórdão de 6-6-84 – AD 289, a págs. 62, Acórdão de 2-2-88 – Rec. 24979, Acórdão de 28-4-88 – Rec. 18436, Acórdão de 1-3-89 – Rec. 24444, Acórdão de 12-11-91 – Rec. Nº 23049“O princípio da boa-fé é hoje pacificamente aceite na doutrina a na jurisprudência administrativas da generalidade dos países, sendo oponível à Administração, rectius se é ela própria a frustar legítimas e fundadas expectativas por si criadas, “ o princípio do primado do Estado de direito democrático garanta um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas legitimamente criadas e, pois, a confiança das cidadãos e da comunidade na tutela jurídica”, Acórdão de 5-12-91 – Rec. 28237, Acórdão de 26-10-94 – Rec. 34604 – Rec. 17626, Acórdão de 4-5-95 – Rec. 241450-Z.Acórdão de 2-5-95 (Pleno) – Rec. 22871:“Violam o princípio da confiança comportamentos intrinsecamente contraditórios e inconsequentes, quer quando comparados com outros anteriormente praticados quer quando se tenha em conta o contexto global dos pressupostos de facto e de direito vinculativos da prática de um acto”

48) Porque a Recorrida criou nos Recorrentes a certeza quanto ao exercício dos seus direitos, conferida por um comportamento continuado dos poderes públicos, que se traduziu na garantia da emissão de uma certidão comprovativa da presença da ruína, e na consequente autorização de reconstrução e ampliação da ruína e para a qual emitiu parecer favorável.

49) E direito que a Jurisprudência tem apoiado, conforme os acórdãos: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.03.2009 proc,03667/08, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.03.2005 proc. 0291/04, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.09.2012 proc 07022/10, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.06.2010, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.10.2009 proc 04399/08 e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.07.2006proc.01239/05

50) E a Recorrida traiu a confiança que criou nos Recorrentes, com violação do princípio da boa fé que enforma a ordem jurídica actual, e agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

51) Demonstraram a violação do princípio da imparcialidade e da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (e que se insere na Parte dos Direitos e Deveres Fundamentais) e no artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo, que adiante se explanará.

52) E assim os acórdãos do Tribunal Constitucional, que determinaram :”(…)não pode haver igualdade na ilegalidade, ou seja, o administrado não pode reclamar para si um tratamento idêntico ao que a Administração teve com outro particular, se sabe que esse procedimento é ilegal, pois isto levaria à intolerável reedição de ilegalidades, nºs 204/85, de 13-10-85, Proc. 1/85, 309/85, de 1-12-85 – Proc. 184/84, 181/87, de 20-5-87 – BMJ 367-273, 433/87, de 4-11-87 – BMJ 371-145, 50/88, de 2-3-88 – BMJ 375-90, 99/88, de28-4-88 – BMJ 376-308, 143/88, de 16-6-88 – BMJ 378-183, 187/88, de 17-8-88, in BMJ 379, a págs. 371, 308/89, de 9-3-89, in BMJ 385-177, 313/89, de 9-3-89, in BMJ 385-88, 169/90, de 30-5-90, BMJ 397-90 e 303/90, de 2-12-90, BMJ 401-139 e 232/92, de 30-6-92 – BMJ 418-436.
E conforme jurisprudência constante do STA, de que são expressão, entre outros, os Acs. de 3-3-77 – AD 190-835, de 7-5-87 – Rec. 23292, de 2-12-87 – Rec. 24192, de 26-4-89 – Rec. 22353, de 11-5-89 (Pleno) – AD 336-1555, de 4-12-90 – Rec. 27487, de 26-11-92 – Rec. 30469, de 19-3-96 – Rec. 37724, de 14-5-96 – Rec. 37684, de 17-12-97 – Rec. 36001, de 15-1-98 – Rec. 40815, de 26-3-98 – Rec. 42154, de 12-1-99 – Rec. 43874, de 14-1-99 (Pleno) – Rec. 36573, de 15-4-99 – Rec. 41790, de 27-4-99 – Rec. 42152, , de 22-201 – Rec. 47048, de 18-5-02 – Rec. 45934, de 26-6-01 – Rec. 47109 e de 23-5-02 – Rec. 716/02-11 e
53) Demonstraram a violação do princípio da legalidade (Artigo 3.º da CRP) e do correspondente direito fundamental que impõe que a Administração Pública se subordine à Constituição e à Lei (artigo 266º nº 2 da CRP e 3º nº 1 e 6.º-A do CPA)

"A Administração tem que se subordinar à lei e ao Direito", como diz o legislador no CPA.
Porque a legalidade não é a subordinação à lei. É à lei e ao direito.
E quando assim não sucede, resulta na nulidade das decisões (art. 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA)
54) E princípio que proíbe a Administração Pública de lesar os direitos ou interesses de particulares, mas direitos que esta frontalmente lesou, e cujas provas irrefutáveis os Recorrentes apresentaram

55) A Recorrida aprovou construções ao abrigo do art. 60ºdo RJUE, sem que existisse qualquer pré-existente, mas presença que esta atestou!!!

56) E, pela gravidade da situação, os Recorrentes peticionaram a intervenção do MP atento à lesão de interesse público e particular, plasmada, de entre muitos outros, nos processos:

-M..., no Sito do Mato Pinheiro, União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro,
- H.., no Sítio do Cotovio, União das Freguesias de Estômbar e Parchal e
- W.., no Sítio de Lombos, Freguesia de Lagoa, de entre outros
57) Em 22.06.2011 W.. apresentou junto da Requerida um projecto de recuperação e ampliação de uma ruína. E em 09.11.2011 William requereu a passagem de Certidão comprovativa da existência de prédio urbano anterior a 1951, no prédio sito em Lombos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o nº 4../20030811 e inscrito na matriz predial sob o n 1… , com a área de 2.300 m2, com vista à isenção de licença de habitação relativamente à pré existência edificada, conforme elementos justificativos que para o efeito anexou.

58) Por Info/Req nº 2629 de 18.08.2011, reiterada por Despacho de 14.11. 2011 e por info/Req nº4198 de 23.12.2011, a Divisão de Urbanismo e Planeamento da Requerida informou que a localização do prédio era distinta e nem se enquadrava no art 27º.C do RPDM.E informação que mereceu parecer de 1.09.2011 do Director do Departamento :”Visto, Concordo com a informação técnica ,reforçando que os vestígios de ruína referenciados no projecto não justificam o adequado enquadramento no art 27º.C do PDM .(..)Para aos devidos efeitos e na sequência dos pareceres anteriormente emitidos(..)1e 2 A apresentação da certidão de isenção de licença de habitabilidade, não esclarece quanto ao facto da mesma ter sido emitida com base numa plana em que o prédio assinalado é distinto do prédio em qual incide a actual pretensão.
(…) ,quanto aos “vestígios de ruína referenciados no projecto não justificam o adequado enquadramento no art.27º-C do PDM” pelo que o não adequado enquadramento ,implica manter-se proposta de indeferimento, nos termos da alínea a) do art 24º do D.L. nº 555/99 de 16/12,na redacção em vigor:” as denominadas “ruínas” com o apontado sentido de meros vestígios de edificação originária, não configuram uma edificação existente para efeitos de se reconhecer o direito á obtenção de autorização para construção em seu (delas ruínas) lugar, de uma edificação nova, ao abrigo do princípio da garantia do existente ou do art 60º do DL 555/99 de 16 de Dezembro”
Face ao contexto processual em presença e atendendo à óptica assumida pela CCDR-Algarve face ao princípio da proibição de edificação dispersa (art 41º/PDM) e respectivo regime de excepção (art 27ºC/PDM), sugere-se que se pondere no âmbito jurídico, o efeito da emissão da certidão requerida na articulação com o disposto no nº2 do artigo 60º do RJUE-origem/agravamento da desconformidade da normas em vigor nomeadamente , as constantes nos artigos 41º e 27C do PDM
Mas, em 12 de junho de 2012 a Recorrida mudou de opinião e emitiu a Certidão comprovativa da existência de edificado anterior a 1951 em seguimento do Parecer nº 6030, de 29.05-2012 , do Departamento Jurídico
“Efectivamente, resulta do processo que o Sr. W.. requereu a emissão de “(…) certidão comprovativa da existência de prédio urbano anterior a 1951(…) com o objectivo de isenção da licença de habitação relativamente à preexistência edificada(…)”-
Ora, sobre a matéria relevam as normas contidas no nº 2 do art 60º do RJUE, nos art 41º e 27 C do Regulamento do PDM.
Nesta conformidade proponho a V.Exa que seja emitida a certidão requerida(…)”.
59) E emitiu autorização de construção de uma edificação de 300.00 m2 após Info nº 493 de 4 de Março de 2013 da Divisão de Urbanismo e Planeamento e na sequência da informação nº1057 de 17.01.2013: “Nesta conformidade e atento o teor do pedido de parecer, conclui-se pela aplicabilidade do regime previsto no artigo 27º-c Nº1 do RPDM à pré existência em presença ,por via da sua interpretação conforme o princípio da protecção do edificado previsto no artigo 60º do RJUE.”.

60) E, contrariamente ao processo dos Recorrentes, a Recorrida não exigiu a certificação da ruína por Arqueólogos ou pela Tutela, ou sequer teve necessidade do parecer técnico do seu Arqueólogo
61) E operou-se uma sanação automática de todos os vícios anteriormente apontados.

62) E é inegável o milagre operado no âmbito desse processo e indubitavelmente , um milagre , porque na propriedade de W… não existe e nem nunca existiu qualquer vestígio de ruína!

63) E assim o atestam todos os vizinhos de W.. que residem nas imediações, de entre os quais, o ex-dono da propriedade em questão, e assim se extrai da informação da Carta Militar nos anos de 1942 e 1972,

64) Na propriedade de W.. nunca existiu qualquer edificação, pelo que jamais poderia existir a sua ruína. A “ruína “ que consta das fotografias do processo de W.. mais não é que o muro de suporte de terras do terreno vizinho, “ Ruína” que não apresenta fundações, “ ruína” montada com pedras coladas a argamassa recente e cinzenta, ( contrariamente à amarela usada na época) ,e cujos vestígios dessa “intervenção “nem foram retirados do local e “ ruína” cujo registo fotográfico foi uma montagem feita com recurso à “ ajuda” de uma outra ruína , de um outro local , para efeitos de instrução do processo camarário.

65) Mas, “ruína” que a Recorrida certificou, após deslocação ao local e conduziu à emissão das competentes certidões e autorização da construção de uma edificação nova que só podia inserir-se na proibida edificação dispersa, prevista no art 41º do RPDM.

66) E enquanto autoriza construções ilegais, recusa legítimas pretensões, invocadas e logradas demonstrar na Intimação para a Protecção de Direitos Liberdades e Garantias.

67) Mas, decorridas 24 horas desde a interposição da Intimação, a pretensão dos Recorrentes mereceu um indeferimento liminar e o Tribunal recusou a tutela, consignando não se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, no essencial, com a seguinte fundamentação: “o direito à construção” não é um Direito Fundamental;
- não resultava sequer qualquer situação de urgência;
-não estavam reunidos os requisitos exigidos pelo art 109 CPTA;
-Não estavam sequer em causa Direitos Fundamentais.
68) E os Recorrentes deviam lançar mão, e conforme lhes fora sugerido pelo Tribunal na Intimação para a passagem de certidão, de uma acção declarativa comum, nos termos do art 37º do CPTA.

69) E, salvo o devido respeito, esta decisão não se apresenta justa e imparcial, pois o Tribunal considerou os presentes autos uma duplicação do pedido anteriormente formulado na Intimação para a passagem da Certidão, desconsiderando a nulidade da anterior decisão por erro de julgamento e a injustiça que dela ressaltava, e toda a matéria apreciada na decisão ora recorrida, reportou-se, na sua essência, à Intimação para a passagem de Certidão, e que não estava em causa nos presentes Autos:

70) E a uma anterior decisão nula, outra decisão nula acresceu.

71) Refere-se no n.º 1 do artigo 590.º do CPC, que “Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º”.

72) É por demais evidente que o despacho de indeferimento liminar representa uma solução radical que deve ser utilizada criteriosamente pelo juiz e apenas quando ocorra uma das situações previstas no mencionado preceito legal.” a rejeição liminar da petição inicial da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias , opera apenas em casos de manifesta ou de evidente ausência dos pressupostos processuais ou da falta dos requisitos legais para o prosseguimento da instância, conforme, de entre outros , o Acórdão do STA de 19/09/2018, proferido no âmbito do processo nº 350/18, e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Março de 2010, proferido no processo n.º 63/10.

73) O que não se verifica no presente caso, mas antes, é evidente a manifesta procedência do pedido deduzido pois:
- Encontravam-se reunidos os requisitos de admissão,
- Era idóneo o meio processual utilizado e
- Estavam inegavelmente em causa Direitos Fundamentais que o Tribunal desconsiderou.
74) Os Direitos Fundamentais em causa, e a ameaça de lesão do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, em particular de cinco menores, não relevaram para a tutela jurisdicional e o que relevou foi tão somente o facto de os Recorrentes terem não seguido o consignado pelo Tribunal, pelo que, mais não mereciam que um indeferimento liminar.
75) E aos já consumados quatro anos de espera por uma mera Certidão comprovativa de uma construção anterior a 1951, o Tribunal pretendia que acrescessem quiçá quantos mais anos. E situação a reiterar, posteriormente, com a autorização de construção, assim deixando desprovido de utilidade o meio processual da Intimação para a passagem de certidão e bem assim da Intimação para a Protecção de Direitos Liberdades e Garantias-

76) E não se reconhecem razões que, à luz da Constituição e da Lei, possam justificar o indeferimento liminar do Tribunal .

77) O jus aedificandi, como referido pela decisão recorrida, não integra o conteúdo essencial do direito de propriedade, e tampouco integra o núcleo dos Direitos Fundamentais, nem tal foi alegado!

78) situação inversa ocorre com o Direito do Urbanismo que tem sido entendido como uma extensão da garantia do direito fundamental à habitação, art 65º da CRP no artigo 25º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e no artigo 11.º, n.º 1, do PIDESC, e que reforça o princípio da dignidade da pessoa humana. Direitos esses invocados e reclamados nos presentes Autos e sublinhados nos Acórdãos do TC n.ºs 130/92, 131/92 e 32/97 no direito de todos os cidadãos “a uma morada decente, para si e para a sua família, uma morada que seja adequada ao número dos membros do respectivo agregado familiar, (…)

79) E integra ainda o núcleo dos Direitos Fundamentais a iniciativa económica privada e o seu livre exercício, consagrado no n.º 1 do artigo 61º da CRP, e nesse sentido os acórdãos STA de 11.1.05 no recurso 560/04, de 18.5.04 no recurso 167/05, de 14.3.06 no recurso 762/05, de 14.12.05 no recurso 807/05, de 14.12.05 no recurso 883/03 e de 19.10.05 no recurso 767/05, entre muitos outros.

80) Direito que também foi invocado com a referência à exploração pecuária dos Recorrentes, fonte de subsistência destes, juntamente com a exploração agrícola e os elevados prejuízos que têm advindo aos Recorrentes pela falta de vigilância permanente, atento a que estes estão impedidos de, na sua propriedade, construir a sua casa de família. E situação que igualmente impunha a urgência de uma decisão judicial e a competente tutela.

81) E inegavelmente integra os Direitos Fundamentais o direito à vida (art 2º da CDFEU e da CEDH), à integridade física e psíquica (art 3º da CDFUE) e à dignidade (art 1º da CDFUE), de cinco crianças menores que, reitera-se, a qualquer momento podem ser retiradas do seio familiar, ou pior, ficarem soterradas numa habitação em iminente derrocada bem como seus progenitores e seus pais idosos, que com estes coabitam (art 25º da CDFUE)!!

82) Ao negar a presença desses Direitos Fundamentais, a decisão em apreço revela-se, desta forma, ela própria violadora dos direitos fundamentais que assistem ao cidadão enquanto administrado e contrária aos princípios da publicidade e da transparência (cfr. Lei 26/2016 art.º 1º) que norteiam ou devem nortear a actuação da administração pública num Estado de direito democrático e impositivos ao processo justo e equitativo, também esse recusado!
83) E a decisão recorrida está ferida de inconstitucionalidade e padece de vício de excesso de pronúncia pois não pode deixar de causar estranheza a certeza peremptória da Mmª Juíza da inexistência de apresentação de projecto de arquitectura ou de pedido de informação prévia, factos de que não podia tomar conhecimento, porquanto a Recorrida nem foi citada para de tal informar.

84) Porque é facto inegável e assim ressalta do petitório da Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, o pedido de condenação da Recorrida à aprovação do projecto, e que, desde logo, pressupunha a existência de um projecto e projecto que foi apresentado!!!!

85) A decisão recorrida padece de notório erro de julgamento:

Primus: O Tribunal não atentou ao erro de julgamento e à decisão injusta proferida na Intimação para a Passagem de Certidão.
E que assistia aos Recorrentes o direito à emissão da certidão comprovativa da presença do edificado anterior a 1951, conferido pelos art 83 ºe 84 ºdo CPA, por ser um documento existente nos serviços da Recorrida, tendo em conta a sua própria certificação de tal presença e a sua vinculação a essa emissão.
Pelo que os Recorrentes não tinham de interpor uma acção comum, nos termos do art 37 º CPTA, conforme erroneamente consignado pelo Tribunal a quo.
Assim, a alteração do regime do prédio dos Recorrentes, de rústico para misto, incumbia unicamente à Recorrida mediante a sua intervenção, com a devida passagem da certidão comprovativa da presença da ruina, em cumprimento dos supra enunciados normativos;
“(..)está em causa um terreno rústico, cujos AA. pretendem que passe a ser misto. Ora, só após tal situação é que poderá haver a intervenção do Município para o controlo prévio da pretensa construção da casa de morada de família”,
Como cabia ao tribunal o dever de intimar a Recorrida à devida emissão!
Secundus: O Tribunal não atentou que a recusa de autorização de construção já houvera sido proferida pela Recorrida nos seus Despachos de 29.11.2019 e 09.03.2020, com invocação do art 27º-C do RPDM, e em violação de um direito adquirido à edificação, conferido pelo princípio da garantia do Existente, art 60 nº 2 do RJUE, 27-C e 41º do RPDM 24 e 26 do PROTAL.
Tercius: O Tribunal não atentou que os arts 1º, 2 º, 3º e 4º do ETAF, em particular este último, estatuem que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública,
“ não pode este Tribunal intimar o Município de Lagoa a reconhecer o direito de construção.”
“não pode este tribunal impor a conduta que os AA. pretendem do Município através deste meio processual”
Ora, o legislador criou o processo da Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias para tutelar situações de especial urgência face à iminente lesão de Direitos Fundamentais, nos termos do art 109, do CPTA, deixando as demais, designadamente a acção de condenação à prática do acto para os processos não urgentes e que não caibam na previsão dos art 83 ºe 84º ,do CPA e 104º do CPTA!
E, in casu, estamos perante o dever impositivo de execução do art 109, nº3 do CPTA
Quartus: O Tribunal não atentou que o art 109º CPTA delega no Tribunal o poder/dever de condenar a Administração à pratica do acto, neste sentido, entre outros, Acórdão do TCA Sul, de 23 de Fevereiro de 2012, P. 06621/00.
Visa, portanto:
- A condenação da Administração rectius, da entidade que prossiga a função administrativa na emissão de um acto administrativo ou na cessação de efeitos deste;
-A condenação da Administração na adopção de uma conduta material, ou na abstenção de uma determinada conduta material e,
- A condenação da Administração na emissão de um regulamento de execução, ou na revogação substitutiva de um regulamento de execução ilegal, de modo a prevenir ou a fazer cessar a violação de um direito, liberdade ou garantia do(s) particular(es).
O nº 3º do normativo impunha ao Tribunal a emissão de sentença de execução em substituição do acto administrativo vinculado e ilegalmente recusado
Quintus: O Tribunal não atentou que está em causa o direito à vida, à integridade física e psíquica, à dignidade da pessoa humana à habitação e o superior interesse de menores, direitos estatuídos pela Declaração dos Direitos da Criança.
“Se nem sequer está em causa a protecção de um direito,liberdade e garantia,(…)
Sextus: O Tribunal não atentou que se encontravam preenchidos todos os requisitos para o deferimento da pretensão
“-a urgente emissão de uma decisão de mérito-Face a uma habitação a ruir e ao risco de retirada dos menores do seio familiar
- visando a protecção de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
-visando a tutela do direito à vida e à integridade física e psíquica, à dignidade, à habitação, e ao superior interesse de menores
- por ser impossível ou se mostrar insuficiente e inadequado, frente às circunstâncias do caso, o uso (em primeira linha) do decretamento provisório de uma providência cautelar ou o uso de um qualquer meio cautelar” por não haver lugar a um procedimento cautelar
Septus: O Tribunal não atentou que este meio processual é o indicado a usar em situações de urgência, previstas no artigo 111º do CPTA, e contra ameaças ou violações de direitos Fundamentais e com vista condenação da Administração a praticar o acto que lhe é devido e que se encontravam reunidos todos os requisitos para o deferimento, que se impunha.

86) Estamos perante um notório erro de julgamento e a nulidade de uma decisão, por conseguinte, a sentença recorrida não pode manter-se, devendo ser revogada e os Autos prosseguirem neste Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 615º nº 1 do CPC e 1º do CPTA, se declarada nula a sentença o Tribunal de recurso não deixará de apreciar do objeto do processo, conhecendo em substituição.

87) Cumpre ainda, e para concluir, uma última consideração: A aparente vitória da Recorrida é uma vã ilusão!

88) Porque a realidade é que todos perderam

89) Os dois processos dos Recorrentes mais não traduzem que uma clamorosa derrota para todas as partes intervenientes.

90) Uma derrota para a Administração Pública e para os princípios que a norteiam.

91) Uma derrota para o comum cidadão que vê aniquiladas as suas legítimas pretensões

92) Uma derrota para o Tribunal e para todo o sistema judiciário que, cada vez mais, vê afastar de si o comum cidadão, por descrente nos tribunais e na Justiça.
93) Uma derrota para um Estado que se proclama de direito

94) Em suma, uma derrota para a Justiça que sai malferida pelas suas decisões!

95) Preceitua o art 615 ºdo CPC ;”É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

96) A decisão recorrida padece de nulidade nos termos do art 615º do CPC e dela ressalta o erro de julgamento de facto e de Direito!

97) O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados e resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) de forma a que o decidido não corresponda à realidade.

98) E, salvo o devido respeito, a Mmª Juiz decidiu mal e contra a matéria probatória e contra o disposto na Lei, e resultou uma distorção da realidade factual.

99) A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607º, nº 4 do CPC.

100) E da decisão recorrida ressalta, por notória a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607º, nº 4 do CPC.

101) A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando as premissas de facto e de direito deveriam conduzir, logicamente, a decisão oposta à adoptada na sentença.

102) E dúvidas não restam que as premissas de facto e de direito conduziam, logicamente, a decisão oposta à adoptada na sentença.

103) A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil.

104) E a decisão é ininteligível e obscura!

105) E a decisão é injusta porquanto resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e o julgador utilizou abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe foram confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).

106) A decisão recorrida é manifestamente injusta.

107) E a decisão violou o principio do primado e a Convenção Europeia dos Direitos das Crianças

108) O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

109) Dispõe o art 662º do CPC:”1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

110) E é essa decisão inversa que se requer e que se impõe a bem da Justiça!

Termos em que se requer que seja julgado procedente o presente recurso e por via dele:
a) ser declarada nula e sem efeito a decisão recorrida nos termos do art.º 615º do C.P.Civil, porquanto há oposição entre a fundamentação e a decisão, como há ambiguidade e obscuridade na decisão o que a torna ininteligível nos termos do art.º 615º nº 2 do CPC.

b) ser declarado o erro de julgamento, porquanto a decisão recorrida teve assento numa errada e faltosa apreciação da matéria de facto e de Direito

c) ser revogada a douta decisão do tribunal a quo e decretar-se, com urgência, a procedência da Intimação para a Protecção de Direitos Liberdades e Garantias, atento o risco iminente do dano grave e irreparável, sob pena da inutilidade superveniente da lide.


O Município de Lagoa apresentou as seguintes conclusões com as sua contra-alegações:
Questão prévia:
I. Os Recorrentes apresentam as suas conclusões em clara violação com o disposto artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
As conclusões de um recurso são a mera reprodução, ainda que parcial, do corpo das alegações, não se pode, em rigor, afirmar que o Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
Sendo que de tal facto devem retirar-se as consequências devidas.
Quanto ao invocado:
II. A Douta Sentença proferida não merece o mínimo reparo, nem a pretensão dos Recorrentes pode ter aceitação, porque carecida de qualquer fundamento.

III. Bem andou a sentença ao determinar que não se encontravam reunidos os requisitos de admissão previstos no artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
IV. Os recorrentes requerem ao tribunal:
a) O reconhecimento do direito à reconstrução do edificado existente até uma área de 300 m2, nos termos do artigo 60.º do RJUE e artigos 27.º-C e 41.º do RPDM com a consequente e necessária emissão da Certidão comprovativa da existência de edificado anterior a 1951;
b) A aprovação o projeto de especialidade da habitação;
c) A aprovação do projeto das construções de apoio para os animais com uma área de 130 m2;
d) A apreciação pelo digno Tribunal o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium;
e) A verificação da nulidade dos Despachos camarários.
V. Por conseguinte, a sua pretensão encontra no seu pressuposto na emissão da certidão “antes de 51”. Aliás, como serviu ao processo n.º 182/20.5 BELLE.

VI. As motivações dos Recorrentes prendem-se no pretensão do direito construir uma habitação digna aos seus filhos e pais, bem como o manter a sua atividade profissional.

VII. Objetivos louváveis, mas que não se podem dissociar do cumprimento da lei.

VIII. Os Recorrentes invocam irregularidades verificadas noutros processos, casos em que a Câmara Municipal decidiu pelo deferimento do pedido das certidões antes de 1951. Esquecendo que cada um deles foi objeto da devida ponderação técnica e decidido em conformidade.
IX. O artigo 60.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação faz apelo, de facto, à da garantia do existente.

X. É pacífico o entendimento segundo o qual o artigo é aplicável às edificações construídas ao abrigo do direito anterior e utilizações respetivas, sendo designadas de preexistências físicas e não meramente jurídicas, contudo a dimensão da garantia deixa de existir se o edifício objeto de proteção desaparecer (enquanto entidade utilizável).

XI. O artigo 60.º não faz qualquer referência a ruínas, mobilizando o conceito de edificações construídas ao abrigo do direito anterior.

XII. O artigo 60.º visa evitar a aplicação de novas normas urbanísticas a edificações que, por se encontrarem consolidadas, não as podem cumprir
XIII. Por via de regra, as ruínas não se integram na garantia do existente nas situações de aproveitamento de ruínas desprovidas de condições físicas que permitam reconstituir as características essenciais da edificação.

XIV. A IGAMAOT afirma “desaparecendo a edificação originária ou não sendo possível reconstituí-la, são de aplicar as novas regras entradas em vigor, já que o regime especial previsto no artigo 60.º do RJUE para edifícios existentes não tem, nestas circunstâncias, aplicação”.

XV. A garantia do existente não está vocacionada para ruínas, físicas ou urbanísticas, já que visa a recuperação do património construído.

XVI. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve entende que “as «ruínas» enquanto meros vestígios de uma edificação, sem um mínimo de identidade, não configuram uma pré-existência para efeitos de se reconhecer o direito à obtenção de autorização para construção”.

XVII. O PROT-Algarve invocado pelos Recorrentes corresponde ao Plano aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 11/91, de 21 de março, entretanto REVOGADO. No ano de 2020, não é possível proceder ao licenciamento de edificações isoladas por razões ponderosas.

XVIII. O Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROT-Algarve) atualmente vigente foi aprovado em Conselho de Ministros a 24 de maio de 2007, determina “Estabelecimento de um regime de proibição para a edificação dispersa fora dos perímetros urbanos e para a edificação em zonas inundáveis ou sensíveis, recuperando e requalificando as áreas existentes de edificação dispersa; a edificação isolada em solo rural deverá cingir-se à reconstrução e recuperação do património edificado e às necessidades das actividades produtivas em meio rural.”
XIX. Apenas é admissível o uso do processo de intimação previsto no artigo 109.º e seguintes do CPTA quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade e garantia ou de um direito fundamental de natureza análoga, cuja proteção careça da emissão urgente de uma decisão de fundo (indispensabilidade) e não se verifique uma impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar, instrumental de uma ação administrativa comum ou especial (subsidiariedade).

XX. A falta de qualquer um dos referidos pressupostos de admissibilidade consubstancia exceção dilatória inominada de inidoneidade do meio processual.

XXI. A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias tem por objeto a
tutela dos direitos constantes do Título II da Parte I da CRP, bem como outros direitos fundamentais dispersos por outras secções da Lei Fundamental que revistam natureza análoga, nos termos do artigo 17º da CRP.

XXII. A tutela aqui em causa visa prevenir, com especial celeridade, qualquer atentado, por parte dos poderes públicos, ao exercício útil destes direitos, seja por ação ou por omissão.

XXIII. No caso sub iudice inexiste necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia; o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma ação administrativa normal, seja comum ou especial foi afastado pelos Recorrentes.

XXIV. O processo de intimação caracteriza-se pela preferência, sumariedade e urgência, visando a obtenção de uma proteção rápida e contundente ao exercício de um direito, liberdade ou garantia pessoal, frente a qualquer tipo de ameaças, restrições, lesões ou violações, provenientes, designadamente, da atuação ou omissão da Administração.

XXV. Interesses que aqui estão ausentes, existindo antes outro meio processual alternativo especial para defesa de direitos, liberdades e garantias determinados.

XXVI. Não estamos na presença da proteção de um direito, liberdade e garantia, tendo presente que o direito de construção não é parte integrante do direito fundamental de propriedade privada previsto no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.

XXVII. Não se encontra plasmado na lei, nem na realidade factual que o direito à construção invocado seja um direito adquirido.

XXVIII. É um facto indesmentível que à data da prepositura da ação não existia pedido de informação prévia ou de licenciamento, logo não existindo vício de excesso de pronúncia.

XXIX. De resto, os Recorrentes invocam diversos vícios à sentença recorrida, repetindo os argumentos já expendidos e, conforme se demonstrou, carecem de todo de fundamento.

Termos em que, e nos demais do douto suprimento de V.s Ex.ªs, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a Sentença recorrida com as demais consequências legais.”.

O Ministério Público junto deste Tribunal, foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA.

*
Cumpre, assim, decidir se o despacho recorrido:
- é nulo por alegadamente não ter procedido ao exame crítico das provas, por a decisão tomada estar em contradição com os seus fundamentos, por existir excesso de pronúncia e ainda por tal decisão se mostrar ininteligível, obscura e ambígua;
- se sofre do erro de julgamento que lhe é imputado, devendo ser revogado e substituído por outro que admita a P.I., por a acção para protecção de direitos, liberdades e garantias ser a adequada aferir da pretensão dos Recorrentes;
- se deve, a final, condenar-se o Recorrido a satisfazer a pretensão dos Recorrentes nos termos por estes peticionados.
*
Fundamentação
De facto.
Provam os autos que:

a) Os ora Recorrentes são proprietários do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o n.º 996 e inscrito na matriz predial sob o n.º 72 da secção E, no Sítio Casarão, da União de Freguesias de Lagoa e Carvoeiro – doc. de fls. 50 do processo electrónico;

b) Em 18/08/2016, os ora Recorrentes requereram junto do Município de Lagoa que emitisse certidão a atestar que “o prédio urbano sito” no terreno indicado em a) “foi construído antes de 07 de Agosto de 1951” – doc. de fls 100 do processo electrónico;

c) Em 02/03/2020, os Recorrentes voltaram a requerer junto do Município de Lagoa que emitisse certidão a atestar a existência de uma ruína de uma antiga construção existente no prédio indicado em a), com data anterior a 1951 – fls. 144 do processo electrónico;

d) Em 09/03/2020, foi emitida informação pelos serviços do Município Recorrido em que se propunha o indeferimento do peticionado, nos seguintes termos: “(…) Na sequência da tramitação processual considera-se que para o prédio em causa decorre um pedido de certidão de isenção de licença de utilização, cuja apreciação desde logo não obteve considerações técnicas para a sua emissão, as quais refletem a não existência de matéria que justifique a certificação de uma edificação erigida ao abrigo do direito anterior” – fls. 144 do processo electrónico;

e) Os requerimentos indicados em b) e c) foram indeferidos por deliberação da Câmara Municipal de 10/03/2020 – fls. 144 e 401, 405 do processo electrónico;

f) Em 23/03/2020, os Recorrentes intentaram no TAF de Loulé, nos termos do art. 104º do CPTA, acção de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, que aí correu termos sob o n.º 182/20.5BELLE e em que pediram que o Município fosse intimado a emitir certidão certificativa da existência da edificação de construção anterior a 1951”, pedindo ainda a declaração da nulidade da decisão [de indeferimento da emissão da certidão pretendida] e requerendo, “em caso de incumprimento” [da intimação para a passagem da certidão pretendida], a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória [sem que releve, por não corresponder a efeito jurídico algum ou providência jurisdicional que possa ser obtida, o pedido de condenação da entidade requerida “em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium”] - cfr. despacho recorrido;

g) Em 20/04/2020, o TAF de Loulé proferiu sentença que declarou a improcedência do pedido de intimação para passagem de certidão, o que fez com a seguinte fundamentação:

(…) Esta pretensão dos requerentes – que não se destina ao cumprimento do dever de prestação de uma informação, mas sim à prática de um acto de natureza certificativa ou declarativa da existência de uma determinada situação ou qualidade da “edificação” ou “ruína” pré-existente - não se integra, pois, no âmbito do direito à informação, procedimental ou extra-procedimental: com efeito, o pretendido acto certificativo não respeita a uma qualquer actuação administrativa sobre a qual os requerentes possam ser informados, por ser conhecida ou estar documentada num procedimento ao qual os mesmos tenham acesso ou por respeitar à existência ou conteúdo de determinados documentos (cfr., sobre o âmbito do direito à informação e desta forma processual, entre muitos outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20 de Maio de 2004, proferido no processo n.º 00002/04-CA, citado pelos próprios requerentes na sua réplica, ou Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 3872/08). Não podem os requerentes, pois, ver satisfeita a sua pretensão – porque não informativa - através deste meio processual, uma vez que este se destina exclusivamente a exigir das entidades requeridas o cumprimento do dever de informação, e não a emissão de actos ou a adopção de outros comportamentos ou condutas: e não o podem porque, ao contrário do que sustentaram no requerimento inicial e insistem na sua réplica, o seu pedido não foi formulado no exercício do direito à informação. Querendo exigir da entidade requerida a adopção de uma conduta que consideram legalmente devida e, ou impugnar a decisão que indeferiu a emissão do acto certificativo pretendido - mas que não resulta do cumprimento de um dever de prestação de informação -, teriam os requerentes que lançar mão da adequada acção administrativa (cfr. artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). De qualquer modo, a pretensão deduzida pelos requerentes nestes autos, porque fundamentada no direito à informação, não pode, de meritis, proceder: e não pode, de resto, julgar-se verificado o erro na forma de processo utilizada – dada a sua adequação, em abstracto e à luz do critério estabelecido pelo legislador, para o fim que os requerentes pretendiam atingir, com vista à tutela da pretensão deduzida pelos requerentes, fundada precisamente no direito à informação que invocaram ter. (…)” – cfr. despacho recorrido;

h) Em 08/05/2020, os Recorrentes intentaram a presente acção para protecção de direitos liberdades e garantias – cfr. fls. 1 do processo no SITAF;

i) Em 12/05/2020, foi proferido no TAF de Loulé o despacho ora recorrido, que rejeitou liminarmente o pedido de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, o que fez nos seguintes termos:

“(…)
Os AA., conforme referidos pelos próprios, vieram apresentar neste Tribunal, intimação para passagem de certidão, “certificativa da existência da edificação de construção anterior a 1951”, pedindo ainda a declaração da nulidade da decisão [de indeferimento da emissão da certidão pretendida] e requerendo, “em caso de incumprimento” [da intimação para a passagem da certidão pretendida], a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória [sem que releve, por não corresponder a efeito jurídico algum ou providência jurisdicional que possa ser obtida, o pedido de condenação da entidade requerida “em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium”], nos termos do art. 104º do CPTA, que obteve o nº 182/20.5BELLE.

Por sentença de 20/04/2020, veio este tribunal decidir o seguinte:
(…)
Esta pretensão dos requerentes – que não se destina ao cumprimento do dever de prestação de uma informação, mas sim à prática de um acto de natureza certificativa ou declarativa da existência de uma determinada situação ou qualidade da “edificação” ou “ruína” pré-existente - não se integra, pois, no âmbito do direito à informação, procedimental ou extra-procedimental: com efeito, o pretendido acto certificativo não respeita a uma qualquer actuação administrativa sobre a qual os requerentes possam ser informados, por ser conhecida ou estar documentada num procedimento ao qual os mesmos tenham acesso ou por respeitar à existência ou conteúdo de determinados documentos (cfr., sobre o âmbito do direito à informação e desta forma processual, entre muitos outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20 de Maio de 2004, proferido no processo n.º 00002/04-CA, citado pelos próprios requerentes na sua réplica, ou Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 3872/08). Não podem os requerentes, pois, ver satisfeita a sua pretensão – porque não informativa - através deste meio processual, uma vez que este se destina exclusivamente a exigir das entidades requeridas o cumprimento do dever de informação, e não a emissão de actos ou a adopção de outros comportamentos ou condutas: e não o podem porque, ao contrário do que sustentaram no requerimento inicial e insistem na sua réplica, o seu pedido não foi formulado no exercício do direito à informação. Querendo exigir da entidade requerida a adopção de uma conduta que consideram legalmente devida e, ou impugnar a decisão que indeferiu a emissão do acto certificativo pretendido - mas que não resulta do cumprimento de um dever de prestação de informação -, teriam os requerentes que lançar mão da adequada acção administrativa (cfr. artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). De qualquer modo, a pretensão deduzida pelos requerentes nestes autos, porque fundamentada no direito à informação, não pode, de meritis, proceder: e não pode, de resto, julgar-se verificado o erro na forma de processo utilizada – dada a sua adequação, em abstracto e à luz do critério estabelecido pelo legislador, para o fim que os requerentes pretendiam atingir, com vista à tutela da pretensão deduzida pelos requerentes, fundada precisamente no direito à informação que invocaram ter.
(…)”

Termina com a seguinte decisão:
“a) Recusando-se provimento ao presente processo, indefere-se o pedido de intimação para passagem de certidão deduzido pelos requerentes;”
(cfr. consulta do SITAF).

Em vez de seguir o sugerido pela Mma. Juíza e intentar acção administrativa nos termos do art. 37º do CPTA os AA. vieram agora, apresentar “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias,” terminando a sua petição com os seguintes pedidos:
1) Reconhecer aos Requerentes o direito à reconstrução do edificado existente até uma área de 300 m2, nos termos do art.º 60º do RJUE e art.s 27º-C e 41º do RPDM com a consequente e necessária emissão da Certidão comprovativa da existência de edificado anterior a 1951;
2) Aprovar o projecto de especialidade da habitação, porquanto o mesmo cumpre todos os requisitos legais;
3)Aprovar o projecto das construções de apoio para os animais com uma área de 130 m2, conforme parecer favorável da CCDR, porquanto o mesmo cumpre todos os requisitos legais;
4) Ser apreciado pelo digno Tribunal o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium;
5) Ser verificada a nulidade dos Despachos camarários;

Nos termos do art, 109º e segs. do CPTA, só é admissível o uso do processo de intimação quando esteja haja necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo que se mostre indispensável para a protecção de um direito, liberdade ou garantia; quando o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva, ou negativa, à Administração ou aos particulares e quando não seja possível, ou suficiente, no caso, o decretamento provisório de providência cautelar no âmbito de acção administrativa normal.

Ora, da leitura da petição inicial os AA. vêm invocar o direito de construção da casa de morada de família, para fundamentar o seu pedido.

Em primeiro lugar se diga que o direito de construção não é parte integrante do direito fundamental de propriedade privada - artº 62º da CRP – não é uma decorrência imediata deste, podendo ceder por razões relacionadas com a protecção de integridade geofísica, ambiental ou paisagística da zona em questão. A faculdade de construir é de configurar como mera concessão jurídico-pública resultante, regra geral, dos planos urbanísticos (vide Acórdão do STA de 10/10/2002, rec. nº 0912/02 e Acórdão do TCA de 11-07-2013, rec. nº 07698/11)
E não pode este Tribunal substituir-se às várias entidades competentes para apreciação destas matérias e conceder aos AA. o requerido pelos mesmos ou intimar o Município de Lagoa a reconhecer o direito de construção, quando nem sequer existe um processo de licenciamento apresentado pelos mesmos e quando está em causa um terreno rústico, cujos AA. pretendem que passe a ser misto. Ora, só após tal situação é que poderá haver a intervenção do Município para o controlo prévio da pretensa construção da casa de morada de família.
Não está em causa a intimação do Município para obtenção de decisão sobre algum pedido de licenciamento efectuado e que ficou sem resposta, ou em impugnar o acto de indeferimento de passagem de certidão, mas os AA. fundam a intimação em alegada recusa ilegal do Município de Lagoa em conceder o direito a construir e para o qual necessitam da certidão requerida.
São os próprios a afirmar que não requereram a emissão de uma certidão de isenção de licença de utilização à designada ruína arqueológica e nem requereram autorização de construção ou qualquer informação prévia ao processo de licenciamento. O que requereram foi a passagem de uma Certidão comprovativa da presença de uma ruína de construção anterior a 1951 considerando que a mesma é vital, não só para a alteração do regime jurídico do prédio, (de rústico para misto), como ainda para o reconhecimento do direito à reconstrução da ruína.
Ora, tal exigência de passagem de uma certidão já foi apreciada e decidida por anterior decisão judicial conforme identificada.
Os requisitos de admissão da presente intimação não se mostram preenchidos, uma vez que, em relação à emissão da certidão, a mesma já foi decidida e quanto aos outros pedidos, não pode este tribunal impor a conduta que os AA. pretendem do Município, através deste meio processual. Acresce que, nem sequer está em causa a protecção de um direito, liberdade e garantia.
Tal como já referido pela douta sentença no processo 182/20.5BELLE, não é também este o meio idóneo a obter tal comportamento, devendo, os AA. recorrer à acção administrativa nos termos do art. 37º do CPTA, se pretenderem.
Se os AA. não concordaram com a sentença já proferida a este propósito, tinham à sua disposição o recurso, mas ao invés, preferiram este meio processual, que, como se referiu, também não é idóneo.
Acresce que a “inadequação” do uso deste meio processual não pode originar o convite aos AA. para substituírem a petição inicial por requerimento cautelar, porque no caso, não existe qualquer medida cautelar que pudesse ser aplicada e ir de encontro ao pretendido pelos AA.

Aliás, são os próprios AA. a elencar na sua petição inicial os motivos para não usarem de meio processual cautelar.
Não estando reunidos os requisitos de admissão previstos no art. 109º do CPTA e não sendo possível a aplicação do art. 110º-A do CPTA, o erróneo meio processual utilizado implica o fim da instância, rejeitando-se liminarmente a presente intimação. (…)”

– cfr. fls. 181 do processo electrónico;

j) Em 14/05/2020 os ora Recorrentes apresentaram junto do Município um pedido de informação prévia para obras de edificação no prédio indicado em a), ao abrigo do n.º 1 do artigo 14.º do RJUE, registada com o n.º de processo 1/2020/1060/0 – doc. 9 junto com as contra-alegações;

k) E ainda um pedido de licenciamento de agropecuária ao abrigo do n.º 2 do artigo 4.º, artigo 27.º e artigo 83.º do RJUE, registada com o n.º de processo 1/2020/1061/0 – doc. 10 junto com as contra-alegações;

*
Direito
Da nulidade da decisão recorrida.
Os Recorrentes defendem que a decisão recorrida é nula por não ter procedido ao exame crítico das provas, por a decisão tomada estar em contradição com os seus fundamentos, por existir excesso de pronúncia e ainda por se mostrar ininteligível, obscura e ambígua.
Não lhes assiste razão.
Os vícios que poderiam importar a nulidade da decisão recorrida são os previstos no art.º 615.º do CPC.
Na decisão recorrida começa por se aludir à acção de intimação para passagem de certidão, prevista no art.º 104.º do CPTA, que os Recorrentes interpuseram contra o Município, em que, com fundamento no disposto nos artigos 83 º e 84 º do CPA, requereram a intimação do Município ora Recorrido a emitir “certidão comprovativa da presença do edificado anterior a 1951”. Transcreveu-se parte do teor da sentença proferida naquela acção, em que se indeferiu o pedido, por se ter aí entendido que a pretensão dos ora Recorrentes não se compreende no âmbito do direito à informação procedimental ou extra-procedimental.
Posteriormente, a decisão recorrida passa a indicar o pedido deduzido pelos Recorrentes no âmbito da presente acção para protecção de direitos, liberdades e garantias, refere os pressupostos processuais que têm de se verificar para a mesma poder ser admitida e decide que o Tribunal não pode satisfazer tal pedido por e em síntese:
- os Recorrentes invocarem como fundamento da sua pretensão o direito a construir a casa de morada de família no prédio de que são proprietários, mas que o direito de construção não faz parte do direito de propriedade constitucionalmente consagrado, constituindo, antes, uma faculdade que é reconhecida pelo Município;
- o Tribunal não pode substituir-se ao Município e às demais entidades envolvidas, a quem cabe aferir do direito de construir a casa de habitação dos Recorrentes no prédio em causa, nomeadamente por nem existir um processo de licenciamento apresentado por aqueles e por estar em causa um terreno rústico que os Recorrentes pretendem que passe a ser misto, alegando-se que cabe ao Município efectuar o controlo prévio da pretensão apresentada pelos Recorrentes;
- os Recorrentes não terem requerido “a emissão de uma certidão de isenção de licença de utilização à designada ruína arqueológica e nem requereram autorização de construção ou qualquer informação prévia ao processo de licenciamento”, referindo-se aí que o “que requereram foi a passagem de uma Certidão comprovativa da presença de uma ruína de construção anterior a 1951 considerando que a mesma é vital, não só para a alteração do regime jurídico do prédio, (de rústico para misto), como ainda para o reconhecimento do direito à reconstrução da ruína.”;
Diz-se ainda na decisão recorrida que o meio adequado para reagir ao decidido na sentença proferida na acção de intimação para passagem de certidão, prevista no art.º 104.º do CPTA, é o recurso e não a presente acção e que não se convidavam os ora Recorrentes a “substituírem a petição inicial por requerimento cautelar, porque no caso, não existe qualquer medida cautelar que pudesse ser aplicada e ir de encontro ao pretendido pelos AA.”.

Como se vê e contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, não se verifica qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, uma vez que estes se mostram concordantes, encontrando-se a decisão suportada pelos fundamentos indicados.
Para aferir da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, há que atender à estrutura lógica da sentença. Não releva o eventual erro na apreciação da matéria de facto ou no exame dos meios de prova, ou na interpretação da norma jurídica.
E também não se conheceu de qualquer questão que extravase o objecto do processo.
Conforme se diz no ac. do S.T.J. de 30/9/2010, proc. n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, in www.dgsi.pt/:
(…)
II- O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.
III- O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.
IV- Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador.”.

Também não estamos perante uma decisão que se mostre ininteligível, obscura ou ambígua.
A sentença é ambígua quando a sua leitura consinta a atribuição de mais de um sentido a qualquer dos seus fundamentos ou à decisão proferida.

Há nulidade da decisão por obscuridade ou ambiguidade quando tal vício “…gere ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal não possa retirar da parte decisória (e só desta) um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar (…)” – cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª Edição, pág. 382, nota 48-A.

No caso, o sentido da decisão proferida apresenta um sentido unívoco e inteligível, pelo que não se verifica a nulidade que lhe é apontada.

Do erro de julgamento.

Defendem os Recorrentes que a decisão recorrida sofre de erro de julgamento ao ter rejeitado liminarmente a P.I. com o fundamento de que a presente acção não constitui o meio processual adequado para apreciar a sua pretensão.

Alegam que se verificam os necessários pressupostos processuais para que se possa conhecer de mérito, nomeadamente por terem invocado a violação de direitos fundamentais, como o direito à habitação, à vida, à integridade física, à dignidade humana, à livre iniciativa económica e, para além disso, dizem ter descrito uma situação de urgência que decorre da circunstância de residirem num pré-fabricado com mais seis filhos menores, a qual se encontra em risco de ruir parcialmente, existindo ainda a possibilidade dos filhos lhes serem retirados, tratando-se de situação sinalizada pela comissão de protecção de menores. Dizem ainda que no terreno onde pretendem construir a habitação, têm uma exploração pecuária para onde se deslocam diariamente e que, por ali não se encontrarem permanentemente, já lhes foram furtados 70 dos 100 animais que ali tinham.

Estatui o n.º 1 do art.º 120.º do CPTA que “a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.

Trata-se de uma acção principal urgente que visa dar cumprimento ao n.º 5 do art.º 20.º da CRP e que, de acordo com as palavras do legislador, se destina a proteger direitos, liberdades ou garantias.

A doutrina tem condicionado a utilização da presente acção aos seguintes pressupostos: “(a) se estiver em causa o exercício de um direito, liberdade e garantia; (b) se for necessária, para a protecção do direito, liberdade e garantia, a adoção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração; (c) se a intimação for necessária para evitar em tempo útil a lesão do direito; (d) se não for possível ou suficiente, para assegurar o exercício do direito, o decretamento provisório de uma providência cautelar”. – cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4ª ed., em anotação ao art.º 109.º do CPTA, a pág. 882 e segs..

Referem ainda os mesmos autores que a falta de algum desses requisitos pode importar a rejeição da petição através de despacho liminar, devendo, porém, convidar-se o autor a apresentar um pedido cautelar se o circunstancialismo da situação o permitir.

Por outro lado e como também dizem na mesma anotação, “não basta a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exerdcio em tempo útil desse direito.”

Jorge Reis Novais, “Direito, liberdade ou garantia”: uma noção constitucional imprestável na justiça Administrativa?”, CJA n.º 73, 2009, pág. 44 e segs., defende que, para além dos direitos, liberdades ou garantias previstos no capítulo I do título II da CRP e dos direitos de natureza análoga (por via do art.º 17.º da CRP), se deve admitir a utilização da presente acção para a tutela de outros direitos fundamentais (por beneficiarem da força normativa que a CRP lhes confere), como é o caso do direito à habitação, que é um direito social.

Para tanto e de acordo com o mesmo autor, é necessário que esteja em causa um direito fundamental cujo conteúdo se encontre suficientemente densificado em termos de direito subjectivo público (seja pela Constituição, seja pela lei ordinária), que seja susceptível de ser judicialmente invocável com respeito integral do princípio da separação de poderes e dos limites funcionais da justiça administrativa.

No caso, os Recorrentes alegaram que no terreno rústico de que são proprietários existe uma ruína de uma casa de habitação construída em data anterior a 1951, com 10m de comprimento x 5m de largura e paredes de 0.80 cm de altura.

Dizem que a existência dessa ruína lhes confere o direito a proceder à construção da sua casa de morada de família, por força do princípio da garantia do existente a que se refere o art 60º do RJUE e bem assim por aplicação do disposto no art 27.º-C e 41º do RPDM do Município de Lagoa e dos artigos 24.º e 26.º do PROTAL.

Conforme se decidiu, entre vários outros, no ac. do STA datado de 09/10/2002, proc. n.º 0443/02, in www.dgsi.pt, a faculdade de edificar, “não integra o núcleo do direito de propriedade garantido pela Constituição, devendo antes configurar-se como uma concessão jurídico-pública resultante da modelação operada pelos instrumentos do planeamento urbanístico e ordenamento do território, a bem dos interesses mais vastos da comunidade; a protecção constitucional abrange esse direito quando entendido como a susceptibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e da sua livre disponibilidade, isto é, como poder imediato, directo e exclusivo sobre concretos e determinados bens”.

Significa isso que o reconhecimento do direito a construir a habitação que os Recorrentes vêm invocar na presente acção pressupõe que estejam reunidos os pressupostos previstos na lei ordinária.

No caso, a invocação da existência de uma ruína com 10m de comprimento x 5m de largura e paredes de 0.80 cm de altura, é insuficiente para que o Tribunal possa, perante o disposto no art 60º do RJUE, no art 27.º-C, no 41º do RPDM do Município de Lagoa e nos artigos 24.º e 26.º do PROTAL, conhecer do pedido que os Recorrentes formularam, em que pedem que se declare o direito à reconstrução do edificado existente até uma área de 300 m2, nos termos do art.º 60º do RJUE e art.s 27º-C e 41º do RPDM, o direito à aprovação do projecto de especialidade da habitação, porquanto o mesmo cumpre todos os requisitos legais, bem assim como à aprovação do projecto das construções de apoio para os animais com uma área de 130 m2, conforme parecer favorável da CCDR, porquanto o mesmo cumpre todos os requisitos legais.

Conforme resulta do art.º 4.º do RJUE, a realização de operações urbanísticas pode depender de licença, de comunicação prévia, ou tratar-se de operações urbanísticas isentas de controlo prévio, sendo que, mesmo estas, devem observar as “normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais, intermunicipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de proteção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional”, conforme disposto no n.º 8 do art.º 6.º do RJUE.

Isto é, o invocado princípio da garantia do existente a que se refere o art 60º do RJUE e bem assim como o disposto no art 27.º-C e 41º do RPDM do Município de Lagoa e nos artigos 24.º e 26.º do PROTAL, não permitem ao Tribunal aferir da existência na esfera jurídica dos Recorrentes do direito de construção da casa de morada de família nos termos peticionados, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

Contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, não estamos perante a prática de actos de conteúdo estritamente vinculado que permitisse ao Tribunal substituir-se ao Município.

Conforme se disse na sentença recorrida, os Recorrentes terão de apresentar previamente a sua pretensão junto do Município de Lagoa, cabendo ao Tribunal sindicar as decisões que vierem a ser tomadas.

Verifica-se ainda que o pedido de informação prévia para realização de obras de edificação e o pedido de licenciamento de agropecuária que os Recorrentes invocam, foram apresentados no Município de Lagoa em data posterior à do despacho liminar ora recorrido.

Por outro lado, não é verdade que o Município se tenha pronunciado sobre o direito de edificação que os Recorrentes querem ver declarado através da presente acção.

Para além disso, o Município indeferiu a passagem da certidão “certificativa da existência da edificação de construção anterior a 1951”, que os Requerentes peticionaram.

Os despachos que indeferiram a emissão de certidão comprovativa de certidão foram objecto da acção de intimação para passagem de certidão que os Recorrentes intentaram e que não obteve provimento.

Para reagirem ao aí decidido, os Recorrentes deveriam ter intentado o correspondente recurso jurisdicional. Não podem impugnar tal decisão através da presente acção.

Acresce que, no caso e porque está em causa o direito a construir a casa de morada de família dos Recorrentes, também não se vê como tal direito possa ser acautelado através da emissão de qualquer providência cautelar, pelo que, tal como decidido, não havia que os convidar a reformular o pedido, o que, aliás, os Recorrentes não contestam.

Em suma, a utilização da presente acção mostra-se inadequada para conhecer dos direitos invocados pelos Recorrentes, pelo que há que concluir que o despacho recorrido não sofre do erro de julgamento que lhe é imputado.

Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Sem custas, em razão da natureza objectiva da isenção – art.º 4.º, n.º 2, al. b) do RCP.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2020

O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Juízes Desembargadores que integram a formação de julgamento.

Jorge Pelicano

Celestina Castanheira

Ricardo Ferreira Leite