Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:105/12.5BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:INJUNÇÃO
·TRANSAÇÕES COMERCIAIS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – RECOLHA DE EFLUENTES
·MEIO PROCESSUAL
·INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
·JUROS COMERCIAIS
Sumário:Nos termos do regime previsto no DL nº 32/2003, de 17.1, o atraso de pagamento em transações comerciais confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da causa.
· No caso de ser deduzida oposição, os autos são remetidos ao tribunal competente e passam a tramitar como ação administrativa (art 7º, nº 2 do DL nº 32/2003), inexistindo inidoneidade processual.
· Após a vigência do DL nº 32/2003, de 17.2, os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transações comerciais, que abrangem as transações entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem à prestação de serviços contra uma remuneração, são os estabelecidos no Código Comercial, portanto, são juros comerciais.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório.
Á…….. A……., SA, apresentou um requerimento de injunção contra o Município de Vila Real de Santo António, pedindo o pagamento da quantia de €: 1.596.585,95, sendo €: 1.428.803,41, a título de capital, e €: 167.782,54, a titulo de juros moratórios vencidos e vincendos.
Por ter sido apresentada oposição o processo foi remetido a tribunal.

A 22.5.2012 foi proferida decisão que absolveu o réu da instância, por erro na forma de processo e ineptidão do requerimento inicial.

Inconformado com a decisão, o requerente interpôs recurso de apelação. Nas alegações de recurso o recorrente concluiu do modo seguinte:











O recorrido contra-alegou, concluindo nos termos que seguem:




O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, nada disse.

A instância esteve suspensa, a pedido das partes, e o recorrido veio informar que no ano de 2014 procedeu ao pagamento do valor inscrito nas faturas objeto deste processo, por isso pediu a absolvição parcial do pedido por verificação de exceção perentória, relativamente ao montante de €: 1.428.803,41, restando em litígio o valor alegadamente em dívida respeitante a juros moratório.

O recorrente nada disse sobre o requerimento de absolvição parcial do pedido, por pagamento.

Após vistos, vem o processo à conferência para decisão.

Questões a apreciar:

As questões suscitadas pela recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou, de direito, ao ter concluído pelo erro na forma do processo e pela inexistência de causa de pedir.


Fundamentação de facto
Para a decisão do recurso importa dar como provados os factos seguintes:
A) A recorrente Á…….. A……., SA, é uma sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos e concessionária, em regime de exclusivo, da exploração e gestão, as quais abrangem a conceção, a construção das obras e equipamentos, bem como a exploração, reparação, renovação e manutenção do Sistema Multimunicipal de abastecimento de água do Algarve, para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público dos municípios de Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António – DL nº 285/2003, de 8.11.
B) No âmbito desta concessão, a recorrente celebrou, em 22.3.2004, com o Município de Vila Real de Santo António, um contrato de recolha de efluentes – doc nº 2 da oposição.
C) No exercício da referida concessão, a recorrente prestou ao Município serviços que respeitam a recolha, tratamento e rejeição de efluentes domésticos – por confissão (art 65º da oposição).
D) Assim, emitiu e enviou ao recorrido, que as recebeu, as faturas seguintes:
· Fatura nº 308……., datada de 31.8.2009, no valor de €: 25.143,25, com vencimento a 30.10.2009;
· Fatura nº 308….., datada de 30.9.2009, no valor de €: 65.588,28, com vencimento a 29.11.2009;
· Fatura nº 308....., datada de 31.10.2009, no valor de €: 49.461,57, com vencimento a 30.12.2009;
· Fatura nº 308....., datada de 30.11.2009, no valor de €: 41.422,97, com vencimento a 29.1.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 31.12.2009, no valor de €: 101.582,30, com vencimento a 1.3.2010;
· Fatura nº 308……, datada de 31.1.2010, no valor de €: 113.051,06, com vencimento a 1.4.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 28.2.2010, no valor de €: 135.629,22, com vencimento a 29.4.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 31.3.2010, no valor de €: 170.313,77, com vencimento a 30.5.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 30.4.2010, no valor de €: 130.292,02, com vencimento a 29.6.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 31.5.2010, no valor de €: 80.176,86, com vencimento a 30.7.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 30.6.2010, no valor de €: 77.154,14, com vencimento a 29.8.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 31.7.2010, no valor de €: 132.390,96, com vencimento a 29.9.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 31.8.2010, no valor de €: 148.933,18, com vencimento a 30.10.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 30.9.2010, no valor de €: 87.987,95, com vencimento a 29.11.2010;
· Fatura nº 308….., datada de 31.10.2010, no valor de €: 69.675,88, com vencimento a 30.12.2010 – admissão por acordo.
E) A 5.12.2011 a ora recorrente apresentou requerimento de injunção contra o recorrido solicitando o pagamento de €: 1.428.803,41, a título de capital, de €: 167.782,54, a título de juros, e de €: 153,00, a título de taxa de justiça, tudo somando o valor de €: 1.596.585,95 – pi.
F) A 3.2.2012 o Balcão Nacional de Injunções remeteu o processo ao TAF de Loulé, onde foi distribuído como ação administrativa comum, na forma ordinária – por consulta do processo.
G) O recorrido pagou à recorrente os valores inscritos na fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308…., no dia 20.5.2014 e no dia 16.10.2014 pagou os valores da fatura nº 308….., da fatura nº 308…., da fatura nº 308….., tudo somando o valor total de €: 1.428.803,41 – docs nº 1 e 2 juntos a 23.2.2017 e por acordo.
H) O recorrido liquidou os juros comerciais vencidos até à data da propositura do requerimento de injunção – 5.12.2011 – em €: 166.823,48, mas não os pagou à recorrente – por confissão (art 83º da oposição).

O Direito.

A decisão recorrida concluiu pelo erro na forma do processo e pela inexistência de causa de pedir impossíveis de sanação e, consequentemente, pela absolvição do Município da instância. E fê-lo por considerar que estava vedado ao requerente o uso do procedimento de injunção, atendendo ao disposto no art 7º do regime anexo ao DL nº 268/98, de 1.9 e no art 3º, al a) do DL nº 32/2003, de 17.2, e, por falta de causa de pedir do requerimento inicial, anulou todo o processo.
Assim não o entendeu a recorrente que alega ter a decisão recorrida incorrido em erro de julgamento, por violação do disposto nos arts 1º, 2º, nº 1, 2 e 3º als a) e c) e 7º do DL nº 32/2003, de 17.02, nos arts 1º e 2º, nº 1 da Diretiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Concelho, de 29.06.
Vejamos.

A presente ação visa o pagamento de quantias referentes a trabalhos prestados no âmbito de um contrato de recolha de efluentes celebrado entre a ora recorrente, enquanto concessionária do sistema multimunicipal de saneamento do Algarve, e os municípios utilizadores, no caso o Município de Vila Real de Santo António.

Para tanto, como evidencia o relatório da sentença recorrida, a autora disse, em 21 artigos da petição inicial, que, no período de 30.10.2009 a 30.12.2010, recolheu e tratou efluentes provenientes do sistema próprio do Município, no valor total de €: 1.428.803,41, que faturou para lhe serem pagos a 60 dias, mas até à apresentação do requerimento de injunção nada lhe foi liquidado, encontrando-se em dívida esse montante acrescido de juros comerciais em vigor, no valor vencido de €: 167.782,54.

E o Município deduziu oposição com defesa por exceção e por impugnação.
No entanto, o tribunal recorrido argumenta que «o requerente limita-se a indicar, como causa de pedir a expressão «fornecimento de bens ou serviços», sem alegar quaisquer factos que fundamentem o seu pedido, o que configura uma situação de verdadeira inexistência de causa de pedir. Deste modo, facilmente se conclui que o requerimento inicial sofre de ineptidão por falta de indicação da causa de pedir ou de qualquer suporte fáctico que a permitisse descortinar, mesmo que implicitamente». E, de seguida, conclui pela «existência de exceção dilatória prevista na al b) do art 494º do CPC (ex vi art 193º, nº 1 do CPC) que é de conhecimento oficioso, como esclarece o art 495º do CPC, o que acarreta a sanção de absolvição da instância. Não pode considerar-se sanado o vício, apesar de a requerida ter apresentado contestação».
O assim decidido não está correto, por desconforme com o disposto no art 193º do CPC de 1961 (o aplicável à data) ex vi art 1º do CPTA de 2002.

Nos termos do art 193º do CPC, é nulo todo o processado se a petição inicial for inepta, devendo considerar-se como tal a petição em que falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou causa de pedir, em que o pedido formulado esteja em contradição com a causa de pedir ou, ainda, quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Entre os requisitos da petição inicial legalmente exigidos, encontram-se a alegação dos factos concretos e as razões de direito capazes de suportar o pedido formulado, cominando o legislador com a sanção de ineptidão a petição em que falte de todo ou seja, também de todo, ininteligível a causa de pedir já que, não sendo esta falta absoluta estaremos perante mera deficiência da petição suscetível de ser corrigida a convite do Tribunal (cfr art 88º, nº 2 do CPTA de 2002).

A propósito da distinção entre ineptidão da petição inicial e deficiência desta alertava já Alberto dos Reis, em Comentário ao Código de Processo Civil, II vol., pág. 372 e segs, para a importância de se «não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição».

Ora, considerando que estamos em presença de uma ação de incumprimento contratual por falta de pagamento do preço, das alegações da requerente resulta que foi alegada a prestação de serviços a coberto do contrato celebrado entre as partes e interpelado o Município para proceder ao pagamento, no prazo de 60 dias, o mesmo não o fez, vindo a recorrente a lançar mão do DL nº 32/2003, de 17.2, diploma que visa, como resulta do seu preâmbulo, estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamentos em todas as transações comerciais.

Daí que, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, percebe-se claramente o que constitui a pretensão da recorrente, o que esta quer – a condenação no pagamento da prestação de serviços – e quais as concretas razões de facto e de direito porque pretende tal condenação – porque prestou um serviço ao recorrido, o qual consistia em recolher efluentes provenientes do sistema próprio do Município, que não foi remunerado.

Ao que acresce, de todo o modo, que a forma como o recorrido contestou a ação revela ter ele interpretado plenamente a petição inicial, tendo compreendido o que na mesma se alegou, o que face ao disposto no artigo 193º, nº 3 do CPC, sempre determinaria a improcedência de ineptidão da petição inicial caso tivesse sido invocada pelo recorrido, o que nem mesmo aconteceu.

O que na verdade o recorrido alegou foi o erro na forma de processo, mas, como é sabido, este afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado e, no caso, esse ajustamento é manifesto e corresponde à vontade real do recorrente.

O DL nº 32/2003, de 17.2, transpôs para o direito interno a Diretiva nº 2000/35/CE, e visa, tal como consta do seu preâmbulo «estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamentos em .... todas as transações comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas coletivas privadas – a estas se equiparando os profissionais liberais – ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de negócios». Ou seja, «regulamenta todas as transações comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes», com exclusão daquelas que provêm de «contratos celebrados com consumidores» (cfr. art 2º, nº2, al a)).
Nos termos do art 3º do DL nº 32/2003 (preceito revogado pelo DL nº 62/2013, de 10.5)
para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) «Transação comercial» qualquer transação entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração;

b) «Empresa» qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.
Afirma Salvador da Costa, que o conceito de transação comercial está utilizado no texto legal em sentido amplo, abrangendo qualquer transação entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração.

E acrescenta que os sujeitos das transações comerciais a que este normativo se reporta são suscetíveis de englobar as empresas privadas em geral, as pessoas coletivas públicas e os profissionais liberais.
Por outro lado, o conceito de empresa também está utilizado em sentido amplo, abrangendo qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por uma pessoa singular (art 3º, al b)).

No caso em apreço, a recorrente é uma empresa pública, que tem por objeto a exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água do Sotavento Algarvio e do Barlavento e a exploração e gestão de sistemas de saneamento para recolha, tratamento e rejeição de efluentes.

Entre a recorrente e o recorrido foi celebrado contrato administrativo de recolha de efluentes provenientes do sistema do Município de Vila Real de Santo António.

Ou seja, entre a recorrente e o recorrido foi celebrada uma transação comercial tal como está definida no art 3º, al a) e al b) do DL nº 32/2003, de prestação de serviços contra uma remuneração.

Assim sendo, nos termos do art 7º do DL nº 32/2003, nada obsta a que recorrente se socorra do procedimento de injunção para se fazer pagar do crédito que detém sobre o Município, muito superior a €: 15.000,00, e que provém de uma transação comercial.
Pois, a injunção é uma providência destinada a permitir que o credor de uma prestação obtenha de uma forma célere e simplificada um título executivo, visando o cumprimento de obrigação pecuniária e que se aplica em duas situações:
(i) as referidas no art 1º do diploma preambular do DL nº 269/98, isto é, os casos em que se visa exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (na redação do art 6º do DL nº 303/2007, de 24.08 e (ii) aquelas em que se exige o cumprimento de obrigações que emergem de transações comerciais, tal como são definidas no art 3º do DL nº 32/2003, de 17.02.
Porém, como o recorrido deduziu oposição ao requerimento de injunção, a dedução de oposição no processo de injunção determinou a remessa dos autos para o tribunal competente - o TAF de Loulé, aplicando-se a forma de processo comum ordinária (cfr art 7º, nº 2 do DL nº 32/2003).

O processo, a partir do momento em que foi deduzida oposição ao requerimento de injunção, deixou de ser injunção e, como bem foi distribuído, passou a ser ação administrativa comum, na forma ordinária.

Este entendimento encontra expressão na jurisprudência firmada por este Tribunal Central, nomeadamente, nos acórdãos proferidos a 14.1.2010, processo nº 5635/09, de 29.9.2011, processo nº 5854/20, de 20.11.2014, processo nº 11448/14.

Assim, não pode, pois, acompanhar-se a interpretação defendida na decisão recorrida que incorre em erro de julgamento, por incorreta aplicação do direito, por inexistir ineptidão da petição inicial e erro na forma do processo.

Nada impedindo a tramitação dos autos, como sucedeu, sob a forma de ação administrativa comum, com vista ao conhecimento do mérito da causa.

Sucede que, na pendência da presente ação, o Município procedeu ao pagamento do valor do capital em dívida e veio arguir exceção perentória de pagamento, com a consequente absolvição do pedido nesta parte, mantendo-se a lide relativamente ao valor em dívida respeitante a juros moratórios.

Quid iuris?

Resulta provado que:

A 22.3.2004 as partes celebraram contrato de recolha de efluentes.

A 5.12.2011 a ora recorrente apresentou requerimento de injunção contra o recorrido, solicitando o pagamento de €: 1.428.803,41, a título de capital, de €: 167.782,54, a título de juros, e de €: 153,00, a título de taxa de justiça, tudo somando o valor de €: 1.596.585,95, pela recolha de efluentes efetuada de agosto de 2009 a outubro de 2010.
A 3.2.2012 o Balcão Nacional de Injunções remeteu o processo ao TAF de Loulé, onde foi distribuído como ação administrativa comum, na forma ordinária.
No curso da ação, mais concretamente, no dia 20.5.2014, o recorrido pagou à recorrente os valores inscritos na fatura nº 308……, fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….., fatura nº 308….. .
E no dia 16.10.2014 pagou os valores da fatura nº 308….., da fatura nº 308….. e da fatura nº 308….. .
Tudo somando o capital de €: 1.428.803,41.
Mas, apesar do recorrido ter liquidado os juros comerciais vencidos até à data da propositura do requerimento de injunção – 5.12.2011 – que ascendem a €: 166.823,48, não os pagou à recorrente.
Deste modo, o recorrido confessou a dívida e pagou o capital em dívida, em 20.5.2014 e em 16.10.2014, de €: 1.428.803,41.
O que configura uma inutilidade parcial da lide, nos termos e para efeitos do disposto no art 287º, al e) do CPC de 1961, que constitui causa de extinção da instância, e não, como pretende o recorrido, uma exceção perentória de pagamento (cfr art 493º, nº 1 e nº 3 do CPC de 1961) que leve à absolvição do pedido. Com efeito, o facto do recorrido ter pago o capital em dívida depois de ter deduzido oposição e de ter sido proferida a decisão recorrida não configura uma situação jurídica de defesa dirigida a obter uma sentença de mérito desfavorável à requerente/ recorrente. Antes, a pretensão da recorrente, de lhe ser paga a remuneração de €: 1.428.803,41, foi satisfeita voluntariamente pelo recorrido fora da presente ação.

O litigio mantem-se relativamente à dívida de juros.
Nos termos da cláusula 3ª, nº 7 do Contrato de Recolha, datado de 22.3.2004, em caso de mora no pagamento das faturas, estas passarão a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável às dívidas do Estado.

Ao contrato de recolha em causa é aplicável, como dissemos em cima, o regime previsto no DL nº 32/2003, de 17.2, e aqui importa ter em conta o seu art 4º que dispõe sobre os juros devidos (1 - Os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transações previstas no presente diploma são os estabelecidos no Código Comercial).

Com a alteração ao DL nº 32/2003, pela Lei nº 3/2010, de 27.4, que entrou em vigor em 1.9.2010, foi introduzido o art 1º à citada lei, com a epigrafe Juros de mora, com o seguinte teor:
1 - O Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, estão obrigados ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte.
2 - Quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica-se a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil.
3 - O disposto no presente artigo não é aplicável à administração fiscal, no contexto das relações tributárias, que se regem por legislação própria.
Este art 1º da Lei nº 3/2010, de 27.4, decidiu este Tribunal Central (ac de 7.3.2018, processo nº 189/13.9BEPDL), «visou o estabelecimento da obrigação do Estado e demais entidades públicas a pagarem juros de mora pelo atraso no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias, para as situações que não envolvessem “
transações comerciais”, ou seja, para as demais situações que ficassem fora do comércio, isto é, do exercício de uma atividade comercial. Basicamente, visou-se abranger as obrigações civis», sem afastar «a aplicação aos contratos em questão do art 4º, nº 1 do DL nº 32/2003, de 17.2». Daí que, decidiu ainda o Tribunal, «aquela mesma Lei nº 3/2010, de 27-04, tenha mantido em vigor o preceituado nos arts 1º, 2º, 3º e 4º, nº 1 do DL nº 32/2003, de 17.2, normativos que se aplicavam às transações comerciais e designadamente a qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
Opera aqui a ressalva do art 1º, nº 2 da Lei nº 3/2010, de 27.4, devendo entender-se que os arts 1º, 2º, 3º e 4º, nº 1 do DL nº 32/2003, de 17.2, constituem disposições legais que determinam a aplicação de taxa de juro diversa da referida no art 806º, nº 2 do Código Civil, designadamente porque estabelecem a obrigação de pagamento de juros comerciais.
Ou seja, após a vigência do DL nº 32/2003, de 17.2, os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transações comerciais aí previstas - que abrangem as transações entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem à prestação de serviços contra uma remuneração, tal como ocorre no caso dos presentes autos – são os estabelecidos no Código Comercial, isto é, são juros comerciais (art 102º, § 4º do Código Comercial)».
Aderimos à interpretação da norma perfilhada nesta jurisprudência e na demais ali citada (cfr Acs. do STA nº 09/04, de 05-04-2005; nº 0634/12, de 18-10-2012; nº 0753/12, de 13-09-2012; Acs. do TCAS nº 117/13.1BEFUN, de 19-01-2017; do TRC nº 838/05.2TBPCV.C1, de 19-12-2006 e nº 210/11.5TBCNF.C1, de 18-11-2014.
E, assim sendo, são devidos os juros desde a data de vencimento de cada um das faturas até ao respetivo pagamento em 20.5.2014 e 16.10.2014 (sem capitalização dos juros vencidos e não entregues, por a proibição do anatocismo não estar derrogada com alegação e prova, pela recorrente, de regras ou usos particulares do comércio), a calcular nos termos
que foram fixadas, a saber:
· 01-07-2009 a 31-12-2009, 8,00%, Aviso DGTF nº 12184/2009, DR (II Série), de 10-07-2009;
· 01-01-2010 a 30-06-2010, 8,00%, Despacho DGTF n.º 597/2010, de 4 de janeiro;
· 01-07-2010 a 31-12-2010, 8,00%, Aviso DGTF n.º 13746/2010, DR (II Série) de 12-07-2010;
· 01-01-2011 a 30-06-2011, 8,00%, Aviso DGTF n.º 2284/2011, DR (II Série) de 21- 01-2011;
· 01-07-2011 a 31-12-2011, 8,25%, Aviso n.º 14190/2011. DR, II, n.º 134, 14-07-2011;
· 01-01-2012 a 30-06-2012, 8,00%, Aviso n.º 692/2012, DR, II, n.º 12, de17-01-2012;
· 01-07-2012 a 31-12-2012, 8,00%, Aviso n.º 9944/2012, DR, II, n.º 142, de 24-07-2012;
· 01-01-2013 a 30-06-2013, 7,75%, Aviso n.º 594/2013, DR, II, n.º 8, de 11-07-2013;
· 01.07.2013 - 31.12.2013, 7,5%, Aviso nº 10478/2013, de 23-08;
· 01.01.2014 - 30.06.2014, 7,25%, Aviso n.º 1019/2014, de 03-01;
· 01.07.2014 - 31.12.2014, 7,15%, Aviso n.º 8266/2014, de 01-07.

Em suma, há que julgar devido o pagamento de juros moratórios à recorrente pela taxa legal prevista para as dívidas comerciais, desde a data de vencimento de cada uma das faturas em causa no processo até ao respetivo pagamento em 20.5.2014 e 16.10.2014 (sem capitalização dos juros vencidos e não entregues).

Decisão.

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida e, em consequência, julgar extinta a instância, por inutilidade da lide, na parte em que vem pedido o pagamento de €: 1.428.803,41, e condenar o recorrido a pagar à recorrente os juros moratórios pela taxa legal prevista para as dívidas comerciais, desde a data de vencimento até à data do pagamento do valor inscrito em cada uma das faturas objeto dos autos.
Custas pelo recorrido, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça inerente a esta ação, porque as partes tiveram uma conduta cooperante, limitando a tramitação aos articulados, exercício de contraditório e alegações e contra-alegações de recurso. E ainda a causa foi julgada extinta relativamente ao pedido no valor de €: 1.428.803,41, por pagamento no decurso da ação.
Valor da causa: €: 1.596.585,95.
Registe e notifique.
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Lisboa, 2019-05-09,

(Alda Nunes)

(José Gomes Correia)

(António Vasconcelos).