Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:738/15.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA HIERARQUIA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
FALTA DE ENTREGA DA PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA - IVA
INTERRUPÇÃO E PRESCRIÇÃO
Sumário:I. A competência da Secção do Contencioso Tributário do STA para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância circunscreve-se às situações em que o recurso tem por fundamento exclusivamente matéria de direito e a decisão recorrida se tiver pronunciado sobre o mérito, nas restantes situações é competente a Secção de Contencioso Tributário de cada um dos TCA´s.
II. A infração que subjaz à aplicação de coima vem punida pelo artigo 114.º, nº 2, do RGIT, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo encontrando-se, como vimos, dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, situação que catapulta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional para um período igual ao estipulado para a caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 1, da LGT, é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário aludindo.
III. A interrupção do prazo de prescrição, determina o reinício da contagem do prazo, porém na situação em análise, o decurso do novo prazo encontra-se limitado pela regra imposta pelo n.º 3 do artigo 28° do RGCO, supratranscrita, que determina que a prescrição tem sempre lugar “quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
I. Para efeitos de contagem de prazo de suspensão ressalta das alíneas b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 27.ºA do RGCO que, nestes casos a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

A…, LDA., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, no processo de contraordenação nº 324…., no montante de € 21.730,87 acrescido de € 76,50 de custas, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, alínea b) do CIVA, por falta de entrega da prestação tributária referente ao período 2013/12T dentro do prazo legalmente estabelecido.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 28 de fevereiro de 2019, julgou procedente o recurso e declarou nula a decisão recorrida com a consequente anulação dos termos subsequentes.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA (FP) veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«A. Ao determinar a nulidade da decisão de aplicação de coima, incorreu o tribunal em erro de julgamento.

B. Analisada a petição inicial de recurso de contra-ordenação verifica-se que a arguida percebeu perfeitamente que factos lhe eram imputados a título de ilícito contra-ordenacional, pelo que não lhe foram coarctados quaisquer direitos de defesa.

Acresce que,

C. Dos elementos juntos aos autos, afigura-se que a decisão sancionatória contém os elementos bastantes no que respeita aos factos típicos,

D. Resultando da decisão de aplicação de coima toda a factualidade subsumível ao tipo de contra-ordenação em causa.

E. Pelo que ao não entregar o montante declarado, que resultou do saldo positivo a favor da AT após confrontação do volume global do imposto liquidado com o que foi pago pelo sujeito passivo aos fornecedores ou prestadores de serviços, violou o art. 27°, n° 1 do CIVA, infracção punível nos termos do art. 114° do RGIT.

F. Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no art. 79°, n°1,al. b) do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»


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Devidamente notificada para o efeito, a Arguida, A…. Lda., veio responder, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões:

I. A questão suscitada no recurso interposto pela Fazenda é exclusivamente de direito, porquanto não põe em causa a factualidade considerada na decisão recorrida, nem invoca factos que aí não tenham sido contemplados, nem tão pouco faz qualquer juízo de censura sobre questões probatórias.
II. Pelo que é este TCA incompetente para conhecer do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública; pelo contrário, seria naturalmente competente a Secção de Contencioso Tributário do STA, de acordo com o disposto nos artigos 26°, n° 1, al. b) e 38°, n° 1, al. a), do ETAF e 83°, n° 2 do RGIT.

III. Sem conceder, deverá improceder o fundamento do recurso da Fazenda, pois os requisitos estabelecidos no artigo 79.° do RGIT, ao contrário do que decorre da argumentação da Fazenda, configuram requisitos objetivos.

IV. Ou seja, menções que constam ou não da decisão de aplicação de coima, não podendo ser ignoradas conforme as características subjetivas dos sujeitos passivos, nomeadamente a sua maior ou menor capacidade de compreensão.

V. Não pode, outrossim, o eventual conhecimento que a arguida obtenha até ao momento da “petição de recurso de contra-ordenação'’", por força da sua insistência junto dos serviços e em virtude da instauração de inquérito criminal entretanto arquivado, suprir a nulidade consignada na alínea b) do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT (cf. os doc.°s n.°s 5 a 10 juntos com a p.i.).

VI. Por outro lado, é inteiramente falso que o teor do auto de notícia que a Fazenda Pública reproduz no ponto III.11 do Recurso conste da decisão de aplicação de coima - nem “explicitamente”, como afirma a Fazenda, nem implicitamente... nem na íntegra, nem em parte!

VII. Conforme a jurisprudência superior citada na douta sentença recorrida, deveria constar da descrição sumária dos factos, em face da contraordenação em causa nos autos, o facto de a prestação tributária ter sido deduzida, o que não aconteceu (cf. as págs. 13 a 16 da douta sentença recorrida).

VIII. Sem conceder, requer, conforme a jurisprudência pacífica do STA e dos demais Tribunais Superiores, nos termos e para os efeitos do artigo 636.° do CPC, aplicável por força dos artigos 3.°, b), do RGIT, 41.° do RGCO e 4.° do CPP, a ampliação do objeto do recurso para que sejam apreciados os fundamentos invocados na p.i., cujo conhecimento ficaram prejudicados em primeira instância, conforme abaixo exposto.

IX. A entrega da prestação tributária em falta “vale como pedido de redução” da coima a aplicar, conforme dispõe o n.° 4 do artigo 30.° do RGIT.

X. Tendo esse pedido ocorrido mais de 30 dias sobre a data da prática da infracção, mas ainda “sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou iniciado procedimento de inspecção tributária’", tem a ora Recorrida o direito a beneficiar da redução a que alude o artigo 29.°, n.° 1 b) do RGIT.

XI. Se à data em que a arguida é confrontada com o auto de notícia, participação ou com o início do procedimento de inspecção tributária não tiver regularizado por sua vontade a falta cometida, naturalmente já não poderá beneficiar do direito à redução das coima a que se referem as alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 29.° do RGIT,

XII. Pelo contrário, se à mesma data a arguida demonstrar que regularizou a falta cometida - por acto e motu próprio, voluntário e absolutamente espontâneo -, não será porque a instauração electrónica, automatizada e meramente interna do processo sobreveio que se poderá ver privada desse mesmo direito.

XIII. O direito à redução das coimas radica justamente dessa diferenciação necessária: o infractor que regularize a sua falta depois de ter sido confrontado com o auto de notícia, participação ou início do procedimento de inspecção não pode ser sancionado na mesma medida que o infractor que espontaneamente regularizou a sua falta, sem saber se esta foi ou não sequer detectada pela administração.

XIV. Uma diferente interpretação conduziria a uma grosseira violação da Constituição da República Portuguesa, por ofensa ao princípio da proporcionalidade ínsito no seu artigo 2.°, nas suas dimensões de adequação, necessidade e justa medida, tal como se deixou alegado.

XV. No caso, verifica-se que a ora arguida regularizou a sua falta sem que nada nem ninguém lhe desse a conhecer a infracção, sem esperar que a sua infracção fosse detectada. Pelo contrário, regularizou-a de imediato assim ela própria a detectou.

XVI. A aparente instauração de processo de contra-ordenação em momento anterior, em 23 de março de 2014 - um domingo - só poderia proceder, por sua vez, de um comando automático inserido num processo autómato, informatizado, cujos efeitos só se poderiam ter como exclusivamente internos, endógenos, preliminares, i.e., sem que possam surtir quaisquer outros efeitos juridicamente relevantes sobre a ora Recorrida que não conheceu nem poderia conhecer essa “instauração”.
XVII. Acresce que a instauração do processo de contraordenação nessa data resulta, na realidade, de documentos inquinados de falsidade, nomeadamente o auto de notícia, cuja arguição a ora Requerida efetuou através do seu requerimentos de fls. 115 e de fls. 172 (SITAF), e que aqui renova.

XVIII. Com efeito, é francamente inverosímil que no referido dia de 23 de março de 2014 - um domingo - o Sr Inspector F… F… se tenha deslocado à DSCIVA, sita na Av… J…, em Lisboa, para verificar “pessoalmente” a infração tributária e elaborar o auto de notícia,

XIX. E, simultaneamente, a Escrivã M… B…. e o Chefe de Finanças J…. V…. se tenham deslocado ao SF de Lisboa 2, à Rua R…. F…, Lisboa, para tramitar o processo, designadamente para o autuar, fazer concluso ou nele fazer constar qualquer despacho.

XX. Pois, como é do conhecimento público, os serviços e repartições locais e centrais da administração tributária estão encerrados aos domingos.

XXI. A comprovar essa inverosimilhança, os próprios documentos de fls. 1, 3 e 4 destes autos (fls. 2, 4 e 5 do SITAF) indicam nos respetivos cantos inferiores esquerdos uma data - bastante - posterior a 23 de março de 2014.

XXII Aliás, a Fazendo veio posteriormente a confessar que “Em 2014-03-23 foi instaurado pela Direcção de Serviços de Cobrança do IVA (DSCIVA) o Processo de Contra-Ordenação (...) através de sistema informático” e “não havendo intervenção manual de qualquer funcionário'’”- cf. o ofício junto com o requerimento da Fazenda de fls. 154 (SITAF), em resposta ao douto despacho de fls. 124 (SITAF).
XXIII. Não pode, pois, este TCA permitir que a Fazenda extraia as consequências sancionatórias em causa nos presentes autos da data de elaboração do auto de notícia assim inquinado de falsidade, em violação dos princípios da lealdade e do processo equitativo, devendo declará-los como falsos, nos termos do artigo 373.°, n.° 2 do Código Civil e dos artigos 169° e 170° do CPP, aplicáveis por força do disposto nos artigos 3.°, b), do RGIT e 41.° do RGCO.

XXIV. Em suma, só em 11 de junho de 2014 foi a arguida notificada do primeiro acto que lhe deu pela primeira vez a conhecer a infracção e as suas consequências. E a essa data já a arguida tinha regularizado a sua falta, entregando nos cofres do Estado a prestação tributária devida.

XXV. Nada justifica que a arguida incorra numa coima de mais de vinte mil Euros quando se constata que realizou o pagamento integral e espontâneo do imposto em falta de cerca de setenta mil Euros sessenta e quatro dias antes de lhe ter sido notificado o primeiro acto que lhe deu pela primeira vez a conhecer a infracção e as suas consequências.

Sem conceder,

XXVI. Sempre estaria a decisão ora recorrida ferida de nulidade insuprível, por força do art.° 63.° n.° 1, d), do RGIT - pois não indica os elementos que contribuíram para a sua fixação, previstos no art.° 79.° n.° 1, c) do mesmo diploma - como, pelo mesmo motivo, do vício de forma por preterição do direito de defesa, conducente à sua anulação, uma vez que não se pronuncia sobre a defesa oportunamente deduzida pela arguida,
XXVII. Sendo, de resto, ineficaz, pois, tendo a arguida constituído mandatário no procedimento é obrigatória a notificação deste do acto de decisão de aplicação da coima, não sendo esta notificação substituível pela notificação da arguida (artigo 40.° do CPPT).

Finalmente, e caso tudo soçobrasse

XXVIII. Requer a V.Exas seja a coima especialmente atenuada para 15% do imposto que lhe deu origem, nos termos conjugados do n.° 2 do art.° 32.° do RGIT e n.° 3 do art.° 18.° do RGOC, dado que a ora Recorrida reconheceu a sua responsabilidade e regularizou a falta muito antes da decisão do processo.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. requer:

a) Seja o presente recurso julgado inteiramente improcedente e mantida a sentença recorrida que anulou a decisão de aplicação de coima em causa nos autos;

b) Subsidiariamente, seja ampliado o objeto do recurso para apreciação das questões que ficaram por conhecer no douto Tribunal recorrido, as quais devem ser julgadas inteiramente procedentes;

c) Sejam, em qualquer caso e com o douto suprimento de V. Exas, declarados como falsos os documentos de fls. 1 a 4 (fls. 2 a 5 SITAF) juntos pela autoridade recorrida, sendo disso dado conhecimento ao MP nos termos e para os fins previstos no artigo 170.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.


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Neste TCA Sul, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da incompetência do tribunal em razão da hierarquia.

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Também neste TCA Sul, foi, oficiosamente, verificada a possibilidade de se encontrar prescrito o procedimento contraordenacional e foi determinada a notificação às partes para, querendo, se pronunciarem sobre tal questão, que, porém, nada disseram.

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Sobre a questão ora suscitada pelo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de ser declarado extinto o procedimento contraordenacional, por prescrição.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem” (artigo 411.º, do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, por remissão da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, artigo 3.º al. b), do RGIT e artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, cumpre em primeiro lugar apreciar a título de questão prévia da competência deste Tribunal para conhecer do presente recurso em razão da hierarquia, aqui suscitada pela Arguida em sede de resposta à interposição do recurso e corroborada pelo MP.

Em caso de improcedência da questão da incompetência, importa, também aferir, ainda previamente, se se verifica, ou não, prescrito o procedimento contraordenacional.

Por fim e, caso não se verifique nenhuma das exceções enunciadas, cumpre então averiguar, se a sentença recorrida, padece dos erros que lhe vem invocados, nomeadamente, se mostra violado o disposto no artigo 79.º n.º 1 alínea b) do RGIT

E ainda, caso aquela se verifique, cabe apreciar as questões que ficaram que o TT de Lisboa, deixou de conhecer por considerar prejudicadas com a solução que deu ao litígio, conforme, também, nos vem solicitado pela Arguida em sede de resposta ao presente recurso.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

«1. Em 13.02.2014, a Arguida procedeu à entrega da Declaração Periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período 2013/12T, na qual se apurou, no campo 93, relativo ao “Imposto a entregar ao Estado”, o montante de € 71.295,53 - cfr. Comprovativo de Entrega da Declaração - “Via Internet”, junto como Doc. n.° 2 pela Arguida, a fls. 62 e 63 dos autos do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. Em 23.03.2014, foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, contra “A…., LDA. ” ora Arguida, o processo de contraordenação n.° 324…, imputando-lhe a prática da infração prevista nos artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, alínea b) do CIVA, por falta de pagamento do imposto referente ao período 2013/12T dentro do prazo legal, cujo termo ocorreu em 17.02.2014, sendo a mesma punível pelos artigos 114.°, n.° 2 e n.° 5, alínea a) e 26.°, n.° 4 do RGIT - cfr. auto de notícia, a fls. 2 dos autos do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

3. Em 08.04.2014, através da Guia n.° 12057859037, a Arguida procedeu ao pagamento ao “Estado” do valor de € 71.295,53, o qual foi considerado pela AT como “Válido” - cfr. Doc. n.° 3 junto pela Arguida, a fls. 65 dos autos do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

4. Por ofício datado de 09.06.2014, remetido por via postal para a Arguida, foi a mesma informada de que havia sido instaurado contra si o processo de contra- ordenação indicado no ponto 2, bem como que dispunha do prazo de 10 dias para, querendo, apresentar defesa, ou efetuar o pagamento antecipado da coima pelo seu mínimo legal de € 21.388,65, acrescido de custas no valor de € 38,25, perfazendo o montante total de € 21.426,90 - cfr. Doc. n.° 4 junto pela Arguida, a fls. 66 dos autos do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzido;

5. Por requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 2, em 19.06.2014, a Arguida apresentou defesa escrita, na qual peticionou a final o arquivamento dos autos e a sua notificação nos termos do artigo 30.°, n.° 5 do RGIT, para pagar a coima com redução - cfr.. fls. 17 a 19 dos autos do processo físico;

6. Por ofício datado de 22.09.2014, subscrito pelo Chefe do Serviço de Finanças Adjunto do SF de Lisboa 2, em resposta ao requerimento referido no ponto anterior, o mesmo veio, entre o mais, informar o seguinte:

“O processo de Contra Ordenação em causa foi instaurado no dia 23 de Março de 2014, antes do pagamento do imposto, razão pela qual não se lhe pode aplicar o art.° 29° n° 1 b) conjugado com o art° 31° do RGIT que determina que haverá direito a redução de coima desde que não haja sido levantado auto de notícia. Neste caso a legislação a aplicar será o art° 114° do RGIT” - cfr. fls. 41 dos autos do processo físico;

7. Em 21.07.2014, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, proferiu um despacho em que fixou a coima a aplicar à Arguida no montante de € 21.730,87, acrescida de custas no valor de € 76,50, perfazendo o montante total de € 21.808,37, de cujo teor se extrai: 


“(texto integral no original; imagem)”

- cfr. fls. 44 e 45 dos autos do processo físico, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;

8. Por ofício de 21.10.2014, foi enviada à Arguida, por carta registada, a decisão de fixação de coima a que se refere a alínea anterior, mais tendo sido a mesma informada de que dispunha do prazo de 20 dias para efetuar o pagamento da coima, ou para recorrer judicialmente de tal decisão - cfr. fls. 46 dos autos do processo físico;

9. Em 13.11.2014, a Arguida apresentou, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, o presente recurso judicial de decisão de aplicação de coima - cfr. fls. 29 dos autos do processo físico.

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.


*

A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos do processo físico, conforme indicado em cada um dos pontos do probatório.»

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Do direito

Conforme deixamos autonomizado na delimitação do objeto do recurso, encetamos a nossa análise pelas questões prévias suscitadas.

1. Da Competência do TCA Sul para conhecer do presente Recurso

Como sabemos, o conhecimento desta questão precede o de qualquer outra que se coloque nos autos conforme dispõem os artigos 16.º do CPPT e 96º e 97º do CPC, dado que a sua procedência determina a incompetência absoluta do tribunal o que, consequentemente, deixa prejudicada, a apreciação e julgamento de qualquer outra questão.

Alega a Arguida, em sede de resposta ao Recurso deduzido pela Fazenda Publica que a questão suscitada no recurso é exclusivamente de direito, “porquanto não põe em causa a factualidade considerada na decisão recorrida, nem invoca factos que aí não tenham sido contemplados, nem tão pouco faz qualquer juízo de censura sobre questões probatórias” – concl. I.

Donde conclui que este Tribunal é incompetente para dele conhecer, competência essa que, em seu entender, será da “Secção de Contencioso Tributário do STA, de acordo com o disposto nos artigos 26°, n° 1, al. b) e 38°, n° 1, al. a), do ETAF e 83°, n° 2 do RGIT” - concl. II.

Antes de prosseguir recordemos o regime legal.

Decorre, desde logo, do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT que (D)das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”. – o sublinhado e destacado são nossos

Por seu lado, o artigo 16.º também do CPPT, dispõe que :
1. A infração das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.
2. A incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final.

Também o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) dispondo sobre a Competência da Secção de Contencioso Tributário enuncia na alínea b) seu artigo 26.º que compete à secção do Contencioso Tributário do STA conhecer “[D]os recursos interpostos de decisões de mérito dos tribunais tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito, (…)” – destacado é nosso

No mesmo sentido a alínea a) do artigo 38º, também do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, com ressalva para o disposto no seu artigo 26º, al. b).

Donde se depreende que a competência da Secção do Contencioso Tributário do STA para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância se circunscreve às situações em que o recurso tem por fundamento exclusivamente matéria de direito e a decisão se tiver pronunciado sobre o mérito, nas restantes situações, ou seja, naquelas em que o fundamento não for exclusivamente de direito ou, sendo-o, se a sentença não tiver apreciado o mérito da causa, é competente a Secção de Contencioso Tributário de cada um dos TCA´s.

A este respeito escreveu Jorge Lopes de Sousa (1) In CPPT, 6.ª Edição - 2011, Anotado e Comentado, Áreas Editora, Vol I, em anotação 10 ao artigo 16.º - pag. 224., “[A]a jurisprudência tradicional do STA quanto à delimitação da sua competência em relação à dos tribunais centrais administrativos vinha sendo no sentido de ser efectuada com nos base fundamentos do recurso, devendo entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684 .°, n.° 3, do CPC) (…), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.”

Assim, e como se disse no Acórdão deste TCA proferido em proferido em 30/09/2021 no processo n.º 263/17.2BELRA, que aqui acolhemos e, por concordância seguimos, “as conclusões das alegações de recurso integram matéria de direito se discutirem apenas a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica.”

Na situação que nos ocupa, como ressalta da sentença, é óbvio que a decisão foi de mérito já que dali também resulta claramente que a Recorrente vem questionar os factos em que assentou a decisão.

Com efeito, resulta do salvatério, que o que está em causa é a questão de saber como foi apurado o valor da prestação tributária alegadamente, em falta, tendo a sentença concluído pela nulidade da decisão administrativa de fixação da coima exatamente por considerar que da mesma não resulta “qualquer referência ao facto da Arguida ter recebido e deduzido o IVA em data anterior à entrega da declaração periódica (cfr. ponto 1 do probatório) e do respetivo pagamento (cfr. ponto 3 do probatório)”.

Situação a que a Recorrente vem reagir, conforme decorre da conclusão E., do salvatério.

Donde, notoriamente, se conclui pela existência controvérsia factual a dirimir sendo, por isso, este Tribunal competente para o seu conhecimento de harmonia com as normas citadas.

Improcede assim, sem mais, a exceção invocada.

2. Da prescrição do procedimento contraordenacional

No apelo que temos vindo a fazer ao acórdão proferido pelo STA em 20/05/2020 no processo n.º 01901/15.7BELRA, dir-se-á, como ali, que “[J]jurídico-conceptualmente, a prescrição do procedimento contra-ordenacional agrega a excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final (…)”, o que justifica o seu conhecimento nesta sede.

Porque assim é, precede o conhecimento do mérito da causa, e a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão, uma vez que constitui uma causa extintiva do procedimento conforme se prevê na alínea b) do artigo 61.º do RGIT.

Na análise nos autos, seguiremos, com as necessárias adaptações, o entendimento que tem vindo a ser seguido por este Tribunal, de que destacamos a Acórdão proferido em 14/10/2021 no processo n.º 220/14.0BELRS, que, por concordância e pela sua clareza aqui, de perto, sufragamos sem qualquer reserva.

Para tal impõe-se antes de mais convocar o pertinente regime jurídico.

Decorre do probatório que a decisão da Autoridade Administrativa se consubstancia na infração aos artigos 27.º, nº1 e 41.º, nº1, alínea b), ambos do CIVA, punida pelo disposto nos artigos 114.º, n.º 2 e 5 alínea a), e 26º, nº4, estes, do RGIT.
O artigo 114.º, n.ºs 1, e 2 do RGIT, estipulava na redação coeva, que:

1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.

2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido(2) Na redação dada pelo artigo 155.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12.

Relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional estatui, o artigo 33.º, n.º 1, do RGIT que: “[o] procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos”,

Mais dispõe o seu n.º 2 que: “[o] prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.” (o destacado e sublinhado, são nossos).

Sendo que, nos termos do disposto no artigo 119.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Significa, então, conforme também se diz no acórdão, que vimos seguindo, que regra geral o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.
Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, a “… infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor.
Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s 108.º, n.º 1, 109.º, n.º- 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.11, ("') do RGIT. ("')”.(3) In “Regime Geral das Infracções Tributárias - Anotado”, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 323 – o destacado é nosso.
Nesta matéria, tem entendido a Jurisprudência, na esteira dos ensinamentos dos autores citados (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos) (4) Vide obra citada pag. 323 a 325, que para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que “… a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.”(5) Vide, por todos o Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, “… o prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).”. (6) Vide ainda o acórdão citado – o destacado é nosso
Na situação em análise a infração que subjaz à aplicação de coima vem punida pelo artigo 114.º, nº 2, do RGIT, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo encontrando-se, como vimos, dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, situação que catapulta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional para um período igual ao estipulado para a caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 1, da LGT, é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário aludindo. Na situação em apreço, sendo o IVA, remete-se o respetivo cômputo ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto conforme decorre do n.º 4 do citado artigo 45.º da LGT.Vide, neste sentido o Ac. do STA proferido em 12/05/2021 do processo n.º 02248/15.4BEPNF 0550/16

Dito isto volvemos ao caso dos autos.

Tendo presente que, in casu, a infração respeita ao período 201312T, e a exigibilidade do imposto ocorreu a 17/02/2014, temos que o dies a quo, é o dia 01 de janeiro de 2015, em conformidade com o consignado no artigo 45.º, nº4 da LGT.

Quer isto dizer que, aplicando o referido prazo de prescrição (4 anos) e, na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 01 de janeiro de 2019.

Ressalvando, na contagem do referido prazo de prescrição o tempo de interrupção e suspensão, já que, como sabemos, existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).
Por seu lado, a suspensão do prazo impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Quanto às causas interruptivas da prescrição do procedimento contraordenacional diz-nos o artigo 28.º n.º 3 do RGCO, que a prescrição deste (procedimento) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

As causas de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, contidas no artigo 27º-A do RGCO, são aqui aplicáveis ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT.

A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão, porém, enuncia no artigo 27.º-A n.º 2 do RGCO, que:” [N)nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses” (8) Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT, já citado..

Concretizando, então, por reporte ao acervo fático dos autos.

Assim, aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se a 1 de julho de 2021.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito, verificando-se assim a exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente aresto


III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da Subsecção da execução fiscal e de recursos de contraordenação do Contencioso Tributário deste TCA Sul declarar extinto o procedimento contraordenacional por prescrição com o consequente arquivamento dos autos, deixando prejudicado o conhecimento de mérito do objeto do recurso.

Sem custas (artigo 94.º n.º 4 do RGCO).

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de março de 2024


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Maria Cardoso – 1.ª Adjunta
Catarina Almeida e Sousa – 2.ª Adjunta
(assinado digitalmente)